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Rubens Lemos

ALZHEIMER NA MEDIOCRIDADE

por Rubens Lemos


Acordei de uma soneca no segundo tempo de Vasco 3×2 Botafogo, primeira partida da final do Campeonato Carioca. Estava empate e vi o gol da vitória do meu time no finalzinho. Dos 20, 25 minutos acompanhando chutões, carrinhos e caneladas na bola, esforcei-me para identificar algum jogador além do goleiro Martin Silva, do jovem Paulinho e do – vamos lá -, atrevido Pikachu.

Complicado. O futebol brasileiro anda numa mediocridade tão imensa e sideral que o último time do Vasco a ser escalado sem risco por mim é o do ano 2000, o da virada sobre o Palmeiras na Mercosul e do título brasileiro: Hélton; Clébson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Nasa( Nossa Senhora dos Passes Bizarros!), Jorginho, Juninho Pernambucano e Juninho Paulista; Euller e Romário.


Um vascaíno com 40 anos de amor e alguma memória não consegue desfiar 11 cabeças de bagre do último fim de semana. Um vascaíno que olhava, embevecido, o pai recitar o time de 1956: Carlos Alberto; Paulinho e Bellini; Laerte, Orlando e Coronel; Sabará, Livinho, Vavá, Walter Marciano e Pinga.

Um vascaíno que não esquece Mazarópi; Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto e Ramón de 1977. Ou Acácio; Galvão, Ivan, Celso e Pedrinho; Serginho, Dudu e Ernâni; Pedrinho Gaúcho, Roberto e Jérson, os esforçados de 1982 que tiraram a banca do Flamengo campeão do mundo. Ou os maravilhosos bicampeões de
1987/88: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho;  Dunga (Zé do Carmo), Geovani e Tita (Bismarck); Mauricinho, Roberto e Romário.

Eram os cânticos  dos dribles, lançamentos, gols de placa, que transpunhamos para o futebol de botão como numa incorporação mágica dos heróis em campo de madeira. Escalações duravam anos, decorávamos os reservas, hoje exuberâncias diante da falta de fundamentos básicos dos titulares mais apropriados a Olarias e Madureiras.

A minha amnésia é causada pela rotatividade medonha promovida por sanguessugas oficialmente chamados de empresários. Outro dia, o Vasco demitiu um cara cuja função era de gerente científico. Hilário imaginar o indigitado explicando em fórmulas, átomos e partículas,
como o baixinho Romário fazer sentar em elástico descadeirante, qualquer zagueiro transformado em molécula morta.

Perdeu-se a graça, a boa sacanagem, o migué, a molecagem, criaram-se gerações de robôs bem-comportados e inimigos do futebolisticamente liberto. Outro dia, o colega de trabalho, circunspecto como um Churchill em plena Segunda Guerra, bate no meu ombro e pergunta: “Como é chato o tal Carille!”. Perguntei quem era, ele explicou ser o técnico do Corinthians e respondi que do Corinthians conhecia Rivelino, Sócrates, Zenon e Edílson. “Você está ultrapassado!”, ele zombou.

Calei no meu Alzheimer precoce e fui ao Google, rever imagens de um timaço do Brasil nos anos 1970, com Zico, Rivelino, Paulo Cézar Black Power, Marinho Chagas e Nelinho. Nenhum risco de esquecê-los.

PRÍNCIPE DA BOLA, GUERREIRO NA VIDA

por Rubens Lemos 


Geovani é o meu maior ídolo no Vasco. Representa para mim o que foi o uruguaio Danilo Menezes jogando bola com a camisa 10 preta e branca do ABC no estádio Machadão, posto abaixo em Natal. Danilo também foi do Vasco, na década de 1960. Sou do tempo de um Vasco freguês caloteiro do Flamengo, início da década de 1980, Zico liderando a tropa que ganhava campeonatos com a naturalidade de um casal de adolescentes tomando sorvete ao primeiro dos namoros. O Vasco tinha Roberto Dinamite de Dom Quixote. E um monte de esforçados e brutamontes. 

Até 1982 chegar e aparecer um baixinho de qualidade absoluta, ritmo acadêmico de veterano, visão periférica de uma partida, imperador do meio-campo em dribles de minifúndio e lançamentos longos como se houvesse um novo Gerson, ambidestro. Geovani foi o melhor meia-armador de minha geração de torcedores. Ele e Adílio, do Flamengo, travaram grandes duelos de inteligência. Geovani, mais refinado, Adílio, sambista de chuteiras. Geovani tinha mais classe, mais elegância, aquele porte diferenciado e consagrado por Didi, na Copa do Mundo 1958, ereto, marcial, monarca. Didi que escalou Geovani no time do seu tempo. E Geovani tomou de Roberto Dinamite, no meu peito vascaíno, o topo das admirações.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols. Geovani nasceu em 1964. Nasceu tarde demais. Para os retranqueiros que passaram a tomar as rédeas do futebol, à base de carrinhos, chutões e pontapés, bola sem receber carícia, sem ser tratada como uma mulher dominada e cega de volúpia. Foi chamado de lento e ultrapassado. Sem ele na seleção brasileira, perderam-se duas Copa do Mundo sintomáticas pela falta de um cérebro na criação da meia-cancha: em 1986, viajaram Elzo e Alemão. 


Em 1990, Dunga e o tal Alemão, bom maratonista, obscuro criativo. Sebastião Lazaroni, especialmente, o técnico medíocre do Mundial da Itália, será praguejado pela memória nacional por não ter convocado Geovani e levado seu compadre Tita. Ou cinco zagueiros. 

A história, exemplar em seus castigos, mostra em seus replays que faltou Geovani para o Brasil estilizar beleza e improvisação. Geovani é o jogador (ele e Dinamite) com mais títulos cariocas conquistados pelo Vasco. Foram cinco, três deles sobre o Flamengo de Zico. 

A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino. Tenho que dizer aos meninos de hoje: se vocês tivessem visto Geovani, glorificar Renato Augusto, Kaká e Lucas Lima seria castigo implacável da proibição do videogame ou da exaltação do aplicativo novíssimo do Iphone. 

Aos 54 anos, completados neste 6 de abril, Geovani, guerreiro suave, vai conquistando o maior campeonato da vida: superou um câncer. Com a força extraordinária da fé e a luz radiosa dos homens escolhidos  para gerar felicidade em milhões. Pelo tempo que foi e nunca passará.

COM SELEÇÃO NÃO SE BRINCA

por Rubens Lemos


Eram três amistosos logo após o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Fluminense em 1984, campeão em 1×0 e 0x0 contra o Vasco na decisão. 

O Flu pragmático e obstinado, venceu o primeiro jogo, gol de Romerito e o segundo foi um bombardeio dos doIs lados, com o goleiro vascaíno Roberto Costa obtendo a segunda bola de ouro da Revista Placar de melhor jogador do campeonato. 

O campeonato de 1984 foi ótimo e sobraram poucos dos astros da sinfônica de 1982: Leandro, Oscar e Júnior. Sócrates havia sido vendido para a Fiorentina. Júnior iria logo depois, ao Torino. 

Depois da derrota para a Itália, buscava-se a reconciliação com o toque de bola perdido na primeira e desastrosa passagem de Carlos Alberto Parreira pela CBF em 1983 quando ganhamos na moedinha o direito de decidir e perder para o Uruguai. 


Leandro (fora da foto); Roberto Costa, Pires, Mozer, Ricardo Gomes e Júnior; Renato Gaúcho, Zenon, Roberto Dinamite, Assis e Tato.

O futebol vistoso do Vasco, de toques reluzentes e meio-campo habilidoso, deu vez a Edu Antunes de Coimbra, o irmão de Zico, que deslumbrava o país no balé cruzmaltino. 

A bola é peça irônica e – apesar de golear – Edu não definia um time titular e sobravam craques. Aos 20 anos, o maior armador brasileiro estava no Vasco – Geovani Silva – que começou entrosado com Pires e Arthurzinho enfiando goleadas de 9×0, 6×0 e 5×1 e ganhando todos os grandes. 

Edu insistia num revezamento inútil entre o titularíssimo ponta Mauricinho e o seu limitado reserva Jussiê. Geovani e Mário. Acácio e Roberto Costa brigavam. O time não tinha tranquilidade enquanto Parreira definiu seus onze e com eles rumou até o título: Paulo Victor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. 


Para os três jogos – contra Inglaterra (0x2), Argentina (0x0) e Uruguai (1×0), Edu contrariou vaidades. No Vasco, o lateral Edevaldo, os meias Geovani e Mário e Mauricinho foram descartados. Os que ele considerava melhores, levou, assim como no Fluminense, no Grêmio, no Flamengo e do Corinthians. 

Genial jogador, Edu não usou sua técnica para dominar a seleção. 

Marcante, a despedida do magnífico Roberto Dinamite da amarelinha aos 30 anos e a certeza de que o ambiente no Vasco naufragou.

 

DE VOLTA AO CANAL 100

por Rubens Lemos


Pelas lentes do Canal 100, as sessões de cinema ganharam o charme dos grandes clássicos. Da bola na tela gigante fermentando o sonho dos meninos do Brasil. Ao passar pelo que restou do Cinema Rio Grande em Natal, reacende a empoeirada nostalgia. Ali moram fantasmas, tenho absoluta certeza. No seu aspecto de basílica das emoções tecidas de ternura, há mistérios na escuridão silenciosa das suas manhãs.

Era de calção de tecido, camisa de botão, sapato e meia que eu frequentava o Rio Grande para filmes infantis. Era o que pensava a minha tia-avó Marilda França, me puxando pelo braço, gastando sua aposentadoria de funcionária dos Correios e Telégrafos em pipocas, sonhos de noiva estrelados de açúcar, depois sorvetes com recheio de mel na Casa da Maçã.


A imagem do Canal 100, abertas as cortinas, me fez escravo de uma energia magnética, sedutora, hipnótica. Fui possuído pelos fluidos do futebol. Durante cinco minutos, jogos importantes no Maracanã, no Morumbi, Pacaembu, em qualquer lugar em que as câmeras de Carlos Niemeyer pudessem chegar. Os ídolos saltavam, driblavam em cinemascope, como se pudessem pular direto dos meus times de futebol de botão. A voz grave de Cid Moreira sob os acordes de Na Cadência do Samba, o título registrado da música que todo mundo sabe que se chama na verdade popular “Que Bonito é”. Bonito é avareza. Inigualável é saudade e exagero do fanatismo do bem. Sentíamos o calor das divididas, fazíamos leitura labial dos xingamentos, íamos, na imaginação, às arquibancadas onde a expressão facial do torcedor demonstrava seu desencanto e a sua extrema euforia.

O Canal 100 foi a estética perfeita do futebol. O Canal 100 nos punha dentro da trama, que era o jogo. Os malabarismos de Zico, agigantados, pareciam estar sendo aplicados em frente à minha casa, na rua de calçamento onde batíamos pelada ao sol do meio-dia, com traves feitas de cano ou com nossos próprios chinelos.

Lá eu conheci Rivellino. Na finta mais desmoralizante e consagradora da história ludopédica: O elástico sobre o correto Alcir Portela do Vasco, marcador impotente, que paralisado, sentiu a bola passar pelo meio das suas pernas sem que pudesse mover um músculo do corpo, quase um alvo atingido no bulbo, região elaboradora dos reflexos cerebrais.

Garrincha driblando, pondo a linha defensiva do Vasco a dançar um balé patético, em fila inútil a persegui-lo. Garrincha fintando Gerson num Botafogo x Flamengo em 1962, Gerson lançando Jairzinho, Pelé em recitais. Em seu repertório sem canto final.


O Canal 100 é uma paixão. Em 1994, na extinta TV Manchete, Milton Neves passou a reprisá-lo diariamente. Terminava o Jornal da Manchete, com o professor dos repórteres políticos, Villas- Bôas Corrêa e a linda apresentadora Márcia Peltier, e entravam os lances de Ademir da Guia, Adílio, Coutinho, Canhoteiro, Didi, Julinho, Tostão, Dirceu Lopes, Mengálvio, Geovani, Pintinho, Paulo César, Rogério, Afonsinho, Marinho Chagas, Luis Pereira, e tantos cobras, expressão repetida nos textos lidos por Cid Moreira. Religiosamente (o futebol é meu mantra), gravei todos os jogos exibidos em Fitas VHS. É um acervo majestoso, o tesouro que tenho e, que, pela vocação herdada, compartilho com amigos diletos e queridos, igualmente apaixonados.

É quando eu, que nunca fui ator, me sinto Totó, o menino Salvatore, do antológico Cinema Paradiso, ao revisitar suas saudades, seus amores, sua concepção de vida real.

UM TIME CHAMADO CAMBURÃO

por Rubens Lemos


Sede de General Severiano com faixa anunciando um Baile Black com o Monsieur Lima.

Quando viu o ônibus do Botafogo chegar ao Maracanã naquela tarde de 1977 e as primeiras cabeças foram surgindo das janelas, o repórter Deny Menezes, sarcástico e rápido, não se conteve e mandou flash para a cabine da Rádio Nacional: “Atenção Zé Carlos (O narrador José Carlos Araújo), o Time do Camburão acaba de chegar…”.

Há nove anos sem títulos, na época, o presidente Charles Borer, ligado ao SNI, da linha dura de apoio ao Regime Militar, estava execrado pela torcida pela venda da lendária sede de General Severiano à Companhia Vale do Rio Doce. Toda a história do dirigente Carlito Rocha, o seu cachorrinho Biriba, Heleno de Freitas, Nilton Santos, Didi e Mané Garrincha havia sido jogada fora para ser recuperada nos anos 1990.

Charles Borer parecia tirano comandante de tropas alemães da SS na Segunda Guerra Mundial e era combatido pelo jornalismo de esquerda, liderado por João Saldanha, por defender pancada nos comunistas cuja perseguição era liderada pelo seu irmão Cecil Borer, diretor do temível DOI-CODI, ante-sala da morte nos anos de chumbo.

Borer quis ficar de bem com a torcida e demonstrar autoridade. Montou um time cheio de craques malandros acima da conta. Contratou Paulo César Caju, Mário Sérgio, Dé, o Aranha, Manfrini, Gil, Ubirajara Alcântara, Renê Pancada e Rodrigues Neto. 


Já estavam no Botafogo, Bráulio, o ex-Menino de Ouro do Internacional(RS), Carbone e Ademir Vicente, que contava detalhes aos companheiros do seu namoro com a cantora Vanusa. Na teoria, um time, na prática, o camburão perfeitamente definido por Deny Menezes. Ninguém queria nada a não ser criar caso, fazer arruaça e desafiar a decantada valentia de Borer. 

Paulo César Caju não costumava jogar às quintas-feiras pois às quartas havia noites especiais com garotas importadas na então famosa Boate Regine`s. PC Show, com vasta cabeleira Black Power, fazendo biquinho, recitava o francês que aprendeu à risca, no tempo em que brilhou no Olympique de Marselha. Divertiu-se e encantou. Tocar a bola para ele era um desfile.

Mário Sérgio e Renê gostavam de brincadeiras sadias quando o time viajava a Campos e Volta Redonda. Sacavam revólveres e atiravam em placas de trânsito. Quem acertasse menos, pagava a rodada de cerveja, que começava no próprio ônibus (camburão).

O Camburão de Futebol e Regatas passou a treinar em Marechal Hermes, onde foi construído um estádio com arquibancadas metálicas. Segunda-feira pela manhã, nem pensar. Tudo começava às duas da tarde porque do time titular, apenas o jovem e habilidoso meia Mendonça acordava antes do meio-dia.

Depois de empates contra Olaria e São Cristóvão, Charles Borer pensou que enquadraria de uma vez o Camburão. Contratou para técnico ninguém menos que o delegado de polícia Luiz Mariano, do antigo time dos 12 de Ouro, alcunha afável do Esquadrão da Morte. De preparador físico, a seda humana chamada Hélio Viggio, chefe da Divisão Anti-Sequestro.

Charles Borer apresentou a dupla, que guardava pistolas sob as calças de elástico e disse que a partir daquele momento, ai de quem continuasse desrespeitando a autoridade dirigente. Foi às duas da tarde. 

No dia seguinte, pela manhã, não viu Mariano ou Viggio em Marechal Hermes. Telefonou ao técnico, que o atendeu, pelas 11, voz de ressaca monumental. “Borer, o Dé, o Ademir e o PC nos convidaram a um papo, pra selar a paz, mostrar boas intenções e terminamos às sete horas, todos bêbados. São bons meninos.” 

Desmoralizado de uma vez pela malandragem, Borer resolveu desmontar o camburão, vendendo, com dificuldade, peça por peça, até 1979.