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Santos

UMA TARDE EM SESSENTA E POUCOS

por Ricardo Dias

Tenho um grande amigo, o Celso. Celso é faixa preta de caratê (mas diz que é branca, pois está com o joelho bichado, o que o faz um carateca inútil. Eu não gostaria de experimentar) e ex lateral direito do glorioso Pinheiros Futebol Clube, time de futebol amador do Rio. Mas antes de falar de futebol TENHO que contar uma história de caratê dele:

Sensei, o mestre japonês de 88 anos, um dos pais do esporte no Brasil, fez um retiro de fim de semana para caratecas graduados sobre defesa pessoal. Dois dias de muito treino e estudo. Tudo gente cascuda, o seminário rendeu. Último dia, Sensei reúne todos e pergunta:

– Dez homens querem te bater. O que você faz?

Resposta oral, cada um com sua solução. Sensei ouve todos; ao terminar, balança a cabeça e diz:

– Todos burros! Perdi meu tempo, ninguém aprendeu nada!

Ficam todos surpresos e desconcertados. Ele completa:

– Se dez homens querem te bater, VOCÊ CORRE!


Então, feita a pausa, o avô de Celso morava em Santos. Ele e seus irmãos foram passar férias e, fominhas de futebol, foram direto para a Vila Belmiro (um adendo: anos antes, em 62, meus pais estavam em Santos, justamente visitando a Vila Belmiro, quando dei o primeiro sinal de vida, minha mãe não sabia que estava grávida. Deve ter sido um chute, eu queria me juntar aos meus iguais em categoria). Outro adendo: foram levados pela mãe, dona Irene; uma mãe futebolística, também levou os meninos (dois deles, um estava ocupado) ao Maracanã para assistir ao gol 1000 do Pelé!

Chegaram, fizeram amizade com o porteiro, já graduado nessas visitas, e entraram, conheceram os jogadores, já fim de treino, pegaram autógrafos… Mas Pelé já tinha saído. Voltaram à portaria, e o funcionário disse que Pelé sairia pelo portão X ou Y, sei lá. Parece que a malandragem era dizer o portão errado para o rei poder sair em paz, mas como eles não conheciam nada, acabaram errando o caminho a acertando o portão: uma Mercedes azul com placa final 1000 (ou 0010, as memórias divergem) com alguém dentro, podia ser o chofer. O mais jovem chegou mais perto e gritou:

– PELÉ!!!!!


O cara da Mercedes podia simplesmente ir embora. Estava longe, nem tinham certeza se era ele. Mas ficou, desceu do carro e era o próprio, o rei em pessoa! Vinda não se sabe de onde, uma multidão se formou em volta de sua majestade, que atendeu a todos, totalmente consciente de quem era. Autógrafos, conversas rápidas, os meninos no céu. 

Indo embora, passaram pela portaria novamente, para se despedirem do simpático funcionário. Ele perguntou se estavam satisfeitos, disseram que sim, e muito, mas lamentavam não ter conseguido falar com Edu, que estava machucado. Edu era a nova sensação do Santos, o novo rei. O porteiro pediu um tempo, foi lá dentro, e voltou com um pedaço de papel.

– Toma, é o endereço dele. Vão lá que ele está esperando vocês.

Eles se entreolharam, não acreditando, mas foram, era ali perto, poucas quadras. 

Sobem no elevador (era um tempo sem porteiros), tocam a campainha, aparentemente Edu abre a porta.


– Edu!

Eu disse “aparentemente”. Era Gaspar, irmão gêmeo de Edu, que riu e abriu a porta para os meninos. No sofá, com uma bolsa de gelo, Jonas Eduardo Americo, um dos maiores jogadores da história, sorria para eles.

– E aí, pegaram o autógrafo do Pelé?

– Pegamos!

– Então pra que é que vocês querem o meu?????

E a história acaba aqui, com um sorriso congelado no tempo, como uma foto em preto e branco. Um tempo em que três meninos cariocas – um tricolor, um rubro-negro e um alvinegro – podiam reverenciar ídolos de outros clubes, e eram tratados como o que de fato eram, a verdadeira razão de ser do jogo. Um tempo longínquo, onde reis se comportavam como reis e faziam a alegria de seus súditos.

ENGRAXATE QUE VIROU ÍDOLO DO SANTOS

por André Felipe de Lima


Ponta-direita do timaço do Santos da década de 1960, Dorval Rodrigues jogava com Coutinho, Pelé, Mengálvio e Pepe no ataque mais famoso da Vila Belmiro. O craque nasceu no dia 26 de fevereiro de 1935, em Porto Alegre, e marcou 198 gols nas 612 partidas em que vestiu a camisa santista. Uma performance que o lista como o sexto maior artilheiro do clube.

Em sua cidade natal, Dorval trabalhava como engraxate. Aos 13 anos, fundou um time de futebol amador, o Esporte Clube XV de Novembro, mas foi nos juvenis do Grêmio que sentiu o gosto inicial de jogar futebol para valer. O treinador Mendes Ribeiro descobriu a posição ideal para o jovem: a ponta-direita. E nela, Dorval construiria sua brilhante carreira. Só chegaria ao profissionalismo com 20 anos de idade, no Grêmio Esportivo Força e Luz. Destacou-se e foi convocado para a seleção gaúcha. Habilidoso e driblador, como eram os ponteiros “das antigas”, Dorval chamou a atenção de Flamengo e, em seguida, do Corinthians, mas ambos os clubes desistiram da contratação em cima da hora. O motivo nunca fora explicado. Mas o destino é sempre surpreendente na vida de todos. Dorval era um predestinado. Num dia do ano de 1956, Arnaldo Figueiredo, cartola do Força e Luz, empresário de Dorval, conversou com o diretor do Departamento Profissional do Santos, Antônio dos Santos, e ambos selaram o destino de Dorval. O rapaz, dali em diante, seria jogador do Santos, que recrutava na mesma época outro jovem bom de bola conhecido como Pelé.


Os dirigentes santistas gostaram de Dorval, mas consideraram-no inexperiente e o rapaz acabou tendo o passe emprestado ao Juventus da Mooca para se adaptar ao futebol paulista, mas o estágio durou apenas três meses. O ponta-direita jogou tanto que retornou à Vila Belmiro. E como titular ao desbancar Alfredinho. Em 1958, conquistou o campeonato paulista. Mas a consagração viria em 1962, quando ajudou o Santos a levantar uma penca de troféus. Dorval e o Alvinegro foram campeões paulista, da Taça Brasil, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes, cujo jogo decisivo foi marcado por uma goleada de 5 a 2 do Santos sobre o Benfica, na casa dos portugueses. “Quando chegamos a Lisboa para jogar, eles já estavam vendendo ingressos para a terceira partida. Acharam que ganhariam da gente no segundo jogo, mas deram azar. Perdemos muitos gols no Maracanã e isso não aconteceu em Portugal. Quando abriram os olhos, já estávamos ganhando por 4 a 0”.

O show de títulos daquele Santos se repetiu no ano seguinte e, lógico, tendo Dorval como ponta-direita bicampeão da Libertadores e do Mundial, com o Milan de “vítima da vez” na inesquecível final no Maracanã, em que Almir Pernambuquinho jogou no lugar de Pelé e calou os craques milaneses, entre os quais Trappattoni, Cesare Maldini e o “possesso” Amarildo.

Em 1964, Dorval, Batista e Luís Cláudio tiveram os passes negociados com Racing, da Argentina, mas o clube portenho deu um calote e todos voltaram ao Santos. Dorval permaneceu na Vila até 1967, quando o Palmeiras o acolheu. No Parque Antarctica, o ponta jogou com Ademir da Guia, Dudu e Djalma Santos, mas em apenas 20 partidas. O mesmo Djalma, que aceitou proposta do Atlético Paranaense em 1968, abriu portas para vários jogadores em fim de carreira fazerem história no futebol do Paraná. Dorval foi um deles. O ex-craque do Santos esteve no time que recuperou a auto-estima do Furacão após a conquista do campeonato estadual de 1970. Além de Dorval, estavam naquele elenco Bellini, Zé Roberto, Nilson “Bocão” Borges e Sicupira.

Ponta de grandes recursos técnicos, Dorval também notabilizou-se pelo temperamento impulsivo. Nunca gostou de brincadeiras. Vários foram os relatos de desavenças com companheiros e até dirigentes. O jeito rude não foi, porém, motivo para que não gostassem dele.


Dorval raramente figurava na seleção brasileira. O motivo: ser contemporâneo de Garrincha, do Botafogo, e de Joel, do Flamengo. Poderia ter ido ao Chile, para a Copa de 1962, mas o treinador Aymoré Moreira optou por Jair da Costa, então ponteiro da Portuguesa de Desportos, que brilharia depois na Internazionale de Milão.

Pela seleção, Dorval fez 13 partidas, o que o deixava frustrado, já que colegas como Coutinho, Mengálvio, Pepe e Pelé frequentavam com mais assiduidade as listas de convocação. “Na época do Mundial, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado. O Mané era fantástico e ninguém tiraria ele do time, mas mesmo assim eu queria ir para um Mundial”, disse, referindo-se à Copa de 1962, no Chile. E houve um dia em que Dorval teve de parar Garrincha. Ou, pelo menos, tentar. Em 1961, contra o Botafogo, Dalmo foi expulso e Dorval teve que se deslocar para a lateral-esquerda, numa época em que não eram permitidas substituições durante o jogo. Dorval afirmava que foi tão rápido quanto Garrincha e que conhecia cada drible que ele aplicava. E deve ter se saído bem mesmo na ingrata função de marcador de Mané porque o jogo terminou 3 a 1 para o Santos.

Dorval era boêmio e “pé-de-valsa” inveterado. O que não o constrangia porque a boemia fazia parte do universo futebolístico. Exatamente como acontece hoje, mas como uma pequena diferença: não era vista como algo que impedisse o jogador de atuar bem pelo seu time. Dorval dava provas disso.


O Santos era celeiro de craques e também… de piadistas. Pepe, um deles, garante Dorval. Por conta das andanças dele na noite, Pepe brincou com o notívago Dorval ao inventar que o craque levou para a pista de dança um travesti, confundindo-o com uma mulher. Dorval garante que tudo não passou de uma “mentira” da grossa do Pepe. Na verdade, os dois pontas, os maiores que o Santos já teve, eram grandes amigos. Quem o acompanhava nas noitadas eram Coutinho e Tite. Já Pelé, devido à fama exacerbada, era mais recluso.

O final de carreira lhe pregou peças. Algumas desagradáveis, como o dia em que foi barrado na porta do estádio da Vila Belmiro, no final dos anos de 1960, como cita Ivan Cavalcante Proença, recuperando diálogo que Dorval teve com o ponteiro do clube santista:

— Você não pode entrar — gritou o porteiro do Santos.
— Você é que não pode me barrar — gritou o jogador.
— Quem é você? — perguntou o porteiro.
— Sou Dorval, Já dei muitas vitórias a esse time.
— Mas só entra com carteira de sócio.
— Pois vou entrar no peito.
O craque entrou, mas depois de encarar uma fila e comprar um ingresso.

Revoltado, Dorval recordou a história:“Enquanto a gente está no time faz o que quer, mas quando está de fora nem os porteiros nos conhecem mais. Se soubesse o que iria encontrar ao deixar o futebol cuidado melhor, aprendendo uma outra coisa, mas como só vivi no futebol até hoje, a minha única distração é ir aos estádios ver o Santos jogar”.

Queixava-se — como narrou Proença — do esquecimento de Jair Rosa Pinto, que o convidou para trabalhar no Olaria, no final dos anos de 1960, mas o ignorava, deixando o jogador em situação indefinida no Rio de Janeiro. Dorval dormiu alguns dias na casa de Almir, de Ruço e de outros amigos que moravam na cidade até por tudo em pratos limpos com Jair. Quando conseguiu uma reunião com ele e o presidente do Olaria, Jair teria saído pela porta dos fundos sem atendê-lo. “No mesmo instante voltei para Santos”.

Dorval temia pelo futuro. Estava sem dinheiro e com dívidas de um bar que mantinha com o sogro. Aguardava uma proposta do Canadá.

Nada foi adiante. Ficou pelo Brasil mesmo.

Defendeu o Atlético Paranaense e, em 1971, quando deixou Curitiba, atuou por seis meses no Valência, da Venezuela, e na volta jogou pelo Saad, ao lado dos ex-companheiros Coutinho e Joel, para encerrar a carreira em 1972. Anos depois, tornou-se técnico de divisões de base.

O futebol lhe deu fama e dinheiro. Investiu em imóveis, mas perdeu tudo. O ídolo santista foi treinador da escolinha de futebol do Centro Esportivo do Jabaquara, localizado em uma região bastante pobre de São Paulo. O projeto, bancado pela Prefeitura de São Paulo, tinha o intuito de afastar menores carentes do tráfico de drogas e das ruas. Na época em que Dorval se esforçava nesse projeto, a então prefeita Marta Suplicy, alegando não ter verba, encerrou o programa social e demitiu todos os profissionais envolvidos com as escolinhas, entre eles Dorval.

Ídolo dos torcedores da velha guarda, mas já não tão lembrado pelos mais jovens, que idolatram Robinho, Neymar e Ganso, Dorval não explorou tanto a sua imagem como deveria. Na década de 1960, a Coca-Cola estampou as imagens dele, de Pelé e Coutinho em uma propaganda. Pelé teria embolsado 25 milhões de cruzeiros na época e Dorval apenas 4 mil. Somente muitos anos depois, o ex-jogador moveria uma ação judicial para requerer cerca de 6 milhões pelo uso de sua imagem.

Dorval é um altruísta. Essa é a verdade. Craque de alma limpa, que sempre trabalhou voluntariamente em programas sociais no Jardim Jabaquara e também se preocupa em resgatar a memória dele e de outros craques do passado ao decidir tocar uma cooperativa de ex-jogadores da capital paulista.

PELÉ E COUTINHO OU COUTINHO E PELÉ?

por Victor Kingma


Nos tempos daquele timaço do Santos, Pelé fazia uma dupla infernal com Coutinho que, além da semelhança física com rei, também tinha muita técnica, habilidade e faro de gol. A dupla ficou famosa pelas celebres tabelinhas entre eles. Só que o companheiro de ataque de Pelé às vezes passava por situações injustas. 

Certa vez, num jogo noturno na Vila Belmiro e com muita neblina, Pelé não estava bem, coisa rara de acontecer. Numa jogada no ataque santista, ele tenta tabelar com Coutinho e dá uma engrossada. O companheiro, entretanto, recupera a bola, finta o zagueiro e toca para o gol.

Na cabine o locutor, após narrar o lance, comenta:

– Coutinho falhou na tabela, mas rei é sempre rei. Recuperou a jogada, entortou o adversário e estufou as redes. Santos 1 x 0.

Logo a seguir outro lance: Coutinho faz linda jogada individual, se livra do goleiro e toca para o gol vazio. Mais uma vez o narrador, encoberto pela neblina, após o longo grito de GOOOOOOOLLLLLLL do Santos, descreve o lance:

– Pelé, Pelé! Sempre Pelé! Até quando seu companheiro de ataque não está bem ele resolve sozinho.


Algumas dessas histórias são confirmadas pelo próprio Coutinho, que admitia, em alguns casos, ficar chateado.

Certa ocasião, devido a uma contusão no pulso, atuou algumas partidas com uma atadura no local. Mas, como o futebol é feito de lendas, logo apressaram em dizer que ele estava usando a faixa para diferenciá-lo do parceiro famoso e assim se livrar das injustiças.

Antonio Wilson Honório, o grande Coutinho, o maior parceiro de Pelé, estreou no time do Santos em 1958, aos 15 anos, substituindo o lendário Pagão. Atuou pela equipe da Vila Belmiro por 12 anos e em 457 partidas fez 370 gols.    

Com sua incrível frieza diante do goleiro entrou para a história do futebol como um dos maiores gênios da pequena área.

 

Veja mais: www.historiasdofutebol.com.br

PELADA BENEFICENTE

Ninguém duvida que dezembro é o nosso mês preferido. Além de ser uma época festiva, é quando todos os boleiros estão de férias e se reúnem para jogar peladas solidárias pelo Brasil.

Nosso parceiro de Santos, Rafytuz Santos foi até a Vila Belmiro para acompanhar o jogo beneficente dos amigos do Narciso e teve a oportunidade de trocar uma resenha com jogadores e músicos que ressaltaram a importância da causa.

Marcos Assunção, Léo, Giovanni, Domingos, Dodô (vocalista do Pixote), MC Gui e MC Livinho foram algumas das personalidades que fizeram parte da festa e deram uma palavrinha para o Museu.

O DIA EM QUE ELANO EXORCIZOU TODOS OS DEMÔNIOS

por Ivan Gomes


O dia 15 de dezembro de 2002 pode ser considerado por nós, santistas, como o dia que fomos libertados de todas as pragas e mazelas, o dia em que o gigante adormecido acordou novamente. O Dia da Independência do Peixe, o dia em que Elano, com um toque na bola, transformou toda dor, angústia e medo em risos, lágrimas, êxtase, o dia que ele tirou um grito de campeão que estava entalado há 18 anos em nossas gargantas. Esse dia 15 foi nossa remissão dos pecados, o dia que ateus viraram crentes, que meninos viraram homens e heróis. O dia que as interrogações caíram e deram lugar às exclamações.

O dia 15 de dezembro de 2002 poderia ser mais um na vida de qualquer pessoa, menos na vida de um torcedor do Santos Futebol Clube, pois neste dia, um domingo, nós teríamos um último e grande desafio pela frente em busca do inédito título brasileiro. Mas muito mais do que a conquista de um título, o jogo representava demais para todos nós, pois foi em um longínquo dezembro de 1984, contra o Corinthians, em um Morumbi lotado e dividido entre as duas torcidas, que Serginho nos dava um título paulista de presente. Entre aquele gol de Chulapa e o 15 de dezembro de 2002, nós santistas passamos por humilhações e provações.

O fim dos anos 80 e início dos 90 foram nada generosos para nós. Mas em 1995 surgiu uma chama, um time guiado pelo “messias” Giovanni, que chegou à final do Brasileiro daquele ano, após um jogo que, para mim, foi uma das maiores apresentações do Santos em todos os tempos. Perdemos de 4 a 1 para o Fluminense na primeira semifinal, mas viramos para 5 a 2 no jogo da volta. Fomos à decisão contra o Botafogo e aí encontramos um tal de Marcio Rezende de Freitas que nos condenou para mais alguns anos de purgatório.


Em 1997, o Santos conquistou o Rio-São Paulo, após heroico empate em 2 a 2 contra o Flamengo no Maracanã, com Romário e tudo, mas nossos adversários, os amigos, os tios, os primos, vizinhos, colegas de trabalho e escola não consideravam essa conquista como título importante.

Aí veio 1998, fomos eliminados pelo Corinthians na semifinal do Brasileiro após 3 jogos. Mas conquistamos um título internacional, o Santos venceu a Copa Conmebol daquele ano após um jogo duríssimo e muito violento contra o Rosário Central, na Argentina. Mas os amigos, os tios, primos e colegas não reconheciam nossas proezas, à época nem a mídia, pois eles insistiam em dizer que estávamos na fila.

No ano 2000 batemos na trave. Após classificação histórica contra o Palmeiras na semifinal, fomos superados pelo São Paulo de França e Rogério Ceni.

Em 2001 chegamos novamente à semifinal do Paulista, em dois jogos contra o Corinthians, e nós jogávamos por dois empates. A primeira partida terminou em igualdade. No segundo jogo, saímos na frente, cedemos o empate… mas aos 48 do segundo tempo, um chute de Ricardinho nos empurrava inferno abaixo novamente, deixamos de ir à decisão no último lance.


Aí veio 2002, após começo de ano muito difícil com muitas gozações dos adversários e o Corinthians com dois títulos, um Rio-São Paulo e uma Copa do Brasil, nós nos preparávamos para o Brasileiro com time quase todo formado na base e alguns jogadores medianos que permaneceram na equipe.

Com oscilações naturais, o Santos foi indo… até que em outubro bateríamos de frente contra o Corinthians em um Pacaembu lotado. O mesmo Corinthians que havia perdido dois jogos para nós naquele ano, mas havia conquistado dois títulos.

E como por milagre, os meninos jogaram muito, vencemos por 4 a 2, após abrir 4 a 0, e o primeiro gol foi de Alberto, um golaço de bicicleta. Esse jogo nos permitiu sonhar por alguns instantes com um futuro melhor. Mas aí conseguimos perder alguns jogos e ficamos na dependência de um time rebaixado para segundona. Na última rodada, o Gama fez 4 a 0 no Coritiba e o Santos classificou-se em oitavo, para enfrentar o São Paulo nas quartas de final, São Paulo que vinha de dez vitórias consecutivas.

Campeonato de pontos corridos é uma coisa, de fases é outro. E como foi. Os meninos da Vila transformaram-se e sem piedade eliminaram o São Paulo com duas vitórias, passaram pelo Grêmio na semifinal e na primeira partida da decisão, foram senhores do jogo contra o Corinthians e abriram 2 a 0, vantagem considerável para grande decisão.

O domingo aguardado há décadas por nós havia chegado. Quem conseguiu ir ao estádio estava empolgado e tenso, mas nós que teríamos que acompanhar pelo rádio ou pela TV deveríamos estar mais tensos ainda. No trabalho, o tempo não passava, chegaria o Natal, mas não chegaria 17h para iniciar a disputa.

O jogo começou, nos primeiros segundos Diego sente a coxa e Fábio Costa opera um milagre no Morumbi: o teste para cardíacos havia começado. Após susto inicial, o Santos equilibrou o jogo. O tempo passou e até aquele momento, ao menos uma vez na vida, ele era favorável a nós.


Quando passávamos de 35 minutos, a bola é lançada na ponta esquerda, para o moleque de canelas finas, que não temeu e foi para cima de Rogério, lateral adversário, e após 8 pedaladas sofreu pênalti. Ele mesmo pegou a bola e fez 1 a 0. Com os dois da primeira partida, o Corinthians teria que fazer 3. Parecia que, enfim, os deuses do futebol estavam a nosso favor e nos libertariam de todas as maldições.

Mas aí veio o segundo tempo… e o jogo mudou completamente. O Corinthians pressionou, queria a tríplice coroa. Fábio Costa agigantou-se no gol e virou uma muralha. Nossa torcida se calou no estádio e nossos olhos não piscavam diante da TV. As unhas iam embora a toda velocidade a cada grito no radinho de pilha.

O tempo demorou a passar e aos 30 minutos o Corinthians empatou a partida. Naquele momento nos enchemos de interrogações, e agora? Aos 39 minutos o zagueiro Anderson subiu mais que nossa zaga e virou o jogo para 2 a 1. O medo, a dor, a aflição vinham à tona, o filme de Ricardinho com gol aos 48 do segundo tempo passou em minha cabeça.


Para mim, estávamos condenados a passar o resto de nossas vidas futebolísticas no inferno, cercados por demônios. O zero porcento de fé virou saldo negativo, até que em uma tabelinha entre Elano e Robinho, o nosso ponta de canelas finas, foi pela lateral, passou pelo algoz Anderson e dentro da área rolou para Elano, que só deu um toque para vencer Doni e somente assim, aos 43 do segundo tempo, ele nos tirou do lodo e nos fez soltar o grito de campeão, chorar, correr pelado pela rua, dar cambalhotas, abraçar os amigos, beijar o cachorro e nos trazer de volta à terra, nos exorcizou de todo mal feito por Ricardinho e Márcio Rezende de Freitas. Com aquele gol, nada mais importava, aquele foi o gol do título. Ainda com os olhos marejados, conseguimos ver meio embaçado o terceiro gol, da virada, para fechar com chave de ouro, além do título, vencíamos o quinto jogo consecutivo contra o Corinthians, 3 a 2.


Após a explosão de alegria, de sentimento de ser livre, o êxtase e o orgulho voltaram como nunca havia sentido antes. Depois disso, o Santos foi novamente campeão brasileiro em 2004, em pontos corridos, ganhou sete títulos paulistas, Copa do Brasil, Recopa Sul-Americana, Libertadores da América, revelou vários jogadores. Mas confesso, todos os títulos são importantes, mas nenhum destes teve o sabor deste 15 de dezembro de 2002, para mim, este jogo nunca acabou. Sempre que posso acesso o Youtube para verificar se realmente a partida terminou, pois o medo de que tudo seja um sonho é grande. Nunca sabemos o que os fantasmas do passado podem aprontar.