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Rubens Lemos

DINAMITE, PELÉ E OS ARCANJOS

por Rubens Lemos

Pelé e Roberto Dinamite, Roberto Dinamite e Pelé enfrentaram-se duas vezes e a vantagem é de Roberto, uma vitória e um empate. Em 14 de outubro de 1973, Maracanã com 44.590 torcedores, os dois deram show. Roberto, aos 21 anos, fez um golaço de sem-pulo. Pelé empatou de falta (1×1).

Nas finais do Brasileiro de 1974, conquistado pelo Vasco, Roberto fez o gol da vitória por 2×1 aos 43 minutos do segundo tempo, Maracanã com cerca de 100 mil pessoas, 13 minutos após Pelé, outra vez de falta, balançar as redes de Andrada.

Meus maiores ídolos no Vasco foram Roberto Dinamite e o meia-armador Geovani, o Pequeno Príncipe. Roberto Dinamite, o artilheiro do sorriso triste, é dos tempos de supremacia flamenguista. Símbolo – ele, Roberto, de dias tristes e raras vitórias obtidas por ele em clássicos contra a seleção comandada por Zico.

O Vasco, gerido por lusitanos de mão fechada, fazia times medíocres, nos quais brilhava a luz solitária de Roberto Dinamite. Ele era um estoico, apanhava sem reclamar, dividia espaço com coadjuvantes de baixo nível e, ainda assim, endurecia os confrontos com o rubro-negro.

O Vasco nos anos 1970 até 1982, quase sempre esteve em desvantagem, exceto pelo timaço de 1977: Mazarópi; Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto Dinamite e Ramon.

O mercantilismo dos homens de São Januário desmontou o esquadrão, sendo vendidos logo Zanata e Dirceu, responsáveis pela criatividade no meio-campo. E o Vasco foi recebendo jogadores medíocres do padrão de Peribaldo, Toninho Vanusa, Osnir, Jáder, Washington Rodrigues(uruguaio), Ticão, Amauri e Zandonaide.

Na retina, Flamengo x Vasco de 1979, daqueles jogos que serviam somente para carimbar a superioridade em vermelho e preto. O Flamengo fez 1×0 com Cláudio Adão e Roberto Dinamite empatou de pênalti.

Transmitido pela TV Educativa, na narração do saudoso Januário de Oliveira, o jogo mostrou a rebeldia de Roberto Dinamite, que resolveu desafiar a lógica, marcando três gols de técnica e raça, partindo da intermediária ao gol de Cantarelli. Vencemos por 4×2 e pude, em rara concessão do destino, desafiar a esmagadora maioria flamenguista em sala de aula da 3ª Série. Os pés de Roberto Dinamite significavam meu desabafo.

Em 1982, a seleção brasileira fez seu primeiro jogo do ano contra a Alemanha Oriental em Natal. Roberto Dinamite estava no grupo de jogadores hospedados no antigo Hotel Ducal, primeiro arranha-céu da cidade e hoje um entulho urbano.

Pelas mãos do meu pai, encontrei Roberto Dinamite à beira da piscina. Eu tremendo de timidez, ele com o aspecto blasé que a identificava, semblante sempre aberto e alegre. Foi monossilábico o diálogo, o autógrafo ele assinou no meu caderno escolar, inexplicavelmente perdido nas mudanças de casa que eram revoltantes e costumeiras. Perdi um tesouro.

Roberto Dinamite teria classificado o Brasil contra a Itália. Já havia salvo a seleção brasileira em 1978, contra a Áustria, mas a teimosia do técnico Telê Santana e uma certa antipatia inexplicável afastaram o camisa 10 do Vasco das partidas na Copa da Espanha. Roberto Dinamite sorria o sorriso dos resignados nas cadeiras.

Por preconceito, a mídia sempre tratou Roberto Dinamite como um centroavante trombador. Corram ao Youtube e procurem jogos de Roberto Dinamite mais maduro. Ele demonstra categoria nos passes e liderança natural sobre uma turma de garotos que formou um dos melhores elencos do clube: Geovani, Romário, Mazinho, Mauricinho, Bismarck e William.

Roberto Dinamite morre e eu vou no automático, tecendo linhas de saudade e inconformismo. Roberto Dinamite sofreu na vida, perdeu a primeira esposa, a Cabocla Jurema, de problemas renais, chegou a pensar em parar, foi desprezado pelo Vasco em empréstimos para a Portuguesa de Desportos (SP) e Campo Grande (RJ).

O câncer no intestino fez Roberto Dinamite emagrecer e abutres das redes sociais usavam imagens dele combalido. Aquele Roberto Dinamite era miragem do original, explosivo, generoso, fundamental. O homem que me deu mais alegrias na vida em quatro linhas.

Pelé, certamente, faz as honras da casa divina, onde Roberto Dinamite ocupará o ataque em gols sob o som de arcanjos vascaínos. Aqui, me agasalho na solidão das lágrimas aflitivas.

LÁGRIMAS SÚDITAS

por Rubens Lemos

Ao deitar na noite de 29 para 30 de dezembro, rezei o Pai Nosso, o Santo Anjo, a Ave-Maria. Rezei o hino do Santos. As três orações faço para mim mesmo, no monólogo com Deus desde menino. A quarta canção foi mais um momento em que chorei por Pelé. Uma semana depois de sua morte, sinto a perda de alguém amado, a minha avó, Maria do Carmo, por exemplo.

À confirmação da notícia que sabia inevitável, fiquei paralisado, olhei devagar para a TV esperando algum engano e desabei em prantos. Sentei na cama, pus as mãos protegendo a cabeça e derramei o manancial de uma década de tristezas. Pelé era para mim, da geração imediatamente após a sua despedida dos gramados, ficção científica comprovada.

Agradeço ao videoteipe as imagens que guardo e vou revendo, ora no aparelho de DVD ou nas redes sociais, menos nos programas esportivos de TV por assinatura, porque a imagem do Rei em vida me corta por dentro e meu rosto fica inchado de melancolia.

Pelé vivo era aquele herói que sabíamos contar em caso de encrenca. Mesmo sem jogar, seu carisma no sorriso de estampa nos tranquilizava. Pelé deu entrevista, Pelé comentou algo, Pelé elogiou tal jogador – sempre por gentileza, pois ele sabia mais do que ninguém que jamais um mortal estaria em sua retina de monarca.

Houve um episódio, em junho de 1980, quando a Rede Globo exibiu o especial O Sonho do Menino de Três Corações, em comemoração aos 10 anos do tricampeonato de 1970, no México, a melhor seleção da história em miscelânea com a de 1958. Meu pai via comigo o programa e, quando Pelé subiu mais alto que a defesa italiana e fulminou Albertosi, fazendo o 1×0 dos 4×1 sobre a Itália na final, meu velho desabou. Consigo recordar uma frase: “As jogadas de Pelé amenizavam a dor que sofria.”

Consolei meu pai que, a título de informação, apenas, sem juízo de valor, era militante de esquerda e foi exilado político no Chile e torturado 44 dias no Brasil, tendo todos os dentes e unhas arrancados. E adorava Pelé, sempre cobrado por seus companheiros por posições ideológicas que não lhe cabia tomar.

A maior pancada no regime vigente, Pelé deu ao dizer não à Copa de 1974, recebendo sutis provocações e acusações de falta de patriotismo. Para azar dos mais violentos da repressão, tocar em Pelé seria impossível, seria a revolução que ele fazia toda quarta e todo domingo no Santos ou no escrete canarinho, ele que fez da camisa 10, símbolo de superioridade.

A morte de Pelé se soma a uma avalanche de tristezas que me acometem e que combato com tratamento recomendado e comoção. Em leituras ou reprises de cinema. Ainda não criei coragem de rever Isto É Pelé, Pelé Eterno e Fuga Para a Vitória, as três principais produções estreladas por Pelé, que esteve em 18 filmes, um deles, Pedro Mico, malandro carioca, eu assisti no velho Cinema Nordeste no centro de Natal.

Desavisado, me deparo com Pelé dando lençol no sueco na decisão de 1958. Choro. Reaparece o drible indescritível seguido de chute venenoso no zagueiro de País de Gales no apertado 1×0 que nos levou às semifinais e ao baile sobre a França por 5×2. Os olhos marejam.

Surgem Pelé e Maradona tabelando de cabeça. O Rei aos 65 anos, elegante, impecável, acertou todas. Dieguito segurou a bola por saber que seu toque jogaria a bola no chão. Sinto aquele cansaço inútil dos órfãos.

Lá vem o passe de Pelé para Carlos Alberto fazer Brasil 4×1 Itália. Nenhuma fita métrica seria tão perfeita. Mesma régua que deixa Jairzinho livre para fuzilar Gordon Banks. Me emociono. E sou passional por currículo de pancadas, minhas perdas afetivas são fraternas. Pelé é uma delas.

Não acompanhei seu funeral. Pelé e caixão, incompatíveis. Me sinto assim numa arquibancada cheia, dois times perfilados, árbitros e duas ausências irreparáveis. Pelé e a bola, fugitiva solidária. Se estou chorando? Óbvio.

PELÉ EM NATAL: GOLS, GOZAÇÕES, PROVOCAÇÕES

por Rubens Lemos

Foram três partidas em campo e uma jogada empresarial. Nas quatro vezes em que Pelé esteve em Natal, seria redundante escrever que a cidade parou. Pelé pisou primeiro no modestíssimo palco do Estádio Juvenal Lamartine, em amistoso contra o América dia 12 de dezembro de 1971, empreitada da antiga agência Dumbo Promoções que causou prejuízo de R$ 70 mil a preço de 2022.

Natal, em 1971, era a solitária capital a não ter visto o Rei do Futebol e promotor de eventos Carlinhos Silva entendeu que era hora de unir história e lucro. Naquele ano, Pelé se despedira da seleção brasileira e seguia atuando com brilho no Santos.

Excluído da festa, o ABC tratou de boicotá-la. Dirigentes alvinegros espalharam o boato de que haveria outra partida a preços simbólicos e não mais que 4 mil pessoas saíram de casa na tarde chuvosa de um domingo com ares melancólicos. Pelé e o Santos ficaram hospedados no Hotel dos Reis Magos, posto abaixo pela decadência e tiveram toda a paciência possível com fãs e puxa-sacos que impediram o astro de dar mísero mergulho na convidativa piscina da ampla área de lazer.

Em campo, Pelé não esteve ligado, se deixando levar pela marcação do nervoso quarto-zagueiro Ivo. O América se encheu de brios e fez 1×0 na primeira etapa com o atacante paraense Amorim. O Santos seguiu bocejando até o técnico Orlando Peçanha, beque da seleção brasileira campeã de 1958, encher os jogadores de esporros. Edu empatou aos 15 minutos do segundo tempo. Faltando menos de um minuto para acabar o jogo, o árbitro Jáder Correia marcou falta na entrada da área da trave dos fundos do Juvenal Lamartine.
Entra o cômico em cena. O lateral-direito Pimentel Batata implorou a Pelé para que chutasse para fora, para “que o bicho fosse bom para os de casa” e o América ganhasse fama nacional. Mudo, Pelé bateu com estilo no ângulo superior do goleiro Jairo, fazendo 2×1 e dando tapinha nas costas do inconformado Batata: “Garoto, futebol é assim”. O jovem zagueiro rubro, em prantos, protestava: “Você é um Rei, mas não é humano”.

O Santos venceu com Cejas; Orlando Lelé, Paulo, Oberdan e Rildo; Léo Oliveira e Dicá(Nenê); Jáder, Pelé, Edu e Ferreira. O América perdeu com Jairo; Pimentel Batata, Cláudio, Ivo e Duda; Osmar e Gobat; Bagadão, Tuta(Zé Roberto), Petinha e Amorim. Técnico: Pinguela.

Pelé foi embora levando cajus e deixando a camisa 10 para exposição na lendária loja Formosa Síria na Avenida Rio Branco e depois leilão com renda revertida para a Companhia Nacional das Escolas da Comunidade. Recebeu título de cidadão natalense e potiguar.

No dia 29 de novembro de 1972, pelo primeiro Campeonato Brasileiro com a presença de um clube potiguar na divisão principal, Pelé voltou a fazer gol na vitória por 2×0 sobre o ABC diante de 49.150 pagantes, terceiro maior público da história do Estádio Castelo Branco(que passaria a ser chamado de João Machado em 1989 até ser demolido em 2011 para a Copa do mundo de 2014). Edu marcou o outro gol.

O confronto foi cercado de expectativa pelo encontro de Pelé com Alberi, o Deus provincial. Lendas urbanas criaram um lençol de Alberi em Pelé e uma caneta do Rei no Negão, os dois lances desmentidos pelo capitão do ABC, o zagueiro Edson. “Não houve nada disso. Pelé nem estava a fim de jogo e Alberi entrou tenso. Eu dividi com força a bola com Pelé, ele ganhou e fez o gol”, contou Edson em depoimento ao livro Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, sobre o Castelão(Machadão).

Além da tietagem de políticos, o duelo foi marcado por uma foto de Pelé com Alberi, e o show do ponta-esquerda Edu. O Santos venceu de Cláudio; Turcão, Vicente, Paulo e Murias; Léo Oliveira, Afonsinho e Pelé; Jair da Costa, Brecha(Pitico) e Edu. ABC: Tião; Sabará, Edson, Quelé e Anchieta(Preta); Maranhão, Orlando e Alberi; Libânio, Baltazar(Everaldo) e Petinha.

No ano seguinte, Pelé ficou irritado com provocações de origem duvidosa e liderou o massacre do Santos sobre o América pelo Campeonato Brasileiro por 6×1, sendo três gols dele. Alunos do curso de Comunicação Social convidaram o Rei para o programa Xeque-Mate, da TV Universitária e, educadamente, Pelé disse não.

Na manhã do jogo, ele estava à beira da piscina do Hotel dos Reis Magos, fustigado por fãs, quando um grupo de jovens vestindo vermelho e portando bandeiras do América passou a xingá-lo de velho e míope. Pelé pediu para esperar pela noite no gramado. Os baderneiros, contam não poucas testemunhas, eram, na verdade, torcedores do ABC, à época suspenso de competições nacionais desejosos de um fracasso rubro. O América vinha fazendo ótima campanha, conquistando a Taça Almir de melhor desempenho entre clubes do Norte e do Nordeste.

Aos 20 minutos do primeiro tempo, Pelé já impunha 4×0 para desespero do público local. Fez questão de ficar em campo os 90 minuto e armou os gols de Mazinho, Eusébio e Brecha. O mais castigado pelos dribles de Pelé foi o capitão e maior zagueiro da história americana, Scala, companheiro do Rei nas Eliminatórias para a Copa de 1970.

Na terceira e última partida de Pelé em Natal, o Santos atuou com Cejas; Hermes, Carlos Alberto Torres(Bianchi), Vicente e Zé Carlos; Clodoaldo e Léo Oliveira(Brecha); Mazinho, Eusébio, Pelé e Edu. América: Ubirajara, Mário Braga, Scala, Djalma e Cosme; Afonsinho e Careca; Almir(Bagadão), João Daniel(Santa Cruz), Hélcio Jacaré e Gilson Porto.

No dia 1º de abril de 1974, em meios aos apelos infrutíferos para disputar a Copa da Alemanha, Pelé veio a Natal de paletó branco e reluzente camisa vermelha assinar os documentos e receber a escritura de um terreno de 1.400 metros no filé imobiliário da praia de Ponta Negra, generosamente doado pelo governador Cortez Pereira. Ouviu piadas irritantes de assessores, entrou no Galaxie do governador e seguiu ao Aeroporto de Parnamirim, onde embarcou para Recife(PE).

CAMISA 10 DA ETERNIDADE

por Rubens Lemos

Começando pelos compatriotas: Friendenreich, Leônidas da Silva, Zizinho, Jair Rosa Pinto, Zico menos por vontade de Zico do que da mídia. Todos comparados a Pelé. Nenhum sequer 30% dono do futebol do Crioulo.
No Brasil, inferior complexidade, Pelé sempre foi cobrado mais pelo que seu corpo humano Edson Arantes fazia do que o extraterrestre maravilhoso produziu. O Brasil tinha e terá inveja de Pelé.

Contam os antigões que, Leônidas da Silva, o brilhante propagador da bicicleta, o salto corporal ao infinito para o chute poderoso sem defesa para os goleiros, foi o mais incomodado entre os craques depois da chegada de Pelé.

Pelé mundialmente famoso a partir de 1957, aos 16 anos marcando um gol contra a Argentina diante de 60 mil pessoas no Maracanã, ele um menino atrevido e sem dar a menor peteca às tremedeiras juvenis.

Chegava a entidade capaz de chutar, cabecear, driblar, lançar, bater falta, pênalti, escanteio, ser mau quando preciso, desde que uma bola foi usada sabe-se lá onde. Pelé veio para ser primeiro e incomparável. Ninguém, enquanto existir espécie humana sobre a terra, será, sequer, assemelhado a ele.

Seguiram os invejosos. Na Argentina, Di Stéfano era tão bom ou superior ao neguinho estupendo. Maradona por palavras próprias, era melhor do que Pelé, neurose de milhões de portenhos que jamais admitirão um brasileiro no topo da lista e a anos-luz à frente do segundo colocado, outro brasileiro, Mané Garrincha.

Pelé quatro vezes campeão mundial aos 23 anos, duas pela seleção brasileira, duas pelo Santos. Nenhum dos seus concorrentes forçados chegou perto. Pelé campeão de três das quatro Copas disputadas.
Maradona disputou quatro, ganhou uma, em 1986, esplendoroso. Mas saiu em 1994 pela antessala da eternidade, dopado até a medula apenas no começo da derrocada que lhe tirou a vida. E Maradona foi ilusionista.

Chegando à Europa, ousaram comparar Pelé com o magnífico português Eusébio, destaque na Copa do Mundo de 1966, aquela em que o Brasil convocou 44 jogadores e não conseguiu formar um time.

Eusébio acabou com o Brasil na partida(Portugal 3×1), em que os zagueiros patrícios esfolavam todas as dobradiças do Rei. Do único e irrevogável Rei.

Dois meses depois do Mundial, em um torneio nos Estados Unidos, Pelé pelo Santos e Eusébio pelo Benfica se encontraram. Cara a cara. De testa. E Pelé usou sua filarmônica de jogadas de efeito e gols humilhantes, sem precisar provar nada, apenas mandando os chatos para a PQP. Santos 4×0.

Antes, Pelé havia triturado Eusébio em 1962, em Lisboa, na decisão do Mundial Interclubes, Santos 6×2 Benfica, provavelmente a melhor partida entre clubes da história.

Depois o múltiplo holandês Cruijff na Holanda de 1974. Supercraque. Líder de um carrossel em que ninguém tinha posição. Mas Cruijjff para chegar a Pelé seria preciso um tiro de canhão acertar uma formiga. Pelé aguentando, suportando, ouvindo e rindo.

De todos os pretensos, Maradona foi o mais insistente. Maradona era equivalente a Roberto Rivelino, ele, padroeiro das contradições, dizia e repetia: imitava Rivelino em seu bairro pobre da Villa Fiorito, território da aristocracia boleira de Dieguito. Ele dizia copiar Rivelino para irritar o Rei e porque, a exemplo de todos os milhões de seres humanos, nunca repetiria os toques e traços de Pelé.

Bobagem de blogosfera : Messi se iguala a Pelé. Pecado capital. Pelé não entrava na disputa porque seria referendo, mas experts, sabe com base em quais quesitos, o colocaram em primeiro em 1958/59/60/61/63/65 e em 1970, ano em que, sozinho, teria jogado a Copa do Tri.

Messi, Mbappé , Cristiano Ronaldo, todos os anteriores e posteriores não chegarão nem perto de Pelé. Ele nasceu, como todos os outros, em chão terreno. Pelé é da galáxia espiral da Via Láctea. Na eternidade, a camisa 10 é dele. O corpo de Edson Arantes se vai. Pelé estará invisível em cada campo vazio humilhando zagueiros e matando goleiros.

EMPate, frustração

por Rubens Lemos

No vôlei e no basquete, não existe empate. Ninguém noticia que técnico fulano ou sicrano é retranqueiro, medroso. Se for bom e tiver um time de qualidade, ganha, senão, apanha e vai pra casa conformado. É a vantagem da maioria dos esportes sobre o futebol.

O primeiro covarde dos gramados surgiu quando tirava um cochilo depois do almoço e sonhou(ou teve um pesadelo?), com as vantagens do empate. Em seus devaneios, pegou um papel ou campo de futebol de botão e foi recuando jogadores imaginários até que todo o seu lado ficasse inteiro, povoado, congestionado, numa barreira que impediria o adversário de fazer gols e garantiria o seu emprego.

Dunga, um xerife da tranca boleira, disse, impoluto como um Cony escrevendo, que, se ninguém arriscar, o jogo fica pelo menos em 0x0. E o delírio dos empatadores foi ganhando força e forma, gerando um monstro espalhado em cada “professor ”inimigo do drible,do lançamento e do gol de placa.

O campo de jogo ideal para os retranqueiros nem precisaria das duas traves. Gol pra quê? O jogo teria e tem 90 minutos de cotoveladas, divididas, toques curtos, laterais e pronto: 0x0, ninguém alegre e ninguém triste. Os subprodutos do empate são zagueiros sem classe, cabeças-de-área que parecem vikings, meias tímidos e covardes, que rodam com a bola feito enceradeiras.

Como seria um empate no amor? O sexo sem orgasmo, cada um dando, no máximo, um beijo na face do outro. Sem avanços e ousadias porque fisicamente não haveria consumo de suor nem possibilidade de procriação.

Como seria um concurso com todo mundo empatado? Ninguém classificado, ora, porque, na mentalidade avarenta dos retranqueiros, mais prudente anular a prova do que contratar todo mundo. Ou os candidatos iriam aos pênaltis?

Os apóstolos do empate devem imaginar um mundo feito de pessoas rigorosamente iguais, bonitas ou feias, mas com nada diferente umas das outras. O empate não permitiria a paixão, porque a distinção, o detalhe, o sorriso seriam invisíveis.

O empate poderia acabar no futebol. O impedimento também. Empatar, impedir. Parem, pensem. São duas palavras antipáticas, dois atos proibitivos, censores, que tolhem. Gol e gozo são termos muito mais gostosos. Na pronúncia, no ato e no fato. Na causa e na consequência.