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Ricardo F Dias

O MELHOR CAMPINHO DA CIDADE

por Ricardo Dias


(Foto: Custodio Coimbra)

A empreiteira rebaixou e aplainou o terreno. Uns 3 metros de baixo, tamanho justo para assentar as fundações. A obra demorou para sair, os operários já tinham aproveitado o terreno à volta para fazer uns barraquinhos, economizar na passagem é importante. Chegou o Natal, nada de obra, resolveram aproveitar a visita da família e jogar uma peladinha no terreno. Organizar não foi tão simples. Sem Camisa X Com Camisa, impensável; ninguém tinha camisa para gastar numa pelada. Com Calça X Sem Calça? Não dava. Índio – que era índio mesmo – resolveu tecer um pedaço de capim e fazer uma pequena braçadeira, e resolvido: um time com, outro sem braçadeira de capim. Então um time se chamou Capim, para efeitos de torcida, e o outro Careca, por conta do jogador incumbido do par ou ímpar para escolher os times. Um Natal feliz, regado a cerveja barata e churrasquinho.

Passou um ano, a comunidade cresceu e se fixou. A empreiteira meio faliu, obra parada, e o campinho – já apelidado de Buracão – seguia firme e forte como o melhor lazer das redondezas. As visitas voltaram, e refizeram o grande clássico natalino. Capim se recuperou e venceu o Careca, numa sensacional virada.

A cada ano a festa se repetia. A obra esquecida, enredada em diversas questões judiciais, e o campinho já tinha um esboço de arquibancada, escavada à volta do terreno. De vez em quando um despencava dali, mas era uma queda pequena, nada grave. Balizas de PVC recheadas com cimento, rede tecida pelo Índio, que sabia fazer essas coisas, e vinha gente de longe ver e participar das peladas. Mas o grande momento era no Natal, Capim X Careca. Basicamente os mesmos times, uma ou outra ausência, já com camisas compradas (na verdade doadas pelo dono do bar que abriu ao lado), vinha gente de longe ver o jogo. A partir de determinada época até juiz havia devidamente xingado ao entrar em campo.

No ano em que começaram a aparecer os vendedores de biscoito e refrigerante, o Careca morreu. Todos usaram um paninho preto no braço, fizeram um minuto de silêncio, a torcida respeitou. Na parede do bar um retrato dele foi entronizado. Um ex-jogador criou um projeto social que reunia todas as crianças das redondezas, algumas foram aproveitadas em times da capital. A comunidade crescia, e a frequência no Buracão crescia junto. A especulação imobiliária ia destruindo os campinhos da cidade, aquele era um dos últimos. Um clube pagou pela iluminação do local. Fraca, mas suficiente para a pelada de Natal ser feita de noitinha. Começou com dia claro, e quando escureceu todos pularam e gritaram quando as luzes se acenderam, como se fosse um belo gol. A vistosa camisa verde do capim fazia um lindo contraste com o vermelho vivo do Careca. Foi um Natal inesquecível.

O ano seguiu tranquilo, havia boatos que uma estação de TV iria fazer em dezembro, no mês seguinte, uma reportagem sobre a história do último campinho da cidade.

Mas a empreiteira, após muitos anos, se recuperou judicialmente. Retomou o direito sobre o local e, sem aviso prévio, cercou o Buracão. Derrubou tudo em tempo recorde, cercou e espalhou cartazes sobre o novo empreendimento, que traria classe e sofisticação ao local.

Não houve mais O jogo, nem nenhum outro. Os moradores passaram seu último Natal sob a árvore brilhante da empreiteira, que convidava todos para serem felizes num condomínio seguro, com piscina e quadra de tênis.

PODE ISSO, ARNALDO?

por Ricardo F Dias


Há pouco tempo tive contato com o Arnaldo Cesar Coelho. Estou proibido, por ele, de contar, mas o cara tomou uma atitude sensacional. Teve um gesto absolutamente maravilhoso, e não posso contar… Mas ao menos conto que houve algo, e que ele é um cara fantástico. Virei fã, além de ter sido talvez o único juiz que jamais xinguei.

Mas, falando de juízes… Meu pai foi gerente de banco. Um cliente seu era o árbitro Aloisio Felisberto – estamos nos anos 70. Sempre que ia à agência, meu pai dizia impropérios sobre juízes, e ele sempre aceitou com bonomia.

Numa segunda-feira, no jogo da véspera, Cafuringa, ponta direita do Fluminense, havia apanhado muito. Meu pai havia ido ao jogo, e ao ver Aloisio começou a xingar todos os juízes. O árbitro riu, conversaram um pouco e este pediu para dar um telefonema. Deu, e comentou sobre o jogo do Flu. Passou o telefone para meu pai, dizendo:

– Acho que esse meu amigo também concorda com você.

Papai pegou o telefone e começou a comentar sobre o fato. Xingou o juiz da véspera, lançou dúvidas sobre sua masculinidade, insinuou comportamento moralmente indevido por parte da mãe do juiz, Supôs subornos, falou o diabo. Seu interlocutor ouvia, até que perguntou:

– Mas quem foi o juiz de ontem?

– Luis Carlos Felix.

– Prazer, sou eu.

Meu imprevidente ancestral, ao xingar tanto o pobre árbitro, talvez tenha esquecido de uma passagem em sua própria biografia. Ele jogava vôlei nos anos 50. Época de total amadorismo, um dia haveria um jogo entre Mackenzie e Flamengo. Ele não poderia jogar, estava machucado, então foi escalado como árbitro.

Meu pai tem pelo Flamengo sentimentos poderosos, nenhum deles positivo. E roubou o mais que pôde. Bola deles dentro era fora, bola fora do adversário era dentro, fez o diabo, e teve que sair fugido do ginásio. Já naquela época a torcida rubro-negra era apaixonada. Fugiu, e com a inocência dos justos parou num bar do bairro vizinho para um caldo de cana com pastel. Não contava com o bonde, que passava em frente, lotado com torcedores que estiveram no ginásio.

-É ele!!!!!!!!!!

Era jovem , corria muito, sobreviveu!