Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Rubens Lemos

DRIBLE DE GREGO

por Rubens Lemos


Meu caro amigo, você que me honra desperdiçando seu precioso tempo em alguns minutos nesta coluna. Quem é, de fato, o algoz e quem expõe pavor na expressão corporal? A foto é de 1963, do primoroso jornalista Oldemário Touguinhó, do Jornal do Brasil. Nela, Garrincha está em alegria plena. Executaria o mais lindo dos fundamentos do futebol, Garrincha que dele foi pai: o drible.

Sim, amigo, que vive a angústia da pandemia e se arranja, feito eu, em deliciosas imagens dos verdadeiros monarcas da bola brasileira: o drible é a supremacia irreverente e absoluta de um homem sobre outro sem violência e com esbanjamento do verbo improvisar. Reverencio o driblador. Reverenciava, porque hoje não existe mais.

E o gol, Rubens Lemos, não seria o mais importante enquanto você se perde em delírios, se entrega a devaneios? O gol, o golaço, o gol espírita, o gol de bunda, é, no futebol, o peso do martelo das sentenças dos homens. O gol é inflexível, inegociável, definidor.

Peço compreensão a um romântico. O drible é a flor da mulher amada, mesmo que não aceite o ramalhete. O drible consegue unir na fração do segundo, o cérebro e os pés pela ponte da inteligência sagaz, da artimanha vocacional, da chacota de um programa do Chacrinha (mais novos, pesquisem Chacrinha na Wikipedia).

Sou fervoroso defensor do compartilhamento na vida fora dos gramados e defensor intransigente do individualismo dentro das quatro linhas.

O que me fez adorar o futebol foram os dribles dos meus craques de infância, amigos de rua, Tércio e Didica, dois ungidos pelo poder de passar por dentro de irrecuperáveis iguais a mim.

Amo o drible. Amo Garrincha. Que driblava sem intenção de humilhar e humilhando. Amigos, Garrincha, em três minutos contra a Rússia em 1958, fez o jogo pender ao lado direito, deixando companheiros e adversários perplexos com o baile no pobre lateral Kusnetsov, que entrou em colapso emocional no intervalo.

Garrincha pairava sobre os estádios, campinhos e várzea nas ventanias sudoestes, pessoalmente ou em forma de fantasma anarquista. Durante e depois de Garrincha, todos os laterais-esquerdos do mundo entravam em campo amedrontados, quase a pedir um segurança armado por 90 minutos. Seriam dois humilhados: o jogador e o jagunço.

O mais belo entre os dribles de Garrincha está no replay de Brasil 2×1 Espanha na Copa do Mundo que Mané ganhou sozinho tal Maradona em 1986 e Romário oito anos depois. Mané está na linha lateral pela direita do ataque canarinho. Recebe, embalado em papel machê, o passe de Didi, o criador.

O marcador da Espanha, de suntuoso nome, Echeberría, parte com a fúria taurina de um Bodacious, o mais violento. Garrincha recebe a bola e cria sua câmera lenta pessoal. Na recepção a Echeberría, resolve avacalhar a cena.

Dá um toque, o perseguidor derrapa como trem sem condutor. Echeberría não consegue freio. Garrincha, ao primeiro bater na bola, toureiro, afasta o corpo, gira-o à frente do campo e segue enfileirando espanhóis ao sabor de Paella. Echeberría virou joia de quinta categoria.

Então, meu amigo de diálogo, monótono por formatação, senti uma piedade plena do pobre homem de camisa 2. O sorriso de Garrincha prenuncia a humilhação habitual e dominical de seus inúteis perseguidores: Coronel (Vasco), Jordan (Flamengo) e o malvado e mirrado Altair, do Fluminense.

O drible tragicômico. Eis o que descreve a fotografia. Falando como se oradora fosse, versão mulher de Demóstenes, retórica impecável da Grécia antiga. Demóstenes, o grego, nunca soube o que era um drible de Garrincha, capaz de entortar pórticos e colunatas milenares.

RIVA, 75

por Rubens Lemos


O menino, teimoso, tapeava o pai, siciliano sangue quente e orgulho disfarçado. Banco para ele, nem o da escola. O curso natural da vida era a bola jogada com os amigos humilhados por dribles homéricos e indecentes.

– Sai da rua, Roberto! – berrava seu Nicola.

Roberto, Rivellino com dois éles abreviados pelo tempo e a fama, desafiava o cinto grosso de couro e a autoridade paterna enfileirando colegas e desafiantes de quadras de rua. Um gênio genioso no pé esquerdo.

Referência dos meus primeiros exemplares da Revista Placar, Rivelino (nome literal artístico), mandava no futebol brasileiro depois de Pelé e antes da afirmação de Zico.

No entreato de 1971 a 1978, viuvez de Pelé, Rivelino carregou nas costas sinalizadas pela camisa 10, as esperanças e devaneios do torcedor romântico, fanático e bêbado de tanta elasticidade canhota. Rivelino enganava seus inúteis perseguidores com uma goma de mascar escondida em algum detalhe da chuteira.

Corria 1975. Vivíamos num apartamento alugado de esquina na avenida Hermes da Fonseca, em frente ao Quartel do Exército. O pai, vascaíno fanático pelo timaço de Walter Marciano e Vavá de 1956, gozava seu segundo ano de liberdade. Fora destroçado fisicamente pela tortura, desprezado por amigos e parentes medrosos e colaboracionistas da tirania.

Levavam meu pai até a delegacia para “averiguações”, humilhavam-no e o soltavam com risadinhas cínicas. Tenho menos ódio dos orangotangos do passado do que dos beócitos do presente, nulidades que pedem ditadura sem colhão para tomar um cascudo. Numa dessas perseguições, perdeu a hora do jogo no Castelão (Machadão) e voltou para o pequeno apartamento aos impropérios.

Chegou a tempo de ligar o televisor, tomar uma dose de Cachaça Caranguejo e sintonizar a TV Universitária. Brincávamos, eu e minha irmã, minha mãe, católica, apostólica e americana contra a maioria, rezava seu terço. Ouvimos o berro:

– Filho da puta!

Não era delator ou espancador o alvo. Papai xingava o dedicado volante Alcir, do Vasco, paralisado pelo drible dos mais debochados de todos os tempos do Ex-Maracanã. Rivelino, bola colada à pata boa, produzira um efeito especial.

A bola foi e voltou em centímetros latifúndiários sem sair do seu domínio. Parado estava, parado Alcir ficou. Levou uma caneta, Rivelino passou no meio dos zagueiros Moisés e Renê feito raio, esperou a queda do goleiro Andrada e tocou a bola rasteiro.

O Fluminense – eu que apreciava Durango Kid e Daniel Boone – heróis de seriado, saberia depois, ganhava de 1×0 e avançava para o título carioca. Seria o primeiro da vida de Rivelino em clube, ele que havia sido fantástico no Tri da seleção no México e escorraçado do Corinthians na perda do Campeonato Paulista de 1974 para o Palmeiras.

Rivelino me encantava nos primeiros flertes do amor ao futebol. Jogava brincando, esbanjava categoria, driblava e driblava e traria a Copa de 1978, que praticamente não jogou, machucado e depois barrado pelo técnico Cláudio Coutinho, retranqueiro convicto. Batista, aplicado volante do Internacional tomara o lugar de Rivelino.

Mascote do ABC, minha timidez impediu de lhe pedir um autógrafo no amistoso contra o Vasco em 1979. Rivelino, antipático, estava entediado, abusado, queria cachê e tabelou cinco ou seis vezes com o maestro Danilo Menezes, seu companheiro de meia-cancha. A partida acabou 1×1 com Noé Macunaíma, substituto de Rivelino, empatando para o ABC. De cabeça, Noé nanico, vencendo o pernóstico Leão, goleiro da seleção brasileira.

O mágico Rivelino fez 75 anos de vida. Nasceu na passagem de 1945 a 46. Uma transição definidora, espetacular. Vi Rivelino jogar depois pelo Brasil de veteranos, lançando com efeito, escravizando marcadores em deslocamentos e fintas deliciosas. Era saboroso ver Rivelino jogar.

Melhor que ele, em 1970, só Pelé. Rivelino empatava com Gerson e Tostão. Geração luminosa. A meninada nem sabe quem foi Rivelino e fica boba com firulas de Neymar. Vantagem minha, que sou velho. Fã do bigodudo, amante requintado de uma bola possuída em orgasmos gritantes. Rivelino, Roberto, foi pra rua. Ganhou o mundo.

MUNDIALITO, 40 ANOS

por Rubens Lemos


Entre 30 de dezembro de 1980 e 10 de janeiro de 1981, a FIFA reuniu as seleções campeãs do mundo e a Holanda vice nas Copas de 1974 e 1978 para o Mundialito do Uruguai. Celebração dos cinquenta anos do primeiro mundial. A Inglaterra, que fundou o futebol e assaltou a Alemanha Ocidental para conquistar sua taça em 1966, esnobou o torneio.

No grupo encabeçado pelos donos da casa, Uruguai, Itália e Holanda. Na outra chave, brindada com o clichê da morte como limite do equilíbrio, Argentina, Alemanha Ocidental e o Brasil de Telê Santana, ainda desacreditado em casa pelos resultados normalíssimos em 1980.

O Uruguai preparou tudo para repetir 1930 e dedicou-se com a velha garra e a categoria de pelo menos três craques , a seguir, famosos no Brasil: o goleiro Rodolfo Rodriguez, muralha no Santos, o capitão e caudilho Hugo De Leon, campeão do mundo pelo Grêmio em 1983 e o elegante meia canhoto Ruben Paz, ídolo no Internacional(RS).

A Argentina desceu em Montevidéu vitoriosa por antecipação. Maradona estava fulgurante no Boca Juniors, magia em cada toque curto, lançamento, drible de tango e gols de monumento.

Com Rummenige, Hansi Müller, Allofs e Fischer, a Alemanha Ocidental, campeã da Europa, assustava pelo seu porte marcial e seu estilo pragmático, tático de guerra. Favorita tanto quanto a Argentina.

O Brasil de Telê Santana viajou desacreditado e sem três estrelas: Zico, Reinaldo e Falcão. Dois machucados e o outro não liberado pela Roma(ITA).

Sócrates era ilhéu de genialidade. Ainda não havia sinais de Leandro florescendo e a camisa 2 pertencia ao troncudo Edevaldo, revelado pelo Fluminense e apelidado com sutileza de Cavalo.

Há quatro décadas , a teimosia de Telê Santana causava úlceras e urticárias. No gol, os convocados foram Carlos, da Ponte Preta e o razoável João Leite, do Atlético Mineiro, que acabaria jogando as duas partidas decisivas.

Perguntado por Leão, melhor disparado do país, Telê disse que só o chamaria para ser titular e os seus prediletos pela ordem eram Carlos, João Leite, Marola do Santos e Valdir Peres.

Com duas vitórias de 2×0, tranquilas, o Uruguai classificou-se para a final(apenas o vencedor do grupo passava de fase). A Argentina venceu de virada a Alemanha em partida épica por 2×1 e, se ganhasse do Brasil, repetiria a decisão da Copa de 1930.

Maradona deu um drible indecoroso no zagueiro Oscar e fez 1×0, ensaiando um olé que deixou o Brasil de sangue quente. Raça havia apenas no volante Batista. O mamulengo Cerezo rodopiava improdutivo.

Um canhão do lateral Edevaldo decretou o empate brasileiro(1×1) contra a Argentina, que esperaria o resultado de Brasil versus Alemanha Ocidental. Os alemães fizeram 1×0 com Allofs, o que obrigava o Brasil a vencer por dois gols de vantagem.

O time de Telê Santana era especialista em desenhar esperanças que, no painel da bola, culminavam em frustrações. Em exibição irretocável, o Brasil ganhou de 4×1, gols de Júnior, Cerezo, Serginho Chulapa e do driblador Zé Sérgio, então no máximo da forma.

O país precisava da vitória para ser o de sempre: um crédulo gigante. Naquele veraneio ensolarado, samba e festejos de vingança ainda pela nunca digerida derrota da Copa de 1950 para os uruguaios no Maracanã. Venceríamos no Estádio Nacional “para dar o troco”. O Uruguai não precisou de maiores esforços para ser campeão. Ganhou de 2×1.

Ali, com Serginho Chulapa agredindo a bola e João Leite de Valdir Peres antecipado nas falhas bizarras, a seleção de Telê sinalizava o que desabaria um ano depois contra a Itália na Copa do Mundo: era um time que encantava para depois fazer chorar.

PS. Brasil perdeu com João Leite; Edevaldo, Oscar, Luisinho e Júnior; Batista, Cerezo e Tita(Serginho Chulapa); Paulo Isidoro, Sócrates e Zé Sérgio(Eder). Apenas João Leite, Tita e Zé Sérgio não foram à Copa do Mundo de 1982.

FALCÃO E A INFÂNCIA

por Rubens Lemos


Desejo minha pureza na gula pelos bolos de chocolate feitos por minha avó. Não tenho a infância, perdi minha avó e estou proibido até de ver chocolate a anos-luz do meu confinamento, em respeito ao mínimo de controle da taxa de glicose.

A memória é possível rever a partir de 1977, aos sete anos, quando disputava campeonatos de futebol de botão com meus amigos de rua, era apresentado ao ABC, ao Vasco e ao universo do futebol no qual mergulhei sem cilindro de oxigênio.

Quando menino, praguejava a idade desejando ver filmes censura 18 anos no infecto cinema Panorama nas Rocas. Nossa turma até que tentava subornar o bilheteiro, mas nossos trocados eram tão miseráveis que o sujeito patusco e afetado nos enxotava, rabugento e exagerado nos trejeitos.

Entre 7 e 10 anos, a vida me foi surpreendente. Sem níquel, nem intervalo de agitação. Brincávamos, criávamos armadilhas para os velhotes chatos e, em doses cavalares, arrancávamos pedaços de dedo nas peladas de calçamento fervendo sob o sol e a floresta do bairro do Tirol. O sol é impossível de ser comprado, a imensidão verde é pulverizada nos arranha-céus crescendo dia após dia.

Os adultos notavam nossa fascinação pelo futebol do passado e exageravam nas histórias. A tragédia de 1950 nos fazia odiar os uruguaios cujo pecado foi cumprir o papel de vencer de virada uma seleção brilhante massacrada pela pressão politiqueira de um título a qualquer custo.

Em casa, convivia com um inconformado pelo Maracanazo. Meu pai, vascaíno radical, queria seu clube erguendo a Taça Jules Rimet. O Vasco ostentava a nata do time: Barbosa, Augusto, Danilo Alvim, Maneca, Ademir Menezes e Chico. E eles fracassaram.

– A culpa foi de Bigode, que levou um tapa de Obdúlio Varela! e o Uruguai ganhou sendo macho! – irritava-se papai, sem estender o debate à hesitação de Barbosa entre sair do gol e ficar na trave, como de fato ficou, levou o 2×1 dos pés de Ghighia e cumpriu pena máxima pelo crime de solidão na trave, não previsto no Código Penal Brasileiro.

Aos 9 anos, vi  a impecável partida do Brasil contra o Uruguai. No Maracanã. O técnico Cláudio Coutinho, do escrete terceiro lugar invicto na Copa do Mundo da Argentina, no ano anterior, mudava seus conceitos defensivos e convocava novos nomes que seriam consagrados.

A narração da TV Globo ficou a cargo do melhor da história, Luciano do Valle. O Uruguai fez 1×0. Edinho empatou saindo da defesa. O magricela Sócrates desviou de Rodolfo Rodriguez na virada e, de cabeça, fez 3×1. Um dos últimos pontas brasileiros, Nilton Batata, do Santos, decretou 4×1 e Éder encerrou os 5×1.

Nenhum gol valeu o lance do nome da partida. Esticaram uma bola ao ponta Ocampo na esquerda, perto da bandeirinha de escanteio. Falcão partiu à cobertura em movimento de garça.

Os dois, um contra o outro, bola com o uruguaio que a deixou fugir por milímetro. Falcão, peitoral de chanceler, deu toque de biquinho de chuteira, tirando o pé para não levar uma entrada covarde. Um edredom cobrindo o humilhado atacante. Impôs o banho sutil e saiu para armar o contra-ataque.

Eis o lance intacto pela infância. Não vou esquecer, e nenhuma questão faço de saber como foi o recente Brasil 2×0 Uruguai. Vitória não produz cópia malfeita. A glória é a que a memória preserva.

ELE CHEGOU

por Rubens Lemos


Chegou como quem chega do nada. Tampouco explicou nada, mas do nada esbravejou. No Olimpo da Bola, encontrou, deslumbrado, Garrincha, mãos à cintura, fazendo que não ia mas ia para cima do condenado Kuznetsov, o russo humilhado em 1958 e designado para a revanche celeste. 

Garrincha arremete, dribla, cruza e Vavá  faz 1×0 para o Divino Brasil, time treinado por Telê Santana sem direito à teimosia. 

O novo habitante da constelação está com seu aspecto de 25,26 anos, exatamente como na Copa do Mundo de 1986.

O Divino Brasil tem Barbosa no gol, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres, Domingos da Guia e Nilton Santos; Zito, Didi, Sócrates  e Zizinho; Garrincha e Vavá.

O Segundo Andar Futebol Clube alinha Yashin; Liebrich da Alemanha de 1954, Bobby Moore, Scirea e Rodríguez Andrade do Uruguai de 1950; Cruijff, Kopa da França de 1958 e Schiaffino do Uruguai do Maracanazzo; George Best, o irlandês beberrão e driblador, Eusébio e Puskas.

Em triangulação Kopa, Best e Puskas, o húngaro empata. O novo morador reclama a ausência do argentino Di Stéfano no time titular. O técnico holandês Rinus Michels, o do Carrossel de 1974, resmunga um palavrão e recebe o desaforo ardente: “Hijo de puta”. Garrincha ouve, ri e simpatiza com o baixinho afobado. 

Castilho substitui Barbosa e Ademir Menezes ocupa a vaga de Vavá  no Divino Brasil  enquanto o extraordinário Hidegkuti entra para Kopa sair. Puskas recua para a meia e seu compatriota forma com Best e Eusébio a ofensiva.

Garrincha prossegue o baile, dribla a defesa inteira do Segundo Andar  e, sacana, toca de calcanhar entre as pernas de Yashin. O goleiro, contrariado, desiste, para Banks entrar.

Numa saída de bola, Scírea, líbero campeão de 1982, avança, Cruijjf gira e engana a zaga, a bola sobra para Best fintar Castilho, empatar e São Pedro apitar o final em 2×2. 

Logo depois de o viajante falador aplaudir uma caneta de Didi no inglês Bobby Moore,  seguida de passe de curva para Garrincha driblar três vezes o sofrido lateral soviético e bater para defesa estupenda de Banks.

O novato (no infinito glorioso), sorri debochado para Garrincha e avisa: acabou essa história de nacionalidades e regras, afinal aqui somos  ilimitados . O dirigente Jules Rimet tenta argumentar e o nanico indócil esnoba: “Dirigente não se mete com craque. A partir de agora, resolvemos nós.”

Maradona, devoto da contradição, formou o seu próprio time, o La Libertad, com Carrizo (Argentina), Escobar (Colômbia,1994), Obdúlio Varela (Uruguai,1950), Nilton Santos de quarto-zagueiro, “La Enciclopédia”, derramou-se o recém-chegado e “La Bruja” Marinho Chagas; Cruijjf, ele e Sócrates; Garrincha, Di Stéfano e George Best.

Mandou chamar outro sublime, Mário Sérgio Pontes de Paiva igualmente sublevado nos campos terrestres e espirituais. E Dener, um neguinho fenomenal que o impressionara em terra.

Garrincha, Best, Sócrates, Marinho Chagas  e ele, o Pibe atrevido chegaram chapados da farra para o amistoso contra o Alianza Lima, cujo avião caiu em 1987, matando o time inteiro, em pleno campeonato peruano.

Os peruanos suportaram dez minutos. Maradona, renascido em alma e voracidade, driblou por entre nuvens e clarões. Beijou Garrincha, que, numa ginga, sentou cinco adversários. Abraçou Sócrates, por um passe de calcanhar, afagou Best, por um corte seco e um balaço no ângulo. Aplaudiu Marinho Chagas pelas arrancadas ao ataque.

Maradona correu liberto, arcanjo contestador. Brigou com o árbitro, o Mr. Guigue, inglês educadíssimo. Foi expulso. Onde está desde 25 de novembro, não há regulamentos.  Jogará a próxima.

Antes, recaída na luxúria com Mané, Marinho Chagas, o Doutor Sócrates e Best. Convocou  para eles, cinco famosas vedetes brasileiras. Gostosíssimas. “Chicas Guapas”, relaxou Maradona, imperador, na banheira  de águas mansas da eternidade.