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Pelé

O MENINO QUE NÃO GOZAVA

por Zé Roberto Padilha


Era uma vez um país do futebol. Nele, a maioria das crianças ganhava de presente uma bola de meia. Que virava de plástico na medida em que cresciam, depois no Natal a dente-de-leite, até alcançarem a maciez de uma toda revestida de couro. E a levavam para jogar com amigos em terrenos baldios próximo de casa. Felizes toda vida, cortavam bambus, erguiam traves e demarcavam o alvo da cobiça. Quem conseguisse colocá-la no fundo das redes que as avós costuravam, esse era o segredo, tinha até um goleiro à sua frente para dificultar, dariam um grito de gol. Do orgasmo pleno com que passaram a infância e a adolescência jogando futebol.

Neste país, um menino atrevido, de Três Corações, foi coroado Rei porque alcançou o orgasmo 1.286 vezes. O gol, neste país encantado, era o grande momento, a sublime relação de um menino, um campo e uma bola de futebol.

Mas como todo conto de fadas a estragar e a envenenar a maçã, tinha um garoto mau. Que chutava de canela, sempre esteve na reserva e jamais sentiu o prazer de colocar uma bola no fundo de uma rede. Por vingança, virou cartola. Tão ruim e determinado, alcançou a presidência da FIFA. E não sossegou enquanto não inventou uma camisinha suíça para revestir a bola. E a batizou de VAR.

Antes, para sentir o sublime prazer, bastava um olhar furtivo pro bandeirinha e sair a dar um soco no ar. Agora, com o freio de mão puxado, a espera que sua relação seja revista pelos país, avós e tias monitorando o ato em uma sala fria e calculista, nem o Gabigol goza mais quando marca.

O menino mau, que nunca gozou mas fala inglês arranhado e sabe fazer chocolate suíço, acabou com o prazer de um país de amar e jogar futebol.

CONTRA O CEARÁ NÃO DEU

por Rafael Santana


O Rei Pelé jogou entre os anos de 1959 e 1974 contra os times do estado Ceará. Jogou no Estádio Presidente Vargas, jogou no Castelão, contra o quadrado de ouro do Fortaleza Esporte Clube, no Romeirão, e também teve um confronto no Pacaembu.

Em 1959, o já campeão mundial Edson Arantes fez seu primeiro jogo em terras cearenses. Apesar de ter marcado duas vezes, não impediu o empate do Fortaleza, impulsionado por um PV lotado até as tampas em um simples amistoso entre Fortaleza e Santos.

Em 1968, em um ano bem particular, o Santos vistou Fortaleza para fazer a entrega de faixa de campeão cearense invicto do Ferroviário Atlético Clube. O resultado do jogo foi 0x0, mas o que valeu foi a festa.


No dia 3 de dezembro de 1972, o Ceará tinha um timaço!! Campeão cearense, tinha jogadores excelentes como Edmar, Mauro Calixto, Da Costa e por aí vai! Em partida válida pelo Campeonato Brasileiro de 1972, Pelé iria entrar em campo pela milésima vez na carreira, uma expectativa imensa foi criada para essa partida. Seria essa mais um show do rei?

Nesse ano, Pelé já dava indícios que um fim estaria por perto, mas continuava a brilhar com muitos gols e suas jogadas, então, para seu milésimo jogo, acredito que o Brasil inteiro estava de ouvido ligado nessa partida.

Aos 11 minutos do primeiro tempo, o Santos abriu o placar com Pelé, sim o rei marcou e dava indícios de show. Até que o Ceará mostrou sua grandeza virando a partida com Samuel aos 17 e o goleador Da Costa. Foi a primeira vitória de um time cearense sobre o Santos do Rei.

A torcida do Ceará fez o PV tremer tamanha a festa. Assim que acabou o jogo, rolou uma grande invasão de campo e um fã ofecereceu a bagatela de 10 mil cruzeiros pela blusa do Rei. Acuado, ele foi embora reclamando das condições do jogo.


ONZE MESES DEPOIS INAUGURARAM O CASTELÃO

Pelé finalmente jogou no Castelão, e dessa vez não teve motivo algum para reclamar. Em 23 de janeiro de 1974, o Santos enfiou uma goleada de 5×1 no Fortaleza, campeão cearense, com o Rei marcando duas vezes. Dessa forma, ele se despedia dos campos de futebol cearenses sem nunca ter conseguido ganhar do Ceará Sporting Club.

JOGOS INESQUECÍVEIS

por Mateus Ribeiro


São Paulo x Corinthians (Semifinal do Campeonato Brasileiro 1999).

Clássicos são emocionantes na maioria das vezes. Se o clássico em questão valer algo grande, a tendência é que a emoção alcance níveis estratosféricos. E foi isso que aconteceu no dia 28 de novembro de 1999.

São Paulo e Corinthians se enfrentaram pela primeira partida da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999. De um lado, um São Paulo que vinha de uma década fantástica, com títulos nacionais, continentais e mundiais. Do outro, o Corinthians, que naqueles dias, vivia a melhor fase de sua história. Como se isso não bastasse, grandes nomes do futebol como França, Marcelinho, Rogério Ceni, Rincón, Ricardinho, Raí, Edílson, Jorginho, Dida e muitos outros estavam em campo. Não se poderia esperar algo diferente de um grande jogo.

A partida foi um lá e cá sem fim, do primeiro ao último minuto. Os treinadores deram uma bica na tal da cautela, e ambos os times atacavam sem medo de ser feliz.

O Corinthians saiu na frente, com gol do zagueiro Nenê. Alguns minutos depois, Raí, acostumado a ser carrasco do Corinthians, acertou um chute que nem dois Didas seriam capazes de defender. Eu, que já havia ficado muito chateado pelo tanto que Raí judiou do meu time do coração (acho que já deu pra perceber que torço para o Corinthians) em 1991 e 1998, senti um filme passando pela minha cabeça. Estava prevendo o pior.


Para a minha sorte, dois minutos depois, Ricardinho aproveitou um lançamento e colocou o Corinthians na frente de novo. Meu coração estava um pouco mais aliviado, e eu conseguia respirar. Até que Edmílson tratou de empatar a partida, e jogar um banho de água fria na torcida do Corinthians. O frenético e insano primeiro tempo terminou empatado em dois gols, e com muitas alternativas para ambos os lados. Eu tinha certeza que o segundo tempo seria uma loucura. E realmente foi.

Logo no início, Edílson deixou Wilson na saudade, e caiu dentro da área. Pênalti para o Corinthians. Na batida, o jogador que eu mais amei odiar na minha vida inteira: Marcelinho. Bola de um lado, goleiro do outro, e o Corinthians estava novamente em vantagem.

Alguns minutos depois, pênalti para o São Paulo. De um lado, um dos maiores jogadores da história do São Paulo. Do outro, um goleiro gigantesco, que estava pegando até pensamento em 1999. O Resultado? Nas palavras de Cléber Machado, “…Dida, o rei dos pênaltis, pega mais um…”.

Naquelas alturas, eu já estava quase tendo uma parada cardíaca. Teve bola na trave, bola tirada em cima da linha, e tudo mais que os deuses do futebol poderiam preparar para fazer meu coração parar.


Até que quando o jogo estava se aproximando do fim, mais uma surpresa. Desagradável, é lógico. Mais um pênalti para o São Paulo. Eu já achava que aquilo fosse perseguição. Meu coração, desde sempre, nunca foi de aguentar fortes emoções. Tanto que no segundo pênalti, fiquei de costa para a tevê, sabe se lá o motivo, com meu chinelo na mão. E o chinelo foi um personagem importante, já que o monstruoso Dida defendeu o pênalti do gigante Raí mais uma vez, e eu arremessei meu calçado na árvore de Natal, e destruí o adorno que enfeitava a sala da minha casa.

Antes do apito final, Maurício (que substituiu Dida) ainda fez uma grande defesa, garantindo a vantagem para o jogo de volta.

Um jogo emocionante, que consagrou Dida, e de certa forma, foi uma espécie de vingança minha contra Raí, que em muitas oportunidades me fez chorar. Vale ressaltar que o craque são paulino é o rival que eu mais admirei durante minha vida.

A vitória me deixou feliz, é claro. Porém, além dos três pontos e da vantagem para o jogo da volta, quase uma década depois, o que me deixa feliz (e triste) é ver que naqueles dias as torcidas dividiam o estádio, os times se enfrentavam em pé de igualdade, e os craques ainda passeavam pelos gramados.

Um dos dias mais emocionantes e insanos da minha vida. Agradeço aos grandes jogadores que me fazem lembrar daquele domingo como se fosse ontem. Agradeço também, você que leu até aqui, e dividiu essas lembranças comigo.

Um abraço, e até a próxima!

 

 

 

EXPLICANDO PELÉ ÀS FUTURAS GERAÇÕES

por Émerson Gáspari


Este texto tem por objetivo maior, esclarecer aos jovens que não puderam ver Pelé jogar ao vivo, o porquê dele ser o maior de todos os tempos e ao mesmo tempo servir como testemunho para que a magnitude de sua obra jamais seja esquecida.

Fiquem tranquilos: não estou aqui para repetir o que vocês já se cansaram de ouvir e ver por aí, como o Tri no México, o milésimo gol e tudo o mais que parte da mídia lhes ensinou a duvidar. Narrarei atuações incríveis dele em jogos desconhecidos por vocês.

Mas como eu ia dizendo, nas redes sociais, por exemplo, é um assombro a quantidade de gente que destila seu veneno contra Pelé.  Em geral, fãs de algum craque atual ou pessoas que insistem em julgá-lo por episódios extracampo, misturando as coisas.

Aqui, neste texto, tratarei apenas do atleta Pelé.

Quanto ao cidadão Edson Arantes do Nascimento; trata-se de um ser humano comum, passível de erros e acertos, como todo mundo. Não focarei neste assunto.  Ponto final.

Saibam também, que possuo o maior respeito por todos os jogadores descritos neste texto e se faço citações, é no sentido de legitimar tudo o que afirmo aqui, apenas.

O propósito é apresentar histórias e informações incomuns, sobre a carreira do Rei.

Comecemos por alguns números: aos jovens que curtem tanto falar em “hat-tricks”, saibam que Pelé já fez “alguma coisa” nesse sentido; sendo oito gols num só jogo, cinco em seis jogos, quatro gols em outros 31 e três gols em 92 oportunidades.

Dos seus 1284 gols, 180 foram de bola parada, sendo 109 de pênalti, 70 de falta e um olímpico. Em três temporadas, superou a marca centenária: em 1959 fez 126 gols, em 1961, 111 gols e em 1965, 106 gols. Só pela Seleção Brasileira, marcou 95 tentos.

São apenas curiosidades, antes de abordarmos assunto mais sério: as comparações!

Sim, porque um dos maiores pecados da humanidadeé o da comparação, já que cada indivíduo é “uno” e como tal, não mereceria ser comparado a outro.

Mas sempre haverá a tentadora e deliciosa ideia de se discutir quem é o melhor.

Só que com Pelé, trata-se de pura blasfêmia.

Vejam os argentinos, por exemplo, sempre à tona, com a velha fixação de possuírem o melhor jogador de todos os tempos.

É bom que eu diga que sempre admirei o futebol argentino. De talento, garra, técnica, disciplina tática, posse de bola e boa transposição do meio para o ataque, além de outras virtudes, que não vem de hoje.Mas na verdade, às vezes, forçam um pouco.

Sejam alegando que devido a II Guerra deixaram de ganhar duas Copas, sejam especulando desde essa época, possuírem o “número um” do planeta.

Isso começou com José Manoel Moreno – ídolo do River Plate “La Máquina” – nos anos 40, mas, sinceramente? Não creio que nosso Zizinho, na época, ficasse atrás.

Mais tarde, inventou-se que seria Di Stéfano,porém o húngaro Puskas, seu parceiro de Real Madrid, me parecia um pouco melhor. Mais espetacular, sem dúvida. Boa parte da crítica mundial inclusive considerava Puskas o maior, até o surgimento de Pelé.

O próprio Puskas, imparcial e humilde, dizia que o melhor jogador do mundo era Di Stéfano, pois se recusava a classificar Pelé como um simples jogador.

Já Cruyff, considerado por muitos o maior craque europeu da história (e grande treinador, também) sempre repetiu quando atleta, que até poderia vir a ser um Di

Stéfano, mas nunca um Pelé, pois ele era o único que ultrapassava os limites da lógica.

Para o companheiro de Pelé no Santos, Pepe, ele sempre foi um extraterrestre, já que as coisas que fazia não cabem na compreensão humana.

Tempos depois, surgiu Maradona. Era de uma habilidade impressionante e para mim, sua melhor fase foi no Argentino Juniors, mas levou azar: aos 17 anos, preterido por Menotti na Copa, perdeu a chance de ser campeão mundial, feito Pelé na mesma idade.Ganhou sozinho o Mundial de 86 e revolucionou o Napoli, nos anos 80.  Só que engordou e prejudicou a carreira com as drogas. Poderia ter sido maior. Não foi.

Costumo fazer analogias entre futebol e boxe; penso que Diego estaria assim, mais para um Mike Tyson, enquanto Pelé se aproximaria do perfil de Mohammad Ali.

Agora, nesse século, o “concorrente argentino” mudou: passou a ser Messi.

Eleito melhor do mundo várias vezes,já viveu dias melhores. Enfrenta a concorrência de Cristiano Ronaldo, enquanto Neymar e agora Mbappé e Salah tentam se aproximar. Mas daí a querer comparar qualquer um deles com Pelé vai uma distância enorme.

Só que, mesmo assim, para Messi desbancar Pelé nessa disputa, bastaria ganhar apenas uma Copa, de modo convincente e decisivo, para que toda a gigantesca indústria marqueteira se incumbisse de promover uma injustiça.

Haverá gente da própria imprensa brasileira defendendo a tese de que ele passou a ser o maior. Até esta última Copa, havia uma meia dúzia escrevendo essa bobagem por aí. Depois do novo fracasso, ficou mais difícil acha-los.

Como a lei da probabilidade aponta para que Pelé e seus contemporâneos partam desse mundo antes que Messi e toda esta nova geração, basta uma Copa,muito marketing em cima e algum tempo. Estará feito o sacrilégio.

Marcar mil gols, por exemplo, ele não precisa. Ainda mais depois que uma revista portenha publicou um “levantamento de gols relevantes”, republicada em todo o mundo e no qual Messi deve superar Pelé, logo. Francamente! 

Um absurdo tão grande quanto uma revista brasileira, que tempos atrás afirmou – com matéria de capa e tudo – ser Roberto Carlos, o maior lateral-esquerdo que já existiu, acima até, de Nilton Santos. Triste! Acho que nem o R6 concordou com isso.

Mas voltemos às eternas comparações com Pelé. E sem patriotada!

Não é porque um seja brasileiro e o outro argentino, pelo amor de Deus!

Mas porque denota que compramos as ideias que chegam de fora, mesmo que absurdas. Vamos dar um exemplo (peço aos flamenguistas que me perdoem).

Zico foi um monstro como jogador, eu diria extraordinário; mas não foi um Pelé. Entendem o que eu quero dizer? Na época do “Galinho” mesmo, não dava pra cravar que ele fosse o melhor do mundo. Naqueles anos 70/80, no Brasil, havia Sócrates, que até me parecia às vezes, ligeiramente superior na criação das jogadas, enquanto Zico era mais decisivo e goleador, sem dúvida alguma. No restante do mundo então, nem se fala: havia Boniek, Rummenigge, Platini, Lato, Falcão. E Maradona.

Hoje a concorrência diminuiu. Só tem Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e agora, Mbappé e Salah chegando: Iniesta já é carta fora do baralho.

Jogar no Barça hoje em dia, dá mil vezes mais repercussão do que atuar no Santos. Imagine então, no Santos dos anos 50, 60, 70?

Querem a verdade? Cruyff por exemplo, não foi inferior à Messi, mas para a mídia (inclusive a europeia), é como se fosse. A propósito, nessa altura do texto, sou tentado a fazer também o meu ranking pessoal de melhores jogadores de todos os tempos.

Em primeiro lugar, vem Pelé, e nem poderia ser diferente.

A alguma distância, depois dele, está Maradona e colado nele, um seleto grupo, com

Puskas, Cruyff, Beckenbauer, Di Stéfano, Zidane, Garrincha, Yashin, Bobby Moore, Eusébio, Stanley Matthews e no qual estariam entrando o Messi e o Cristiano Ronaldo.

Se não conseguirem, permanecerão no grupo abaixo,maior, com Iniesta, George Best, Gullit, Van Basten, Robin, Neeskens, Kocsis, Zamora, Meazza, Baggio, Rossi, Zoff, Masopust, Liedholm, Beckham, Lato, Platini, Rummenigge, Matthaws, Gerd Muller, Mathias Sindelar, Moreno, Mario Kempes, Hugo Sanchez, Planika, Obdúlio Varella, Manco Castro, Gordon Banks e claro, “Ronaldos”, Romário, Zico, Sócrates, Falcão, Rivellino, Gérson, Tostão, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Zizinho, Nilton Santos, Djalma Santos, Didi, Leônidas da Silva, Friedenreich, entre outros e é neste grupo que Neymar está inserido. 

Claro que tudo isso é muito discutível, pois como disse, é complicado comparar, ainda mais jogadores de posições, países e épocas diferentes e é impossível lembrar de todo mundo. Mas sinceramente, é o que penso a respeito dos maiores craques que este planeta já produziu. Não sou dono da verdade.

E a verdade, é que tenho ouvido muitas bobagens futebolísticas, nestes últimos anos.

Algumas; já contei aqui, no Museu da Pelada: tem aquela do rapaz que insistia que Beletti foi o maior lateral-direito do Brasil de todos os tempos e “sem discussões”. Então, com modos, perguntei se havia ouvido falar de Zezé Procópio, Djalma Santos, Carlos Alberto, Leandro (fazendo de conta que o Cafu, naquela época, não existia).  Diante da negativa, questionei se pelo menos Nelinho ou Zé Maria.  Depois de mais um “não”, respondi, com toda a ironia do mundo que então ele estava certíssimo: “Beletti era mesmo, o maior de todos os tempos”. E sem discussões, como ele queria. 

Aposto que nem mesmo o sensato Beletti concordaria com uma afirmação dessas, até porque sua posição de origem era volante, mudando várias vezes durante a carreira.

Outro torcedor, trintão, insistia comigo que Serginho Chulapa foi muito melhor do que Ronaldo Fenômeno. Concordei: como discutir com quem pensa assim? Prefiro conversar com pedras, elas ao menos não me dizem essas bobagens.

Quando envolve Pelé, a coisa fica ainda pior: um rapazola – não sei se querendo me provocar ou por pura tolice mesmo, vinha sempre ao meu antigo sebo, para afirmar com entusiasmo, que Robinho já havia passado Pelé para trás. Um dia, extasiado por Robinho ter assinado com o Real Madrid (a pedido do Wanderley Luxemburgo, quando trabalhou lá), ele veio dizendo, sério, que “agora sim, Robinho iria arrebentar e talvez fizesse até mais gols do que o Rei”. Preferi responder com uma pergunta:

– Você sabe quantos gols tem Robinho hoje, com pouco mais de 21 anos?

– Não! Quantos?

– Setenta! Exatamente setenta gols, tem Robinho hoje.

– Puxa, que legal! E Pelé, quantos gols tinha feito, com a mesma idade, hein?

– Quinhentos! Aos 21 anos e dez meses, Pelé já havia feito 500 gols pelo profissional.


O moço arregalou os olhos, ficou em silêncio, aturdido. Minutos depois, saiu de fininho da minha loja, sem se despedir, para nunca mais voltar. Mais um cliente assim – que também fiz questão de perder – era um argentino fã de futebol, que aporrinhava a paciência, fazendo citações agressivas (entre os pôsteres de times na parede da loja, havia um de Pelé). Até que num belo dia, exagerou nas provocações:

“Este não jogou nada! Viveu de mídia! Foi sempre um enganador: tive pena quando vi seu filme, todo editado, cheio de cortes”. E prosseguiu:

“Não jogou nem 10% do que jogou Maradona! Outra mentira inventada, por aqui!”

Ouvi tudo em silêncio, sem nada responder. Quando ele se despediu, disse-lhe apenas:

“Desejo que na próxima encarnação, Deus lhe conceda a dádiva da visão, para que consiga ao menos enxergar futebol direito”. O gringo fez uma cara feia e saiu pisando duro.

Perdi mais um cliente, mas ganhei minha tranquilidade de volta. Porque cansa ouvir essas coisas, sabe gente? Quanto ouço essas asneiras (e só lhes contei algumas), chego à conclusão que meu ouvido definitivamente virou penico. E a mídia, com essa “babação” em cima do Messi, vem dando sua generosa contribuição para enchê-lo.

Com todo respeito que possuo pelo grande Mané Garrincha (de quem sou fã e farei meu próximo texto, homenageando-o), mas costumo sempre mensurar o grau de conhecimento futebolístico de alguém, quando me diz“Mané foi melhor que Pelé” ou“Pelé não seria nada, sem o Mané” ou ainda: “sem Mané, Pelé não faria tantos gols”. Bem, só pelo Santos, foram 1091 gols. E não me recordo do querido Garrincha ter vestido a camisa do Peixe. Se alguém viu, por favor, me avise.

“Ah, mas o Gérson disse que Garrincha foi o melhor de todos!”, dirão alguns.

Verdade, e ele é um dos caras que mais conhece futebol. Além do craque que foi, dava uma aula de conhecimento, nos comentários que fazia para a TV e eu adorava assistir.

Mas talvez diga isso, por ter levado o maior baile de sua vida, ao ser impelido a marca-lo, naquela célebre final do “Cariocão” de 1962, em que o Botafogo (ou Mané) fez três à zero em cima do Flamengo, deitando e rolando. Ficou o trauma. Depois, ele até foi jogar no Botafogo, ao lado do “Anjo das Pernas Tortas”. Melhor ter um cara desses no seu time, do que enfrenta-lo, como dizia o próprio Nilton Santos, cheio de sabedoria.

Mané foi único. Mas também não era um Pelé. E Messi, muito menos.

É bom que eu diga que não ganho um centavo pra defender o Rei.

Meu compromisso é com a verdade. Apenas isso. Contra fatos, não há argumentos.

Foram 59 títulos em 22 anos de profissão e 1284 gols em 1365 partidas.

Para tecer uma comparação com Maradona, por exemplo, basta lembrarmos que o portenho anotou 345 gols em 695 partidas. Metade dos jogos e um quarto dos gols do negão. Melhor seria compararmos Maradona à Garrincha. Aí sim, daria uma briga boa, equilibrada. Como Maradona, Mané ganhou uma Copa sozinho,a de 1962.

Já Messi, tem média excelente de gols na sua carreira. Computando a Copa de 2018, havia assinalado 618 gols, em 763 partidas. CR7, seu concorrente contemporâneo, fez 658, em 916 jogos. Aliás, o Cristiano Ronaldo tem boas chances de superar Eusébio, que marcou 773 gols em 745 jogos, não acham?

Daqui a pouco, a mídia inventará alguma contagem regressiva, até que Messi “supere” Pelé, nos “tentos válidos”. Nas redes sociais, a campanha por isso e os ataques ao Rei já começaram, com gente dizendo que a lista de Pelé é inflacionada com gols em amistosos de casados contra solteiros, numa prova de total desrespeito.

Fato foi que o Santos disputou inúmeros amistosos pelo planeta, tendo Pelé como atração principal. Se disputasse outros jogos e torneios, não marcaria gols, também? Vocês acreditam mesmo, que se um sujeito como o Rei fosse jogar na Europa, iria ficar sem marcar muitos gols? Não disputaria sempre a artilharia, ao menos?

Ora!  Não considerar gols em amistosos, é uma manobra vil, para diminuir sua marca.

Seria como considerar que todas as lutas de um campeão de boxe, na qual ele não colocou o cinturão em disputa, deveriam ser retiradas de seu cartel. Seria justo?

Mas criar polêmica gera venda de jornal, revista, acessos nos sites. Vende!

Messi conseguiu pelo menos 618 gols, aos 31 anos? Lembro-lhes que Pelé chegou ao milésimo gol, aos 29 anos. A partir daí diminuiu o ritmo; chegou a se aposentar e voltou pouco depois, no Cosmos. Aos 36 anos, estava com 1280 gols.

É, quem sabe um dia, Messi chegue ao nº 1000. Talvez consiga,na mesma idade de Romário. E digo isso sem deboches, pois o “Baixinho” foi outro “monstro” do futebol mundial e ambos merecem meu mais profundo respeito.

Messi sabe ser profissional, é obediente taticamente, talentoso, muito veloz, protege bem a bola e faz parecer fácil fazer os gols que faz. Desequilibra. Lembra aquele personagem, o Sonic correndo, quando parte em velocidade com uma bola dominada.

Recentemente, um internauta ficou argumentando horas comigo, que Messi é o maior jogador “de clube” ao menos, de todos os tempos. Olha, honestamente? Para mim, essa história de “jogador de clube” é um atestado de jogador que não é completo.

É como no automobilismo: nós tivemos na F-3 nos anos 80, uma grande rivalidade entre o Senna e o Martin Brundle, que pareciam ser pilotos parelhos (poucos sabem disso). Mas quando chegou a hora “da onça beber água” na F-1, deu no que deu!

E outra: como ignorar que o Pelé marcou mais de mil gols e ganhou uma pancada de títulos só pelo Peixe, tornando-o mundialmente famoso?

Em Copas então, é brincadeira: Pelé, em quatro edições, marcou 12 gols em 14 jogos, com 12 vitórias, um empate e uma derrota. No tal empate, saiu contundido, com uma distensão, logo no início e na única derrota, foi “caçado” pelos zagueiros portugueses, saindo carregado de campo. Dá pra comparar?

Agora, tirando o comportamento que citei a pouco de Maradona (e que o prejudicou seriamente na carreira) não sou o tipo que fala mal de craque estrangeiro, apontando seus defeitos. E eles sempre os tiveram.

Para alguns, faltava uma boa perna direita, noutros a esquerda. Outros eram lentos, gordos. Outros ainda, fracos no cabeceio ou excessivamente práticos, enquanto que havia também, aqueles que se perdiam em infinitas firulas e malabarismos.  Enfim, todos os candidatos ao posto de melhor do mundo, sem exceção, tinham ou tem defeitos. Que eu não preciso aqui relembrar. Basta pensar e vocês também se lembrarão. De cada um deles.

Com Pelé isso não acontece. Ele era completo e beirava a perfeição. E por causa disso, criaram-se algumas lendas a seu respeito. Algumas falsas, outras verdadeiras.

Uma delas: Pelé seria ambidestro? Não!

Pelé nasceu destro. Ocorre que treinou tanto a perna esquerda, que no final da carreira, já a estava usando melhor do que a direita, conforme ele mesmo diz.

Para comprovar o que digo, lembro a vocês, que batia pênaltis com a direita, certamente por ter mais segurança e precisão nela. Mas creio que se quisesse, poderia cobrar com a esquerda, também, sem maiores problemas.


Porque o gênio é também isso. É transpiração. E Pelé treinava muito. Soube aprender e se aprimorar. A tal “paradinha” no pênalti, mesmo.

Aprendeu com Dalmo Gaspar, lateral-esquerdo santista, que já a executava antes mesmo de ir para o Santos e foi seu companheiro de quarto na concentração do clube.

Em faltas e lançamentos, ele teve dois mestres à disposição: Jair Rosa Pinto e Pepe.

E aprendeu muito bem, treinando com os dois. Fora as broncas do capitão Zito, que às vezes gritava pra ele, ainda jovenzinho, ao partir na direção errada, num lançamento: “Crioulo burro: é olho pra um lado e bola pro outro”.

Longe de ser racista, Zito tinha o maior carinho por Pelé e apostava nele todas as suas fichas, como o grande craque que logo iria se tornar.  

Outra lenda: Pelé, por ter olhos puxados, teria visão periférica privilegiada e por isso enxergava os companheiros em volta, sem sequer precisar olhar?

Não, de novo! Caso contrário, qualquer seleção oriental levaria sempre vantagem, neste quesito, concordam comigo?

Pelé fora ensinado por seu pai, Dondinho (centroavante do Atlético-MG, que prematuramente encerrou a carreira, devido a uma contusão) à, toda vez que fosse pedir a bola a um companheiro, olhar antes em volta, para decorar o posicionamento dos demais jogadores. Assim, pensava melhor a jogada, antes de recebê-la. Reside aí também, a explicação para o fato dele muitas vezes antecipar as jogadas.

Acredito que o segredo de tudo foi que Dondinho se revelou um excelente professor particular ao ensinar bem os fundamentos ao filho. Por outro lado, não podemos deixar de considerar o diamante que ele possuía diante de si para lapidar, sempre atento e esperto; só podia dar no que deu!

Eu nunca quis Pelé para técnico da Seleção Brasileira, como algumas vezes quiseram fomentar. Ah! Mas na seleção de novos; essa eu pagava pra ver. Imaginem-no ensinando uma leva de garotos talentosos? Teríamos em pouco tempo, não apenas um jogador diferenciado, como hoje em dia: teríamos toda uma seleção diferenciada.

Mais uma lenda a respeito do Rei: Pelé seria fisicamente privilegiado, a ponto de levar vantagem, jogando futebol, naquele tempo? Depende.

Aparentemente, não. De estatura mediana (1,72 m, o que hoje já seria considerado baixo), Pelé possuía detalhes que de fato, faziam alguma diferença, sem que isso chamasse a atenção. No auge da forma, pesava 70 quilos.

Para começar, sua compleição física e engenharia muscular eram formidáveis. Raramente se contundia. Possuía espetacular impulsão e velocidade (o prof. Júlio Mazzei, em 1972, aferiu que aos 31 anos, ele corria 100 metros em 11 segundos cravados, conseguia no salto em altura atingir 1,80 m e no salto em distância, 6,50 m). Isso, calçando chuteiras, sem sapatilhas e piso especiais, usados para melhorar as marcas no atletismo. E olhem que nem levaram isso em consideração, quando o elegeram o “Atleta do Século”, viu?

Às vezes, mesmo um defeito seu, ele tratava de transformar em virtude: Pelé calçava nº 39, sempre teve pé chato e pra que sua chuteira não rachasse, ele usava uma trava, bem no meio dela. Por detalhes como esse, possuía mais equilíbrio que os demais e era difícil de derrubá-lo, naquelas jogadas disputadas, em que aos trancos e barrancos, ele prosseguia e marcava os gols que hoje vocês podem ver em filmagens antigas.

Certa feita, ele ganhou um par de chuteiras emborrachadas europeias, mas não gostou das mesmas, ao calçá-las. E decidiu jogá-las fora. O companheiro Dalmo as herdou e por algum tempo, tornou-se o primeiro atleta no país, a utilizar este tipo de calçado.

Hoje, o craque tem à sua disposição, chuteiras “escaneadas” em seus pés, garantindo leveza e ajuste perfeitos, além de toda uma parafernália de inovações tecnológicas no uniforme, equipamento esportivo, gramado e principalmente, na medicina esportiva.

Além de saltar muito, Pelé havia aprendido com o pai, a arte de cabecear (Dondinho chegou a fazer cinco gols de cabeça numa única partida), posicionando-se no melhor lugar, tomando impulsão, saltando com olhos e braços abertos e girando a cabeça e golpeando a bola com força, procurando direcioná-la.

Quando nada disso é feito, podem ocorrer falhas clamorosas, como aquela bola em que Gabriel Jesus e Fernandinho se atrapalharam sozinhos e que acertou o braço do volante, no gol contra que afundou o Brasil diante da Bulgária, dias atrás.

Eu, que pude ver Pelé ao vivo, já veterano, com mais de 30 anos, posso lhes dizer, como testemunha ocular: parecia que você estava assistindo a um desses vídeos educativos, que ensinam a jogar futebol.

Chegava a ser engraçado, até! Como dar um passe corretamente, executar um drible, uma ginga, um lançamento, dominar uma bola, cobrar uma falta, ajudar a fechar um espaço, escolher a melhor conclusão para o lance, antecipar uma jogada.

A matada de bola dele então era algo simplesmente sensacional!

Aí os mais jovens irão me perguntar: “Mas como assim? Uma simples matada de bola é para tanto?”. Meus queridos: só vendo, só vendo!

A bola podia vir enviesada, quadrada, com força, pelo alto, pingando. Não importava: ele a dominava instantaneamente, sem problemas. É como se a bola obedecesse a seu rei, quando se dava conta de sua presença, entendem o que quero dizer? Colava nele!

Certa vez, num programa de futebol na televisão, alertou Raí para não estufar o peito ao dominar uma bola, evitando assim, perdê-la. Bom moço que sempre foi; Raí agradeceu o conselho, prometendo usá-lo. Curioso, que sendo irmão mais novo de um gênio da bola como Sócrates e tendo um técnico da qualidade de um Telê Santana no banco, não tivesse tido esse fundamento corrigido, antes.

E o sentido de antecipação? Perfeito! Pelé pressentia onde a bola iria cair, não errava o tempo de bola no cabeceio.No drible, usava aquele recurso de tabelar com a perna de apoio do adversário para driblá-lo, quando se encontrava cercado, lembram? Sim, o negão tinha saída para tudo quanto era situação. E fazia isso de modo veloz, com genialidade e precisão notáveis.

Como Sócrates, antevia uma jogada e possuía visão absurda do campo de jogo, mas tinha muito melhor condicionamento físico e era mais completo, sem dúvida.

Era feito Zico, um elemento definidor de jogadas, mas driblava com maior velocidade e batia com a mesma precisão usando os dois pés, além de cabecear melhor.


Possuía o mesmo faro de gol e arranque de Romário, porém, maior força física e variedade de dribles e jogadas que o Baixinho. 

Seus “rushes” lembravam os de Ronaldo Fenômeno, mas ele marcava mais gols, se contundia menos, cabeceava melhor e ainda cobrava faltas com maestria.

Como Neymar, possuía enorme impetuosidade ao encarar adversários e invadir a área, mas além de melhor porte físico, fez mais gols e ajudava a marcar com mais empenho.

Diante dos craques de seu tempo ou não, dá pra dizer seguramente: se não era o melhor em determinado fundamento, estava sempre entre os melhores.

Talvez Baltazar “Cabecinha de Ouro” tenha sido o maior cabeceador da nossa história. Leivinha, Escurinho e Jardel sempre são lembrados, nessa hora. E Pelé, idem.

O Brasil teve excelentes cobradores de falta, como Jair Rosa Pinto, Didi, Pepe, Nelinho, Zico, Zenon, Neto, Marcelinho e muitos outros. E Pelé está entre eles.

Tivemos meias cerebrais, que armavam, pensavam o jogo, feito Zizinho, Gérson, Rivellino.  Ou meias audaciosos, que arrancavam em velocidade e só paravam dentro do gol, o ponta-de-lança, como Romeu Pellicciari, Ademir de Menezes,  Ademir da Guia, Dener. E em ambos os casos, também Pelé.

Nosso país teve jogadores habilidosos aos montes, que sabiam dar espetáculo, como Garrincha, Canhoteiro, Manoel Maria, Renato Gaúcho, Denílson, Ronaldinho Gaúcho, Dener, Robinho, Neymar e outros tantos, mas sem esquecermos o “Rei do Futebol”.

O “país do futebol” sempre teve artilheiros até dizer chega: Romário, Zico, Roberto Dinamite e até craques mais folclóricos, como Dadá e Túlio “maravilhas”. E quem é o maior em gols, dentre todos eles? 

Até a bicicleta, jogada mais arriscada e plasticamente mais bonita, teve em Leônidas da Silva seu mestre e em Pelé, seu legítimo sucessor.

Parece piada, mas Pelé, não contente em ser tão bom na linha, ainda abusaria indo em algumas poucas partidas, para o gol. Isso mesmo: o Rei “quebrou o galho”, em jogos nos quais algum goleiro precisava sair, a poucos minutos do fim, num total que, somado, dá 55 minutos debaixo das traves. Pois adivinhem quantos gols tomou, mesmo com os adversários sabendo que ali não havia exatamente um especialista? Nenhum! E olhem que ele chegou a praticar umas três ou quatro defesas de relativa dificuldade, se somadas essas atuações. Quer dizer: Pelé não “brincava nas dez”, ele “se virava nas onze”. Seus concorrentes ao trono conseguiriam fazer o mesmo?

É engraçado, porque o DNA pode ou não, ter algo a ver, nessas horas. O Edinho, filho do Rei, até foi bom goleiro no Santos. Já o irmão de Pelé, Zoca, não foi feliz quando tentou atuar na linha, apesar de ter um bom passe. Coisas que não se explicam. Mas cabe uma reflexão: não deveria ser nada fácil querer atuar, sendo parente do “Rei do Futebol”, porque a imprensa e o público colocavam uma pressão enorme, em cima.

A constatação é a de que Pelé, de fato, não foi o melhor em tudo. Mas foi o mais completo. E isso o aproximava da perfeição.

Pelé chegava a ser perfeito em campo, em vários jogos seguidos. Se não fazia mais, é porque era um só e o jogo se faz com 22 no gramado. Por melhor que você seja, existe muita gente em volta, também.

Por outro lado, mesmo repleto de adversários ao redor, nenhum possuía a qualidade do maior jogador de todos os tempos, por melhor que fosse ou por mais que se esforçasse. Alguns técnicos quebravam a cabeça, bolando um esquema para pará-lo. Certos zagueiros então, não dormiam direito, na véspera de marca-lo.A Itália (que organizou o jogo dos cinquenta anos dele, inclusive), talvez tenha sido o país que mais se esforçou nesse sentido. No Milan dos anos 60 ressuscitaram o líbero, função que havia sido criada em 1938 pela Seleção da Suíça, justamente para deixar um zagueiro na sobra e assim, anular Pelé, quando ele rompia a linha de zaga.

 O escolhido para a tarefa foi o grande zagueiro Trapattoni. Pois sabem o que o negão fazia? Chutava a bola contra o pé de apoio do zagueiro e a pegava mais à frente, fazendo tabelinha na perna do adversário. Trata-se de uma jogada arriscada, sem dúvida, porque obriga saber em qual parte do corpo do inimigo a bola deve bater, para ricochetear numa posição favorável, para você. Pelé a realizava com frequência.

Já o zagueiro Burgnich, incumbido da tarefa de marca-lo na final de 70, procurou fazer a função de “carrapato”. Pois Pelé subiu muito mais do que ele num cruzamento e de cabeça, abriu o caminho do Tri, naquele dia. E Burgnich dizia a todos, depois da partida, admirado: “Achei que ele fosse de carne e osso como eu, mas me enganei”.

Outro marcador dele numa final que sofreu assim – porém sueco e na Copa de 1958 – foi o zagueiro Sigge Parling, que declarou, após ter perdido o título de goleada, em casa: “Depois do quinto gol, senti vontade de aplaudi-lo em campo”.

Vocês entendem agora o tamanho da minha indignação ao ver essa turma comparando outros craques com ele?

Mas deixemos esse assunto um pouco de lado, por enquanto.

Porque, como havia prometido, irei lhes contar histórias (e não “causos”) que ele protagonizou nos gramados, mas a TV não registrou, nem se encontram escritas por aí. Algumas; fruto de leituras minhas e outras, de depoimentos idôneos, acima de qualquer suspeita, de quem o viu ou o enfrentou, acabando por testemunhar toda a realeza e magia que o homem tinha nos pés. 

Numa delas, nos anos 60, o Palmeiras “da Academia” contava com um de seus mais famosos marcadores, Waldemar Carabina, para pará-lo. Mas oque se viu foi um show do Rei em campo. Primeiro, invadiu a área, esquivando-se de um pênalti que seria cometido pelo zagueiro e ainda chutou-lhe a bola contra a própria perna estendida e apoiada no gramado, antes de fuzilar o goleiro Valdir de Moraes.

Pouco depois, falta para o Santos em dois lances, na entrada da área. Barreira de seis

homens. Pelé e Pepe, na bola. O juiz apita e o Rei vem correndo, feito um raio – após pisar na bola – e invade a área, passando ao lado da barreira, que se desmancha, pois os adversários saem em sua perseguição. Esqueceram-se por um instante, de que a bola, já tocada e praticamente no mesmo lugar, estava toda à disposição de Pepe, que vinha de trás e acertou “aquela” bordoada no gol, graças à barreira aberta.

São “tempos românticos” como se diz hoje em dia, meus caros, mas a vida era dura do mesmo jeito ou até mais. Ainda mais no futebol do antigo interior paulista.


Ao menos, como torcedor estoico do Paulista de Jundiaí, o que posso dizer é que contra Pelé, não sofremos tanto, pois meu clube só chegou à “Primeirona” em 1969. Então, não deu tempo, embora jamais tivéssemos vencido o Santos, com ele no time.

Até hoje o recorde “oficioso” de público no Jayme Cintra, é o de sua estreia contra nós, na vitória santista por 2×1 (02/3/69).  As bilheterias registraram 22.540 pessoas, mas estima-se que tenham entrado 28 mil. Todo mundo queria ver Pelé ao vivo.

Certa feita, meu pai estava em viagem de negócios em Presidente Prudente e viu num cartaz, que o Santos iria se apresentar lá, no dia seguinte. Não teve dúvidas: pediu à telefonista uma ligação para Jundiaí e avisou minha avó, que não tomaria o trem à noite: iria pernoitar ali, para assistir à partida e voltaria apenas na noite seguinte.

Comprou o ingresso e não se arrependeu, por ter assistido ao vivo, o que considerava ser o “maior gol de Pelé”, entre tantos. Segundo meu pai, o Santos ficou preso na marcação e Pelé não encontrava espaços na defesa adversária. Mas, na única chance que teve, fez valer o ingresso: num contra-ataque, Mengálvio dominou uma bola no meio-campo, enquanto o Rei disparou em direção à área, espremido por dois zagueiros mais altos. Então veio um lançamento longo, alto, pelas costas deles.

Pelé, ainda na corrida, salta e com sua impulsão, supera os beques. Mas a bola vem curta e parece que vai acertar-lhe a nuca. Então, ocorre o inusitado: curvando-se para trás, em pleno “voo”, Pelé recebe a bola que desce rolando, colada naquele corpo envergado e numa fração de segundos, ele troca de pé e fuzila de direita, antes de tocar o solo. Dá sorte: ela passa entre as pernas do goleiro, que saía para a defesa.

Espetacular! E meu pai não via a hora de voltar para casa, para contar o gol que havia presenciado, aos amigos.

E olhem que ele não viu poucas vezes Pelé ao vivo em campo, não: pegava o trem para São Paulo constantemente para assistir partidas do Rei na capital, nos antigos Pacaembu do tempo da “concha acústica”, Palestra Itália, Canindé, Fazendinha e até Morumbi, ainda no “primeiro anel”. Detalhe: isso, mesmo sendo um corintiano roxo!

Outra história bacana ocorreu durante o tabu de onze anos sem vitórias no Paulistão, que o Santos de Pelé impôs ao Corinthians. O Timão, aliás, foi quem mais levou gols do Rei em sua carreira: foram 50 tentos, ao longo de 48 partidas. 

Em 1962, cinco anos depois de iniciado, o jejum já incomodava os corintianos. Tanto, que o presidente do clube exigiu que o clássico marcado para o dia 04 de novembro, diante do Santos, em São Paulo, fosse disputado no acanhado estádio da Fazendinha, no Parque São Jorge, para pressionar o adversário e os 27.384 torcedores que se espremeram ali – em sua maioria – não deu tréguas à equipe santista.

Quando Cássio abriu a contagem para o Timão – aos 16 minutos do segundo tempo – iniciou-se um verdadeiro carnaval. Foi quando surgiu uma falta para o Peixe e Pelé cobrou, pegando mal na bola e atirando para longe. Recebeu uma sonora vaia dos torcedores, que o provocavam.

Então, fez aquele seu costumeiro gesto, como que a dizer pra torcida “esperem um pouco que vocês vão ver”. E não deu outra: aos 21, deu passe para Coutinho empatar. E aos 35 minutos, marcou o segundo, indo comemorar no alambrado, junto à torcida adversária, que atirou toda a sorte de objetos no gramado, incluindo um peixe morto. Alguns sustentam que ali nasceu o gesto de socar o ar, na comemoração de um gol, imortalizado por ele. Nada disso: ele “nasceu” num gol marcado diante do Juventus, após dar quatro chapéus em sequência, na Rua Javari (02/8/59).

Mas isso pouco importa.

Como também não importou o estar juiz “engavetado” e querer evitar a derrota do Noroeste em Bauru, diante do Santos, na época do  “ataque dos três Pês”, que contava com Pagão, Pelé e Pepe. O time da casa até abriu a contagem, com um gol impedido.

O Santos empatou. Só que o juizão arrumou também um pênalti pro Norusca, que convertido, encerrou o primeiro tempo em 2×1. Mas no segundo… Meu Deus! Na etapa complementar, o Santos empatou novamente e pressionou muito em busca da vitória, até que o “fenômeno” ocorreu.

Escanteio para o Santos. Pepe cobra na área e Pelé, de cabeça, desempata o jogo. Mas o árbitro impugna o tento, dizendo não ter autorizado ainda a cobrança. Volta o lance.

Pepe repete a cobrança: Pelé – sensacional – marca (de novo!) de cabeça. Pois creiam: na maior cara-de-pau do mundo (não havia TV transmitindo, nem haviam inventado o VAR), o juiz, alegando que a bola estava fora do quarto-de-círculo, volta a anular, o que acaba por levar a um tremendo bate-boca no gramado.

Afinal, após bom tempo perdido com reclamações – sua autoridade, o juiz – autoriza pela terceira vez a cobrança. Pepe levanta a bola na área. E Pelé – inacreditável – marca (pela terceira vez seguida) de cabeça. O jogo terminaria 4×3 para o Santos.

Honestamente? Acho que quantas vezes o juiz anulasse, o negão faria o gol de cabeça!

Hoje, com toda a tecnologia de transmissão disponível, um lance desses não ocorreria e um juiz assim, iria para uma “geladeira” daquelas. Mas naquela época…

Pelé tinha que lidar com certas animosidades, quando ia jogar contra determinados adversários. No caso do Noroeste, havia uma rixa, devido ao fato dele ter atuado pelo jovem time do Baquinho, quando garoto (do BAC – Bauru Atlético Clube), rival do Norusca. E também por ter atuado pelo Noroeste antes do profissional, em três partidas, em 1956, mas o pai, auxiliar técnico do time, contaria com a ajuda do treinador e compadre Waldemar de Brito, para levá-lo para o Santos, naquele ano.

É bom lembrar que o garoto Pelé já era “sobrenatural”, quando atuava no Baquinho, pelo qual jogou no infanto-juvenil, recém-criado. Em sua segunda partida, enfiaram 21×0 no São Paulo, com ele fazendo sete gols. Em 33 partidas, o time marcou 148 gols e já era o campeão, seis rodadas antes do fim do torneio. Adivinhem quem era o responsável maior pela proeza?

Como recompensa, fizeram em São Paulo, a preliminar de ADA x América/SP.  Antes de pisar no gramado, Pelé saiu do estádio para comprar amendoins e foi barrado na volta, por um segurança que não acreditava que ele era um jogador-mirim. Resultado: o “penetra” fez seis gols na goleada sobre o Flamengo da Vila Mariana, por 12×1.

Nem é preciso dizer que no ano seguinte eles seriam bicampeões, né?

Se na infância já era assim, a coisa não se modificaria muito, com Pelé já veterano. 

Com o tempo, ele aprendeu a se valer da picardia para se defender ou levar seu time à vitória. Às vezes simulava ser agarrado para cavar um penal, noutras, devolvia com esperteza, a violência que praticavam contra ele.

Foi assim com um alemão chamado Geiseman, que chegou ao Brasil dizendo que iria parar Pelé, num jogo de sua seleção contra a nossa, no Maracanã. E durante o jogo, “baixou o sarrafo” no Rei. Até que, numa de suas entradas desleais, Pelé entrou firme na dividida também e o alemão teve a perna quebrada. Algo tão discreto e sem maldade, que a arbitragem considerou como um lance comum, de disputa de bola.

Outro caso foi com o jogador Fontes, que na Copa de 70, após derrubar Pelé, fingiu pedir desculpas apenas para pisá-lo, no chão. Lembraram o lance parecido ocorrido com Neymar nessa última Copa? Com o Rei a solução foi diferente: minutos depois, o mesmo uruguaio entrou com tudo nele, mas levou uma sutil e violenta cotovelada na cara que o árbitro, além de não perceber, ainda apitou falta contra o Uruguai.

Pelé era assim, quando necessário: sabia impor respeito.

Nem mesmo o VAR talvez conseguisse flagrá-lo, quando colocava algum árbitro que o perseguia, contra a torcida. Armando Marques foi um que sofreu com isso. Enquanto o advertia chamando-lhe a atenção em campo (pelo nome próprio, inclusive) Pelé fingia aceitar a bronca passivamente, de cabeça baixa. Mas na verdade se aproveitava disso para provocar, resmungando que ele não teria coragem de expulsá-lo, isso sem que os torcedores notassem.  Imaginem o que aconteceu no dia em que o juiz puxou o vermelho, aparentemente sem motivos? Ele nunca mais o expulsou, depois disso, pois o público não entendia nada e se revoltava contra a arbitragem.

Assim como se revoltou demais na Colômbia, durante um amistoso em que Pelé foi injustamente expulso, pelo Santos. Não houve jeito: o público não parou de vaiar e começou a arremessar objetos no gramado. Até que Pelé retornou ao campo, com o árbitro sendo providencialmente substituído por um dos bandeirinhas. Quer dizer: o juiz foi “expulso” indiretamente, por Pelé. Só que o juizão (um ex- pugilista), que agrediu Lima e depois acabou agredido por alguns jogadores no meio da confusão e expulsara o Rei por engano, registrou um B.O. e parte da delegação santista teve que passar a noite na delegacia. Incrível, não?

Aqueles corpos negros, vestindo imaculadamente a camisa branca santista, causavam realmente confusão. Coutinho, após um mau jeito no pulso que lhe exigiu usar uma bandagem ali, continuou usando-a por um bom tempo, para diferenciá-lo de Pelé e a imprensa, assim, não se enganar quanto à autoria dos gols que ele e Pelé marcavam.

Mais uma história interessante ocorreu num jogo no Morumbi, apenas quatro meses antes dele se despedir do Santos, numa partida diante do São Paulo, pelo Brasileirão de 1974, na noite de 02 de junho. O tricolor vencia e num ataque santista, a bola foi lançada muito à frente para Pelé. O goleiro Waldir Peres ficou com a bola e deixou-a no chão, antes de repor em jogo, gritando e orientando a zaga, primeiro.

Lentamente, Pelé ia deixando a grande área sem tirar os olhos da bola, tendo a escolta do zagueiro Samuel, este de costas para Waldir. Subitamente, Pelé corre na direção do goleiro, como se ele tivesse perdido a bola e passa ao lado do pobre Samuel que, infantilmente, o agarra pela cintura, derrubando-o. Ao juiz só restou marcar pênalti e ao zagueiro reclamar muito, ao ver que o goleiro estava com a bola em suas mãos.

É essa sagacidade de saber fazer as coisas, que falta hoje ao craque brasileiro, numa Copa, por exemplo. Nem mesmo o VAR teria como anular um penal desses.

Às vezes, a torcida adversária pegava tanto no seu pé, que ele gesticulava. Geralmente estendia a mão direita num sinal de “esperem um pouco que vocês vão ver” (e viam mesmo!). Noutras, era o puro deboche de um jovem obrigado a enfrentar tudo: a violência em campo, gramados medonhos, clima hostil, arbitragens tendenciosas.

Exemplo desse deboche ocorreu em Piracicaba (10/12/61) contra o XV, cuja torcida passou a persegui-lo, após o “Nhô Quim” virar o jogo no primeiro tempo, depois dele ter aberto a contagem.

Nem é preciso falar muito: na etapa final foi um “chocolate”, com incríveis arrancadas e tabelinhas diabólicas com Coutinho. Quando o Santos marcou o último e completou a goleada de 7×2, a torcida inconformada, começou a vaiá-lo. Ele, que saía do bolo de jogadores comemorando o gol, passou a mão no cotovelo, como que dizendo para os torcedores: “é dor-de-cotovelo”. Compreensível: tinha apenas 21 anos.

Três dias mais tarde, nova goleada – desta vez em cima da Ferroviária de Araraquara – em plena Vila Belmiro por 6×2 (dois gols do Rei), daria o título por antecipação daquele campeonato ao Santos. Fechando a campanha, no jogo seguinte, um 4×1 no São Paulo.

Tentar pará-lo na violência, geralmente dava resultado contrário, também.

Vítor, ex-jogador do São Paulo, confessou certa vez, que três jogadores combinaram bater nele, uma vez cada, durante um clássico. Pelé saiu de maca, para alívio geral. Só não contavam que ele fosse voltar pro segundo tempo e com raiva, passasse a invadir a área pelas pontas, sempre na diagonal. Placar final: São Paulo 3 x 6 Santos (03/9/61).


O mais incrível talvez seja o fato de que Pelé fazia tudo isso numa frequência absurda, pois o Santos precisava disputar seus campeonatos, intervalando-os com inúmeras excursões por todas as partes do planeta, numa carga excessiva de jogos e viagens. 

A sequência de partidas gerava preocupações e pode ser sentida num diálogo entre o presidente da CND, Mendonça Falcão que procurava explicar, quando questionado pelo presidente da República Jânio Quadros, sobre o que se passava com o craque.

Mendonça confidenciou que Pelé estava com a clavícula fora do lugar, um tornozelo inchado, um dedo do pé quebrado e que mesmo assim, não parava de jogar.

Jânio então mandou preparar a “Lei das 72 horas”. Não adiantou: o Santos passaria a entrar em campo, para “jogos-treinos” (que de fato não eram). Não por maldade, mas uma dura realidade do futebol brasileiro na época, pois os clubes tinham que manter os seus plantéis, pagando bons salários e premiações e essa era a única solução.

Mesmo assim, seria impossível imaginar que Pelé não fosse assediado com propostas milionárias tentadoras. Vários clubes europeus tentaram seduzi-lo, sem sucesso.

Em 1961, o presidente Jânio, preocupado com a evasão de atletas para o exterior, enviou um memorando à Mendonça Falcão, manifestando toda a sua preocupação com o fato, bem como o assédio a Pelé e que o mesmo causaria enfraquecimento na seleção campeã mundial, o que não interessava ao país. Pedia providências.

No fim, acabaria por declarar Pelé como “tesouro nacional”, para justamente impedir que ele deixasse o Brasil. É mole ou querem mais?

Imaginem se Jânio fosse presidente, nos dias atuais? Isso dá uma dimensão de que o problema de exportarem nossos craques já existia. E suscita aqui, mais uma questão:

Quanto valeria o passe de Pelé, com essa “indústria futebolística” que temos, hoje? 

Pelé tem inúmeras histórias ocorridas ao longo de sua história. Tantas, que seria preciso uma enciclopédia, para contar todas, com riqueza de detalhes.

Aqui, neste texto, opto por relembrar as menos conhecidas ou mesmo desconhecidas, para não cansar os mais velhos com repetições e obrigar os mais novos a pesquisarem fatos mais relevantes, fáceis de serem encontrados numa Internet, por exemplo.

Há tamanha quantidade de partidas dele verdadeiramente sensacionais, perfeitas, que fica impossível de se eleger a melhor. Poderia ser, por exemplo, a final do Mundial Interclubes, diante do poderoso Benfica de Eusébio & Cia., em que ele simplesmente “destruiu” o adversário com três gols empolgantes. Tanto, que o juiz da partida não resistiu e cumprimentou Pelé, após a marcação de um deles.

Havia mesmo árbitros tão extasiados pelo seu futebol, que se rendiam e por um momento se esqueciam de sua tarefa ali em campo. Num deles, ocorrido contra o América de São José do Rio Preto, Pelé deu um chapéu dentro da área num zagueiro e emendou com um lindo chute que passou pelo goleiro, acertando o travessão, quicando sobre a linha e voltando para o campo de jogo. E não é que o juizão deu o gol? O engraçado é que os jogadores adversários o cercaram, reclamando e ele respondeu que “o lance do Pelé foi tão bonito que merece ser gol!”.

Mas voltemos às tais partidas, que poderiam ser escolhidas como a de sua melhor atuação em campo: que tal o jogo dos oito gols que marcou em cima do Botafogo/SP?

Ou o dos 7×1 em cima do Guarani, com quatro gols dele e a conquista antecipada do Paulistão/58? Dá pra elencar aqui, os 3×0 sobre o Vasco na final do Torneio Rio-SP de 1959 e também os 5×1 impostos ao Bahia, na decisão da Taça Brasil de 1961.

O que dizer então das finais nas Libertadores de 63 e 62, quando ele derrotou o temível Boca Juniors em “La Bombonera” ou o Peñarol por goleada?

Nesse confronto com os uruguaios, a propósito, um dos zagueiros o agarra com tamanha força, por trás, para impedir um contra-ataque, que lhe rasga completamente o calção e ele é obrigado a trocá-lo ali mesmo, no meio de campo, protegido por um “biombo” humano improvisado pelos próprios companheiros de equipe. 

Outra atuação memorável: a da conquista da Taça Brasil de 62, com os 5×0 diante do Botafogo de Garrincha! Ou que tal os impiedosos 5×1 em cima do Barcelona, em 1959 em pleno Camp Nou? Aquele foi o ponto de partida para as tantas excursões que fizeram do Santos, o clube brasileiro que mais partidas realizou, fora do país.

Talvez ainda, quem sabe, a vitória por 5×2 diante da perigosa França, na Copa de 1958, quando ele marcou três vezes, aos 17 anos, pela Seleção Brasileira.

Em visita ao “Museu Pelé” em Santos, pude ver um de seus gols, numa dessas partidas “históricas” do Rei: foi no Torneio Exagonal do Chile, em 16/1/65, no qual o Santos encarou nada menos que a Seleção da Tchecoslováquia, vice-campeão mundial, com Masopust e tudo. Ele marcou um gol por cobertura no goleiro Schmueker, que merecia ser imortalizado numa tela. Depois, acertou um petardo de fora da área e por fim, saiu driblando todo mundo e fechou o placar em 6×4 para os santistas que, claro, ficaram com a taça. Até hoje muito chileno considera essa, a maior partida realizada no país.


Enfim, são muitas candidatas e não dá, definitivamente, para se chegar a um consenso. Porque Pelé, em várias oportunidades, simplesmente não parecia humano. 

Às vezes – como Ali no boxe – fazia as coisas acontecerem segundo sua vontade, como se fosse um Deus.

Se provocassem nele a ira então, podiam esperar pelo troco, dobrado. Ou mais do que dobrado, como fez com o Botafogo, daqui de Ribeirão Preto, onde resido e coletei uma série de depoimentos a respeito. 

O “Pantera” tinha bom time no Paulistão de 1964, treinado por Oswaldo Brandão. Mas cometeu um erro fatal e foi surrado impiedosamente por Pelé e sua turma.

No primeiro turno, em Ribeirão, o Santos – desfalcado de Pelé – perdeu por 2×0 e o adversário e sua torcida quiseram dar “olé” na equipe. Não sabiam com quem mexiam.

No jogo do segundo turno, precisamente em 21 de novembro, na Vila Belmiro, Pelé – já sabendo de tudo – resolveu vingar os companheiros: fazia gols sem parar e corria para ir buscar a bola no fundo das redes, para recomeçar logo a partida.

Numa dessas vezes, teria dito aos adversários: “Agora vocês vão se ferrar, aqui!”.  No primeiro tempo, marcou cinco gols. No segundo, mais três. Com os oito gols, assumiu a artilharia daquele campeonato. O placar foi de notáveis 11×0.

Botafoguenses como o lateral Carlucci, nem gostam de relembrar a partida: “Depois daquele jogo, acabei sendo emprestado ao Atlético Goianiense, porque me acharam verde, ainda”. Já o artilheiro Antoninho, se diverte com as lembranças: “Entrei pra história, porque acabei dando a saída nada menos do que doze vezes, naquela partida”, ri. Quanto ao goleiro Machado, apesar de aparentemente assustado pelos três gols de Pelé nos minutos iniciais – o que talvez explique o gol olímpico que sofreu de Pepe, em seguida – acabaria eleito o melhor em campo pelo lado do Botafogo, por fazer defesas que impediram um desastre ainda maior.

Pelo lado do Santos, não é preciso dizer quem foi eleito o melhor em campo, certo?

Sobrou para o técnico Oswaldo Brandão, que antes do confronto teria dito que “Pelé não era mais o mesmo”. Após a goleada, acabou demitido, indo treinar o Corinthians. Pois adivinhem quem ele encararia duas semanas depois, num clássico? Exatamente! Imaginem o que aconteceu? Outra “sova” daquelas: o Timão até jogou bem, mas sucumbiu diante de Pelé, que fez quatro gols, enquanto Coutinho marcava outros três, em pleno Pacaembu. No último gol, a dupla literalmente “passou por cima” da zaga adversária. O placar foi de 7×4 e Brandão acabou assistindo seus times tomarem doze gols do Rei, num intervalo de duas semanas. Quatro no Corinthians, oito no Botafogo, equipe que levou quarenta gols do Rei Pelé, se somados todos os confrontos.

Já o rival Comercial/SP, teve experiências menos traumáticas. Uma das razões, a presença daquele que Pelé citou certa vez, como um de seus melhores marcadores: Píter “Rocha Negra”. Zagueiro “classudo”, que jamais ficou no banco ou foi expulso, ele conquistou a amizade do Rei, porque não apelava nem dava pontapés.

“Mas o homem corria muito; eu perdia dois, três quilos por jogo, de tanto suar. Sei que consegui anulá-lo por umas cinco, seis partidas. Já nas outras, não teve jeito, mesmo”, recorda-se Piter, que confessa sua “fórmula”: “Eu ficava de frente para ele, com as pernas não muito abertas (pra evitar ‘caneta’) e só olhava a bola, pois ele era como o Garrincha. Se olhasse pros seus movimentos, você era induzido à acompanha-lo e acabava fintado”.  

O lateral-direito daquele time, Ferreira, sintetizou o que era Pelé, num único lance: “Jogávamos em casa e Pelé puxou um contra-ataque, passando pelo zagueiro Jorge, arrancando pelo meio. O Píter foi nele e tomou entre as pernas. Eu, que deixei a lateral para dar cobertura, percebi que a bola ficou mais para mim: corri na diagonal e me atirei nela, com as pernas abertas, para “rapar” a bola. Quando percebi, estava caído, sentado, sem ela. Pelé – não sei como – deu um jeito de tocá-la antes, dando um “drible da vaca” (que eu nunca havia levado), sem que eu sequer percebesse ele passar pelas minhas costas, numa velocidade absurda. Ao olhar de lado, vi apenas a bola batendo na rede pelo lado de fora (por sorte!) e o goleiro passar uma ‘senhora’ bronca em todos, dizendo que nós ‘não pegávamos o homem’. Mas pegar de que jeito?”, finaliza, com um largo sorriso no rosto.

E olhem que este problema da velocidade dele, podia ser sentido por todo zagueiro. Ninguém menos do que Bobby Moore, após um amistoso no Maracanã em 1965, relatou, ao descrever um lance da partida: “Ele avançou e o encurralei junto à bandeira de escanteio, pensando que iria desarmá-lo; mas de repente, me vi sozinho: ele me deixou lá, parado e foi embora, com a bola e seu talento devastador para outro lado; a rapidez com que fez isso até hoje me deixa intrigado… como conseguiu?”.

Deixei para a parte final deste texto, o depoimento de um jogador, que por ser minucioso, oferece um retrato perfeito da dificuldade em se marcar o Rei, em campo.

Rodarte foi um centroavante que chegou a participar inclusive de um treino, formando na linha de frente da Seleção Brasileira ao lado de Garrincha e Pelé, pouco antes da Copa de 58. Nessa época atuava no Palmeiras, mas depois jogou por vários clubes, inclusive no Juventus, onde viveria essa história.

“O técnico Homero, do Juventus, bolou uma marcação especial para conter Pelé, no complicado compromisso diante do Santos, na Vila Belmiro. Treinamos a semana toda o posicionamento defensivo: eu viraria volante e ficaria de costas para ele, colocando a mão na sua cintura constantemente (como no basquete) para me assegurar de que ele continuava ao meu alcance, mesmo sem olhá-lo. Atrás do Pelé, quase que o ‘encoxando’ ficaria o Hidalgo. Dois passos atrás dele o Milton Buzzeto, na cobertura. As ordens eram claras: se ele passasse por nós, que o estávamos ‘ensanduichando’, era pro Milton baixar o sarrafo mesmo; dar na ‘medalhinha’, sem dó, parando-o na falta. 

Tudo certo, logo no início do jogo, Zito veio com a bola até o círculo-central, vendo a melhor alternativa de jogada e ouço do banco a voz de Homero: ‘Rodarte, olha a marcação!’. Até olhei para trás, conferi o Rei nas minhas costas, prensado entre eu e o Hidalgo e vi, inclusive, a cabecinha do Buzzeto, atento. Tudo sob o controle, portanto.

Um instante depois, Zito abriu um lançamento para Pepe na esquerda, que começou a descer. Nisso, vem uma tremenda bronca de Homero, lá do banco: ‘Rodarte, seu filho da p…! Eu falei pra você colar nele e não deixar passar!’.

Foi daí que me virei e não pude acreditar: Pepe estava cruzando pra área e Hidalgo feito bobo, olhando pra mim, perplexo. Pelé havia escapado da nossa marcação tripla, estando à quase quarenta metros de nós, saltando na área, tendo Buzzeto e Clóvis a acompanha-lo. Como se fosse numa câmera lenta; vi os zagueiros subindo muito, aparentemente, no controle da situação. Porém, quando atingiram o ponto mais alto, começaram a descer, quando a bola se aproximava. Nisso, vem surgindo a cabeça de Pelé por trás, que se choca violentamente contra a bola, enviando-a para o fundo das redes e abrindo a contagem, para delírio da torcida. Não foi um dia fácil pra gente!

Prova disso, é que, ainda naquele jogo, ele aplicou em nós, também um ‘drible de boca’, ou seja; num lance de ataque, na entrada da nossa área e diante de quatro adversários a marca-lo; eu, Dario, Milton e Hidalgo, de repente ele parou com a bola nos pés, falseou um passe na esquerda e gritou: Pepe! Mas passou mesmo, foi para o Coutinho, livre na direita, assim que ameaçamos perseguir o Pepe, que sequer participou (fisicamente) da jogada”, conclui Rodarte.

Entendem porque ele fazia coisas que a nós, pareciam impossíveis?

Pelé foi tão grandioso que sua história se funde à vezes, com a de outros jogadores.

Caso do lendário Jair Bala, cujo apelido se deve a uma bala alojada em sua coxa; fruto de um tiro acidental disparado por um funcionário do Flamengo, em uma brincadeira. Quando foi jogar no Botafogo, ele e Jairzinho causavam certa confusão nos treinos, por terem o mesmo nome e Gérson, ao gritar “Jair”, completava, após os dois olharem juntos: “é o da bala!”. Acreditem ou não, com o tempo acabou ficando Jair Bala.

Jair foi para o Santos onde virou “reserva de luxo” de Pelé, entrando também em várias partidas, pra jogar lado-a-lado com ele. Viveu de perto toda a sua angústia em busca do milésimo gol e que tirava a tranquilidade do Rei.

Rei que geralmente era calmo e que, quando levantava assoviando, no dia de um jogo, era certeza para os companheiros de que a peleja já estaria ganha.

Até que, na partida frente o Bahia (antes do histórico jogo com o Vasco, no Maracanã), aquele em que o zagueiro Nildo foi vaiado pela própria torcida após evitar o que seria o milésimo – Jair entrou em campo no lugar de Abel, na etapa final.  Aos 43 minutos, ele e Pelé iniciaram uma tabela pela meia-esquerda, envolvendo a defesa contrária.

Jair rolou para Pelé na entrada da área, que ao invés de invadi-la e driblar o arqueiro, preferiu chutar com o peito do pé. O goleiro Jurandir conseguiu espalmá-la para o alto, na direção de Jair, que vinha chegando e emendou numa meia-bicicleta espetacular, bem no ângulo. Um golaço! Quando o Rei correu para cumprimenta-lo – ainda caído ao solo – foi surpreendido por Jair que disse, dando-lhe um tapinha na orelha: “Negão, agora sossega, que eu já marquei o milésimo gol pra você!”. Surpreso, Pelé caiu na risada.  Essa partida ocorreu no dia 16/11/1969.

Perdoem-me por fugir um pouco do foco, mas isso serve para ilustrar a importância que ele sempre teve também entre os companheiros de profissão. Seu milésimo gol (contra o Vasco) acabaria sendo comemorado pela maioria dos jogadores em campo, naquela noite no Maracanã e na sequência, ele deixaria o gramado, sendo substituído justamente por Jair Bala.

Os que com ele tiveram oportunidade de atuar, sempre falam a respeito de seu jeito bacana, humilde, avesso a estrelismos e acima de tudo, um bom parceiro fora dos gramados. E melhor ainda, dentro dele.


Pelé era tão genial, que mesmo sem querer, obrigava os companheiros a ficarem mais atentos, para entenderem sua velocidade de raciocínio em campo e acompanha-lo nas jogadas.

Assim, talentosos craques fizeram duplas memoráveis com ele: no Santos, sem dúvida, as melhores tabelinhas foram com Coutinho. A dupla “Pelé-Coutinho” fez “gato e sapato” de muitos adversários. Pelé marcou 1091 gols e Coutinho, outros 370, lá.

Por aí, já se tem uma noção do que eram capazes de fazer juntos, no time praiano.

Pelé tivera antes a companhia de Pagão – centroavante de estilo clássico – em seus primeiros anos de Vila Belmiro. Após Pagão e Coutinho, outro bom artilheiro que jogou com ele na equipe peixeira, foi Toninho Guerreiro, único jogador pentacampeão paulista consecutivo da história, inclusive.

Na Seleção Brasileira, seu maior parceiro foi Garrincha, com quem compôs uma dupla invencível, que ganhou 35 jogos e empatou cinco, dos quarenta que disputou. Outro grande companheiro foi Tostão, de quem chegaram a duvidar que pudesse jogar com Pelé. A genialidade dos dois mostrou que isso era perfeitamente possível.

Mesmo no finalzinho da carreira, ainda brindaria o público com lances memoráveis, como em 19/6/73, um ano antes de se aposentar pelo Santos, quando marcou dois gols – e o único olímpico de sua carreira – na vitória de 4×0 sobre o Baltimore Bays. 

Como se não bastasse, ainda substituiu o goleiro Cláudio, que acabou se contundindo naquele jogo. A torcida americana foi ao delírio!

A mesma torcida americana que parecia não acreditar no que via, em 19/6/77, exatamente quatro anos depois, quando Pelé, atuando agora pelo Cosmos de Nova York na liga norte-americana, marcou um gol do meio de campo, diante do Tampa BayRowdies. E também deu show nesse jogo, marcando os três gols da vitória de sua equipe, por 3×0. Estava feito o gol que não havia conseguido na Copa de 70, diante da Tchecoslováquia. 

Em 22 anos de carreira, ele atuou na verdade, ao lado de várias gerações de craques, ao longo do que se convencionou chamar de “Era Pelé”.

Na Seleção, jogou primeiro naquela que teve Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Vavá, Amarildo, Zagallo. Depois, esteve ao lado de Piazza, Gérson, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Paulo Cézar Caju.

No Santos, mais ainda: na primeira geração, esteve ao lado de Jair Rosa Pinto, Formiga, Del Vecchio, Urubatão, Ramiro, Vasconcelos, Tite, Pagão.  Na segunda, com Gylmar, Lima, Dalmo, Zito, Mauro, Calvet, Almir, Mengálvio, Dorval, Coutinho, Pepe. Na terceira, teve parceiros como Clodoaldo, Carlos Alberto, Joel, Toninho Guerreiro, Edu, Rildo, Ramos Delgado, Cejas, Abel, Manoel Maria, entre outros. Alguns aqui citados participaram de mais de uma geração, é bom deixar claro.

Vocês estão entendendo queridos, porque com Pelé não pode haver comparações?Daí a intensão deste texto: a de que vocês tomem consciência da grandiosidade de Pelé e se tornem um agente multiplicador de sua história. Pelé é um patrimônio futebolístico nacional e mundial e compete a nós, brasileiros, preservarmos sua memória.

Muito menos aceitar o que parte da mídia dissemina por aí, tentando passar Pelé para trás e endeusando qualquer novo craque que surge na praça, representando vendas, publicidade, dinheiro, como se fosse o maior de todos os tempos.

Por isso, me dirijo em especial aos jovens, nessa cruzada para defender Pelé. Compartilhando esse texto com o maior número de pessoas que vocês puderem, ao menos. E depois, se tiverem interesse, procurem na literatura esportiva, conheçam outras histórias, as quais eu propositalmente, não contei aqui, porque nós, mais velhos, já as conhecemos, enquanto parte de vocês ainda não teve esse prazer.

Pesquisem por aí, sobre o “Gol de Placa”, o “Gol na Rua Javari”, o “Milésimo Gol”. Assistam com atenção, aos vídeos dele na Internet, sobretudo os golaços na Copa de 1958 e os lances geniais, na de 1970. Nunca viram o DVD “Pelé Eterno”?

Pois ele é obrigatório, para dar uma visão mais completa do que estou lhes falando.

A falta de patriotismo nos leva às vezes, a relativizar nossos ídolos, coisa que em geral não ocorre em outros países. Vejam por exemplo, a devoção com que os argentinos cultuam Maradona, com direito a exageros, como a fundação de uma “Igreja Maradoniana”. Mas fazem isso por paixão, por respeito. Cultua-se sua enorme importância como jogador; como ídolo. Não o julgam por sua conduta pessoal.

Pelé é um ídolo que nunca morrerá, mas deve preservar-se inalterada a grandeza de sua incomparável carreira. No exterior mesmo, me parece muitas vezes haver para com ele, mais respeito e noção do que este homem representou para o mundo da bola.

Dias atrás, logo após a final da Copa na Rússia, uma revista especializada lá da Europa trouxe uma edição especial com as 50 melhores histórias das Copas do Mundo.

Com Pelé, na capa, é claro!

O brasileiro mais famoso do planeta, em nossos mais de 500 anos de história, merece no mínimo, o mesmo culto à sua memória, que seus principais rivais possuem, em seus respectivos países.

Sobre ele, muito se falou ou se escreveu e para encerrar, gostaria aqui de relembrar algumas frases a seu respeito.

Primeiro, uma definição perfeita do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Pelé 1000”, de 20/10/69:

“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé”.

Já o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, impressionado com sua desenvoltura aos 17 anos, o descreveu assim, quando o viu pela primeira vez, antes da Copa da Suécia e de nosso primeiro título mundial, em sua crônica “A Realeza de Pelé”, de 08/3/58:

“… dir-se-ia um rei, não sei Lear, se Imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor…”.

O jornalista, técnico e comentarista João Saldanha, que inclusive foi treinador de Pelé em 1969 na Seleção Brasileira, fez uma analogia interessante sobre ele:

“Pelé é um fenômeno da natureza; só assim você explica um Pelé, um Picasso, um Neruda, um Chopin, um Da Vinci”.

Outro jornalista memorável, Armando Nogueira, dizia brincando que:

 “Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”.  

O jornal londrino “SundayMirror” admirado com seu desempenho, o descreveu assim:

“Pelé nunca será superado, porque é impossível haver algo melhor do que a perfeição; ele teve tudo: físico, habilidade, controle de bola, velocidade, poder, espírito, inteligência, instinto, sagacidade”.

A respeito do homem com quem se casou, sua ex-esposa, Rose Cholby, disse:

“Às vezes deliro e digo para mim mesma que estive casada com uma estátua viva”.

Quanto a mim, humildemente arrisquei uma definição sobre a origem de Pelé, quando elaborava um texto, certa vez:

“E Deus, em sua infinita e divina sabedoria, ao concluir o mundo no sexto dia, deu-lhe também a bola, para com ela romper com todo o silêncio que se apoderara de sua obra; porém, vendo-a tão inerte e silenciosa, como que não tendo vida, decidiu-se por conceder-lhe um rei, para que assim se espalhasse alegria e encantamento aos quatro cantos da Criação”.  Gostaram?

Sabem meus queridos, não posso deixar de certa maneira, de considerar Pelé um Deus, na medida em que ele provocava “o diabo” na defesa adversária.

Daí me entristecer tanta bobagem dita por aí, tanta sandice. Já tentaram rebaixar Pelé e seus feitos de todas as formas possíveis e imagináveis. Há listas que o contabilizam com 757 gols e até (creiam!) 290. Alguém aí acha, em sã consciência, que daria pra sustentar uma fraude tão grande por várias décadas, de que um jogador com menos de 300 gols foi o “Rei do Futebol”?

Quando me perguntam sobre como seria uma partida entre Pelé e seu maior rival, Maradona, digo para que leiam meu texto (inclusive publicado aqui no Museu da Pelada): “A Copa Virtual de Todos os Tempos”. Nela, ambos se defrontam numa incrível final e tem que decidir o jogo nos pênaltis.

Na vida real, aconselho que vocês se divirtam assistindo à “caneta” que o Romário deu em Maradona, na Copa América de 1989. Pra que vou discutir a majestade de Pelé contra súditos que passaram por esses vexames?

Parte deste texto foi escrito originalmente em um 1º de outubro, (mesmo dia em que ele encerrou a carreira) e não consigo deixar de me lembrar, todo santo ano, do dia em que ele se despediu e os gramados do mundo inteiro perderam esta magia tão grande.

Com o passar do tempo, não apenas meu amor pelo futebol foi crescendo, mas também minha admiração por Pelé. Tanto, que recentemente me tornei membro da ASSOPHIS por causa dele.

Peço desculpas a todos, pelo tamanho deste artigo, mas (por favor) compreendam que ele acabou ficando proporcional à dimensão de Pelé, na história do futebol mundial.

Fiz questão de que este meu décimo texto publicado aqui no Museu da Pelada, fosse uma singela homenagem ao maior camisa dez que já existiu.

Um “dez” tão importante, que revolucionou a própria posição, fazendo com que este número passasse a ter um peso diferente na camisa, em relação às outras, no mundo do futebol, até hoje.

Então minha gente, é isso!

Eu poderia ficar aqui contando mais partidas e jogadas do Rei, indefinidamente. Que interrompeu guerras (para que o vissem jogar) protagonizou histórias sensacionais, rivalizando em popularidade com papas, presidentes, ídolos pop, atuando muitas vezes até, em causas humanitárias e diplomáticas.

Que acabou sendo celebrizado inclusive, pelos gols que perdeu na Copa de 70. Que fez gols assim e assado, em muitas outras histórias curiosas, interessantes e até divertidas, às vezes. Eu poderia mesmo ficar. Mas não ficarei.

Porque amanhã – a não ser que alguma contusão séria comprometa sua carreira ou ele não ganhe Copa alguma – a mídia vai inventar que Messi (ou outro craque qualquer, que chegar com pinta de usurpar-lhe a coroa) foi melhor do que Pelé. Paciência!


Eu, de minha parte, vou dormir com a consciência tranquila, por não me deixar levar por interesses puramente comerciais, marqueteiros. Ninguém influencia minha opinião, muito menos rege o que eu penso.

E o que eu penso, sinceramente, é que sou muito grato a Deus, por ter tido a feliz oportunidadede viver num tempo em que ainda me foi possível ver Pelé jogar.

PELÉ & GARRINCHA: A DUPLA INVENCÍVEL

por Émerson Gáspari


Num dia ignorado de 2001, estava eu entretido com os jornais, revistas e livros daqui de casa, em minhas intermináveis leituras pelo mundo da bola, quando cai em minhas mãos o desempenho de Mané Garrincha com a camisa “amarelinha”. 

Algo espantoso, diga-se de passagem, pois foram 60 partidas pela Seleção Brasileira, com 52 vitórias, sete empates e apenas uma derrota, justamente na última delas.

Soube que a mesma ocorrera na Copa de 1966, diante da Hungria e imediatamente lembrei que Pelé não atuara nessa partida, pois o time enfrentou diversos problemas naquele Mundial.
Estava, pois, diante de uma “descoberta futebolística” (vamos assim dizer) por uma simples dedução: se Pelé não jogou na única derrota de Mané Garrincha pelo Brasil, então, isso significava que a dupla “Mané-Pelé” jamais havia sido derrotada.

Justamente os dois, que glorificaram essa camisa tão respeitada pelos quatro cantos do planeta. Expoentes máximos do escrete brasileiros e maiores jogadores da história do nosso futebol. Pela Seleção, Pelé marcou 95 gols. Mané Garrincha, outros 17.


Claro, tivemos a seleção do Tri, de vitórias memoráveis em 70 e belíssima campanha nas Eliminatórias de 69. Mas aí já se tratava de uma camisa consagrada, temida, admirada. E bicampeã mundial. A propósito, a última de maneira consecutiva, em toda a rica história das Copas do Mundo. 

Empolgado pelo “achado”, escrevi para uma publicação especializada em futebol, pedindo ajuda para elucidar a questão que agora povoava minha cabeça: se com Pelé e Garrincha, juntos em campo, a Seleção jamais foi derrotada, quantos jogos haviam sido então, de invencibilidade? E com quantas vitórias e empates? 

Três semanas depois, recebo uma carta-resposta não muito animadora: não poderiam atender minha solicitação, por algumas normas que aqui não me vem ao caso abordar. Decidi não desistir. 

Argumentei que não me enquadrava em nenhuma das tais “normas”, que era leitor assíduo deles havia duas décadas e que a informação poderia ser importante para estudiosos e escritores futebolísticos. Lembrei-os de que nenhuma dupla ficou invicta tantos jogos, por uma seleção. Nem Meazza e Piola, Puskas e Czibor (ou Puskas e Di Stefano), Eusébio e Coluna, Cruyff e Neeskens, Mário Kempes e Maradona. 

Não obtive mais respostas. 


Quatro longos meses se passaram e um dia, um amigo jornaleiro me chama, dizendo ter lido meu nome na tal publicação, com uma pergunta e a respectiva resposta. Comprei-a e fiquei realmente feliz. Mais que isso: admirado com o tamanho da proeza de Pelé e Mané, pela Seleção: 40 jogos, com 35 vitórias e apenas cinco empates. 

Na semana seguinte, um famoso jornalista já utilizava essa informação em sua coluna. 

Bingo! Fiquei feliz pela modesta contribuição para a “arqueologia” do futebol nacional.

Resolvi então – por conta própria – pesquisar mais a respeito, na minha incessante tarefa de arqueólogo futebolístico “não remunerado”.

Aos poucos, consegui completar os dados da minha pesquisa e agora, tantos anos depois, finalmente a publico, com exclusividade, aqui no Museu da Pelada! 

Vou lhes contar a história do período mais triunfal do futebol brasileiro: os 40 jogos da invencível dupla Pelé-Garrincha, ao longo de mais de oito anos, com 35 vitórias e cinco empates. Neles, Pelé anotou 44 gols e Garrincha, outros 10. 

Incrível, não?

Essa epopeia começaria em um amistoso disputado no Pacaembu (no tempo da “concha acústica”) em 18 de maio de 1958, diante da Bulgária. Havíamos vencido os mesmos búlgaros dias antes (mas no Maracanã), porém, naquela partida, o ponta-direita havia sido Joel e o meia-esquerda Dida é que começaria jogando (Pelé entraria no decorrer do jogo). O técnico Vicente Feola ainda buscava a formação ideal para disputar a Copa que se aproximava e fazia testes.


O mais curioso é que Pelé e Mané tenham feito a primeira e a última partida da série de “quarenta” contra a mesma seleção da Bulgária.

Nesse primeiro jogo, a Bulgária até saiu na frente e esteve perto de ampliar, mas o Brasil venceu por 3×1 de virada e Pelé marcou dois gols, o primeiro deles, recebendo a assistência de Garrincha, por meio de um escanteio cobrado. Era o começo da saga!

Em 21 de maio, novo amistoso no Pacaembu: 5×0 no Corinthians, no segundo jogo da dupla. Dessa vez, foi Mané quem marcou duas vezes (os primeiros dele pela Seleção).  Mas tomamos um baita susto: o lateral Ditão acertou um pontapé violento em Pelé, que acabou virando dúvida para o Mundial, o qual se iniciaria em quinze dias. A dupla estava momentaneamente desfeita.

Pior: no confronto seguinte, diante da Fiorentina – que vencemos por goleada – Mané inventou de driblar todo mundo até ficar sozinho, diante do gol escancarado, só que, ao invés de chutar, esperou a volta desesperada do zagueiro Roboti para aplicar-lhe mais um drible, vê-lo chocar-se contra a trave e daí sim, mandar para as redes. 

A comissão técnica não gostou: e se ele fizesse aquilo na Copa; desperdiçasse a chance e o Brasil perdesse? Garrincha foi “recolhido” ao banco de reservas, enquanto Pelé era avaliado, para decidirem se valeria à pena levar um rapaz de 17 anos contundido, à Suécia. A maior dupla de todos os tempos corria sérios riscos de ser desfeita. 


Ainda mais, quando o psicólogo da Seleção Brasileira achou que o Mané não possuía um “perfil” muito confiável. O compadre Nilton Santos procurava fazer os testes psicotécnicos antes, para lhe passar umas dicas. Mas não adiantava: num teste de QI, Garrincha – graças à sua ingenuidade – conseguia fazer apenas 38 pontos, bem abaixo dos companheiros de grupo, o que reforçava a rejeição da comissão com relação a ele. 

Mas, “Deus é brasileiro” e ambos entrariam no time, quando a situação apertou lá na Suécia, no jogo da Copa que valia nossa classificação. Surgiu até uma lenda de que um grupo de jogadores teria pressionado Feola a escalar a dupla. Não foi bem assim. 

O fato é que o treinador, dois dias antes, já intencionava colocar Pelé na vaga de Dida e, em razão das muitas dores de Dino Sani após o jogo contra os ingleses e o conselho médico de poupá-lo, Zito viraria titular. Com um volante forte na marcação, Feola se decidiu por trocar Joel (que voltava para ajudar o meio-campo, igual a Zagalo) pelo endiabrado Garrincha. Após sua decisão, o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, foi conversar com os jogadores mais experientes do grupo a respeito: Nilton Santos, Didi, Bellini e Gylmar, os quais concordaram de imediato, é claro! 

Resultado: vitória de 2×0, com um show de Mané e Pelé, os quais “destruíram” a URSS de Yashin em apenas três minutos de partida. Foi no dia 15 de junho, no estádio NyaUllevi. Seria a terceira partida da dupla e a terceira do Brasil naquela Copa, também!


Dali por diante, as coisas se tornariam bem mais tranquilas, para os dois e a quarta partida de ambos ocorreu quatro dias depois, no mesmo estádio, em 19 de junho de 1958, na dramática vitória por 1×0 sobre o retrancado País de Gales, quando Pelé marcou o seu primeiro gol (aço!) em Copas, “chapelando” um zagueiro dentro da área. 

O quinto confronto seria o chamado “jogo da Copa”: Brasil 5×2 França, no estádio Rassunda, dia 24 de maio e Pelé novamente foi a “figura do jogo”, fazendo três gols. O Brasil estava classificado para a finalíssima, diante dos donos da casa e Pelé começaria ali, a ser chamado pela imprensa internacional também, de “Rei”. Isso com 17 anos!

A final (apenas o sexto jogo da nossa dupla, junta) teve o mesmo placar: 5×2 em cima da Suécia, também no estádio Rassunda, em Estocolmo. E Pelé “guardou” mais dois gols, na decisão em que o Brasil se sagrou campeão mundial pela primeira vez. 

Ou seja: foi este time, impulsionado (e muito!) por sua “dupla dinâmica” que “colocou o Brasil no mapa”, de certa forma. 

Somente no ano seguinte, eles se reencontrariam; desta vez no Monumental de Nunez durante o Sul-Americano, realizado na Argentina. Lá, rolou a sétima partida deles (com gol de Pelé) em 21 de março de 1959, na vitória brasileira de 4×2 sobre a Bolívia. 


E também a oitava, dia 26 de março, na bela vitória sobre o Uruguai por 3×1, no mesmo estádio. Aliás, todas as partidas brasileiras nessa edição do Sul-Americano aconteceram lá: a nona, dia 29 de março, na goleada de 4×1 em cima do Paraguai (sendo três do “Rei”) e a décima, na última rodada, diante da Argentina, no empate de 1×1, em 04 de abril de 1959, que acabaria dando o título aos portenhos, pela melhor campanha no torneio. Pelé marcou o gol de empate e no último lance, Garrincha driblou até ficar diante do gol. Quando foi concluir, o juiz encerrou a partida, não validando o tento brasileiro. 

Notem que somente nesse 10º jogo da dupla é que não conseguimos a vitória e até perdemos o título, numa manobra “escandalosa” da arbitragem para favorecer os argentinos, em Buenos Aires. 

Lembrando também, que havia situações em que ambos não jogavam juntos, por razões diversas, como contusões ou testes que o treinador brasileiro resolvia fazer utilizando outros atletas. Por outro lado, a programação de jogos às vezes também não era tão intensa.

Assim, somente em 29 de abril de 1960 eles se reencontrariam, em sua 11ª partida, na goleada do amistoso diante do Egito por 5×0, no estádio Nasser. Mané marcou um gol e desta vez, não houve qualquer interferência da arbitragem. 

Mais duas partidas amistosas aconteceram por lá: no 12º jogo da dupla, o Brasil bateu o RAU, por 3×1 (os três, de Pelé), em 1º de maio, no estádio de Alexandria e por fim, novamente no “Nasser”, na 13ª partida, a Seleção Brasileira venceu outra vez o Egito por 3×0, com novo gol de Garrincha, no dia 06 de maio de 1960. 

Em algumas das partidas dessa excursão, Julinho substituía Garrincha. A equipe brasileira prosseguiu então, agora pela Europa: na Suécia, o Brasil venceu a equipe do Malmo, no “MalmoStadion” por 7×1, em 08 de maio, com Pelé fazendo mais dois gols, na 14ª partida da dupla. Nessa época, nós é que aplicávamos esse placar nos outros!


A 15ª ocorreria dois dias depois, no estádio Idraetspark, na vitória brasileira diante da Dinamarca, por 4×3, em mais um amistoso. Já na 16ª, foi registrado o segundo empate da dupla: 2×2 no estádio de San Siro, diante da Inter de Milão. Pelé marcou os dois gols
brasileiros.

Fechando a excursão (e a série de amistosos), em 16 de maio, a Seleção “ensacou” por 4×0 o Sporting de Portugal, no Estádio da Luz, no 17º duelo dos dois e agora seria a vez de Garrincha marcar um tento. 

Quase dois anos se passaram, até que jogassem juntos novamente – agora sob o comando do novo treinador – Aymoré Moreira. Atuariam diante dos paraguaios, em dois confrontos pela Taça Oswaldo Cruz, sendo o primeiro no Maracanã (em 21/4) e o segundo (em 24/4) no Morumbi, em construção (18ª e 19ª partida, respectivamente). No Rio, deu Brasil 6×0, com um gol de Mané e outro de Pelé. Já em São Paulo, acabou 4×0, com mais dois de Pelé. Que beleza!
Chegando então à metade dos 40 jogos, nossa seleção enfrentaria Portugal, em dois amistosos. No primeiro deles, realizado em 06 de maio de 1962, no Morumbi, o Brasil venceu por 2×1. No amistoso seguinte (21º jogo), em 09 de maio, no Maracanã, nova vitória brasileira, desta feita por 1×0, gol de Pelé.  

Às vésperas de mais um Mundial, o país seguiria nova série de amistosos preparatórios (agora para a Copa do Chile) desta vez se confrontando com a Seleção do País de Gales, em duas partidas. 

No dia 12 de maio de 1962, no Maracanã, venceu por 3×1, com Garrincha e Pelé deixando um gol cada, no confronto (o 22ª, da dupla). Quatro dias depois, no Morumbi, o placar se repetiu; desta vez com Pelé marcando duas vezes (23º jogo). 

Tudo pronto, a expectativa era grande para saber o que a nossa intrépida dupla iria “aprontar” no Chile. Naquele ano, Pelé e Garrincha estavam “tinindo”. 

O “Rei” ganhou praticamente tudo o que podia naquela temporada de 1962, sendo campeão estadual, nacional, continental e finalmente mundial com o time do Santos e nessa última conquista,  realizou talvez sua maior partida na carreira, diante do poderoso Benfica, em Lisboa.


Já o “Anjo das Pernas Tortas” vivia seu apogeu no Botafogo; com uma vitória e atuação memoráveis em cima do Flamengo na final do Campeonato Carioca daquele ano, o que acabaria por dar o bicampeonato ao alvinegro. Não bastasse, ainda sagrou-se campeão do prestigiado Rio-São Paulo e de outros torneios, inclusive no exterior.  

Acontece, entretanto, que nem tudo sempre sai conforme o planejado.

O Brasil até estreou sem problemas, vencendo o México, por 2×0, com Pelé marcando um golaço, após driblar quatro adversários, no estádio Sausalito, no Chile, pela 24ª partida deles juntos, no dia 30 de maio de 1962. 

Porém, no confronto seguinte, diante da Tchecoslováquia (o 25º), no mesmo estádio, Pelé sofreu uma contusão que o tiraria da Copa. Foi no dia 02 de junho e dali por diante, Amarildo o substituiu, até a conquista do bicampeonato, sempre com vitórias, pois Mané Garrincha assumiu responsabilidade dobrada, decidindo alguns jogos e marcando gols, inclusive de perna esquerda e de cabeça, o que não era de seu feitio. 

Notem que a tal série de 40 jogos invictos juntos, poderia ter sido ainda maior, não fosse a tal contusão. 

Mas eles teriam a oportunidade de se reencontrar, tempos depois, já que mais um hiato iria se criar, nessa trajetória.

Isso porque, apesar de Pelé se recuperar da tal contusão sofrida, Mané Garrincha passaria a sofrer problemas crônicos no joelho; em razão das muitas entradas violentas que sofreria na carreira e que acabaram por atrapalhá-lo bastante. 

Nesse período, a Seleção andou testando alguns atletas na ponta direita, com Dorval sendo o mais frequente. Só que ninguém agradava tanto como o nosso Garrincha.

Pudera: Mané era considerado a “Alegria do Povo” e o que o torcedor mais queria, era vê-lo driblar, driblar, driblar…e com Pelé à seu lado, fazendo muitos gols.

Por isso, foi uma felicidade quando a dupla finalmente reapareceu na linha de frente brasileira, um ano antes do Mundial de 66 na Inglaterra, para começariam a cumprir os derradeiros 15 jogos juntos pela Seleção. 

Até o treinador Vicente Feola – após alguns problemas de saúde que o haviam afastado do comando da equipe – estava de volta, também. 


Assim, em mais uma leva de amistosos, o “Torto” e o “Rei” atuariam lado-a-lado, a começar por três partidas no Maracanã: no dia 02 de maio de 1965 (a 26º), na goleada por 5×0 na Bélgica – em que Pelé marcou mais três gols – depois, no dia 06 de maio, na vitória sobre a Alemanha Ocidental por 2×0 (outro gol de Pelé) no 27º compromisso de ambos e por fim, no empate em 0x0 com a Argentina, em 09 de junho (28º jogo). 

Na sequência, a Seleção Brasileira pegou um avião e foi disputar mais dois amistosos. Um na Argélia (29º jogo) no estádio 19-Juin, em 17 de junho de 1965, numa goleada de 3×0, com Pelé marcando mais uma vez. E o outro, exatamente uma semana depois (dia 24 de junho) diante de Portugal, no estádio das Antas, quando se registrou um empate de 0x0 com os lusitanos – na 30ª partida de nossa dupla – e o último placar de igualdade na série de partidas dos dois. 
Depois disso – e até o encerramento da lista dos 40 jogos invictos – o Brasil engataria um sequência de dez vitórias consecutivas com nossos dois heróis à frente. Então vamos lá (e não percam a conta!).

Ainda pela tal excursão, o Brasil goleou a URSS (em mais um amistoso) no estádio Lênin, por 3×0, com Pelé marcando duas vezes, no dia 04 de julho, na 31ª partida. 

Seria a última deles juntos naquele ano, já que o Brasil acabou sendo representado pelo time do Palmeiras “da Academia”, dois meses depois, naquele tal amistoso em que vencemos os uruguaios por 3×0. E próximo do final do ano, Garrincha não atuou em algumas partidas. 
Mas em 1966 – ano de Copa do Mundo – a dupla voltou ao seu ritmo costumeiro, realizando todas as nove partidas que fecham essa incrível sequência. 

A 32ª deles – um amistoso frente à Seleção Gaúcha, dia 1º de maio, no Maracanã – terminou com vitória canarinha por 2×0.

No mesmo mês, já no dia 19 e também no Maracanã, o Brasil bateu o Chile pela contagem mínima, em novo amistoso (33º jogo). 

Em 04 de junho (a 34ª), outra partida amistosa preparatória para a Copa e goleada sobre o Peru, no estádio do Morumbi por 4×0, com mais um tento de Pelé. 

Quatro dias se passaram e pelo 35º compromisso dos dois, vitória diante da Polônia no Maracanã por 2×1, com Mané Garrincha anotando outro gol, no amistoso. 

A Copa se aproximava velozmente e Feola tinha muitas dúvidas quanto ao time titular que iria pôr em campo: vários jogadores daquela safra bicampeã haviam se despedido da seleção ou estavam se aposentando. Outros viviam com problemas de contusão (como Mané) e havia ainda uma nova “leva” de atletas surgindo, relativamente inexperiente, a qual viria depois a se consagrar no Mundial de 70, no México. 

Ou seja: uma “batata quente” nas mãos! E a comissão se perdeu um pouco nessa complicada tarefa, convocando inicialmente 47 atletas, para ir resolvendo (em tempo curto) essa complicada questão. Todavia, se pensarmos por outro lado, foi uma época em que se formavam no país, até quatro seleções praticamente do mesmo nível. 

Já hoje em dia…

Mas voltemos a Pelé e Garrincha: o Brasil viajou para disputar o Mundial e antes de chegar à Inglaterra, realizou seus amistosos finais, já em solo europeu. 

Dia 21 de junho de 66, a Seleção Brasileira derrotou o Atlético de Madrid, no estádio
Santiago Bernabeu, pelo placar de 5×3, com três gols do “Rei” (36º jogo), em mais um “hat-trick” dele.  Em 30 de junho, no estádio NyaUllevi (o mesmo em que a dupla havia estreado em Copas), o Brasil ganhou da Suécia por 3×2, pelo 37º duelo da dupla. 

Mais alguns dias e em 04 de julho, nosso selecionado triunfou sobre o AIK da Suécia, no estádio Rassunda, em Estocolmo. Nesse 38º jogo, Pelé marcou dois gols e Garrincha outro, na tranquila vitória brasileira por 4×2. 

Já contra a equipe do Malmo (também da Suécia), no “MalmoStadion”, obtivemos uma vitória de 3×1, com Pelé marcando outros dois gols (pra variar!). O jogo aconteceu no dia 06 de julho. Foi a 39ª e penúltima partida da dupla e o último amistoso. 

Finalmente, iniciou-se a VIII Copa do Mundo e o Brasil estreou diante da Bulgária, fechando a série de 40 jogos da dupla “Mané-Pelé”, jogando contra a mesma seleção – como eu já havia dito a vocês – com a qual iniciara essa saga, em 1958. 


O confronto se deu no estádio Goodison Park, em Liverpool, na Inglaterra, no dia 12 de julho de 1966, diante da Bulgária. Vitória brasileira (e da dupla) que não poderia se despedir de maneira melhor: 2×0, com direito a um gol de cada. E ambos de bola parada, em cobranças de falta. 
Primeiro Pelé e depois, Garrincha (aliás, uma verdadeira “pintura” de Mané). 

Foi o 40º e último jogo dos dois juntos. Uma parceria que nunca mais seria repetida com tamanha competência, em qualquer época ou parte do mundo. 

Depois disso, fomos “caindo na real” aos poucos: na partida seguinte, perderíamos para a Hungria por 3×1 (sem Pelé) e depois, pelo mesmo placar, para Portugal (sem Garrincha). Com o “torto” sendo vítima de um joelho estourado pelos adversários e o “negão” violentamente “caçado” em campo, o Brasil acabou eliminado ainda na primeira fase, naquele Mundial que só serviu para que os ingleses o sediassem e dele se servissem, mesmo. O tempo levaria nosso país a novas conquistas.  

Porém nunca mais, em nenhum lugar deste universo, surgiria uma combinação tão vencedora e mágica, como aquela formada por Garrincha e Pelé, a dupla invencível.

E a nós brasileiros, resta apenas agradecer a Deus, pela dádiva concedida e perpetuar esta história tão bonita, pelas próximas gerações.  

Em tempo: a dupla Pelé-Garrincha, na verdade, se despediria definitivamente mesmo, na noite de 19 de dezembro de 1973, num amistoso batizado de “Jogo da Gratidão”, realizado no Maracanã. 

Foi de fato, uma festa realizada para ajudar financeiramente a Mané Garrincha. 


Um encontro beneficente, que reuniu uma espécie de “Seleção Estrangeira” composta por atletas gringos que atuavam no Brasil, contra uma “Seleção Brasileira”, enxertada por Pelé (havia se despedido da Seleção, dois anos antes), além de Garrincha, então já um quarentão e aposentado do futebol profissional. 

Por trinta minutos, eles fizeram os mais de 150 mil torcedores relembrarem um pouco da maior dupla de craques que já existiu. Mané deixou o gramado e deu sua volta olímpica. Pelé ainda permaneceu em campo. O Brasil saiu perdendo, mas virou o jogo festivo para 2×1, com Pelé anotando um dos gols. Uma espécie de “última vitória” daquela dupla, mas que não entra nas “estatísticas oficiais”. 

E olhem, à bem da verdade, nem precisava entrar mesmo.