por Elso Venâncio
“Você tem essa marra toda… Quer saber? Eu joguei mais que você. Muito mais.”
Evaristo arrancava gargalhadas de Romário ao apontar para ele, nas preleções.
“Pelé só surgiu porque eu fui vendido. Eu seria o titular na Copa de 58.”
Na época, só eram convocados jogadores que atuavam no Brasil – e, basicamente, atletas do eixo Rio-São Paulo. Evaristo de Macedo era um dos destaques do Barcelona.
As colocações de Evaristo visavam descontrair o grupo antes dos treinamentos e jogos. Principalmente após ter acontecido uma séria discussão entre ele e Romário no início do seu trabalho como treinador do Flamengo.
Jogo com o Atlético Mineiro, no Maracanã. Intervalo e o Galo vence por 1 a 0. Romário entra possesso no vestiário:
“Vocês não jogam merda nenhuma… Maracanã tá cheio por minha causa, salários só estão em dia porque estou aqui, e essa merda de time não faz por onde.”
Não era a primeira e nem segunda vez que o artilheiro agia assim.
Antes, com Joel Santana no comando, o zagueiro Jorge Luiz não gostou das colocações e partiu para o confronto:
“Ah, tá bom… Você não marca ninguém, fica paradão, chupando sangue lá na frente. Não f…!”
A turma do deixa-disso teve de entrar em ação. Vale lembrar que brigas acontecem no vestiário sem que a imprensa sequer fique sabendo. Na volta para o segundo tempo, presenciei as últimas orientações do treinador. Naquele tempo, repórter tinha acesso direto aos ídolos e aos vestiários. Papai Joel terminou assim:
“E você, Baixinho, marca só um pouquinho…”
“Vai pra p…”, reagiu Romário. “Não f…!”
“Não se pode nem brincar um pouquinho?” – sorriu, sarcástico, Joel. A risada foi geral e o time entrou em campo mais leve.
Voltando ao entrevero com Evaristo, o treinador esperou Romário falar de forma áspera, aos gritos e com respiração ofegante.
“Terminou?” – o técnico perguntou, com uma calma de deixar qualquer um se roendo de raiva.
Romário olha sério para todos os cantos do vestiário, ao passo que Evaristo retoma a palavra:
“Foi a última vez que você fez preleção. No vestiário, só eu falo. Mais ninguém.”
“Eu vou falar, sim.”
“Não vai, tá entendido? Isso vale pra todos.”
Silêncio sepulcral…
Segundo tempo começa. O Flamengo vira o jogo com dois de Romário. A cada gol marcado, o artilheiro corre até o túnel e aponta para Evaristo:
“Você jogou mesmo? Já fez gol assim? E aí, já fez?”
Washington Rodrigues, diretor técnico, chama Evaristo:
“O Baixinho não quer briga, ele quer falar contigo.”
O Velho Apolo, meu padrinho no rádio esportivo, com habilidade contornou o impasse. Evaristo de Macedo e Romário viraram amigos e se dão bem até hoje.
A partir de então, a cada preleção o jogo virou:
“Você tem essa marra toda… Eu joguei mais que você” – mandava o técnico. Romário ria, feito criança.
Primeiro brasileiro a ser ídolo no Barcelona e no Real Madrid, Evaristo tinha currículo para falar de igual para igual com o melhor jogador do mundo da última Copa. ‘Dom Evaristo’ me disse que, antes da pandemia, participava com certa regularidade de homenagens nestes dois clubes. Falava que, lá fora, o ídolo é reverenciado sempre, jamais é esquecido.
Um dos destaques no segundo tricampeonato estadual do Flamengo (1953,54 e 55), o centroavante não demorou a ser vendido para a Europa. Onde jogaria com Di Stéfano, Puskas, Gento, craques de outro gabarito. Todos do seu nível.
Único jogador na História a marcar cinco gols em um único jogo com a camisa da seleção, fez também a mesma quantidade contra o São Cristóvão, pelo Flamengo, numa tarde mágica do Maracanã.
Anos mais tarde, na década de 70, abriu caminho para os técnicos brasileiros se aventurarem no mundo árabe, onde, por sinal, enriqueceu com petrodólares.
Treinou vários clubes e também a Seleção Brasileira. Só um ‘peso pesado’ desse porte para bater de frente e chamar o ‘Homem do Tetra’, na época o número 1 do planeta bola, para uma ríspida mas equilibrada e crucial queda de braço.
No fim, final feliz. Hoje, um respeita o outro. Ambos se uniram, para o bem do futebol.