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Professor

ADEUS, MARACANÃ!

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Estava de férias na casa de minha irmã, em Angra dos Reis, quando recebi um convite para defender o time dos marinheiros. O pessoal do cais soube por ela que jogara bola e havia um clássico local no sábado, no Frade, contra o campeão da liga amadora. Estava com 42 anos e havia encerrado minha carreira no Bonsucesso FC, sete anos antes, mas jamais deixei de exercitar-me, apesar do joelho trioperado requerer extremos cuidados. A chuteirinha, já desgastada, sempre nos acompanhou nas viagens e não seria problema, estava no carro além do kit sobrevivência formado por um tubo de Balsamo Bengué, com salicilato de metila, um envelope de Rehidrat e cápsulas de Cebion.

Quando cheguei ao estádio, modesto e pouco gramado, tomei até um susto. Casa cheia, gente saindo pelo ladrão, deveria ser o programa obrigatório daquele balneário simples que sustenta os hóspedes dos reis que Angra acolhe com seus marinheiros, cozinheiras, porteiros e babás. Ou se tratava de uma revanche que pouco comentaram a respeito. No vestiário, pedi a camisa 11 para ficar a vontade e me posicionei aberto na ponta esquerda aquecendo. O lateral direito que me marcaria, não estava em sua posição, mesmo diante da saída iminente da bola a nosso favor, batia papo com o zagueiro central. Seu comentário passava em letras garrafais no telão imaginário:

– Olha o coroa que vou pegar. Acho que hoje vou deitar e rolar!

Pedi que me passassem a bola, recebi um pouco a frente e parti em velocidade pelos caminhos abertos, e em cinco toques estava na cara do goleiro. O lateral só notou que a partida começara no terceiro toque, pois no quarto já passara por ele e no quinto chutava a bola com raiva para o gol (onde já se viu, não respeitar o meu passado?) .O goleiro defendeu, ela voltou em minha direção e entrei com bola e tudo. O silêncio do estádio só foi interrompido com a bronca que todo o time dera no lateral, que subestimara o velhinho, e o gol mais rápido da história do Frade fora registrado naquela tarde.

Gato preto contra rato calvo, a partir daquele momento começou a caça do lateral sobre mim. E ele pagou cada pré julgamento com deslocações constantes, passes precisos e um preparo físico que ele jamais imaginou enfrentar diante dos amigos que debochavam dele o jogo todo junto ao alambrado. Vencemos a partida e no dia seguinte meu joelho, inchado e dolorido, contrastava com o orgulho de ter feito um grande jogo.


Descobria ali que não é o ostracismo que nos atiram após a profissão que nos machuca. É o oxigênio do prazer de exercer uma vocação que desde menino se aflora e nos destaca. Sem a bola nos pés, somos mais um respirando o ar das multidões. Trata-se da meta atingida pelo caixa da Caixa, a petição triunfal, a nota 10 do doutorado, o reconhecimento do chefe. A promoção que pede um brinde e uma comemoração. Cada um com seu dom, e ele te diferencia, te faz importante e justifica sua presença aqui na terra.


(Foto: Flickr Fabian Ribeiro)

Demorei quinze anos buscando este oxigênio por gramados cada vez mais vazios. E trazendo de lá as articulações, e o conceito duramente alcançados, cada vez mais comprometidos. Até que meu pai, à beira de um dos últimos embates, nos chamou a atenção pelo tempo da bola que se perdia, a passada que se desconectava do lançamento, o domínio e a habilidade que as lesões impediam.

– Você, meu filho, tem um nome a zelar. Está na hora de parar!


Desde então resolvi estudar. Primeiro jornalismo, agora História. Escrever o que vivi e não mais empanar o que joguei. Nunca mais encontrei um lateral daqueles para enfrentar a não ser em sonhos, e das lembranças do Maracanã, nem ouso por perto passar. Dizem que é lindo no padrão FIFA, mas fico a imaginar o que fariam, hoje, Gerson, Rivelino, Paulo Cézar Caju e Zico com um gramado daqueles, um Rodrigo na zaga, uma bola tão leve e uma chuteira que parece uma pluma? Assistam Pelé Eterno, certamente se aproximariam do ET que faz o papel principal.

AGORA SIM, PROFESSOR

por Zé Roberto Padilha


Fui treinador de futebol durante oito anos. A metade em Xerém, comandando as divisões de base tricolor, América FC-TR, Ariquemes FC e Entrerriense FC. Não fomos mal, conquistamos quatro títulos (Carioca Infantil 87, Juvenil 89, Estadual de Rondônia 93, e Divisão Intermediária do RJ, em 94,) mas acabamos mal: depressão profunda herdada após participar do octogonal decisivo de Carioca de 95.

Mesmo sabendo do tamanho da nossa folha salarial, um abismo em relação aos adversários, não era fácil perder sábado sim, domingo também do Flamengo, na Gávea de 6×1 (Romário, Edmundo e Sávio), de 5×0 para o Vasco em São Januário (Carlos Germano, Gian, Ian, Pimentel, Waldir e Leandro Ávila), 4×2 para o Botafogo, que se tornaria campeão brasileiro daquele ano, do Túlio, e 3×0 nas Laranjeiras para o Fluminense de Renato Gaúcho, que acabou campeão carioca no centenário do Flamengo. Quase protagonizei as cenas de Ricardo Gomes, a pressão disparou, baixei hospital e passei a ser mais um hipertenso que levou meu orgulho de atleta a conviver com um remedinho pela manhã, outro à noitinha.


Último agachado da direita para a esquerda, Zé Roberto fez parte da Máquina Tricolor

Era treinador mas meus jogadores me chamavam de professor. Não era. Mas curtia demais as preleções. Se pudesse, adiava a partida para ficar ali no vestiário repassando ensinamentos às nova gerações, afinal, meus treinadores foram Pinheiro, Telê, Zagalo, Parreira, Antoninho, Paulo Emílio, Didi, Carlos Froner, Claudio Coutinho, Sebastião Lazarone, Evaristo Macedo, Jouber Meira, Jair da Rosa Pinto, Paulo Henrique… seria um desperdício, diante de um privilégio desses, não dividir tamanha sabedoria. E tinha a parte política, que é a minha outra paixão, falar sobre cidadania, participação, respeito àquele pessoal da arquibancada que pagou ingresso e decidiremos no domingo se serão mais felizes, ou não, em razão dos resultados alcançados.


Zé Roberto dando sua primeiro aula

E pensei comigo ao procurar um novo espaço na sociedade: na próxima encarnação vou ser professor. Após me formar Jornalista, vi o anúncio de uma pós-graduação em História, Política e Sociedade na UCP que nos tornaria um “especialista”. E fiz vestibular para História na Unirio. Fui estudando, fazendo a conta e pensei: se não for reprovado em nenhuma matéria, pego o diploma com 67 anos e… quem sabe?

Bem, na ultima quarta-feira, realizei meu sonho: dei no Colégio Walter Francklin, em Três Rios, para meus amigos acolhidos no CapsAd, aos 64 anos, 9 meses e 1 dia, minha primeira aula de História do Brasil. Era sobre o descobrimento, mas o que descobri mesmo foi que para alcançar um novo mundo ainda neste mundo não basta apenas imaginar o que há após o Cabo da Boa Esperança. Temos que alçar nossas caravelas da vontade, singrar os mares com a força da determinação, com qualquer idade, e alcançar o país que habita dentre dos nossos sonhos. Se for no Brasil, e nesta encarnação, podemos até colaborar em sala de aula para que alcance, de verdade, a sua independência.