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Rubens Lemos

DUNGA TINHA RAZÃO

por Rubens Lemos


Desde 2010, na Copa da África do Sul, o vazio criativo no meio-campo da seleção brasileira ganhou dimensões oceânicas. Em 2006, Ronaldinho Gaúcho e Kaká pareciam esperanças tornadas fumaça pelos pés franceses de Zidane. A França humilhou mais o Brasil em 2006 do que na amarelada de Ronaldo oito anos antes.

Um armador, implorávamos nós, os românticos, um camisa 10 autêntico, administrador do time e do jogo, soberano. Estávamos sem qualquer alternativa até surgir um garoto magrelo, paraense e de toques sofisticados jogando pelo Santos, ele e o driblador e antipático Neymar. Parecia um Ganso e assim chamavam o menino.

O coro nacional pela convocação dos dois precoces incendiou o desgastado filme do técnico Dunga, padroeiro dos brucutus fora dos gramados (em campo, foi um senhor volante). Dunga manteve suas convicções ranzinzas e Neymar e Ganso foram convocados apenas por Mano Menezes, ainda em 2010, meses depois da derrota para os holandeses.

Neymar e Ganso se separaram. Neymar foi povoar europas com seus dribles belos e raros, com suas quedas irritantes e uma arrogância maior do que o Camp Nou, estádio do Barcelona onde tentou sem conseguir a contracena com Lionel Messi.

Ganso deixou-se tomar pela indolência. A classe aparente virou lentidão, preguiça indisfarçável e sua criatividade murchou tal bola de borracha furada em racha de rua.

Ganso saiu do Santos (a torcida agradeceu), do São Paulo (repercussão idêntica), enganou em times de segunda mão na Europa e reapareceu no Fluminense com pose de regente. De velório. Ganso é a referência da errática fauna tida como luminosa para os anos 2000 com a camisa do Brasil.

Abrindo o parêntese da escassez, a camisa 10 deixou de ser objeto de cobiça, manto de Pelé, Zizinho, Zico, Rivelino e Rivaldo (um gênio que não teve a glória merecida pela matutês nordestina).

Neymar tomou-a e atua correndo como um maluco pelo ataque, quando a mitologia do número enxerga o dono entre o meio-campo e o ataque, criando fantasias de criança em pelada de pés descalços, do malabarismo produzido na fração do segundo.

É muito dinheiro na mão de meninos mimados. Dane-se a seleção. Ganso voltou da Europa ganhando 300 mil reais por mês, Alexandre Pato descansa em lago morto após ficar bilionário antes dos 20 anos, jogando no Milan e namorando a filha do dono, o Capo Sílvio Berlusconi. Quem teria moral de cobrá-lo? Pato saiu campeão mundial de 2006 pelo Inter (RS) para perder uma Olimpíada e passar distante da Copa do Mundo de 2010.

Voltemos a Ganso: Sem tesão inventivo, rasteja em pé e revela uma arrogância até superior a de Neymar: derrubou técnico, bateu em ex-juvenis, ignorou companheiros de time. Quase dez anos depois de iludir os carentes da bola jogada com arte, Ganso parece pedir para ficar em casa, ganhando sem jogar. Em campo, é um fantasma de chuteiras, arrastando correntes lerdas. Dunga tinha razão.

MASOQUISMO

por Rubens Lemos


Jogo e treino de seleção brasileira – de qualquer categoria – são atividades decisivas para o currículo de qualquer masoquista juramentado. É assistir, se irritar, chamar palavrão, desligar e ligar de novo a televisão para ver nulidades sem recurso e passeando lerdas pelo gramado.

Em especial o Brasil de Tite, conseguiu construir uma ponte imaginária entre defesa e ataque. A bola só sai de um setor até o outro na base do chutão e na canelada. É que mataram deixando em decúbito dorsal o meio-campo, área nobre de uma peleja, onde pontificaram craques e monstros sagrados.

É masoquismo olhar para Casemiro, pobrezinho, o camisa 5 atual e lembrar Clodoaldo de 1970 ou Paulo Roberto Falcão, dominando a bola do alto até o chão no biquinho da chuteira, sem fazer força, a bola querendo ficar e os craques desejando o fluir do ataque.

A gente olha para a camisa 8 de Arthur e é uma tremenda sacanagem com: Zizinho, Didi, Jair Rosa Pinto, Gerson, Sócrates, Geovani, Adílio, Silas, Paulo Isidoro, Mendonça, Pita, Jorge Mendonça e Jair, do Internacional tricampeão com Falcão.

Arthur foi escolhido após pesquisas científicas. Em busca da mediocridade imbatível, estudaram, colheram dados físicos e traços de personalidade até que o bicho deu em Arthur.

Arthur é a negação dos talentosos natos. Erra o passe a 1 metro de distância do companheiro e é figura proeminente do recurso mais em voga no Sul do país: o carrinho, pela frente ou por trás, para derrubar com dor o adversário de categoria superior.

Philippe Coutinho, mais para chatinho, sujeito emergente que ficou irritadinho, todo fresquinho, não-me-toques, é um abuso à história de Rivelino, Jairzinho, Paulo César Caju, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Zico, Alex, Djalminha, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, enfim, um atentado ao bom senso e um reforço a quem sofre por convicção e navega nas agonias mais nefandas.


Bem, chegamos ao ataque. Se vocês me dão licença estou rindo alto e sem conseguir chegar ao teclado do computador. Só de pensar que caindo pela direita está Roberto Firmino, o alagoano casado com uma linda loiraça, prova do amor Real $. Roberto Firmino percorrendo caminhos que já foram de Mané Garrincha.

Imaginemos o diálogo fictício:

Mané: É fácil, garoto, parte pra cima “dos” homem e é “só” driblar um a um.

Firmino: Mas seu Mané, não dá para alguém me ajudar não a fazer o dois toques?

Mané(moleque): Quem? (apontando para Casemiro), aquele gordinho é o maior grosso, um passe dele desemprega atacante. Faz o seguinte, pra te ajudar. Corre em linha reta, sem marcação, corta para o meio e bate para o gol, aproveita que está sem goleiro…

Compenetrado diante do alto grau de dificuldade, Firmino, aos tropeços na bola, consegue chegar à marca do pênalti e chuta de joanete, longe da trave nua. Garrincha desiste e volta para a nuvem que ocupa nos céus de Pau Grande (RJ).

É a vez de Neymar, ou “Júnior”. Com cara de quem está querendo urinar ou levou um beliscão, o camisa 10 vai pedalando sobre a bola desde a intermediária, xingando beques que só ele vê.

Chega na área, levanta a bola e solta o voleio. Berra, esperneia, chora, grita “Eu sou melhor que Pelé, eu sou melhor que ele”. Surgem dois gigantes enfermeiros. Aplicam sedativos no rapaz que vai apagando não sem antes suplicar: “Eu quero a camisa 1000, a 10000, a 1 milhão. Eu sou o melhor. O melhor do mundo.“ Ri agora um sorriso abobalhado, patético, de fim de carreira.

MEU CASTIGO

por Rubens Lemos


Não, mil vezes não. A idade é a luz da lucidez contrariando todos os meus princípios infantis e irredutíveis. Vascaíno de herança e paixão, tenho que ser verdadeiro, pois a verdade é dos inegociáveis patrimônios imateriais que guardo comigo: o Flamengo está jogando do jeito que a escola dos campinhos de várzea manda e só não será campeão de tudo nesta reta final de 2019 por incompetência própria.

Um amigo percebeu e disse assim: na primeira das semifinais da Libertadores, o Grêmio, em casa, parecia time pequeno, fechado, medroso e prestes a surtar de medo. Confere. O Flamengo redescobriu no Brasil um detalhe catedrático: a saída de bola no toque, no passe medido, na colocação adequada de cada jogador, do avanço guerreiro e ordenado de artilharia, seus laterais e volantes auxiliando os homens de frente, criando uma estrutura humana móvel que se desloca tal casal grudado em plena gafieira.

É bacana ver o Flamengo de Jorge Jesus. É uma força de trator sobre os medrosos adversários. O Flamengo reaviva suas tradições moleques obedecendo à disciplina tática bem nítida pela ofensividade. Defesa, meio-campo e ataque. Nos bons tempos, eles abusavam do enredo. O Flamengo joga para ganhar, não faz do empate, represa de covardia ou carnaval por um mísero ponto.

Por mais que se tente enxergar algo novo nos outros, prevalece a escola gaúcha de machismo Minuano, da chegada primeiro no oponente do que a busca radical pela bola, para dominá-la e exercer o que é ensinado ou praticar a magia da improvisação.

O Flamengo pode ser imprevisível, ao tomar as rédeas da partida fora de casa ou emboscar o concorrente, esperando-o, em quase clímax de filmes de Hitchcock para fustigá-lo no erro e matá-lo de forma impiedosa.

Poucas vezes – no nivelamento rasteiro – houve tanto desequilíbrio. Nos anos 1970 e 80, uns oito a dez times podiam ser cotados como possíveis campeões. Na década de 1990, o São Paulo de Telê Santana e o Palmeiras de Wanderley Luxemburgo arrasavam quarteirões.


O Vasco de Romário aos 34 anos em 2000 foi o último a me fazer cantar de coração. E sem o brilho de anos antes, com Geovani vestindo smokings invisíveis de tão elegante na condução intelectual dos outros dez companheiros.

O Vasco de 2000 e o Cruzeiro de 2003, comandado pelo absoluto Alex, nunca levado a uma Copa do Mundo, assim como Geovani e o malabarista Djalminha, foram os últimos a paralisar a Velha Guarda.

O Flamengo de hoje, claro, devido à escassez de talento, é um time difícil de superar por não ter concorrente e por contar com o melhor elenco em campo ou na reserva. Jorge Jesus conseguiu devolver a satisfação de se ver um jogo no Brasil.

Enquanto o Vasco sobrevive no sacrifício e na expertise de Luxemburgo, o Flamengo é habilidade. O Flamengo é top. Ou um time como só uma bela mulher sabe ser. Charmosa, inabordável, elegante e mediterrânea em beleza. Mulher, de primeira.

O DIA EM QUE ZAGALLO FOI À LOUCURA

por Rubens Lemos


A maior atuação individual de um jogador no Rio Grande do Norte foi de Alberi, do ABC de Natal, 27 anos, contra o Flamengo, treinado por Zagallo. Alberi José Ferreira Matos nasceu no Pina, área pobre do setor praiano do Recife (PE). Começou no Santa Cruz (PB) e o ABC o trouxe em 1968, descobrindo um ilusionista da bola, um mágico provinciano de uma cidade-aldeia de pouco mais de 200 mil habitantes e de um estádio (Juvenal Lamartine), modesto e desconfortável.

Em 1972, com a construção do assassinado Estádio Castelo Branco, o Castelão, Alberi pelo ABC participou do Campeonato Brasileiro da Divisão Principal, depois de dar um tricampeonato ao alvinegro. Seria tetra. Em 1970, início da epopeia, jogou com um rapaz magro e loiro, abusado nos avanços ao ataque. Mas tarde, seria chamado de Marinho Chagas, trocado por um saco de chuteiras do Riachuelo, seu primeiro time, com o ABC. Em 1971, Marinho Chagas estava no Náutico e no ano seguinte, no Botafogo (RJ).

Alberi ficou, dando as cartas na sua Pasárgada, Manuel Bandeira em versos de chuteiras. Não era amigo, mas o próprio rei, teve as mulheres que quis, na camas que desejou. Alberi foi Bola de Prata da Revista Placar e um jogo foi marcante. No dia 04 de outubro de 1972, 32 mil pessoas assistiram uma exibição sobrenatural de Alberi, contra o Flamengo do técnico da seleção brasileira, Zagallo, do tricampeão Paulo César Caju e do rebelde argentino e artilheiro Narciso Doval.

Ponta de lança autêntico, em caça ao gol, descadeirou os volantes Liminha e Zé Mário em cortes bruscos e freadas inesperadas no gramado. “Marca a esquerda do Negão”, berrava Zagallo. Alberi desferia um torpedo de direita. “Marca a direita desse monstro”, Alberi mandava um canhão de canhota na trave do goleiro Renato, da seleção brasileira.

Atuação decisiva para que Alberi ganhasse a Bola de Prata, o Oscar do Futebol Brasileiro, superando nomes do nível de Jairzinho, Dirceu Lopes e Tostão. Recebeu proposta do Fluminense. Casa com piscina, carro, mas ficou. A raiz afetiva chamava-se Natal e o palco, o Castelão.


Aranha(Remo), Marinho Chagas(Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte(Grêmio), Leão (Palmeiras) e Piazza(Cruzeiro); Osni(Vitória), Alberi(ABC), Zé Roberto(Coritiba), Ademir da Guia(Palmeiras) e Paulo César Caju(Flamengo). Bola de Prata 1972.

Havia o tetracampeonato para vencer com Maranhão, Danilo, Libânio, Demolidor e Moraes. Havia a excursão para a Europa e África. Alberi encantou romenos e gregos. Todo de branco, o ABC cintilava como pequeno vestígio de um Santos desigual.

Alberi foi para o América em 1976. Em 1977, lá estava eu vendo-o ajudar o time rubro a conquistar o campeonato. Alberi fez um golaço em Carlos, da Ponte Preta e seleção brasileira, driblando Oscar e Polozzi, zaga que estaria na Copa da Argentina em jogo do Brasileirão. Vitória de 1×0. Rodou por vários clubes.

Seus companheiros paravam e ele resistia. Foram buscá-lo em Juazeiro do Norte (CE) para uma volta emocional ao ABC em 1981. Fez de pênalti, o gol do título do primeiro turno (1×1 com o América). Em Natal, sem blasfêmia, o Pelé é Alberi.

Pensava, criava, as companhias caíam de padrão, o fôlego diminuía. Em 1985, numa noite chuvosa e sem glória, deu adeus no túnel esquerdo do Castelão, vestindo a camisa 10 do ABC. Aos 74 anos, Alberi é um presente universal concedido ao Rio Grande do Norte.

FICHA TÉCNICA:

ABC 0x0 Flamengo

Data:04/10/1972

Árbitro: Romualdo Arppi Filho

Público pagante: 32.707

Local: Estádio Castelo Branco(Natal – RN)

ABC: Tião; Sabará, Edson, Nilson Andrade e Rildo(jogou Copa 1966); Maranhão e Danilo Menezes(dupla titular do Vasco anos 1960); Libânio, Alberi, Petinha(Everaldo) e Soares. Técnico: Célio de Souza(revelador de vários craques);

Flamengo: Renato; Moreira, Chiquinho Pastor, Tinho e Mineiro; Liminha e Zé Mário(Zanata); Vicentinho, Humberto, Doval e Paulo César Caju. Técnico: Zagallo.

DE FRAQUE E CARTOLA

por Rubens Lemos


Sou obrigado a contar nesta delonga que os meninos atuais viram bem menos do que assisti em campo e hoje falam com aspectos arrogantes. O futebol é a minha base de analogia. Comparo-o a qualquer assunto e termino modestamente com alguma razão. Na vida, como no futebol, quem prefere se defender ou se esconder, perde por omissão, medo ou covardia. Quem tem coragem de lutar, é como um time jogando no ataque, driblando para frente, alegrando a plateia.

Tenho dó dos meninos com direito à TV paga que não se assemelham aos pobres frequentadores de circos interioranos, cobertos com lonas de quinta categoria. Os pequenos do campo, do mato, das agruras e do pão contado têm no circo a alegria bem mais autêntica do que o discurso teórico de algumas décadas passadas, quando, entre queijos e vinhos, sem riscos de delação ou tortura, falsos profetas discursavam para ouvidos imbecilizados.

Recitavam Neruda, bebiam bons vinhos e sentenciavam: o povo brasileiro gosta de pão e circo. E olhavam para os interlocutores, todos embevecidos pela falta de opção melhor. A retórica dos catedráticos punha o circo como guarda-chuva de todas as culturas consideradas inúteis por eles, os sábios que, ao passar dos anos, se transformariam em sabidos, no sentido sem graça da esperteza.

O circo dos intelectuais de festa impunha o futebol como ópio das classes dominadas. Esse tipo de arrogante continua achando assim. Com todas as minhas limitações pretéritas , nada é mais cultural do que o futebol, na sua prática que envolve a dança, a literatura expressada por nomes menos pedantes: Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, João Máximo, João Saldanha, Luís Fernando Veríssimo, José Lins do Rêgo.

O futebol era uma festa primordial de massa. Os gurus que tomavam vinho e teorizavam o que outros sentiam na pele e na prática perderam seu manifesto verbal e pedante: o futebol acabou para os humildes.

Nos ingressos a preços absurdos, em clubes proibitivos e na substituição do amor dos torcedores de verdade, pela baba elástica e odienta dos mentecaptos violentos que escolheram um time para destilar suas frustrações de placenta. Palavra de antiquado. De uma alma de fraque e cartola.