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Raphael Soledade

ZEBRA: NOVO MICO-LEÃO-DOURADO DO FUTEBOL?

por Raphael Soledade e Rafael Maia

As zebras não são mais unanimidade no universo do futebol. Há até quem proclame a sua extinção. O ex-jogador Paulo Cézar Caju, tricampeão mundial naquela mágica seleção de 70, defende que “o futebol, hoje em dia, está totalmente parelho e as zebras perderam força. Na verdade, elas viraram o mico-leão-dourado do futebol, ou seja, estão em extinção.”.

Caju acredita em uma nova configuração das zebras. Para ele, devem ser consideradas não só se um time de menor expressão ou investimento leva a melhor sobre um time de maior estatura. Também ocorrem, na opinião do ex-meia ofensivo, quando um time grande numa fase superior perde para um congênere num momento ruim.

Muitos analistas e torcedores concordam – especialmente com a percepção de que as zebras caminham para raridade. Para o tricolor Carlos Eduardo Guimarães, “elas já não podem ser consideradas tão zebras”. Isso porque os clubes menores, argumenta, “estão cada vez mais fortes e empenhados. Através do marketing, conseguem patrocinadores e, consequentemente, capital para contratar bons jogadores, muitas vezes já experientes, tornando o time mais competitivo”.

Até para a frieza dos números, elas se tornam arredias. O matemático Henrique Serra aponta uma dificuldade “em criar amostras estatísticas para esse tema devido às variáveis envolvidas”. Ele pondera:

“Como caracterizar a zebra? A análise é feita sobre um recorte histórico de cada time ou simplesmente baseada na atualidade?”.

Nos debates em torno da caracterização da zebra, tradição, peso histórico – “camisa pesada”, dizem os boleiros – somam-se à performance recente do time e ao seu poder financeiro. Cada vez mais, estreita-se a relação entre a saúde financeira do clube e o rendimento esportivo. Mesmo assim, fracassos de equipes mais poderosas – esportivamente, economicamente, historicamente – não constituem necessariamente uma zebra.

Poderio financeiro afasta o improvável

Um time com maior poder de investimento e com uma melhor administração de recursos terá um caminho mais fácil para o sucesso esportivo, com inclinação mais recorrente ao favoritismo e maiores chances de disputar títulos – em competições mata-mata e, sobretudo, de pontos corridos. Assim, a zebra contemporânea se caracterizaria mais no caso do insucesso de Golias rico contra um Davi pobre ou menos abastado. O jornalista Leandro Dias, do canal no Youtube Netflu, observa:

– Hoje consideramos zebra quando um time com poder de investimento muito menor vence uma equipe de menor investimento. Em geral, esta equipe também tem menos tradição e torcida.

Dias acrescenta que outros aspectos na avaliação de um grande favoritismo – e, consequentemente, de uma zebra – dizem respeito ao nível técnico dos adversários e a um certo estio de craques no mundo:

– Não há mais grandes craques no futebol mundial: Cristiano Ronaldo e Messi já passaram dos 35 anos. Estão no final da carreira. O Neymar, que seria o terceiro, já tem mais de 30 e não se vê uma substituição no mesmo nível. Então, observa-se uma crise técnica que produz um certo nivelamento, em geral, entre as equipes em relação a anos anteriores, quando ficavam mais evidentes os grandes clubes, os clubes médios e os clubes pequenos.

O tipo de competição também conta para a incidência de zebras. Campeonatos mais longos, de pontos corridos, tendem a favorecer times melhores, com estruturas esportivas, administrativas e financeiras superiores.

– Por conta da distância financeira, é muito difícil um clube de menor investimento ganhar um campeonato de pontos corridos. Neste modelo de disputa, é preciso um elenco forte, homogêneo, para um clube brigar pelo título. Já no mata-mata, é um pouco menos difícil! – compara Dias.

Surpresas rondam a Copa do Brasil

​Tradicional competição mata-mata, a Copa do Brasil comprova, de certa forma, essa tese. Acumula algumas das grandes zebras do futebol brasileiro. Como os títulos do Juventude sobre o Botafogo, em 1999; do Santo André sobre o Flamengo, em 2004; e do Paulista sobre o Fluminense, em 2005.

Já nas últimas 20 edições do Campeonato Brasileiro da Série A, as zebras não levantaram caneco. Prevalece a regularidade que normalmente acompanha as equipes tecnicamente e economicamente superiores.

Nem a Alemanha está imune

A Copa do Mundo, torneio curto de caráter eliminatório, é historicamente mais convidativa à zebra. Ela passeou, por exemplo, no Mundial da Rússia, em 2018, com a desclassificação precoce da toda-poderosa Alemanha, campeã em 2014. Para o historiador Iugh Mattar, fundador do canal Futebol Coruja, surpresas deste tipo também se mostram mais comuns em Copas porque as táticas costumam se sobrepor às habilidades individuais. Sem contar que a maioria das seleções apresenta-se menos prodigiosa do que as principais equipes da elite europeia, formadas por craques de vários países.

As Ligas espanhola e, sobretudo, inglesa passaram a concentrar os protagonistas do futebol mundial, desfalcando até campeonatos tradicionais como o italiano. Mattar acredita que tal movimento tenha influenciado, de alguma maneira, aquilo que pode ser considerado uma zebra histórica: a tetracampeã Itália ficar de fora de dois Mundial seguidos (Rússia 2018 e Catar 2022). Ele ressalta:

“A Itália era um país com muitos craques jogando em seu país. Entretanto, eles foram se movendo para outras ligas. Atualmente, os principais estrangeiros são os argentinos Dybala e Lautaro, e eles não pertencem à prateleira dos melhores do mundo. Por isso, são sondados para se transferir para o Tottenham ou o Atlético de Madri, não para o Barcelona ou o Real Madrid”.

Mais uma do Gentil

O icônico Gentil Cardoso, treinador de diversos clubes do Brasil, criou e popularizou expressões marcantes no futebol: “caixinha de surpresas”, “o craque trata a bola de você, não de excelência”, “treino é treino, jogo é jogo”, “quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”, “quem não faz, leva”. Também foi o pai da zebra.

Gentil treinava a Portuguesa, do Rio, quando usou pela primeira vez o termo, em 1964, antes de enfrentar o Fluminense pelo Campeonato Carioca. “Vai dar zebra”, profetizou. Imaginava que o destino pudesse trair o favoritismo tricolor.

O técnico fez referência ao jogo do bicho, do qual a zebra não faz parte, para destacar a possibilidade de um resultado improvável. E deu zebra na cabeça: Flu e Portuguesa empataram em 1 a 1. O animal passou a rondar os gramados como sinônimo do inesperado que – ontem, hoje, amanhã – acompanha o futebol.

Algumas zebras históricas:

1- Leicester City – Premier League 2016
O modesto Leicester fez o inimaginável em 2016: conquistou a Premier League com duas rodadas de antecedência.

2-Grécia – Eurocopa 2004
A Grécia chegou à final da Eurocopa 2004, passando pela França, Chéquia e venceu Portugal no último jogo.

3- Once Caldas – Libertadores 2004
Once Caldas foi uma das maiores zebras na Libertadores 2004. Desbancou times como Santos, São Paulo e Boca Juniors.

4- Santo André – Copa do Brasil 2004
Na conquista da Copa do Brasil 2004, o Santo André bateu o Guarani, o Palmeiras e, na final, o Flamengo.

5- Porto- Champions League 2004
O Porto arrematou a Champions League de 2004 passando por Manchester United, La Coruña, Lyon e Mônaco, na final.