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Rubens Lemos

REINALDO, ANJO SOLITÁRIO

por Rubens Lemos


O imenso zagueiro Argeu parece suplicar clemência. O baixinho de camisa alvinegra havia lhe aplicado um drible de costas, entrado na área, ameaçado o corte no loiro goleiro Valdir Appel e tocado por cima, balançando as redes macias do Estádio Mineirão.

O relógio marcava 41 minutos do segundo tempo e o menino de 21 anos, sacramentava a goleada do Atlético-MG sobre o América de Natal por 6 a 0, num baile de bola.

Um gol que valeu placa no estádio, reconstruído e desfigurado para a Copa de 2014. O América tinha um bom time, o adversário é que jogava como um triturador. O Atlético arrancava livre para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1977 que perderia nos pênaltis para o regular time do São Paulo.

Estava sem Reinaldo, suspenso por causa de numa expulsão ocorrida um ano antes. Tiraram o processo da gaveta, julgaram e o craque ficou fora do campeonato. Ainda assim, artilheiro com 28 gols, recorde que só seria quebrado por Edmundo, do Vasco, em 1997.

Reinaldo sempre foi a pedra preciosa do futebol, apagada na hora do brilho decisivo. Na final contra o São Paulo, o Atlético não poderia mesmo vencer, pois no lugar de Reinaldo havia de centroavante Joãozinho Paulista, de notória competência em times do futebol nordestino. Foi um dos perdedores de pênaltis diante do goleiro Valdir Peres.

O Campeonato de 1977 ainda era visto em preto e branco. Pelo menos nas imagens que chegavam aqui a Natal, via TV Tupi, a magia de Reinaldo, pequenino e quixotesco nos dribles curtos e arrancadas sobre zagueiros gigantescos feito o Argeu desesperado no lance do sexto gol contra o América.

A conquista do Atlético era aposta cravada. A forte equipe do Vasco, que havia vencido o Campeonato Carioca, perdera em casa para o Londrina que foi enfrentar justamente o Galo nas semifinais para ser eliminado.

O São Paulo despachou o Operário de Campo Grande-MS que tinha Manga, o lendário, em seu gol. Atlético e São Paulo foram à final no Mineirão sem seus artilheiros. Reinaldo havia sido afastado. Serginho Chulapa, do tricolor, havia sido suspenso por agredir um bandeirinha. Pegou um ano de punição.

O Campeonato Brasileiro, com 62 participantes, do Goytacaz de Campos (RJ) ao Fast Clube (AM), era um mercadão montado para atender aos interesses da Ditadura Militar.

Para nós, que frequentávamos o extinto Castelão (Machadão), era uma contradição maravilhosa. Víamos os grandes do Brasil jogando contra ABC e América. O Atlético enfrentou a fúria do volante Chicão e, seu time de meninos criativos (Cerezo, Paulo Isidoro, Marcelo, Ângelo, Heleno, Marinho, Ziza), sentiu o peso do jogo do adversário, treinado sob as táticas de força do técnico Rubens Minelli, bicampeão em 1975 e 1976 com o Internacional de Porto Alegre (RS).

É fato que o sapo daquela tarde chuvosa em Belo Horizonte foi o São Paulo. Fechado, segurou o 0 a 0 até os pênaltis. Reinaldo chorava nas cadeiras especiais, lágrimas de revolta pela ausência que considerava injustificável.

Reinaldo incomodava os tiranos. Comemorava seus gols de punho cerrado, num gesto de provocação ao regime brutal. Parecia gritar pela dor que sentia nos joelhos em frangalhos desde os 18 anos, triturados pelas chuteiras de dois zagueiros em especial – Darci Menezes e Morais – do Cruzeiro.

O Atlético de Reinaldo mandava em Minas Gerais e ganhava todos os títulos estaduais, ele jogando como o Tostão de camisa trocada. Uma elegância genial em fintas de corpo, toques por baixo das pernas dos marcadores, gols suaves. O Fenômeno ferido que valia por 10 Ronaldos midiáticos.

Reinaldo jamais deu uma porrada na bola para fazer um gol. Jogou mal a Copa de 1978. Estava machucado e importaram uma máquina de ginástica, a Náutilus, monstrengo de ferro para fortalecer a musculatura de suas pernas.


Fez gol na estreia e sumiu. Campos esburacados e o esquema tático medroso de Cláudio Coutinho prejudicaram o Rei. Ele foi enchendo o seu coração do fel da revolta, que só lhe faz mal.

Envolveu-se com drogas, meteu-se com movimentos alternativos, frustrou-se na carreira política e nos últimos tempos, é uma foto amarelada do menino dourado que foi. Aos 61 anos neste 11/1, Rei supremo de um território chamado solidão.

PS. A legenda do vídeo marca o ano do gol, 1978, mas a partida valeu pelo Campeonato de 1977 que entrou pelo ano seguinte.

GERALDO E ZICO

por Rubens Lemos 


No trecho mais triste do filme sobre a história de Zico, ele está caminhando na praia com Geraldo Assoviador, seu companheiro de clube e um solista de meio-campo. Os dois, interpretados por figurantes de talento duvidoso, sentam na areia e refletem num exercício premonitório.

Geraldo deita, cruza as mãos sob a cabeleira Black Power, olha ao infinito numa tristeza destoante do seu estilo de jogar como pássaro, brincando, circulando por entre adversários aos dribles. Geraldo diz a Zico, mais ou menos assim:

– Zico, estou com uns pensamentos estranhos, rapaz. Não consigo me imaginar velho, aposentado, com filhos, netos. É esquisito.

O Zico, que não era Zico pela qualidade limitada do ator, respondeu na liguagem típica da época, 1976, o Galinho no esplendor dos 22 anos cronológicos:

– Poxa, Geraldo, que papo mais careta, rapá! Eu quero é viver, pensar no presente, vamos tomar um banho de mar!


A cena antecede à reconstituição da cirurgia de amígdalas de Geraldo, que o matou na mesa de operação por uma reação alérgica à anestesia.

O massagista Serginho, vivido por Romeu Evaristo, o Saci Pererê da primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, faz uma tentativa de ressuscitação esmurrando o peito de Geraldo.

O assoviador, o irmãozinho adotado pela Família Antunes, a Família de Zico, acertara no fatalismo prematuro como nos passes para o companheiro iniciar sua biografia escrita pelos pés, cabeça, peito e coxas.

Geraldo morreu no dia 26 de agosto do 1976. Zico beijou sua testa no velório. Geraldo não envelheceu. Fez o Flamengo usar seu uniforme de luto à época (calções pretos) uma semana depois contra o meu ABC de Natal.

Zico, chorando, correspondeu ao amigo como um irmão inconformado lutando por sua volta. Zico jogou por Zico e por Geraldo. Fez os dois gols da vitória de 2 a 0 no Maracanã silencioso e não comemorou, pela primeira vez na vida.

Geraldo na morte provou sua perpetuação. Zico é o craque e o cidadão de sempre, ungido à sagração das lendas e mitologias.


Zico foi o Pelé a que tivemos direito de amar, idolatrar, temer como adversário e gritar de peito lavado, que havia, entre nós, um gênio capaz de eternizar o fugaz, transformar o efêmero em filme clássico e interminável de tão delicioso.

Zico não envelheceu. Zico é o menino de 18 anos que classificou o Brasil para as Olimpíadas de 1972 fazendo o gol da vitória contra a Argentina e ficou fora dos Jogos por pirraça da Ditadura, que perseguia Nando, um dos seus irmãos, perseguido e torturado na escuridão da tirania.


Zico não envelheceu. Zico é o príncipe campeão carioca de 1974, seu primeiro título, espantando o Brasil com sua volúpia dribladora e artilheira. Zico, em 1974, provou a Zagallo que merecia, sim, ter ido à Copa do Mundo da Alemanha, privilégio de toscos do nível de Mirandinha do São Paulo.

Zico não envelheceu. Zico é o homem sofrido de 1978, quando, machucado, não brilhou e foi massacrado pela imprensa na Copa da Argentina. Zico é o visionário da decisão contra o Vasco, quando espantou Marco Antônio com sua presença lindamente assombrosa, fazendo o lateral ceder o escanteio infantil que ele bateria de curva, para a cabeçada de Rondinelli a vencer um Leão em voo.

Zico não envelheceu. É o craque fazendo linha de passe de cabeça em 1979, tabelinha aérea dentro da área do Vasco até o salto de atacante de vôlei e a testada para as redes de Leão, sua vítima predileta.


Zico não envelheceu. É a antevisão agindo em namoro de amante com o instinto e lançando Nunes para marcar o primeiro gol contra o Atlético Mineiro na decisão de 1980. E depois, ele próprio, num sem-pulo, fazer o segundo alegrando 153 mil pessoas.

Zico não envelheceu. É a maturidade felina e ferina destruindo em passes de arte plástica, os ingleses do Liverpool, na final da Taça Interclubes em 1981. Melhor em campo e ganhador de um carro Toyota, luxo. Ficou com o automóvel e dividiu o valor em dinheiro com os colegas.

Zico não envelheceu. É o semblante arrasado no desembarque no Rio de Janeiro em julho de 1982, após a derrota para a Itália no Estádio Sarriá, Copa que seria dele e da geração sem clonagem. Zico é o show contra a Argentina e o pênalti de Gentile sobre ele, rasgando a camisa 10 usada pela última vez com qualidade exigida.


Zico não envelheceu. É o Zico atormentado, joelhos esfolados, tomando morfina, para jogar a Copa do Mundo de 1986. É o Zico dos minutos arrasadores contra a Polônia, do passe perfeito e da tragédia do pênalti jogado nas mãos de Bats, contra a França.

Zico não envelheceu. É o Zico da maestria, marcando, de falta em Juiz de Fora, último gol de sua carreira profissional e pondo, em anticlímax, o goleiro do Fluminense Ricardo Pinto na história por chute enviesado.

Zico não envelheceu. Posso não chegar aos 60 anos, mas enquanto a vida me levar, como no samba de Zeca Pagodinho, viajo no devaneio de ver o Galinho (para sempre) com a camisa mais bonita, a do Vasco, ao lado de Geovani, o Geraldo renascido na Cruz das Maltas. Se acabar por aí, o tempo regulamentar estará completo para mim.

MALANDROS E O ROBÔ

por Rubens Lemos


A cabeleira de Dé, o Aranha, incorporação do malandro adequado aos sambas de Bezerra e Moreira da Silva, atiçava galeras, desafiava estruturas concretas do Maracanã. O povo amava o estilo black power de uma tendência febril entre os craques de talento e cobertura vasta acima do pescoço. Uma sílaba e futebol de pelada pura, Dé, sempre foi fácil de pronunciar, difícil de prever e certeza de golear.

Dé é uma imagem multiplicada em tantos craques irreverentes, machos ao encarar sem tremer, multidões de 150 mil pessoas no Maracanã, sutis no toque em que a bola não recebia agressões ou patadas. Carícias e trivelas no corte da ginga e do balanço afro de um Geraldo Assobiador, de um PC Cajú, de um Pintinho, de um Adílio em gestação. Suingue de escape musical e background de fintas desconcertantes.

Nas veias do boleiro no tempo do meu tempo que é o tempo do Museu da Pelada pulsava humanismo. Tomava cerveja em botecos, frequentava puteiros, inventava modas berrantes, colecionava chacretes, pagava em fascínios no quadrilátero em relva. Caneta, elástico, um-dois, toca e passa, vocabulário ritmado por chuteiras e estéticas berrantes e psicodélicas. Jogador espelhava o sonho do geraldino de Trem da Central.

O oposto ortodoxo de um tempo em VHS, é o androide Cristiano Ronaldo. É um momunento à safra jovem de pernas de pau acomodada em sofás convidativos ao sexo ao sono, eles, os babacas, jogando videogame ou o que seja em enlatado futebolês, babando o greco-português de mármore, um atacante sem tempero e um metrossexual cultuado por marmanjos de barba, pança e netos.


Cristiano Ronaldo é o artificialismo inimigo de todo saudosista. Nunca será Romário feiticeiro, Bebeto engomadinho e habilidoso, Careca destruidor técnico, Reinaldo, a graça humilhante e frágil. CR7 pode ser tudo em Euros, menos em paixão. Desde o dia em que deu cotovelada Odvaniana em uma fã que o filmava no celular, carimbou o símbolo do mercenário vilão de filme de 007. O Gajo é lindo? Elas decidem.

Belo mesmo seria vê-lo de bobo numa roda com Romário, PC Caju, Djalminha e Rivelino. E Dé, de black power, com areia na mão, para enfiar nos olhos de um ídolo de barro. Craque e criança formam a simbiose do amor à bola. CR7 idolatra o bolso e tomaria um fado elétrico dos malandros do Brasil.

NAS ONDAS DO RÁDIO E DO TEMPO

por Rubens Lemos


Viajei encantado pelas ondas futebolísticas do rádio por duas décadas (1970/80). Quando não existia TV por assinatura, internet nem as redes sociais e sua neurose, no velho e pequeno rádio de pilha onde fluíam meus sonhos, surgiam os desenhos criados pelo fascínio, dos gols que ouvia e só assistiria em imagens chuviscadas do Globo Esporte do dia seguinte.

A vinheta é o som que bate fundo no peito nostálgico quando é inesquecível. “Rádio Globoooooo!”, era o grito diário e noturno anunciando as resenhas esportivas ou os clássicos aquecidos pelas multidões fanáticas, pelo povo em estado puro e desdentado, feliz e acotovelado nas extintas gerais do Ex-Maracanã, que vi e vivi maior do mundo, gigante a receber 180 mil pessoas em decisões antológicas.

No aplicativo do telefone, é impessoal e bem diferente de ouvir o noticiário com o saudoso repórter Loureiro Neto anunciando – eu fazendo ginástica na cama para dominar o velho Philips quase de bolso – a volta de Dinamite ao Vasco em 1980, para fazer cinco gols na reestreia contra o Corinthians, a contratação do talentoso Jorge Mendonça e do insuportável genial Paulo César Caju, que formaram um time luminoso no futebol de botão e decadente no estrelismo.


Roberto Dinamite, Jorge Mendonça – vendido três meses depois de trazido do Palmeiras – e Paulo César Caju, rebelde que trombou com o segundo ele, “desagradável” Eurico Miranda, ainda um jovem diretor de futebol, enfrentaram sem medo o Flamengo de Zico, Adílio, Júnior, Tita e Carpegiani.

Na decisão do Campeonato Carioca -, o Flamengo perdeu o tetracampeonato, a vaga na decisão ficou com o Vasco. Que enfrentava um jovem time, um “timinho”, como chamávamos, eu e meu pai, de aparelho de TV ligado no volume zerado.

Era o Fluminense liderado pelo zagueiro Edinho – autor do gol do título – e o centroavante andarilho Cláudio Adão. Edinho bateu uma falta na linha lateral, o chute saiu forte na grama molhada, o goleiro Mazarópi falhou e prevaleceu o 1×0 tricolor e o quarto vice-campeonato consecutivo do Vasco, já naqueles anos um perdedor resignado em finais.

A voz anasalada de Waldyr Amaral assim narrou: “Indivíduo competente o Edinho, que chutou um bólido. Mazarópi engoliu o galináceo e o Fluminense administra a peleja para comemorar seu surpreendente campeonato”. Pela Rádio Globo, Nelson Rodrigues, o escritor e fantasma, escutava seu clube ser campeão pela última vez. Morreria dias depois.

O rádio nos permitia a familiarização com seus protagonistas. Em Natal, éramos cúmplices e amigos dos campeões de audiência da Rádio Cabugi. Na Globo, a equipe era escalada como o escrete de Telê Santana: Waldyr Amaral e Jorge Cury na locução, Washington Rodrigues, o Apolinho, nos comentários com Gerson Canhota e a dupla Kleber Leite puxando a brasa para o Flamengo e Loureiro Neto defendendo o Vasco.

Da Rádio Nacional, veio o melhor em todos os (meus) tempos: José Carlos Araújo. No auge da independência vascaína na segunda metade dos anos 1980. “Geovani, lançou para Romário, falhou Leandro, saiu Zé Carlos, olha o lençol, Romário, de cabeça, entrou”.


Vasco 2×1 em 1988, descrição perfeita da sintonia fina de dois baixinhos hábeis sucessores de Roberto Dinamite: Geovani e Romário desbancaram o Flamengo de Zico, cansado, oferecendo pinturas de admirável técnica a um clube marcado pela garra e a desigualdade na elegância diante do rival rubro-negro.

Os gols de Zico formam o grande cancioneiro do rádio meu contemporâneo. A cobrança de falta no segundo gol contra os chilenos do Cobreloa na decisão da Taça Libertadores de 1981 é um épico de cinema falado no berro uivante de Jorge Cury: “Goool, Zicão! Camisaaa número 10”.

Nada jamais apagará da memória o toque marcial e glorioso, anunciando transmissões, escalações e trazendo, para o quarto humilde de minha casa, o excluído delírio do povo no templo Maracanã das imaginações adolescentes.

GEOVANI E ADÍLIO

por Rubens Lemos


Quando o tema é meio-campo, nem pensar em meio-termo. Os retranqueiros do Brasil assassinaram o sarau literário de um time de futebol. A estrada por onde enchemos os olhos do mundo com luminosos craques e arquitetos, planejadores e cérebros de uma partida de futebol.

Me causa tanto desânimo o futebol patropi que voltei ao redemoinho dos anos 1980. Da minha década. Do meu tempo. Do brilho dos jogos a cada trama de categoria e talento criativo. Fixei minha saudade em dois exemplares preciosos do dom de fazer feliz um amante da arte sepultada: Geovani, camisa 8 do Vasco, Adílio, camisa 8 do Flamengo.

Geovani e Adílio nunca disputaram Copas do Mundo. São dois injustiçados incríveis. Geovani poderia ter ido em 1986 e em seu lugar jogou Alemão. Geovani seria o titular mais aclamado em 1990, na insossa equipe de Sebastião Lazaroni e não viajou para a Itália. Alemão novamente, com Tita aos pedaços na reserva, foram convocados.


Adílio surgiu com a morte de outro solista, Geraldo Assobiador, de choque anafilático em operação para retirada de amígdalas. Adílio, juvenil nascido na Cruzada São Sebastião, conjunto de apartamentos para pobres, criado por Dom Hélder Câmara em plena área nobre do Rio de Janeiro, foi o companheiro perfeito de Zico.

Adílio de Oliveira Gonçalves era o típico carioca de morro. Negro, pernas arqueadas, andar gingado, malabarista com a bola. Criava no meio-campo e, se o treinador quisesse, driblava até a sombra de Nelson Rodrigues, deslocado para a ponta-esquerda. Teria vaga em 1978, seguiram Chicão e Batista, em 1982, na vaga de Renato Pé-Murcho, do São Paulo. Adílio jogou uma só partida pela seleção brasileira, em março de 1982 e foi excepcional diante de 150.289 pagantes.

Deu o passe medido para Júnior fazer o gol da vitória de 1×0 sobre a Alemanha Ocidental. É ela sim, a Alemanha que hoje põe na roda os pernas-de-pau de camisa amarela. Recebeu nota 10 da imprensa e Telê Santana o preteriu. Adílio também tinha vaga em 1986, Copa do Mundo em que foram passear Valdo e o falecido Edivaldo.


Geovani ganhou o Mundial de Juniores de 1983 pela seleção brasileira sub-20. Foi artilheiro e melhor jogador. Nasceu no tempo errado. Deveria ter surgido antes. A síndrome dos brucutus se alastrava e o seu estilo elegante, cadenciado, imperial na armação de jogadas era considerado lento e em desuso.

Geovani foi o jogador que conquistou o maior número de títulos cariocas pelo Vasco juntamente com Roberto Dinamite: Foram cinco, todos vencendo ao Flamengo. Geovani foi o melhor jogador das Olimpíadas de Seul em 1988. Tomou um cartão amarelo na semifinal contra a Alemanha (coincidência lamentável) e o Brasil perdeu a final contra a URSS. Neto ocupou o seu lugar e nada fez.

O capixaba Geovani foi o melhor jogador da América do Sul em 1988 e em 1989, venceu a Copa América pela seleção de Lazaroni, já na reserva, vítima do esquema de cinco zagueiros e menos um inteligente no meio e sobrou da lista porque Lazaroni tinha um compromisso de camaradagem com o seu “compadre” Tita.


Nos jogos entre Vasco e Flamengo na década de 1980, Geovani e Adílio coadjuvavam, ainda que tão brilhantes quanto às estrelas. A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino.

Adílio destruía adversários quando Zico era anulado por três marcadores. Até dois ele resolvia fácil, fácil. Adílio, tendo mais atrás Andrade, ritmava o sensacional Flamengo campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1981.

Geovani e Adílio se respeitavam. Geovani, embora mais novo, aparentava a maturidade de um Gerson, mais toque e passes longos do que rapidez. Raciocínio genial na antevisão dos lances. Adílio, manhoso, balançava o corpo e se sobrepunha a qualquer marcador, desnorteado com tanta beleza afro-carioca.

Geovani e Adílio, observando emocionado o velho jogo – tenho muitos no acervo para me encantar mais adiante , pouco se encontravam, nunca trombavam um no outro. Eram clássicos, sutis, desconcertantes. Eles pensavam, traziam do ventre de suas mães, a intelectualidade boleira que desapareceu para sempre.

Geovani e Adílio jogavam num tempo de sábios: Havia Sócrates, Pita, Zenon, Delei, Silas, Mário Sérgio em fase vinho puro, Raí começando. Sobravam virtudes.

Lamentáveis do baixo nível atual, naquele tempo, com muito esforço, disputariam a quarta divisão de Ariquemes em Rondônia. Meninos de hoje, se vocês tivessem visto Geovani e Adílio, falar em Renato Augusto, Lucas Lima, seria blasfêmia. Penso em Geovani e Adílio. Com saudade e revanche.