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Pretenders

XV DE JAÚ, PRETENDERS, 3X2 E UM CAFUNÉ NA BOCA DA NOITE

por Marcelo Mendez


Ela não tava nem aí para o Palmeiras.

Também não ligava muito para minha empolgação falando dos livros que eu havia recém descoberto, me dizia que eram nomes bem estranhos… Gisnbergh, Kerouac, Gregory Corso e Willian Burroughs e por aí afora.

Em 1985, no florescer da minha fase beatnik dos livros, gastava meu tempo com eles, com os discos de rock e com ela, a Cris. Aos 15 anos de idade, dá para dizer que vivíamos a primeira das tantas paixões que viveríamos ao longo da vida.

Linda.

Tinha cabelos curtos e vermelhos, olhos coloridos, às vezes azuis, quase sempre verdes. Estudávamos juntos e começamos a nos apaixonar quando eu fui para escola com uma camisa do Slayer e ela intrigada, me perguntou quem era. Quando respondi, ela mandou:

– Eu curto Pretenders!

Mediante a resposta dela, iniciei um discurso em favor do rock “contra as bandas pré fabricadas por produtores mercenários” e ao terminar ela me falou sorrindo:

– Você fica lindo, quando fica bravo!

Bem, aos 15 anos acho que todo mundo é lindo. Fora isso, fica meio impossível não se apaixonar por quem admira a fúria nossa. Faltava o arremate final:

– Cris, que time você torce?

– São Paulo…

Em 1985, isso não era muito bom sinal. Mas bem, outras coisas deveriam acontecer para eu poder me preocupar com o São Paulo. E não aconteceram…

A esperança que não se deve.

A novidade tinha agradado minha mãe.

Com o namoro com a Cris, eu até estava um pouco mais calmo, nem tava tão bravo assim com o Palmeiras, que, naquele ano, disputava um Campeonato Paulista a trancos e barracos. Era um tal de perder em casa pra Botafogo de Ribeirão Preto, Santo André, tomar sapatada em Sorocaba do São Bento, mas vencemos uns clássicos e mais outras partidas do returno.

A campanha nos credenciou para ao menos um sonho, por mais impossível que pudesse parecer.  Fomos para a rodada final, tendo que torcer para o desinteressado Comercial de Ribeirão Preto contra o Corinthians. O jogo seria domingo pela manhã e na noite anterior, uma festa na casa de uns amigos me fez esticar o sono. Eu não tinha esperança nenhuma.

Era todo ano, o mesmo sofrimento, todo ano a porra da frustração de imaginar que algo de bom estaria bem perto e descobrir que não, tudo era longe demais para nós Palmeirenses. 

Por conta disso, decidi dormir até as tantas, à tarde eu tinha combinado um cinema com a Cris e sinceramente, isso era motivo da maior alegria daquele sono. Mas eis que ele foi interrompido.

– Filho levanta. O Corinthians perdeu e agora é só a gente ganhar do XV De Jaú e estamos classificados. Veste a roupa que seu Tio tá passando aqui já, já. Vamos no Parque Antártica!

Meio sonolento, fui levantando, caçando roupa, saindo com o Tio Bida buzinando o Opala pra gente ir. Não tomei café, não almoçamos, o Pai prometeu pra minha mãe que faríamos isso por lá. Deu tempo de eu pedir pra minha mãe ligar pra Cris para explicar o que havia rolado, sabia que mediante a causa tão nobre, ela iria entender e remarcaríamos nosso cinema.

No carro do Tio, tudo era alegria. As conversas, os risos, o rádio tocando Midnight Rambler dos Stones e eu acordando para aquilo que eu acreditava que seria um grande domingo na minha vida. Esperança que enchia o peito.

Porém, como falei, não eram tempos propícios para se esperar por muita coisa…

A dor que vem de Jaú

Bem, a impressão que tive quando o carro aportou na Pompéia é que todo mundo fez o mesmo que meu Pai. O trânsito era infernal, as ruas todas cheias, as gentes todas decidiram suspender o almoço para ir até o Parque Antártica. Compreensível.

O XV de Jaú era o décimo sexto colocado, não tinha mais nada que fazer no campeonato e o Palestra lotado com mais 45 mil pessoas fazia o clima ideal para a festa da classificação nossa para a semifinal do Paulistão. E o enredo começou bem.

Logo no começo do jogo, Barbosa abriu o placar. O Palestra Itália balançava. Que festa! Talvez embevecido dela, não percebemos que o XV começava a melhorar em campo e com isso não só conseguiu o empate, como a virada do jogo. No segundo tempo, 2×1 para o time do interior e a gente tentando ficar calmo naquela arquibancada. Veio um alento, o gol de empate, 2×2 e a volta da esperança.

Não deu.

Já no caminho para o final do jogo, o ponta direita Nildo, pega uma bola dentro da pequena área e define o marcador. XV de Jaú 3×2 Palmeiras. Em casa, com 45 mil pessoas empurrando, um adversário fraco, derrotado e desinteressado e o Palmeiras conseguiu: perdeu o jogo, a vaga pra semifinal, o juízo, perdeu tudo.

O silêncio de nossa gente indo embora, os passos de tristeza pela Pompéia, a volta para o ABC. Naquele dia, o Pai e o Tio Bida não tentaram me consolar, nem explicar nada. Nada era compreensível, nada era racional e tudo era tão somente dor.

Chegamos.

Avisei meu Velho que iria na casa da Cris e ele, sem nem dar muita bola, deixou. Ela morava na rua de trás da minha casa e quando cheguei Seu Antonio, Pai dela, me recebeu:

– Poxa vida, Marcelo, não deu de novo, né? Entra, a Cris está ouvindo música no quarto, pode subir!

A porta do quarto dela tava aberta. Entrei. Sentada na cama e ouvindo uma música dos Pretenders dela, me recebeu. Não falei nada; Sentei ao seu lado, dei um beijo nela e instintivamente, deitei a cabeça no colo dela. Ela passou a afagar meus cabelos enquanto na vitrola, tocava Back on the chain Gang.

Nunca os Pretenders pareceram tão bons…