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Rubens Lemos

CORAÇÃO PELADEIRO

por Rubens Lemos 


Esguio, elegante, evitava as divididas. Driblava com desprezo e suavidade. Abominava os trancos, os choques com zagueiros e volantes. Crueldade e despeito, parte dos adversários, torcedores do Corinthians e a imprensa tascaram-lhe um apelido cruel: “Pipoqueiro”, o covarde do futebol.

Virou bordão no programa de Jô Soares. Quando havia piada de casamento, o padre fazia as recomendações matrimoniais e perguntava, olhos esbugalhados, aos noivos: “Prometam jamais pipocar Jorgemendonçalmente!”.  Jorge Mendonça deva  o troco marcando de trivela ou de falta no Corinthians dos abomináveis goleiros Jairo e Tobias.

Jorge Mendonça vestia a camisa 8 do Palmeiras na segunda metade dos anos 70. Veio do Náutico, de Recife, para a ponta-de-lança palestrina. Juca Show, Vasconcelos e Jorge Mendonça foi um meio-campo dançado em ritmo de frevo de Capiba. A bola entregou-se ao triângulo amoroso na volúpia da paixão cega.

O Náutico impediu o hexa (seu luxo e sua exclusividade), acabando o reinado do Santa Cruz, mantido pelos dólares do inglês James Torp. Torp e a mulher, Carmen, até hoje são reverenciados pela Velha Guarda do Santinha de Givanildo, Luciano Coalhada e Betinho.

Chegava ao crepúsculo  a Academia do Palmeiras que decidiu comprar Vasconcelos para o lugar de Ademir da Guia, o Divino Mestre. Jorge Mendonça foi como contrapeso. Deixou Recife trocado por Toninho Vanuza, esquecido nos arquivos.

Vasconcelos sentiu a responabilidade da camisa 10 e da força de Ademir da Guia, o melhor jogador do Palmeiras em todos os tempos, o falso lento em ritmo de samba de Adoniran Barbosa. Hábil e veloz, era a contradição de um estilo que havia virado mantra nos corações seduzidos pelo antecessor. Vasconcelos terminou ídolo chileno, dando shows pelo Palestino.

Jorge Mendonça assumiu o trono sem caprichos e uma gana de goleador implacável. Sua colocação desnorteava zagueiros, suas arrancadas em toques curtos e fintas desconcertantes sentavam marcadores. Parecia cabecear com mira telescópica.

Tornou-se o astro e o artilheiro do time campeão em 1976 e que passaria 17 anos em jejum. Jorge Mendonça resistia a todas as tempestades e à turba de corneteiros italianos que sempre rondou o Parque Antártica.


Sua ideologia era o futebol-arte e imponente da própria letra do hino do Verdão. Barrou Zico na Copa da Argentina. 

Em seu último ano pelo clube, em 1979, formou com Pires e Mococa um meio-campo que humilhou o Flamengo do Galinho em pleno Maracanã numa goleada de 4×1.

Jorge Mendonça fez o primeiro e armou os outros três. Parou no Internacional de Paulo Roberto Falcão, tricampeão invicto. 

O técnico do Palmeiras era Telê Santana. O óbvio ululante da magia e da graça no futebol brasileiro.

O homem sem medo de atacar, de buscar o gol , de ousar acima do medo nunca deixou de ser, na contramão dos seus conceitos ofensivos e
ilusionistas, um turrão, um teimoso e um centralizador. Telê Santana foi o melhor técnico brasileiro e discípulo de Zezé Moreira, seu mestre, na intolerância.

Jorge Mendonça era o malandro criado em Bangu, na escola do bicheiro Castor de Andrade. Vedete e rebelde. Artilheiro sensual, de cortes precisos e tabelas área adentro. Não gostava de treinar. Reclamou de Telê. Foi posto à venda.

Veio o Vasco da Gama e o comprou, para fazer dobradinha com Roberto Dinamite, repatriado do Barcelona e outro perseguido por Telê. A dupla não deu certo. 

Lá se foi Jorge Mendonça ao Guarani, trocar versos com Careca, que entendia o seu idioma.


Foi artilheiro do Brasil em 1982. Telê, técnico da seleção, vingou-se na paciência e frieza dos mineiros. Não o levou à Copa da Espanha. Seguiu viagem Renato “Pé-Murcho”, meia-atacante que não sabia chutar.

Renato fez três gols em 22 jogos oficiais de camisa amarela. Média de lateral-direito para o reserva imediato da máquina de estufar redes, Zico.

Jorge Mendonça sentiu o baque. Foi derrubado em pleno voo-solo. Definhou. Vagou por times sem tanta expressão. Emagreceu, passou a beber demais, perdeu o que tinha, o destino lhe tirou o amor da família.

Morreu na primeira quinzena de fevereiro de 2006. Pouca gente lembra dele. Tinha que cair na grande área da morte por ataque cardíaco. Nas suas veias corria sangue puro, de coração peladeiro 

MÁRIO SÉRGIO

por Rubens Lemos


Sua perna-esquerda transformava a mentira em uma delícia. Um espetáculo de classe em campo. Mário Sérgio Pontes de Paiva enganava seus perseguidores com o olhar cínico do seus toques. Fingia mandar a bola para um lado e a lançava para o outro, numa perfeição ilusionista. O Vesgo, seu apelido inspirado pela petulância refinada, jamais foi a uma Copa do Mundo.

Em meio a devaneios frequentes sobre injustiçados de nosso tempo, eu e um amigo praticávamos saudosismo vendo um jogo antigo do Internacional de Porto Alegre e lamentávamos a birra de Telê Santana com Mário Sérgio. Ele acabara, na tela da TV, de driblar dois zagueiros num jogo de corpo, parar, esperar o goleiro cair e empurrar a bola para as redes num peteleco, biquinho de chuteira. Cracaço.

E Mário Sérgio ficou sem Copa. Estava jogando o fino em 1982, titularíssimo do time e, de repente, foi escanteado como os laterais que fintava, trocado pelo decadente Dirceuzinho, operário, corredor e sem charme, de ridículos 45 minutos deslocado de ponta-direita na estreia brasileira contra a União Soviética.


A seleção brasileira de 1982 tinha defeitos, meninos quarentões. É que ninguém gosta de lembrar, numa reverência boba ao mestre Telê Santana, senhor da ofensividade e da teimosia.  

Telê Santana mostrou ao mundo um futebol maravilhoso, mas errou e era humano. Mário Sérgio ficou em casa e Dirceu viajou. Mário Sérgio, o Vesgo, está entre os 100 maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, dos 30 maiores que assisti, não me resta a dúvida.

Era um rebelde, um presunçoso. Tão habilidoso que mexia em vespeiros. Certa vez, num treino do Fluminense, desafiou o gênio Didi, técnico da famosa Máquina Tricolor. O time chutava com bolas e gigantes de fortalecimento muscular, utilizadas habitualmente nos anos 1970. Mário Sérgio, depois de fazer 10 embaixadinhas sem qualquer problema, mandou um bico em direção ao maduro e espigado Míster Futebol, maior meia-armador do da história futebolística.

Didi conversava com auxiliares e foi alertado pelo grito do seu ponta-esquerda: “Segura essa que eu quero ver, seu Didi!”. O verdadeiro balão de couro, enorme e disforme, subiu e, antes de chegar ao peito do chefe, ele esticou a ponta do sapato, fez um movimento de adestrador. O balão foi amaciado e desceu obediente. “Você ainda tem muito o que aprender barbudo!”, respondeu Didi sob aplausos gerais.

A provocação não tirou Mário Sérgio da escalação titular, formada no meio-campo por Zé Mário, Rivelino e Paulo Cézar Caju e no ataque por ele fechando o trio com Gil na ponta-direita e Manfrini bem improvisado na ponta-direita.


Bicampeão pelo Fluminense, Mário Sérgio seguiu para o Botafogo onde jogou com Marinho Chagas formando uma ala respeitável pela esquerda. Tanto jogavam quanto aprontavam, a ponto de o time ser chamado de Camburão Futebol Clube. Mário Sérgio usava um revólver calibre 38 na cintura, em suas folgas.

De ponta-esquerda legítimo, daqueles de ir à linha de fundo, desmoralizar o lateral-direito e cruzar direto na cabeça do centroavante, atingiu a plenitude como quarto-homem de meio-campo, reencontrando Marinho Chagas no São Paulo em 1981, quando foi convocado pela primeira vez, aos 31 anos.

Estreou contra os búlgaros, deu um show de bola em Porto Alegre, entrosado com Cerezo, Sócrates e Zico e ainda enfiando passes para dois gols, o do jovem lateral-direito também iniciante, Leandro, do Flamengo, e de Roberto Dinamite, que voltava ao escrete após dois anos de ausência.

Convocado sempre na prorrogação, na marca do prazo final, para as Copas de 1974 e 1978, o esforçado e combativo Dirceuzinho, falecido em acidente de carro em 1995, agia como bom assessor de imprensa de si mesmo. Dirceuzinho nunca foi mal jogador, claro, mas havia outros bem melhores.

Mandava recortes de jornais espanhóis e italianos sobre suas atuações às redações e para a Comissão Técnica da seleção, cortejava jornalistas e enviava cartões natalinos aos treinadores. Assim foi convocado em 1982 e só não disputou, quase ex-jogador, a Copa de 1986 no México por conta de uma distensão muscular.

Arredio, barbudo e indiferente, Mário Sérgio jamais faria papel igual. Certa vez, no Inter(RS), baixou as calças e mostrou a bunda ao sisudo técnico Ênio Andrade, que lhe dera uma instrução considerada incorreta. Com Telê Santana, começou a morrer em Natal.


No amistoso contra a Alemanha Oriental, (3×1 para o Brasil) o técnico reclamou publicamente que o Vesgo havia abusado do individualismo. Já estava pensando em Dirceu, mais obediente e menos problemático. E Mário Sérgio respondeu cofiando bigode aos microfones e lentes: “É assim que jogo desde quando comecei e só fui convocado porque jogo assim”.

Mineiro, do tipo que lambe a vingança para comê-la em prato gelado, Telê Santana esperou outra Alemanha, a Ocidental, no Maracanã, para substituí-lo no intervalo e lhe dar adeus. Éder assumiu a posição com Dirceu chamado entre os 22.

Mário Sérgio não ligou. Seguiu jogando e um ano depois conseguia o que a seleção perdera: o título mundial, armando o Grêmio para as arrancadas e os gols de Renato Gaúcho. Levantou de euforia o público japonês ao aplicar dribles de calcanhar nos alemães do Hamburgo. Cansou de enfiar canetas nos grandalhões sem molejo.

Ainda seria convocado para a seleção brasileira por Evaristo de Macedo em 1985 para uma série de amistosos fracassados antes das Eliminatórias. Evaristo caiu e Mário Sérgio foi cortado, de novo, por Telê Santana ao reassumir. 

Mário Sérgio terminou barrado da Copa de 1982. Dirceuzinho foi. Indesculpável. Mário Sérgio ludibriava com estilo e efeito na batida de bola, era um jogador que valia o preço de camarote no estádio. Vesgo de olhar de lince. Uma ginga do destino fintando a fatalidade mudaria o rumo do avião da Chapecoense que caiu em 2016 e matou Mário Sérgio, sua virtude, demasiada visão.

MARINHO CHAGAS, MENINO GRANDE

por Rubens Lemos


Marinho nasceu para o futebol quando cheguei ao berçário, em 1970. Formou, com o Rei provincial Alberi, o duo de extraclasses cintilantes no ABC a quebrar um jejum de três anos para iniciar a jornada do inesquecível tetracampeonato. O ABC de Marinho com Caiçara de técnico: Erivan; Preta, Edson Capitão, Josemar e Marinho Chagas; William e Correia; Zezé, Alberi, Petinha e Burunga. Era o time de 1970, o time da redenção.

Marinho, o meteoro radioso, iluminou a Frasqueira (torcida do ABC) com seu jogo liberto e ofensivo, moderno e revolucionário em tempos de chumbo. Marinho nasceu para ser cometa da bola e no ano seguinte, no Náutico, tornou-se o melhor de sua posição para sempre em Pernambuco.

Nascia a nova e definitiva versão de Nilton Santos, o lateral jogando para o ataque, subvertendo as ordens táticas, reescrevendo a história no campo, que transformou em floresta para as suas elegantes passadas de gazela.


Do Náutico ao Botafogo em 1972. Primeiro ano, primeira Bola de Prata da Revista Placar, menino de sorriso remanescente das peladas de terra batida, ao lado de craques consagrados como Figueroa, Piazza, Ademir da Guia, Paulo Cézar Caju e Alberi, o seu igual em grandeza e exclusividade dos vesperais potiguares.

Marinho foi para a Copa do Mundo em 1974 e brilhou tal holandês de carrossel vestindo a camisa da retrancada e fracassada seleção do quarto lugar na Alemanha. O mundo o considerou o melhor, em sua posição. Júnior, do Flamengo, declarou e declara que gostava de imitá-lo.

O esporte em Natal é dividido em antes e depois de Marinho. Sempre afirmei com ele vivo, confirmo agora e não discuto mais. Do Botafogo, a estrela loira do ex-Maracanã, a “bruxa” alegre, tornou-se obsessão do cartola tricolor Francisco Horta, da famosa Máquina do Fluminense que deu ao alvinegro três craques de seleção só para ficar com Marinho: Rodrigues Neto, Gil e Paulo Cézar Caju.


Quando Pelé seguiu para o Cosmos de Nova Iorque, para ensinar futebol a ianque apaixonado por basquete e beisebol, 150 entre 100 boleiros sonhavam vestir a camisa branca do clube mais rico do planeta. Depois de Pelé, por lá desfilaram Cruyff, Beckenbauer, Chinaglia e Marinho.

Entre 1981 e 1982, Marinho conquistou sua terceira Bola de Prata e o Campeonato Paulista pelo São Paulo de Oscar, Dario Pereyra, Everton, Renato, Mário Sérgio, Serginho e Zé Sergio.

Já estava na fase do prazer. Suas incursões pelo meio-campo rendiam passes precisos, arrancadas em direção ao gol e patadas que sacudiam o Morumbi inteiro. A biografia de Marinho é universal. Ele, adorado pelo mundo afora.

Nos últimos dias de vida, em julho de 2014, estava mais criança e feliz, pelas proximidades da Copa do Mundo em sua terra. Se dizia embaixador de uma função que não lhe rendia um mísero centavo.

Marinho participava de eventos bem menos condizentes com sua história. Lançava camisas, frequentava troca de figurinhas onde era o centro das discussões e apresentava uma lucidez luminosa.

O destino, meia-armador malandro, levou Marinho para João Pessoa. Cercado de carinho paraibano, teve uma crise, sangrou e morreu. Seu organismo de touro já não resistia.


Marinho faz parte de um escrete incompatível com caixões. Marinho é desse time. Não quis vê-lo morto. Ele está vivo em fotos, gols memoriais e no sorriso triste e maroto de quando nos víamos.

Marinho Chagas, anarquista das nuvens é embalado por Clara Nunes e Paulo Gracindo em Brasileiro, Profissão, Esperança, espetáculo baseado em crônicas de Antônio Maria e canções compostas com Dolores Duran Marinho, brasileiro, profissão e esperança (perdida). “Dorme, Menino Grande”, é o poema de Antônio Maria ao descanso e paz de Marinho Chagas. É  epitáfio no seu túmulo, chão do esquecimento. Marinho Chagas, 66 anos faria neste 8 de fevereiro. Para mim, ele sempre será festa.

DOMINGO COM DÉ

por Rubens Lemos


(Foto: Marcelo Tabach)

Está ficando docemente repetitivo elogiar as resenhas dominicais do Museu da Pelada, timaço onde me encaixo de operário carregador de piano.

O papo com Dé, que revejo em fragmentos com cabeleira vasta black power e camisa do Vasco e depois a do Botafogo, extrapolou os limites do brilho histórico saudosista.

Dé é uma instituição dos anos bicho-grilo, alter ego da malandragem autêntica, forjada nos caminhos de terra batida hoje ocupados pelos campinhos de luxo onde vivem os mimadinhos que praticam o futebol de joanete.

Dé sabia jogar. Técnica apreciável, a esperteza que o mestre Ariano Suassuna definiu como arma do pobre. Que o exaltava nos alçapões de subúrbio e no sítio arqueológico do Ex-Maracanã.

Seu mundo é o universo brasa, mora? Dos brotinhos e do talento em superlotação.

Saudades de Dé.

Artilheiro precioso contador de histórias.

Nos domingos pobres de agora, domados por androides e lutadores de MMA calçando chuteiras, a onda (bem Dé né?) é assistir, extasiado, aos clássicos que só no Museu da Pelada tem.

GARRINCHA, CANTO VAZIO

por Rubens Lemos


Manoel dos Santos Garrincha foi o mais brasileiro de todos os brasileiros do futebol. Representou a molecagem, a irreverência, a habilidade, a coragem e assumiu a paternidade do drible, a prova da superioridade de um homem sobre o outro no quadrilátero de um campo. Morreu há 35 anos, num 20 de janeiro de 1983. 

Garrincha seria barrado para a Copa de 1958 por não passar num teste psicológico. Teria de fazer um desenho e explicar com coerência o que havia desenhado. Errou, pois caneta ele dava nos outros, não segurava com as mãos.

Garrincha era um passarinho em forma de gente. Garrincha nasceu para jogar bola, não para entender de ciências.

Na volta olímpica do Estádio Rasunda, em Estocolmo, Brasil campeão do mundo pela primeira vez, o psicólogo João Carvalhaes berrava para Nilton Santos, compadre do deus das pernas tortas:

– Ele é muito mais do que aquilo que você disse Nilton. O homem é um monstro.


– Agora é fácil falar né, Doutor Carvalhaes? – devolveu Nilton Santos, que intercedeu para Garrincha ficar mesmo reprovado no psicoteste.

Garrincha driblava com ternura. Era amado pelos meninos.

Em seu livro Histórias do Futebol, João Saldanha conta que o Botafogo foi excursionar em 1957 (ele de técnico) em Fortaleza.

Concentrada num hotel à beira-mar, a delegação era acordada antes das 7h com a algazarra de meninos magros e pobres. Procurando o comparsa. Que saía correndo, driblava cinco de uma vez, brincava de mocinho e bandido, se deixava prender, mergulhava em grupo nas ondas, sentava e puxava assunto.

– Vem cá, com essas cabeçonas, vocês são “tudo filho” do Dutra?

O Dutra era o Marechal Eurico Gaspar Dutra, dono de uma cabeça enorme e que presidira o Brasil entre 1946 e 1951. Garrincha foi tratado por muitos como um tolo, mas quem sai com uma sacada assim é tudo, menos burro.

Dois anos antes do episódio com a molecada em Fortaleza, Garrincha era convocado pela primeira vez, pelo conservador técnico Zezé Moreira. O bairrismo era pior do que discurso de xiita em rede social e formaram-se duas seleções para o Torneio Bernanrdo O’Higgins, disputadO contra o Chile. Zezé treinava o escrete formado pelos cariocas e Vicente Feola o time só de paulistas.

A atuação não sinaliza para um grande currículo. O Brasil empatou por 1×1 diante de 70 mil pessoas no Maracanã graças a um gol de pênalti marcado pelo vigoroso zagueiro Pinheiro, do Fluminense. Atuava-se com cinco na frente a a linha atacante escalada: Garrincha, Válter Marciano, Evaristo de Macedo, Didi e Escurinho. O potiguar Dequinha, de Mossoró, foi o volante.

Garrincha explodiria mesmo em 1957, sempre fintando preconceitos e tratados de gorduchos que jamais dominariam uma bola. Em amistoso antes da Copa, driblou a defesa inteira da Fiorentina e voltou para espezinhar o goleiro Sarti.


Fintou-o de novo e caminhou com bola até o fundo das redes. Quase é linchado, por cartolas e companheiros. A genialidade de Chaplin lhe custou dois jogos na reserva e talvez tivesse evitado a Copa do Mundo. Garrincha jogou contra os russos e assombrou o mundo.

Garrincha deu outra Copa do Mundo ao Brasil jogando por ele, Elza Soares, sua Diva e por Pelé. Aliás, com Pelé e Garrincha, a seleção nunca perdeu para ninguém. Foi em 1962, no Chile, quando o Negão se machucou e Garrincha foi ponta-direita, meia-esquerda, centroavante, quarto-zagueiro e, se Gilmar precisasse, iria para debaixo das traves.

O Garrincha que me sobrou está nos filmes, nos livros. Nos depoimentos de amigos mais velhos. O Garrincha que é morto cada vez que se elege um segundo melhor do mundo.Garrincha, na verdade foi o primeiro.

Pelé não pertenceu a espécie humana. Era um extraterrestre de tão monstruosamente espetacular. Olhe bem para o lado direito de um campo de futebol. Para o canto extremo. Está quase sempre vazio. Um lugar feito para Garrincha e a sua ausência  parece ser uma homenagem. Bem torta, a gravura de sua vida.