por Rubens Lemos
Ele jogava apenas por prazer. Por lazer. Recebera, meses antes daquele 26 de setembro de 1973, lacrimoso telegrama do ditador de plantão, Emílio Garrastazu Médici, “rogando-lhe “a volta à seleção brasileira para a Copa do Mundo de 1974.
Polidamente, mas com firmeza, Ele (com E maiúsculo) recusou o apelo de quem não costumava pedir, mas ordenar, também em mensagem dos Correios: “Não posso enganar o povo. A seleção brasileira terminou para mim em 1971”.
Pelé comandava um Santos de lampejos e distância do timaço que encantou o mundo na década anterior. Craques, além dele, O Intangível, havia Carlos Alberto Torres, Clodoaldo e o mágico canhoto Edu, em frevos sambistas pela ponta-esquerda.
Entediado, chegou a Natal para enfrentar o América. Jogara antes na cidade em 1971, contra o próprio time rubro no velho Estádio Juvenal Lamartine, quando marcou, de falta, o gol da vitória no amistoso vencido pelo Peixe por 2×1.
No ano seguinte, Pelé enfrentou o ABC e marcou um dos gols da vitória por 2×0 (Edu fez o outro), em jogo do Campeonato Nacional.
É lenda urbana a versão de que teria levado um lençol do ídolo Alberi e respondido com uma caneta. O capitão Edson, zagueiro central do ABC, desmentiu categoricamente qualquer encontro frontal entre os dois em entrevista concedida em 2012.
A chegada de Pelé a Natal em 1973 gerava ebulição na tranquilidade aldeota de uma cidade que tomava conhecimento da posse do novo presidente da Federação das Indústrias (Fiern), Expedito Amorim, solenemente comandada pelo Delegado do Ministério do Trabalho, Derval Bezerra Marinho.
O Hospital dos Pescadores, nas Rocas, fechava suas portas por falta de recursos de um convênio federal, conspirava-se sobre a sucessão do governador Cortez Pereira, no tempo em que sentava na cadeira o indicado pelos militares.
O Supermercado Minipreço, o mais famoso, destacava a promoção de um duvidoso uísque da marca Branfort. O ABC, suspenso de competições nacionais por escalar três jogadores irregulares em 1972, excursionava pela Europa e África.
Pelé e o Santos, nesta ordem, se hospedaram no Hotel dos Reis Magos, hoje um assombroso espectro do glamour do passado. O Rei foi provocado pela imprensa radiofônica e chamado de míope e superado. Faltou a um programa de entrevistas com estudantes universitários, o Xeque Mate, da TVE e alegou desencontro:
“Depois de 20 anos de carreira como jogador de futebol, sempre com aquela imagem de atender bem, não seria agora, quando estou abandonando a carreira, que daria essa de grosso. Além do mais porque sou cidadão natalense e respeito os estudantes de jornalismo”, declarou Sua Majestade ao jornal Tribuna do Norte.
O América estava invicto e era o melhor time do Norte/Nordeste, conquistando a Taça Almir, referência ao polêmico artilheiro assassinado naquele ano. Seu astro era o zagueiro central Scala, companheiro de Pelé na seleção brasileira nas Eliminatórias da Copa de 1970. Em 1969, as Feras do jornalista João Saldanha encantaram o planeta.
O jogo foi numa quarta-feira à noite e o Castelão (depois Machadão), recebeu um dos maiores públicos de sua história: 41.736 pagantes. O estádio tremia e o América sentiu o peso da fúria de um monarca provocado.
Pelé driblou, lançou, correu, chutou, cabeceou e gingou como o menino de 17 anos em gramados suecos em 1958. Fez três gols, dois deles no primeiro tempo, que acabou 4×0. Santa Cruz descontou para o América.
Hermes fez 5×1 e Pelé deu o tiro de misericórdia aos 45 minutos do segundo tempo, fazendo o sexto em jogada pessoal. Foi sua última partida em Natal e o 6×1 doeu na alma americana. Com Rei, ninguém mexe.
Súmula
AMÉRICA 1X6 SANTOS
LOCAL: CASTELO BRANCO(CASTELÃO)
JUIZ: LUIS CARLOS FÉLIX(RJ)
AUXILIARES: NELSON LUZIA E AFRÂNIO MESSIAS(RN).
RENDA: Cr$ 240.831,00
PÚBLICO PAGANTE: 41.736
GOLS: Pelé, Mazinho, Eusébio, Pelé, Santa Cruz, Hermes e Pelé.
América: Ubirajara;Mário Braga, Scala, Djalma e Chico; Afonsinho, Careca e João Daniel(Santa Cruz); Almir(Bagadão), Hélcio Jacaré e Gilson Porto. Santos: Cejas; Hermes, Carlos Alberto Torres(Bianchi), Vicente e Zé Carlos; Clodoaldo, Léo Oliveira(Brecha) e Pelé; Mazinho, Eusébio e Edu.