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Revista Placar

70 ANOS DE PRAIA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Minhas estreias sempre foram marcantes. Em todas, aquele friozinho na barriga e o desejo de entrar logo em campo. Em 67, pelo Botafogo, primeira vez no Maracanã, marquei os três gols da vitória contra o América, na final da Taça Guanabara. Aquele momento ainda está congelado em minha memória. Cinco anos depois, estreava pelo Flamengo, também no Maraca, no Torneio de Verão, enfrentando o Santos, de Pelé, e o Benfica, de Eusébio. O Fla tinha Renato, Moreira, Chiquinho, meu irmão Fred, Reyes, Rogério, Fio, Caio Cambalhota e Arílson. Fomos campeões!  Em 74, me mandei para o Olympique de Marselha e fiz o gol da vitória contra o Strasbourg. Não falava a língua, não conhecia ninguém e fomos vice-campeões. Aí, em 76, o Horta me trouxe para integrar a Máquina Tricolor. A estreia foi no maior do mundo contra o poderoso Bayern de Munique, base da seleção alemã, e vencemos por 1×0, com show de Cafuringa e Mário Sérgio. Da Máquina para o Time do Camburão, no Botafogo, com Rodrigues Neto espanando e os delegados Hélio Vígio e Luís Mariano, na comissão técnica. Ficamos 52 jogos invictos. Depois teve Grêmio, Vasco e, claro a seleção brasileira. Aos 17 anos, fui convocado por Zagallo para um jogo contra o Chile, em Santiago. Vencemos por 1×0, gol de Roberto Miranda. O curioso era que essa seleção era formada apenas por jogadores do Bangu, campeão de 66 e Botafogo, de 67, e o chefe da deleção foi Castor de Andrade, que reprovou o hotel escolhido pela federação chilena e, com dinheiro do próprio bolso, nos levou para o melhor da região, Kkkk!!!

Fora de campo, trabalhei no Pasquim, Diário de SP e, recentemente, Globo, mas a Placar é aquele time em que todos sonham jogar. E eu nem teria motivos para sonhar porque apanhei muito dos cronistas paulistas, Kkkk!!! Minha relação com São Paulo sempre foi de amor e ódio. Era vaiado quando chegava ao Aeroporto de Congonhas e rebatia dizendo que não gostava da cidade, suja e poluída. Fui contratado pelo Corinthians, mas odiei e apesar de me dar muito bem com Sócrates, não me encaixei com a filosofia da Democracia Corinthiana, até porque eu adorava treinar, Kkkk!!!  Anos depois, comprei um apartamento, no Morumbi, onde morei 20 anos com minha mulher, Ana Reis, e, hoje, amo esse estado. Estive em várias capas da Placar e em incontáveis matérias, ganhei quatro Bolas de Prata, mas nunca entendi não ter levado uma de Ouro. Sempre colecionei Placar, El Gráfico, France Football e L´Équipe. Se eu não fosse o Caju, negão marrento, 70 anos de praia, talvez eu falasse aos leitores da Placar que “vou dar o meu máximo”, “seguir as orientações do professor” e “lutar pelos três pontos”, mas prefiro dizer que chego para falar de futebol na linguagem do boleiro, sem esse discurso professoral que tomou conta do futebol e o deixa cada vez mais chato, chego para zunir os quadros-negros e as pranchetas da sala e falar de futebol-arte, de pelada, de sonhos, de memória, personagens e jogos inesquecíveis. E a Placar está na memória afetiva dos amantes do futebol. Que esse jogo desperte a chama adormecida do torcedor e dure para sempre! Viva a Placar!

UM TRIBUTO À REVISTA PLACAR

por Washington Fazolato

Eu me lembro como se fosse hoje.

Meu pai chegando do trabalho com uma revista debaixo do braço e eu, curioso, fui checar qual era a publicação.

Desde criança tenho o hábito da leitura, iniciado com a famosa Seleções, depois a Veja, a saudosa Realidade e o finado Jornal do Brasil.

Mas essa revista era diferente.

Era dezembro de 1974 e na capa ela trazia a foto da torcida do Vasco, nas arquibancadas do Maracanã, comemorando o título do Brasileirão daquele ano.

A revista era a Placar.

Na época, minha fonte de informações sobre futebol era o Jornal do Sports, o famoso “cor-de-rosa”.

Mas ali, além da cobertura sobre as rodadas de finais de semana e previsões para a loteca, haviam as outras matérias. Ah, as outras matérias…

Essas eram ouro fino, joias preciosas em forma de texto. E repare que estamos falando dos anos 70, quando a crônica esportiva tinha gente do quilate de João Saldanha, Nelson Rodrigues etc.

Hoje, com o oceano de informações disponíveis via web, é difícil imaginar minha aflição aguardando, a cada terça-feira, que o amigo jornaleiro entregasse a revista em nossa casa.

Lia cada página, cada matéria, cada linha.

Os textos, sublimes, traziam a assinatura de autênticos gênios da crônica esportiva, alguns nunca reconhecidos como tal.

José Maria de Aquino, Jairo Régis, o saudoso João Aerosa, Oscar Azêdo, Raul Quadros, Divino Fonseca, Carlos Queiroz e outros.

Na fotografia, Ronaldo Kostcho , Manoel Motta, Rodolpho Machado, entre outros.

De tanto que lia a revista e gravava detalhes, guardo esses nomes até hoje.

Para um garoto de 15 anos, para o qual o mundo do futebol era algo quase mítico, os textos revelavam que o futebol era feito por homens de carne e osso, que sofriam, tinham alegrias e carregavam, muitas vezes, dores de uma infância e juventude perdidas pelo sonho de jogar futebol.

A revista, de forma sutil, trazia essa outra realidade, algo que hoje é convenientemente ocultado na grande mídia.

Lembro-me de uma matéria sobre a solidão dos garotos na concentração do São Paulo, que na época – não sei se ainda o é – ficava debaixo das arquibancadas do Morumbi.

Um retrato comovente e singelo sobre as dores de meninos que largavam as famílias em outros estados em busca da carreira de jogador.


Inesquecível também foi uma série de reportagens sobre o futebol do interior paulista, redigidas com maestria e sensibilidade.

Na peregrinação pelo interior, a equipe captou com rara percepção a importância dos times para a afirmação daquelas cidades.

Outra reportagem valiosa foi uma publicada numa edição de final de ano, que traçava um paralelo entre a carreira de Ademir da Guia e um jogador de um modesto time do interior paulista, com suas diferenças abissais no padrão de vida, ambições e realidades.

Meu idílio com a Placar durou desde aquela edição de 1974 até o início da década de 80.

Nessa época, a revista começou a mudar.

Muitos dos editores e repórteres antigos saíram, dando vez a alguns que tinham uma visão diferente da cobertura esportiva.

Na falta daquelas antigas reportagens, meu interesse foi caindo até perceber que a revista não tinha mais nada a ver com aquela que eu conhecera no passado.

Anos atrás, descobri que João Aerosa estava escrevendo para um jornal do Rio.


Escrevi-lhe um email, relembrando da antiga Placar e perguntando pela turma.

Para minha surpresa, ele me respondeu, em tom comovido, lembrando com saudades dos antigos companheiros, sobretudo alguns, já falecidos.

Ele viria a falecer meses depois, para minha tristeza.

Talvez ele, como todos os antigos cronistas e repórteres da Placar não saibam, mas a paixão que carrego pelo futebol deve-se, em grande parte, aquela revista maravilhosa e seus textos mágicos.

Descanse em paz, Placar.

ACERTANDO OS PONTEIROS

por João Saldanha


A preocupação maior do futebol brasileiro no momento é a de atacar pelas pontas. Como se estes elementos essenciais, imprescindíveis do futebol nunca tivessem sido necessários.

Sim, incrivelmente houve quem julgasse assim. Mas se isso fosse uma verdade, o campo não teria as medidas mínimas de largura que são de 45 metros, mas que nas competições de primeira categoria são as da Copa do Mundo: um campo de 105 metros e fração por 68 de largura. Para que essa preocupação? Ora, um campo congestionado, estreito faz um jogo feio, desagradável, e ninguém vai ver.

Pois, incrível que pareça, andamos jogando sem pontas, sem utilizar todo o campo. Então, bastaria uma rua. Os campos de jogo poderiam ser como as piscinas, que só precisariam ser mais compridas. Claro, para que mais largo? Para que gastar tanto terreno que está aliás caríssimo, se não é utilizado? Pois este jogo era o que estávamos fazendo em termos de seleção e, como cópia, em quase todos os clubes. Lembram da seleção de 1974? Os pontas eram o Valdomiro e o Dirceu, bem recuados. Mesmo em 58, a ideia inicial era a de fazer o ataque com Joel e Zagalo, em detrimento de Garrincha e Pepe ou Canhoteiro. O acaso fez com que descobríssemos o caminho da mina. Garrincha entrou e, todo torto, endireitou o jogo.

Mas quem descobriu isto? Como entramos neste jogo que contrariava tudo? A resposta é simples, muito simples: puro espírito de imitação. Os técnicos da Escola de Educação Física viram os ingleses fazendo o 4-4-2 e instalaram a tática no Brasil. Não eram mais necessários os pontas. Então, abaixo os pontas? Bolas, os ingleses faziam isso, mas com seu alto estilo de futebol-escola e com um profundo sentido de deslocamentos. Mas a verdade é que o futebol de Stanley Mathews e de Finney, dois fabulosos ponteiros bem abertos, perdeu o lugar para o de Ball e Peters. Claro que, com os deslocamentos dos dois ponta-de-lança (Hunt e Hurst) e a entrada rápida de Bob Charlton, vindo de trás. Faziam isso para burlar a severa marcação por homem e líbero, do resto da Europa. Mas sempre foram surpreendidos por nós, mesmo quando não andávamos bem. Nosso jogo não estava no livro da League, então não podia ser! E pegamos eles de calça curta em Viñadel Mar, apesar de jogarem com calções compridos.


Nossos teóricos alegaram que vencíamos porque Zagalo atraía um inglês para nosso campo e ficava um buracão na defesa. Bem, (1) Zagalo não era positivamente a Lollobrigida (na época era a maior) para o inglês ir atrás; (2) Vavá fazia de ponta e (3) Garrincha esburacava e estraçalhava tudo pela extrema-direita.

Em 70, tínhamos Jair bem avançado e a correspondência de Tostão fazendo o ponta para Rivelino poder entrar pelo meio, onde estava Pelé.

Em 1974 foi ridículo e 78 é fresca memória: não levamos ponteis. A Argentina tinha dois: Bertoni e Ortiz ou Houseman. Pôde fazer muitos gols quando foi necessário atacar com todo o vigor, como nos jogos com Polônia e Peru.

A razão histórica desse jogo defensivo está nos regulamentos. Na Inglaterra trata-se de não perder fora de casa e ganhar no próprio campo. “Safetyfirst” (primeiro ficar são e salvo), depois, se pintar uma boa, tudo bem – um ataquezinho.

Entramos pelo cano. Nós e eles. Não apareceram nas duas ultimas Copas, e nós entramos mas não para perder, “safetyfirst”.

Em inglês diria William Shakespeare: “The cowisalreadygoingtosmud”. Em português é menos esnobe e a tradução literária nos diz: a vaca já está indo para o brejo.


Mas acordo feliz e esperançoso. Escutei no rádio e li no jornal que o treinador da seleção nacional está no firme propósito de atacar pelas pontas. O que significa atacar. Muito bem, muito bem, palmas. Deixamos de lado os ensinamentos de um livro obsoleto e a imitação cheia de mofo de nossa Escola, que necessita urgentemente rever seu currículo.

Também inventaram o cabeça-de-área como salvação e para permitir o avanço dos laterais que fariam os pontas. Estavam, e alguns ainda estão, a caminho do sanatório. O macaco deixou de namorar a girafa por causa de distâncias a percorrer. Estes coitados também são obrigados a abandonar sua intenção tática. E o cabeça-de-área é menos perigoso porque surgiu em 1930 com os uruguaios. Mas a origem era inglesa e, também em 1934, com os italianos. Os italianos caíram fora da velhice da tática. Os uruguaios ainda jogam com o cabeça-de-área. Já se sabe o resultado. Mas este é um problema fácil de resolver. A tática é muito velha. Basta um empurrãozinho que a velhinha se desmancha. O reconhecimento de que o caminho estava errado é o primeiro passo para descobrir o caminho certo. Nossa música é diferente da alemã, holandesa ou inglesa. Temos que tocá-la. Talvez os Beatles tenham nos influenciado em demasia.

       Texto publicado originalmente na Revista Placar em março de 1979.