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Rubens Lemos

PORTUGAL SOLIDÃO

por Rubens Lemos


Exausta pela viagem, Izabel subiu ao hotel em Lisboa e caiu no sono dos sertanejos, desacostumados com aeroporto, check-in e check-out. Subiu ao hotel despachada a bagagem, entregue o voucher e decidiu dormir. Era uma viagem(minha) a trabalho.

Acompanhava, há 21 anos, o governador Garibaldi Filho até a Espanha para receber um prêmio pelo maior programa de abastecimento de água do mundo, o das Adutoras, abençoado pelo Monsenhor Expedito Medeiros, de São Paulo do Potengi.

O pobre passava a ter direito ao direito que lhes era negado pela tacanha politicagem: o de beber água limpa. Garibaldi Filho fez a maior obra social do Rio Grande do Norte. Emocionante.

Exposto o trabalho pela equipe da Secretaria de Recursos Hídricos – lembro bem da ótima companhia de Ricardo Melo, filho do mestre Dalton Melo, Garibaldi ganhou de goleada.

Na noite da chegada, pois, fiquei sozinho no restaurante do hotel em Lisboa, posto que chegamos antes da delegação oficial e, juntados alguns caraminguás, mais diárias de contas bem prestadas, resolvi levar minha mulher à Europa. Fã de Garibaldi, julguei que ela merecia assistir à entrega do prêmio.

A solidão portuguesa é um estado de espírito. Pedi uma cerveja acompanhada por um sanduíche de ovos com batatas fritas. Absolutamente eu e a solidão.

Quando a cantora cantou Coimbra. Decidi, depois da terceira taça, que Amália Rodrigues era ela, mesmo morta Amália, um ano antes de nossa visita. A moça, de uma brancura santificada, musicava os versos olhando para cada um dos 10 ou 12 presentes ao restaurante.

Disfarçado, lacrimejei às primeiras letras do Fado-Hino: “Coimbra é uma lição/De Sonho e Tradição/ E a lua a faculdade/ O livro é uma mulher/ Só passa quem souber/ E a prende-se a dizer saudade”. Chorei, saudosista orgânico. A saudade em mim é uma companhia.

De repente, pensei nos meus ídolos lusitanos. Pensei em Mário Soares. O primeiro-ministro português herói da Revolução dos Cravos. Imaginem soldados revolucionários, depondo uma ditadura de décadas, sendo recebidos por flores pelos cidadãos comuns.

O capitão da conquista era Mário Soares, que, naquela noite, jamais imaginaria apertar a mão. Anos depois, em missão pelo Brasil, ele esteve em Natal e eu o conheci, reverente como um soldado de imensa insignificância. Mário Soares bem poderia ser sinônimo de estadista. Como de fato, foi.

Portugal, passional, não é sentimental no coletivo. Existiram Amálias, Mários, Eusébios. Tinha menos de dois anos quando Eusébio, o Deus da Bola, Pá!, jogou em Natal no tapete suntuoso do recém-inaugurado Castelão. Tenho o jogo, mas tenho em DVD, ele flutuando em velocidade e desmoralizando zagueiros do Equador. Foi 3×0 e Alex Medeiros assistiu, ao vivo.

Da noite da moça branca cantando Amália Rodrigues até hoje, a canção portuguesa entoou novamente em meu coração, no saudosismo e no seu primo, o sofrimento, na luta de Portugal contra a Alemanha e a França pela Eurocopa. Alemanha chama-se pragmatismo e França, ataque.

A Alemanha é um jogo eficiente e bonito quanto se vê Toni Kross, o maior-armador do planeta, enfiar bolas como um Didi sem gingado nem cintura maliciosa. A França é a patrulha avançada de Mbappé e Benzema.

A Alemanha bateu Portugal sem que Portugal abrisse mão da luta, como se das chuteiras, flores brotassem na batalha inglória. França é desfile virtuoso. Foi empate.

Portugal de Amália Rodrigues, Mário Soares, Eusébio, é Portugal hoje do Cristiano Ronaldo que um dia reneguei e rendo-me, sem armas, pela capacidade guerreira. De sonhar estar de novo sozinho numa noite a ouvir o canto quase lírico, de um atacante que faz da força, aumentativo de encanto.

EDMUNDO, GOLS E FÚRIA

por Rubens Lemos


Era no meio-campo que os meus olhos estavam grudados naquela tarde de domingo, 26 de janeiro de 1992, escravo de Galvão Bueno, Estádio do Pacaembu com pouco mais de 15 mil torcedores. O Vasco enfrentaria o Corinthians e o (meu) desejo de uma lição exemplar: tirar a prova definitiva sobre quem, de uma vez por todas, seria o melhor meia-armador do Brasil.

Naquele tempo Gerson era comentarista, Rivelino criava seus curiós e Didi esnobava elegância para um senhor de idade avançada. 

Silvio Santos torturava os lares com novelas mexicanas no SBT e esquentava uma febre com sotaque de Supla, o filho de Eduardo e Marta Suplicy pelo camisa 10 Neto, que chegou a ser comparado com Maradona em delírio da Revista Placar. 



Chamava-se Geovani, o autor intelectual do Vasco, banido da seleção brasileira por Parreira e Zagallo que já preferiam os carrinhos truculentos de Mauro Silva e Dunga e o duelo bem desigual entre o iniciante Raí e o festejado Neto. Flamenguista fanático, o inesquecível Bussunda meteu-se na polêmica para defender Geovani. 



O duelo entre Geovani e Neto nunca houve. O vascaíno fez o jogo correr à sua cadência, com uma falsa impressão de comandar o samba em ronco de cuíca. Aos 15 minutos do segundo tempo, Neto dando gritos e empurrões inúteis no homem que jamais conseguiu barrar na seleção brasileira, o Vasco vencia o Corinthians por 3×0. 


Que meio-campo aquele armado por Nelsinho, clássico solista do Flamengo nos anos 1960, gêmeo de categoria de Carlinhos, o Violino. Ele montou o quarteto com Luisinho, Geovani, William e Bismarck. 

Os quatro destroçaram a dribles e olés a Neto, Tupãzinho, Wilson Mano e Ezequiel escalados ao impossível.

O jogo, para os tarados por estatísticas, acabou 4×1 e, segundo a edição do Jornal do Brasil guardada até hoje, Geovani recebeu nota 9 e Neto, 5,5. Era o padrão a cada confronto. 



Todo craque de meio-campo veio do berço com um cérebro na suplência. O da antecipação visionária. O atacante titularíssimo dos vascaínos, ajudante-de-ordens do talentoso Bebeto era Sorato, atacante herói do título brasileiro de 1989, com um gol de cabeça marcado no São Paulo em pleno Morumbi. 



Nelsinho contrariou a lógica e foi criticado por Galvão Bueno, o que simplesmente não conta e por Sérgio Noronha, veterano (já naqueles idos) e torcedor discreto do Vasco. Nelsinho escalou um moleque abusado que havia lhe seduzido numa preliminar de juvenis. 


Nelsinho, sem clube no fim de 1991, estava na Tribuna de Honra do Ex-Maracanã quando viu um rapaz driblador arrancar do seu campo e ultrapassar seis zagueiros do Botafogo, sentar o goleiro e marcar para o time dos jovens vascaínos. 

Disseram-lhe que o menino jamais teria futuro.

Na comemoração, correu ao banco do adversário, xingou o técnico, disse-lhe palavrões. E já havia marcado outros dois, encerrando com a jogada extraordinária, o placar de Vasco 3×0 Botafogo.

O atacante Edmundo havia deixado o Botafogo por andar nu na concentração, provocando meninas de um colégio religioso da vizinhança.

Se ganhou a ira dos cáusticos cartolas gloriosos, recebeu o convite do Vasco. Edmundo encantou Nelsinho, barrou Sorato e destruiu o Corinthians no Pacaembu, recebendo nota 10.



Seu jogo explodia em fúria incontrolável . Edmundo saiu do subúrbio para entrar na história, desmontando defesas e apavorando goleiros com uma artilharia raivosa e de técnica soberana. 


Perdeu o Campeonato Brasileiro, ganho por Júnior do Flamengo, que esfolou, sem querer, o joelho de Geovani num clássico de mata-mata de classificação e caneladas.

Edmundo foi campeão carioca invicto, vendido ao Palmeiras, bicampeão brasileiro, fracassou no Flamengo pela incompatibilidade sanguínea. Voltou ao Vasco para uma temporada individual sem adjetivações em 1997.

Edmundo é o Almir Pernambuquinho dos sonhos contados por meu pai. Edmundo que guardarei pelo que comecei e nunca vou querer terminar de ver. Para não esquecer por não enxergar cópia. Edmundo. Do Vasco da Gama Foi. Jamais epitáfio. Uma placa. De furiosa emoção.

SIM E NÃO

por Rubens Lemos


Alguns amigos da minha geração, do fim dos anos 1970 e plenitude nos anos 1980, sempre perguntam se ganharíamos da Itália em 1982 fosse a Copa do Mundo um campeonato, com turno e returno e não um torneio de tiro curto, simples, errou, morreu. Sempre digo sim e não e vou explicar.

Digo sim se (conjunção da ilusão), Telê Santana, teimoso siderúrgico, trocasse na partida da volta contra a Azzurra, o goleiro Valdir Perez por Carlos (o melhor mesmo era Leão, que não foi por birra de Telê), o quarto-zagueiro Luisinho por Edinho, o amarelão Cerezo pelo corajoso Batista e o horroroso centroavante Serginho Chulapa por Roberto Dinamite.

Ou mesmo Telê Santana, que odiava o Vasco – veterano, foi dispensado em 1965 e não poria Dinamite, adiantasse Sócrates com Paulo Isidoro na ponta-direita. Ponta-direita que o traumatizou no baile tomado de Garrincha nos 6×2 do Botafogo no Fluminense em 1957.

O time ficaria competitivo, não somente belo e encantador. Estava em jogo uma vaga, a classificação e com Cerezo dando passes perfeitos para Paolo Rossi e atrasando cabeçadas com a bola dominada para escanteio, Luisinho sem pular uma Gilete e Serginho Chulapa inútil e dominado pelo magistral Gaetano Scirea, líbero perfeito, possivelmente perderíamos a segunda por 4×2.

Todos dizem que em 20 partidas Brasil x Itália em 1982, o Brasil ganharia 19. Depois insistem que somos humildes, simpáticos e despretensiosos. A seleção italiana era excelente e melhor para disputas do modelo da Copa de então. E de sempre, pois, passada a primeira fase, começam os mata-matas.

A Itália tinha Zoff, um monstro no gol, Scirea já mencionado, Cabrini, um lateral-esquerdo do nível de Júnior, dois meias que jogariam no time do Brasil: Tardelli e, sobretudo, Antognioni, um falso ponta brilhante, Bruno Conti, um artilheiro que funcionava, Paolo Rossi e um outro armandinho de talento, Graziani.

Então, melhor ficar do jeito que a história decidiu. Quando o Brasil perde, vem a soberba verborrágica, “foram os deuses do futebol”, quando o Brasil ganha, não há deuses, mas a onipotência insuperável do jogador brasileiro.

Em 2014, ninguém falou em Deus na justíssima surra de 7×1 da Alemanha, sobre o time de mascarados cabeças de bagre. A Holanda não repetiu, por ressaca e piedade, a diferença de gols na decisão do terceiro lugar, puxando o freio nos 3×0.

O encanto que resta na Copa do Mundo é o seu caráter eliminatório. Senão seria uma Copa América acrescida de europeus, africanos e asiáticos. E bote chata nisso.

A Copa América, exceto a de 1989, aquela em que Bebeto e Romário deram show, é competição sem charme, sem consequências, não classifica para nada. Seria ótima, garantisse uma das vagas das Eliminatórias continentais para a Copa do Mundo, aí sim.

Sobre Brasil x Itália, para tentar encerrar o que nunca vai terminar, é comer uma macarronada com cerveja e dormir. Para sonhar com o 3×3 e acordar puto da vida.

ELE VIU O CÉU

por Rubens Lemos


A geração do bicampeonato mundial de 1958 e 1962 pedia reformulação para o efusivo tricampeonato que parecia ganho sem que houvesse a necessidade de Copa do Mundo. Em 1966, o vexame.

A CBD organizou em 1963 uma excursão para o exterior. Daquelas lembradas por tabelas de conveniência, marcação e remarcação de jogos, escolhas de seleções tidas como barbadas sem um argumento que justificasse o otimismo soberbo.

Seriam nove partidas pela Europa e o Oriente Médio. Aimoré Moreira, comandante do bicampeonato, ajustava peças pontuais. No lugar de Didi, o Mister Futebol, entrou seu sucessor Gerson, futuro Canhotinha de Ouro.

A imprensa carioca ignorava o tempo e reclamava a ausência de Nilton Santos, 38 anos, a um ano do encerramento da carreira jogando de quarto-zagueiro. Os substitutos, Altair do Fluminense e Rildo, seu companheiro de defesa no Botafogo, decepcionaram.

O Brasil, com Pelé, Coutinho e Pepe e Garrincha contundido substituído por Dorval para completar o maior ataque da história de um clube no Santos, fez um papelão. Em nove jogos, perdeu quatro, ganhou quatro e empatou um.

Nada deu certo. O Brasil perdeu de 5×1 da Bélgica, que não tinha o menor prestígio, da Holanda por 1×0, quando ganhou o apelido de “Seleção Transistor”, pelos rádios dados pela Philips aos jogadores.

O prestígio foi abaixo da linha da vergonha na goleada da Itália por 3×0, quando, despeitados, os dirigentes brasileiros invadiram o vestiário da Azzurra para ofender o ítalo-brasileiro Sormani, autor do primeiro gol e chamado de traidor. Atuando no Brasil, Sormani jamais fora selecionado.

Houve o episódio do acidente de carro com Pelé que o tirou do empate em 1×1 com a Inglaterra, fazendo a torcida xingar o Rei 90 minutos. Pelé nunca jogou no mitológico Estádio de Wembley.

Cheia de sinais paranormais, a maldita excursão começou em Lisboa, patrícios loucos para vingar a derrota e a humilhação do Santos no mundial de 1962, os 6×2 da decisão e do baile no maior jogo da história de futebol entre times.

Eusébio fez o gol da vitória de 1×0 de Portugal numa falha de marcação do zagueiro Cláudio, do Internacional. Pelé estava naqueles dias de interruptor desligado e o goleiro adversário era o maior da história lusitana: Costa Pereira.

Português é mote de piada desde o Bispo Sardinha devorado por índios no descobrimento do Brasil. Costa Pereira andava pelo centro de Lisboa quando uma criança se desequilibra e cai da janela do prédio. Pânico encerrado no voo do “guarda-valas” formidável que segura o garoto e o encaixa junto ao peito.

Aplaudido efusivamente, Costa Pereira se empolga, quica o menino na calçada e, com ele no lugar da “esférica”, cobra o tiro de meta. O menino sobrevive para dar o arremate positivo à lenda.

Não interessa a derrota ou a péssima excursão brasileira. O que valeu a viagem foi esta foto: Pelé, sobre-humano, quase põe a cintura colada ao pescoço de Costa Pereira, numa obra de arte assombrosa.

Aos que se espantam, com razão, na cabeçada implacável do primeiro gol da Itália em 1970, quando ganha do gigante Fachetti, o lance com Costa Pereira é mais extraordinário. É espiritualista.

Pelé, no impulso, ultrapassa o goleiro a tempo de dar uma olhadinha ao céu, cumprimentar a Deus, seu inventor, alguns amigos mortos antes e descer ao universo dos comuns. Não duvide.

Preste atenção. Pelé cabeceou e fez uma visita ao paraíso. Voltou, pela graça de Nossa Senhora do Improvável. E as bênçãos do Pai Eterno. Só Pelé sobrevoou o além sem estar morto. Passeou, não ficou.

GUARDIOLESES

por Rubens Lemos


Pretensioso incorrigível, o brasileiro é pedante no futebol sem aceitar a verdade. Arrogantes sempre foram os adversários, ousados intrometidos querendo ganhar do time de Pelé. A rivalidade com a Inglaterra vem da besteira de que um inventou o esporte e o outro aprendeu e tornou-se bem melhor, o melhor do mundo.

O Brasil hoje é um país comparável a México, Bélgica , Argentina, Suécia, Uruguai, Portugal (Com CR7 em declínio), Croácia, Moldávia (exagero meu), jamais no pelotão de frente com França, Alemanha, Holanda, Espanha, Itália e a Inglaterra. Os ingleses que criaram o jogo e, na malícia latina, ficaram apenas com o direito de vê-lo, estão mandando na bola mundo afora.

A decisão da Champions League entre o Manchester City e o Chelsea, clássico bretão, confirma a supremacia de um país que se encheu de craques, de ótimos técnicos e vem apresentando futebol sem aqueles tradicionais chutões e chuveirinhos que tanto detonávamos.

O Manchester, do monstruoso Pep Guardiola, está liquidando os concorrentes com requintes perversos. Toma um gol e fica no toque-toque ou Tike-Taka, a maravilha revolucionária do Barcelona de Guardiola e Messi.

E, no Manchester, Guardiola não tem Messi. É um jogo cíclico. Pode começar na falsa aparência de monotonia e, de repente, marchar e tricotar os onze do outro time cortando-os em deslocamentos de tesoura afiada.

Vou torcer por Guardiola, que entende o futebol como espetáculo, como uma peça de teatro ou um filme épico no cinema. O torcedor paga e só não entra de smoking para ver, nos pés dos guardioleses, o que resta de beleza pragmática em campo gramado.

Guardiola amava a seleção brasileira de 1982 e inspira seus times na habilidade giratória do esquadrão de Telê Santana. Guardiola lembra mais daquela seleção do que qualquer fanático nacional.

Estudou, reviu partidas e montou seu esquema, que invejosos acreditaram terminar na sua separação profissional de Messi. Guardiola tem tudo para vencer a Champions. Sábio, Guardiola não quer com ele tipos do tipo Valdir Peres, Cerezo e Serginho Chulapa, aberrações que Telê nos fez engolir na pirraça.