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Rubens Lemos

A SELEÇÃO DE EDU

por Rubens Lemos


Eram três amistosos logo após o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Fluminense em 1984, campeão (1×0 e 0x0) contra o Vasco. Nas finais, o Fluminense pragmático e obstinado, venceu o primeiro jogo, gol de Romerito, e o segundo foi um bombardeio dos dois lados, com o goleiro vascaíno Roberto Costa obtendo a segunda bola de ouro da Revista Placar de melhor jogador do campeonato. 



O campeonato de 1984 foi ótimo e sobraram poucos dos astros da sinfônica de 1982: Leandro, Oscar, Júnior e Sócrates. Sócrates seria vendido após o Brasileiro para a Fiorentina. Júnior iria logo depois, ao Torino. 



Depois da derrota para a Itália, buscava-se a reconciliação com o toque de bola desaparecido na primeira e desastrosa passagem de Carlos Alberto Parreira pela CBF em 1983, quando ganhamos na moedinha o direito de decidir e perder a Copa América para o Uruguai. 



O futebol vistoso do Vasco, de toques reluzentes e meio-campo habilidoso, deu vez a Edu Antunes de Coimbra, o irmão de Zico, que deslumbrava o país no balé cruzmaltino.

A bola é peça irônica e – apesar de golear – Edu não definia um time titular e sobravam craques. Aos 20 anos, o maior armador brasileiro estava no Vasco – Geovani – que começou entrosado com Pires e Arthurzinho enfiando goleadas de 9×0, 6×0 e 5×1 e ganhando todos os grandes.

Edu insistia num revezamento entre o titularíssimo ponta Mauricinho e o seu limitado reserva Jussiê. Geovani e Mário. Acácio e Roberto Costa brigavam. Arturzinho, sensacional contra os times pequenos, sumiu na decisão, perdendo um gol feito nos minutos finais, gol que daria o título ao ofensivo Vasco. 



Depois da decepção, Arturzinho acabou no Corinthians, como substituto de Sócrates, vendido à Fiorentina da Itália para também sucumbir. Sócrates entregou-se à esbórnia no prenúncio do lamentável fim. 



Num rompante de autossuficiência, o Doutor impôs ao país permanecer caso fosse aprovada a emenda parlamentar que estabeleceria as Eleições Diretas Já (em 1984) para presidente. A emenda perdeu e o Doutor – no episódio, mais militante que jogador, partiu. 



A primeira opção do Corinthians foi Geovani, então com 20 anos, que se apresentou, vestiu a camisa do Timão e voltou porque o astuto presidente cruzmaltino Antônio Soares Calçada aceitava emprestar, jamais vender seu maior talento. Queria Geovani mais experiente para usufruí-lo maduro adiante. 



Arturzinho acabou onde sempre se deu bem: no Bangu, onde recebia tietagem do bicheiro Castor de Andrade sem conquistar títulos: foi terceiro lugar em 1983 e vice carioca em 1985. 



O time não tinha tranquilidade enquanto Parreira definiu seus onze e com eles rumou até o título: Paulo Victor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. 



Para os três jogos – contra Inglaterra (0x2), quando o ponta Barnes driblou toda a defesa e fez um dos gols mais bonitos do Maracanã, Argentina (0x0) e Uruguai (1×0), Edu contrariou vaidades. 



No Vasco, o lateral Edevaldo, os meias Geovani e Mário e o ponta Mauricinho foram descartados. Os que ele considerava melhores, levou, assim como no Fluminense, no Grêmio, no Flamengo e do Corinthians.

O tricolor Assis disputava com Tita e Arturzinho, Zenon e Delei queriam a vaga de organizador do time que morreu sem padrão de jogo. Convocar o limitado Baidek do Grêmio foi surrealismo. Reinaldo, fisicamente em frangalhos, decepcionou. Tato e Marquinho Carioca, os pontas pela esquerda, só rodopiavam com a bola. 



Marcante, a despedida do magnífico Roberto Dinamite da amarelinha aos 30 anos e a certeza de que o ambiente no Vasco esfumaçou. Genial em campo, a seleção foi demais para Edu, que, jogando, valia pelos 22 chamados por ele.

DECADENTES

por Rubens Lemos


Olhávamos para as caras amarradas e o passado atestado na barba imensa. Éramos meninos, eles na faixa entre 30 e 40 anos. Lá estavam os sofredores do Botafogo. Viviam a psicose dos 21 anos sem títulos. Se recusavam a pronunciar a escalação medonha, exceto o craque Mendonça, falecido em 2019.

Os torcedores de outrora repetiam:

– Há coisas que só acontecem ao Botafogo!

Estavam certos. O Botafogo que eles tragavam com prazer acabara em 1968 com Cao, Moreira, Zé Carlos, Sebastião Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogério, Jairzinho, Roberto Miranda e Paulo César Caju. Um timaço que não tinha medo do Santos de Pelé. Do Corinthians de Rivelino. Nem do Cruzeiro de Dirceu Lopes e Tostão, muito menos do Flamengo de Silva Batuta.

O Botafogo vendeu Gerson ao São Paulo, Paulo César ao Flamengo, Jairzinho ao futebol francês e, tempos depois, em 1972, passou a contar com a solitária maravilha do potiguar Marinho Chagas.

O Botafogo achava normal empatar com o Olaria, ganhar de 1×0 do São Cristóvão e perder de 3×1 do Bonsucesso, times pequenos e tragados pelos ventos secos da mediocridade.

Nós, os mais novos, ouvíamos histórias contadas nas emoções detalhistas. A final de 1968 (4×0 no Vasco), a busca frenética pelos lançamentos de Gerson, as arrancadas de Jairzinho, o biquinho abusado do estilista Paulo César Caju.

Quando as lendas eram esmiuçadas, o Botafogo era um pobre time montado e envergonhado em doses etílicas. Sua camisa sacra vestia Wecsley, Gaúcho Lima, Tiquinho, Ademir Vicente, namorado da cantora Vanusa, Té, Ataíde, Mirandinha e Lupercínio. Faltava um violão para as canções melosas de Orlando Silva, um dos reis da dor de cotovelo.

Nós, os piedosos com os botafoguenses, variávamos dos 10 aos 15 anos. Parecíamos vascaínos felizes, ainda que apanhássemos do Flamengo de Zico e das arbitragens desavergonhadas.

O Vasco escalava bons times liderados por Roberto Dinamite. Havia Acácio, começando debaixo das traves, Orlando Lelé e suas chuteiras homicídas.

Tínhamos Guina, um meia de quem lembramos pouco, Wilsinho, Zé Mário, senhor volante e reforços pontuais: Jorge Mendonça, meio-campista artilheiro, Paulo César Caju, Elói, estupendo criador, o artilheiro Arthurzinho e um jovem armador que, em torno de si, criou uma época: o Vasco de Geovani.

Envelhecemos empanturrados de troféus: uma Libertadores, quatro Brasileiros, seis Cariocas e presença constante em decisões. Esse era o Vasco quando fomos meninos parecidos com os do Botafogo.

Estamos fartos de mediocridade. Temos Thales Magno, Marrony, Vinícius, Parede, Gustavo Torres, Catatau, Felipe Bastos e um Jardim Zoólogico de leões medrosos, tigres sem dentadura e jacarés preguiçosos. Somos, agora, o que os botafoguenses na faixa dos 60 anos, foram para nós: homens tristes e revoltados.

O Botafogo está na Segunda Divisão. Humilhado, despedaçado, entristecendo o paraíso de Garrincha, Didi e Nilton Santos. O Vasco caiu com seu timeco. Para tristeza eterna de Bellini, Orlando Peçanha e Vasco.

Os três mencionados do Botafogo e o trio do Vasco foram campeões do mundo, titulares da seleção brasileira de 1958. Hoje, rebaixados para a Série B do Brasileirão, Vasco e Botafogo erguem a Taça dos Miseráveis, apogeu da decadência.

ESTÁDIO DE PELÉ

por Rubens Lemos


O Maracanã original, o das 180, 200 mil pessoas em clássicos supremos, morreu. Também morreu quem lhe dá nome: o jornalista Mário Rodrigues Filho, pernambucano nascido em Recife e maior jornalista esportivo brasileiro pela revolução técnica, emocional e de costumes que imprimiu ao esporte.

Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, o fantasma, teatrólogo, indecifrável, cronista de roteiros pornográficos reais da vida suburbana, teatrólogo premiado. Patrono do Fluminense.

Mário Filho é o batismo do concreto, mas não é gritado ou citado desde os tempos da bola de couro pesada e dos craques florescendo no jardim gigante do estádio construído para a Copa do Mundo de 1950, quando o Uruguai tomou a taça que, indevidamente, o Brasil se apossara antes de a peleja começar. Maracanã era Maracanã e pronto. Hoje é arena. De rico.

Na vitória do Uruguai, de virada, na final de 1950 por 2×1, o estádio se chamava oficialmente de Municipal, mesmo seu construtor, o prefeito do Rio de Janeiro, general Mendes de Moraes, estimulando ostensivo lobby para seu nome ser escolhido. A vaia que levou na inauguração enterrou qualquer chance de êxito na empreitada.

O Maracanã só foi construído onde esteve e foi substituído por uma nave espacial da infeliz categoria das arenas da Copa de 2014, pela luta de Mário Filho, que defendia e conseguiu a obra feita no antigo Jóquei Clube.

A luta do irmão de Nelson Rodrigues foi hercúlea. Enfrentou e venceu ninguém menos que o jornalista Carlos Lacerda e seu nada sutil apelido de Corvo, pela vocação de ser contra tudo que não agradasse ao seu humor escasso e ácido.

Lacerda, para se ter uma ideia da grandeza de Mário Filho, fez um presidente se suicidar, Getúlio Vargas e tramou para derrubar outro, João Goulart.

Lacerda depois foi perseguido pelo Regime de Exceção do qual vestiu-se de garoto-propaganda, imaginando ocupar a Presidência da República derrotando Juscelino Kubitscheck. Os dois foram enganados e forçados a encerrar carreira política.

Mário Filho escreveu seis livros sobre futebol, um deles, um mergulho na essência do já Rei do Futebol em 1962. Um dos trechos, raspando a sociologia, diz assim: “Dondinho (pai de Pelé) era preto, preta dona Celeste (mãe) , preta vovó Ambrosina, preto o tio Jorge, pretos Zoca e Maria Lúcia (irmãos).”

E arremata: “Como se envergonhar da cor dos pais, da avó que lhe ensinara a rezar, do bom tio Jorge que pegava o ordenado e entregava-o à irmã para inteirar as despesas da casa, dos irmãos que tinha de proteger? A cor dele era igual. Tinha de ser preto. Se não fosse preto não seria Pelé”. O livro é Viagem em Torno de Pelé. A grande obra de Mário é outra, o Negro no Futebol, de 1947.

Impor o nome de Pelé, além de não engrandecer o número 1, é uma facada na memória de Mário Filho. Bajulação rasteira apresentada por seis deputados estaduais, um deles, Bebeto, tetracampeão, ídolo no Flamengo e no Vasco, mas certamente sem a menor intimidade com a história do patrono legítimo.

Pela lógica, fosse correta a mudança e não é, o estádio de Pelé seria o da Vila Belmiro, o do Santos, a casa dele, onde nasceu, viveu e iluminou o futebol, dele recebendo cetro e coroa.

Aos 80 anos, com problemas de locomoção, Pelé é cada vez mais Edson Arantes do Nascimento, o corpo que o Deus da Bola ocupou para alegrar o mundo. Pelé nem precisa da adulação ridícula.

Pelé é universal, seus estádios são todos, do San Siro, em Milão, ao Pascoal de Lima, na Cidade da Esperança, em Natal. Pelé foi um presente de Deus, está acima dos atos humanos indignos.

Nelson Rodrigues escreveu, antes da Copa de 1958, que o Brasil venceria, como de fato, venceu, a inferioridade do Complexo de Vira-Latas, de perdedor despido de personalidade. Hoje, Nelson diria: “O brasileiro é um puxa-saco.” De babador elástico.

PELOTICÍDIO

por Rubens Lemos


Izabel nem percebeu minha tensão explícita. Dentro de casa e impaciente por um motivo a mais: o pânico de, na seleção brasileira de todos os tempos da Revista Placar, constar o nome do lateral-direito Cafu, que disputou três Copas do Mundo, foi o capitão de 2002 sem apresentar nada que o fizesse diferenciado.

Cafu marcava bem, era voluntarioso, não tremia, apoiava com timidez e cruzava de tornozelo, bola saindo pela linha de fundo antes de chegar à área para o confronto entre artilheiros e beques.

O currículo vitorioso não dá camisa a ninguém quando é para se escalar os melhores, sejam eles em qualquer posição. Anderson Polga, Paulo Sérgio, Baldochi e Dadá Maravilha nada jogaram e foram campeões em Copas.

Cafu perde para pelo menos oito laterais na minha avaliação: Leandro (sobrenatural), Carlos Alberto Torres (modelo de capitão), Djalma Santos (melhor lateral-direito de 1958 tendo jogado apenas a final), Nelinho do Cruzeiro e do Galo, canhão de Minas Gerais, Jorginho do Tetra, Mazinho, que era surreal nas laterais e na meia-cancha e Paulo Roberto, do Grêmio campeão mundial e do Vasco melhor do Vasco: nos anos 1980.

Quase omitia Luiz Carlos Winck, do Inter e do Vasco, seleção profissional e olímpica. Ou seja, oito antes de uma vaga que, nem tenho tanta certeza, seria de Cafu, afinal ainda tivemos Toninho Baiano do Flamengo e Zé Maria, tricampeão mundial em 1970 na reserva de Carlos Alberto e um dos ídolos eternos do Corinthians.

O anarquista Josimar, saltimbanco da Copa de 1986, De Sordi de 1958 e Edevaldo, o Cavalo, reserva de 1982, força e velocidade, características de Cafu. Cruzava divinamente.

Bicampeão mundial de clubes, Cafu foi invenção de meia marcador de Telê Santana e foi descendo até a defesa por falta de talento para ocupar posições que foram de Raí, Palhinha, Juninho Paulista e do bonitinho Leonardo. Foi ficando na lateral-direita e impressionou Zagallo e Parreira pelo empenho, no vigor, na ausência total do medo. Mas melhor de todos os tempos, Não.

Enfim, saiu a lista oficial elaborada por 170 jornalistas escolhidas pela Revista Placar. Tomei um remédio para pressão. De felicidade. Os escolhidos foram Taffarel; Carlos Alberto Torres, Bellini, Aldair e Nilton Santos; Falcão, Didi e Pelé; Garrincha, Ronaldo e Romário. Um aumentativo de time, sensacional.

Com Zagallo de treinador eleito, mandando-os recuar e sendo desobedecido sem puderes: “Cala a boca, mala, deixa a gente fazer o que sabe!”, Romário gritaria sem o menor constrangimento.

Constrangimento, aliás, é um termo que as escolas da Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro e berço do Baixinho, jamais pronunciaram nas aulas dele, que deveria ser o maior gazeteiro do seu tempo.

A seleção é espetacular e ganharia de qualquer esquadrão mundial. Mesmo Cafu na reserva. Ruim a ausência de Leandro. No meu time dos sonhos, com direito a reservas, escalo Taffarel; Leandro, Carlos Alberto Torres, Aldair e Nilton Santos; Gerson, Didi, Pelé e Zico; Garrincha e Romário.

Os reservas seriam Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Orlando e Marinho Chagas; Falcão, Sócrates, Rivelino e Rivaldo; Ronaldinho Gaúcho e Tostão. Não protesto contra a Placar a não ser pela falta de Zico.

Quem viu Zico jogar, canta-o em oração ou o descreve em homilia pelos altares do velho Maracanã das gerais. Zico perdeu Copas, problema delas. É o maior brasileiro com a bola da história dos campeonatos brasileiros, ganhou um Mundial e é um dominador impecável de cada fundamento do futebol.

Pior será a chegada na lista de Casemiro, Fernandinho e Douglas Costa, quando nós formos caquéticos e os meninões de hoje resolverem escolher.

Tempo conspirando contra luminares: Leônidas da Silva, Zizinho, Danilo Alvim, Ademir Menezes. Julinho Botelho. Ademir da Guia, Dirceu Lopes. Perdendo para Roberto Firmino. Que o século dos modernos demore 200 anos. A bola se recusaria a maus tratos. Reagiria, furor feminino, ao peloticídio.

Bom

Maycon Douglas é um finalizador. Quem me agradou no ABC foi Marcos Antônio, camisa 10 com bossa e passes certeiros.

Comparando

Sem gracejo: o Vasco não mostrou mais do que o ABC na estreia.

Wallyson no América

O América do Rio de Janeiro sondou Wallyson. Não deu certo.

Mataram o filme

Tanta expectativa e o filme sobre Pelé na Netflix é ruim. Enredaram o Rei numa teia ideológica onde até a ex-governadora incompetente Benedita da Silva(RJ) aparece a dizer bobagens.

Gols

Golaços e um encontro com remanescentes do Santos evitam a nota zero da produção mais militante do que biográfica.

Juca e Trajano

Juca Kfouri e José Trajano, há anos deixaram o jornalismo para exercer raivoso discurso de esquerda. Parece uma lei em que filme sobre futebol tem que ter os dois, saudosos das verbas do Governo Federal.

Outro fracasso

O documentário se nivela em mediocridade a Isto É Pelé, de 1974, este sob tutela da repressão, do Brasil Grande na mensagem e torturante na vida real.

Pelé Eterno

De Aníbal Massaini, é o filme antológico do Rei.

SELEÇÃO DE VERDADE

por Rubens Lemos


A última preocupação de um moleque de 16 anos incompletos, alucinado por futebol, é financeira. Suficiente a grana do ingresso, que a minha avó subsidiava, de coração imenso e sorriso de coração, ao fazer feliz o neto inquieto e respirando campeonatos, craques e clássicos. Em 1986, o ano foi movimentado.

Eu acompanhava os telejornais, vivia paixões platônicas. Preferia o silêncio à probabilidade de um fora. Era magérrimo, o que para mim significava defeito fatal. Dedicava-me ao futebol com avidez, estudos e prognósticos petulantes.

Telê Santana convocava 29 jogadores para escolher 22 à Copa do México. Já não era o Telê de quatro anos antes, resoluto e militante do futebol-arte. Tornara-se ranzinza, seu mau humor, descontava nos jornalistas e, enfim, não conseguiu formar um time.

Peças lamentáveis como Dida do Coritiba, Mozer do Flamengo (craque no time, nervoso de amarelo), Elzo, volante do Atlético(MG), Alemão do Botafogo, o piadista Edivaldo, também do Galo e o intragável Casagrande do Corinthians, levado por influência do cansado Sócrates, eram sinais de que perderíamos.

No bolo, entediados, Sócrates, Oscar, Falcão, Leandro (que mandou a Copa à Pqp na hora do embarque) e os cortados por contusão, Cerezo (sempre tremendo) e o inexplicável Dirceuzinho aos 36 anos. Na vaga que seria do espetacular Mário Sérgio.

Zico, exemplar no sacrifício. Um ano antes, o perverso zagueiro Márcio Nunes do Bangu esfarelara seu joelho. Zico persistiu e conseguiu ir ao Mundial depois de golaços nos amistosos e da resistência dos predestinados.

Os 22 finais de Telê foram decepcionantes. Detesto Renato Gaúcho e a sua grosseria crônica, mas estava no auge e não poderia ter ficado fora. Jogamos com o seguinte meio-campo: Elzo, Alemão, Júnior e Sócrates. Ou seja, não critiquem Lazaroni e Parreira. Telê, a sumidade ofensiva, inaugurou o volantismo.

Em Natal, campeonato local paralisado, marcaram para 22 de junho um amistoso Vasco x Flamengo no Castelão. A rivalidade acentuada. Vasco campeão da Taça Guanabara e Flamengo líder da Taça Rio, o segundo turno.

Meu pensamento, minha vontade, minhas orações seriam para assistir ao maior clássico brasileiro )àquela época). Mais uma vez, minha avó garantiu o ingresso, tirando poucas cédulas da bolsa humilde de aposentada estadual.

No peito, a alegria de ver, ao vivo, da arquibancada, meu maior ídolo cruzmaltino, o Pequeno Príncipe Geovani, meia-armador literato, preterido pela rabugice de Telê Santana. Melhor para mim. Com ele, Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário, trio atacante digno de seleção mundial. Roberto merecia vaga na Copa.

A Copa do Mundo afunilou e, no dia 21 de junho, sábado, o Brasil pegou a França de Tiganá, Giresse e Platini, setor de criação de cientistas da bola. E nós com Elzo e Alemão. Careca jogando muita bola, por uns três ou quatro colegas, abriu 1×0. Platini empatou.

Zico entrou, meteu de curva feiticeira para Branco ser derrubado pelo goleiro Bats. Zico bate e Bats defende. Perdemos nos pênaltis e novo luto, imerecido pelas lambanças de Telê Santana.

E o Vasco x Flamengo?, me desesperei ante a hipótese de cancelamento. Confirmado. Meu primo Cláudio, o mais doce flamenguista, falecido vinte anos depois do coração que nele era imenso, me levou. Castelão com ar assombroso de cemitério.

Os dois times entram. Para fazer uma das maiores exibições do estádio. Escolhido melhor em campo pela Rádio Cabugi e o Diário de Natal, Geovani sentou o futuro tetracampeão Jorginho em drible de corpo frente à torcida do Alecrim. Enfileirou Zinho, Andrade e Alcindo em minha homenagem, diante do Frasqueirão. Bebeto fez golaço de falta.

O Vasco empatou com Mauricinho e virou com Dinamite: 2×1. Só 3.840 felizardos na plateia. Fiquei parado, olhando aqueles toques diferentes, categóricos e a pensar. Juntando Vasco e Flamengo, teríamos ido mais longe.

Máxima reverência a uma seleção com Paulo Sérgio (reserva em 1982 e no Vasco); Jorginho, Donato, Aldair, e Mazinho; Andrade, Adílio e Geovani; Bebeto, Roberto Dinamite e Romário (que passou o jogo entediado). Escolheria os 11 acima (e Zico), que não sofriam do pânico do escrete de Telê.

PS. Vasco 2×1 Flamengo – 22/06/1986 – Estádio Castelão(Machadão). Vasco: Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Heitor; Morôni, Mazinho e Geovani; Mauricinho, Roberto e Romário. Flamengo: Zé Carlos; Jorginho, Guto, Aldair e Adalberto; Andrade, Aílton e Adílio (Valtinho); Bebeto, Vinícius (Alcindo) e Zinho.