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Pelé

PELÉ E OS OUTROS…

por Maurílio Paixão


77 ANOS DE LENDA.

Lenda é uma estória inverossímil que tornamos verídica por acharmos que é o ideal para relatarmos a outras gerações.

No caso de Pelé, a lenda e a realidade se misturam.

Como todo rei dos primórdios do mundo, Pelé é exaltado por suas façanhas, algumas nos levam a crer que realmente lenda e realidade andam juntas quando se trata do maior jogador que o mundo já viu.

Quem em seu tempo jogando futebol foi expulso de uma partida e retorna logo em seguida; com o detalhe de trocarem o juiz para que sua majestade não fosse mais incomodada em campo? Quem senhores, quem?

Quem em seu tempo parou uma guerra na África para que os dois povos pudessem ter o privilégio de ver em campo o Deus único desfilar sua realeza futebolística? Quem senhores, quem?

Este súdito leal viu esta lenda dividir verdadeiras obras primas nos gramados com vários parceiros.

Vi Pelé e Coutinho, Pelé e Toninho Guerreiro, Pelé com Nenê, Pelé e Edu, Pelé e Tostão.

Via e não acreditava. Como alguém podia ter tamanha desenvoltura técnica em campo. Sua dinâmica era ininterrupta em direção ao gol.

Agora entendo quando um famoso jornalista esportivo inglês disse: – “Pelé nunca jogou em Wembley” o que fez seu interlocutor dizer com pesar: – “azar de Wembley”.


Pelé, quando menino no reino distante de Bauru, adquiriu os fundamentos do futebol com outro herói mitológico de sua época. Começou sendo Pelé-Zizinho, pois com ele aprendeu a técnica e a coragem de enfrentar os marcadores.

Críticos de ontem e de hoje insistem em comparar mestres e foras de série com divindades, então me permito fazer este exercício de comparação, lembrando que futebol só é completo quando o fundamento técnico é completo, logo comecemos as comparações:

Garrincha um semi Deus “quase” completo. O corpo se projetava com malícia pra esquerda e ao mesmo tempo o arranque fatal pra direita. Sempre, sempre pro mesmo lado.

Dom Diego Maradona? Onde estão teus chutes de direita? Onde estão teus cabeceios, tuas matadas?

Cruyff, quem pensa que é com este futebol mecânico e esquemático?

Eusébio tinha belas arrancadas, mas cadê teus dribles inversos? Tuas tabelas? Cadê o corte fatal e conclusivo em teus adversários?

E tu, Di Stefano? Tinha os fundamentos, porém, faltava o principal, a magia no conduzir, a magia de inventar. Faltava também jogar em outros continentes, pois era reconhecido apenas na Europa, enquanto que o Deus da bola jogou e ganhou em todos, disse todos os continentes.

Pelé disse em uma ocasião que se jogasse no futebol atual faria mais de 2.000 gols. Os incrédulos de plantão, os burocratas, os profissionais do ramo que chamam jogadores de “atletas”, duvidam que ele fosse capaz de tal façanha.

Pelé simplesmente deu seu veredicto:

“No tempo que joguei não existia cartão amarelo. O jogador que me marcava, puxava, rasgava o meu calção e camisa e nem advertido era. O time que jogasse contra o Santos do meu tempo com as regras disciplinares de hoje, terminaria com seis jogadores”.

Imaginem a quantidade de gols que o maior de todos faria em cada partida.

Palavra de rei, vassalos.


Pena o homem ainda não ter inventado a máquina do tempo. Várias vezes imaginei isto:

Pelé com 25 anos e todos estes monstros da bola também com 25. Cada um poderia escolher os jogadores do seu time para um duelo. Duelo este que definiria quem é o melhor.

Que covardia seria!

Comparemos com o que mais reclama esta majestade única:

Quem tu escolhe, Dom Diego Maradona, pra jogar do teu lado?

Quem sabe poria novamente a seleção de 86? Jogaria com Burruchaga? Jogaria com Valdano? Dou uma colher de chá, ok?

Misture junto alguns de 78, muito melhores que estes de 86. Coloque aí um Passarella na defesa, um Fillol no gol. Será que assim seria adversário?

Isto em seleção, porque em time você só jogou em um que ganhou algumas coisas. O Napoli.

E você, Rei?

Escolha. Quem sabe o time do Santos de 62? Mas como você mesmo disse, no lugar do Mengálvio o Jair Rosa Pinto bem mais técnico e conclusivo.

Na seleção seria covardia com Dom Diego.

O rei teria a sua disposição jogadores que não tiveram a honra de compartilhar jogadas com ele, entre eles, craques do quilate de Romário, Zico, Ronaldo e por aí afora.

Junte a essa esquadra um Rei com 25 anos.

Desculpe senhores foras de série não brasileiros. No confronto entre clubes ou em disputas de seleções, o Rei seria ainda mais Rei.

Só posso concluir que Pelé foi o que foi devido ao amor que nutria pelo futebol. Só quem ama o que faz com tanta intensidade pode ser tão perfeito.


Pelé era completo nos fundamentos, daí a divindade.

O drible desconcertante, o arranque, os olhos antevendo a jogada seguinte e o arremate impiedoso, cruel, implacável.

Hoje devemos sim orar pelo Deus Pelé.

Um Deus sem tempo definido. Um Deus que vale por todas as eras. Um Deus encravado na memória do que o futebol já teve de melhor.

Não oremos para o santo cristão.

Devemos orar pelo Deus pagão que tinha como missão infernizar as defesas adversárias.

Salve Rei, Deus da bola.

Ainda hoje, passados 77 anos, o melhor do mundo, porque o mundo do futebol se dividiu.

Assim como aconteceu com a humanidade. Antes e depois de Cristo, assim foi com o futebol AP e DP. Antes e depois de Pelé.

 

REI NO COSMOS

por Rubens Lemos


O New York Cosmos representava para nós, meninos fascinados por uma bola de futebol, a força do Super Homem do cinema derrotando criptonitas. O Cosmos vestiu pela última vez o corpo do imponderável dos gramados. Pelé, a estrela, liderou a constelação verde e branca no Eldorado norte-americano ao implantar o  Soccer. 

Pelé reuniu multidões em campos de grama sintética, marcou velhos gols de Maracanã e Pacaembu, de bicicleta, calcanhar, falta, pênalti,  cortes secos, corpo ligeiramente agachado para enganar os marcadores de pé torto. 

Pelé reunia no Cosmos, em torno do seu repertório, harmonia, beleza e organização, confirmando na prática o sentido grego da palavra. 

Pelé, a luz, atraiu partículas referenciais: Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, o italiano Chinaglia e, depois da saída  do Rei, o anárco-lateral-esquerdo Marinho Chagas das Dunas Potiguares e o paraguaio Romerito. Jogar no Cosmos significava estar no Olimpo. 

Guardo, em imagens chuviscadas, o jogo da despedida (uma das 30) de Pelé. Foi em 1977 contra o Santos. Pelé contra o Santos. O Santos abrindo o placar com um chute potente do potiguar Reinaldo, centroavante revelado no América, contratado depois pelo ABC que o vendeu ao clube da Vila Belmiro. Na foto, Reinaldo corre atrás de Pelé. 

Reinaldo fez 1×0 e o Cosmos virou. Reinaldo nunca conseguiu driblar o azar e as seguidas contusões cujas cicatrizes o perseguem até hoje.  Ágil, Valente, bom cabeceador e ótimo nas três posições do ataque, Reinaldo poderia ter se aproximado de Marinho Chagas como Souza do América.  Faltou sorte ao cabra da peste de pernas de cowboy e, mesmo combalido, campeão mundial interclubes pelo Flamengo em 1981. 

Enquanto Reinaldo experimentava a glória passageira da idolatria, Pelé chorava e dizia love, dizia amor, dizia adeus. Pelé fora criticado por ter voltado aos campos depois de deixar a seleção brasileira em 1971 e o Santos em 1975. 

Em 1975, quando voou ao paraíso, o  Deus portava bolso e, feito de carne e osso simplesmente ao retornar à condição humana do Edson Arantes do Nascimento , precisava de grana.

Pelé foi um classe média  jogando no Brasil. Seu salário, em valores de hoje, segundo a Revista Exame, oscilaria entre 30 e 40 mil reais,  algo parecido ao que os clubes de Natal pagaram e pagam a pernas de pau com grife empresarial. O extra, Pelé juntava, avarento feito um comerciante de secos e molhados. O extra vinha de excursões ao exterior e de jogos amistosos. 

Jovens publicitários de Natal, em 1971 ,  trouxeram Pelé em dia de chuva, tomando prejuízo colossal no pequenino Juvenal Lamartine. Lá, na trave  que dá para a avenida Hermes da Fonseca, Pelé  fez de falta o gol da vitória de 2×1 no amistoso contra o América. 

O Cosmos e os Estados Unidos receberam Pelé semeador do que hoje é a Major League Soccer. Pelé fazia embaixadinhas na Casa Branca com os presidentes Gerald Ford e Carter, o poderoso Henry Kissinger, frequentava universidades, tentava ensinar meninos loirinhos e propensos ao beisebol a controlar com os pés uma bola estranha sem charme de brinquedo. 

Agora, a Major League Soccer – sem mais o Cosmos e antes da pandemia – atingia a media de público de quase 20 mil torcedores por partida. É pouco? É mais que a media dos últimos  Campeonatos Brasileiros. 

É, sim, uma vergonha para o ex-país do futebol. Que foi o maior até Pelé e contracenou com Itália, Alemanha e Argentina até os 7×1 da Copa do Mundo de 2014 e dos 2×1 da Bélgica em 2018.  Saudades do Cosmos. Lá, Pelé disse Love.

CUTUCANDO ONÇA COM VARA CURTA

por Valdir Appel


O extinto Ceub, de Brasília, fazia boas apresentações no Campeonato Brasileiro de 1974. Vencera bem seu último compromisso e estava preparado para encarar o Santos, da Vila famosa, quarta-feira, no recém-inaugurado estádio Mané Garrincha.

Uma TV local promovia, às segundas-feiras, uma mesa redonda, onde discutia a rodada do Brasileirão, e o convidado bola da vez foi o recém-promovido a técnico, Cláudio Garcia, que encerrara no próprio Ceub uma brilhante carreira de jogador. Ainda desprovido das malícias do novo cargo, Cláudio foi presa fácil dos analistas do programa.

Perguntaram ao incauto treinador:

– Quem vai marcar Pelé?

Cláudio respondeu que Pelé não era mais o mesmo jogador, suas funções em campo agora estavam voltadas para a preparação das jogadas, finalizadas pelos atacantes Euzébio e Neném. 

Portanto, encarregaria aquele jogador que estivesse mais próximo do Rei o dever de marcá-lo. Cláudio não diminuía a genialidade do Pelé, apenas apontava mudanças em suas características.

Com a evidente intenção de promover o espetáculo, os jornais destacaram em suas manchetes no dia seguinte:


– Cláudio Garcia diz que Pelé não é mais o mesmo.

O público lotou o estádio para conferir as palavras do Cláudio. Em campo, o ponta-esquerda Edu virou-se para o lateral Rildo, com quem jogara no Santos, e disparou:

– Vocês estão fodidos e mal pagos! O negão, sozinho, vai dar conta do teu time. Ele tá uma fera com o teu treinador.

E foi o que aconteceu. Com jogadas geniais e um gol antológico, Pelé matou a pau, levando o seu time à vitória, apesar da primorosa atuação do Ceub.

As manchetes dos jornais de quinta-feira foram implacáveis:

– Cláudio Garcia tinha razão: Pelé não é mais o mesmo… está muito melhor!

O GOL DE PLACA, O MAIS BONITO GOL E O SOCO NO AR

por Victor Kingmar


Pelé, o melhor jogador e maior artilheiro da historia do futebol, marcou em toda sua carreira, oficialmente, 1281 gols, em 1363 jogos.

O milésimo destes gols, marcado, de pênalti, no Maracanã contra o Vasco, em 19 de junho de 1969, foi seguramente o mais esperado e festejado.  

Outro dos seus tentos, que também se imortalizou, foi o famoso marcado contra o Fluminense, no torneio Rio x São Paulo, em 05 de março de 1961. Naquela tarde de domingo, também no maior estádio do mundo, Pelé, partindo do seu próprio campo, driblou toda a defesa do time carioca e venceu o goleiro Castilho com um leve toque.   

O lance foi tão bonito que o jovem jornalista Joelmir Beting, que cobria o jogo para o Jornal O Esporte, sugeriu que deveria ser homenageado com uma placa. Feito isso, aliás a placa acabou sendo paga pelo próprio jornalista, o gol foi eternizado e acabou entrando para o vocabulário do futebol como “O Gol de Placa.”

Entretanto, segundo o próprio Pelé, e amplamente divulgado, o mais bonito de todos os seus gols, aconteceu em 1959, contra o Juventus, na Rua Javari, em São Paulo.  


Embora já tenha até sido reconstituído, poucos são os registros originais sobre esse jogo  e não existe nenhuma filmagem que se tenha notícia.

Muitos jornalistas e torcedores veteranos costumam afirmar que assistiram ao jogo e presenciaram o famoso gol. Costuma-se brincar no meio esportivo que, se isso fosse verdade, não haveria espaço suficiente no pequeno estádio do bairro da Mooca, em São Paulo, para abrigar tanta gente.

Embora a beleza do gol sempre foi atestada por todos que, efetivamente, assistiram ou participaram da partida, há algumas divergências em relação aos detalhes do lance.          

Sendo assim, nada melhor do que o depoimento de um jogador que, não somente estava em campo naquele dia, mas que participou diretamente do lance, como o zagueiro Clóvis, do Juventus, (já falecido):

“Eram decorridos 36 minutos do segundo tempo e o Santos estava atacando para o gol dos fundos (aquele situado ao lado da Creche Marina Crespi). O ponteiro Dorval, recebeu um passe do meia Jair e cruzou. A bola passou por cima da grande área…

Tira, tira, cabeceia, gritei! Quando a bola desceu encontrou o Pelé. Sem deixá-la fugir, ele, com um leve toque por baixo da bola, encobriu o zagueiro Julinho que chegava para dar combate. Na sequência deu novo chapéu, no Homero.  

E prossegue:

Fui para cima dele e também tomei o meu…


Faltava apenas o goleiro Mão-de-Onça, que saiu para abafar a bola. Aí Pelé também deu um chapéu nele e completou o lance de cabeça, com uma lucidez impressionante. 

O fato teve um lado até engraçado. Tinha chovido bastante de manhã e havia uma poça d’água na pequena área. O Mão-de-Onça pegou só barro. Ele ficou com a cara sobre a lama”. 

Após o fantástico gol, uma cena de grande emoção tomou conta do estádio, com todos os jogadores e os torcedores aplaudindo a jogada magistral daquele que se tornaria o maior jogador de todos os tempos.

Para completar, se não bastasse o gol genial, Pelé, que vinha sendo hostilizado pela torcida, correu em direção ao alambrado xingando e dando socos no ar, criando, naquele mesmo jogo histórico, o gesto que se tornou sua marca registrada e o acompanharia por toda a sua carreira.

Dados do Jogo:

 

Santos  x  Juventus

Local:  Rua Javari

Data :    02/08/1959

Público: aproximadamente 10 mil torcedores

Renda:  Cr$ 622.225,00 

Árbitro: Sebastião Mairinque

Primeiro tempo: Santos 1 x 0  (Pelé aos 23 minutos)

Final Santos 4 x 0 (Pelé, aos 8 e 36 e  Dorval aos 27 minutos).

 

Times: 

Santos: Manga, Ramiro, Pavão, Mourão e Formiga;

Zito e Jair;

Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.

 

Juventus: Mão-de-Onça, Julinho, Homero, Pando e Clovis;

Lima e Zeola;

Lanzone, Buzone,  Cássio e Rodrigues. 

 

 

Fontes : Arquivo particular do autor e

Site Portal da Mooca.

PELÉ ALVIVERDE

por André Felipe de Lima


Pelé começou a chamar a atenção da imprensa esportiva no começo de 1957. Tinha somente 16 anos. A grafia do apelido do craque era sempre confundida pelos jornais e revistas esportivas. No começo escreviam “Pelê”, com o famoso “chapéu do vovô”, o bom e velho acento circunflexocarimbado na segunda letra “e”. O garoto estava jogando uma barbaridade, mas ninguém acertava o nome dele. No Torneio Rio-São Paulo — conquistado pelo Fluminense no primeiro semestre de 57 —, ele desabrochara de vez. 

O menino prodígio do Santos mostrava-se um jogador de futuro. Só que nem ele e tampouco os mais sabichões sobre futebol imaginavam que o “futuro” seria coroado com o ouro mais maciço e raro do mundo. Algo que somente aqueles que reluzem algo divino podem ostentar. Pois bem,não erraram mais o nome dele e Pelé acabou convocado para a Copa Rocca, tradicional disputacontra os argentinos, que valia um lindo e pesado troféu. 

No dia do primeiro jogo contra nossos vizinhos, no dia 7 de julho, o treinador Sylvio Pirillo, que também era técnico do Fluminense campeão do “Rio-São Paulo”, estava diante de um jogo amarrado, com os argentinos a ponto de meterem a primeira nas redes do goleiro Castilho, e foi o que aconteceu aos 29 minutos do primeiro tempo, pelos pés do já veterano Labruna. Pirillo olhou para o banco e chamou o garoto, que imediatamente levantou-se, ouviu as recomendações do técnico e, certamente, deve ter dito o proverbial “Deixa comigo, seu Pirillo”. 

Saiu Del Vecchio, que não estava jogando lhufas, entrou Pelé, que pela primeira vez vestia a camisa da seleção brasileira. Logo aos 32 minutosmostrara quem era ao marcar o primeiro de muitos outros gols que fariam do nosso escrete o mais respeitado do planeta. 

O Brasil perderia aquele jogo para os argentinos (2 a 1), mas ganharia o seguinte e a posse da Copa Rocca. Mas o reino mágico do futebol também teria — após aqueles dois jogos contra os nossos maiores rivais — o seu príncipe, que dois anos depois seria devidamente coroado o rei do futebol.Único, insubstituível e eterno. Mas não é essa a pauta principal deste artigo. Deixei propositadamente para o final o tema mais emblemático. Preferi antes contextualizar o Pelé naquele ano que antecedia a Copa do Mundo da Suécia para, depois, falar das ações empregadas pelo seu descobridor, o também craque do passado Waldemar de Brito.

Dondinho, pai do Pelé, estava preocupado com o futuro do filho no futebol. O garoto tinha apenas 15 anos, porém restringia-se somente àquela lengalenga entre o Bauru Atlético Clube e o Noroeste, os dois rivais da cidade do interior paulista, onde vivia Pelé com sua família. 

O grande técnico Tim, que igualmente ao Waldemar também era amigo de Dondinho, ouviu falar do talento do menino e foi à Bauru tentar convencer o pai de Pelé para que o menino viajasse com ele ao Rio de Janeiro com o único intuito de defender o Bangu. Tim garantira a Dondinho que logo que o rapaz completasse 16 anos o escalaria imediatamente no time principal. 

Dondinho viu o brilho nos olhos do menino e respondeu a Tim que, por ele, tudo bem, poderia levar Pelé para jogar pelo Bangu, o time treinado pelo próprio Tim. Dondinho pediu licença ao amigo e foi à cozinha consultar Celeste, a mãe do garoto. Ela largou a panela no fogo, enxugou as mãos e foi à sala ver o que acontecia. Ouviu o pedido de Tim, percebeu o sorriso nos lábios do Pelé e do marido, mas disse um sonoro “não”. Dondinho e Tim ponderaram com Celeste, que abraçada a Pelé, mostrava aos dois que ali estava um menino que ainda vestia calça curta e que ainda era muito imaturo para sair mundo a fora correndo atrás de uma bola de futebol.

Resignado, Dondinho acatou a decisão de Celeste,e quanto ao Tim, restou-lhe um café e, em seguida, deixar a casa da família Arantes do Nascimento sem Pelé a tiracolo. Essa história — pouco ou nada difundida ao longo das décadas — é descrita por Mario Filho no livro Viagem em torno de Pelé (1963). 

A abordagem do Tim não é narrada por nenhuma outra biografia do Pelé traduzida em livro e nem por reportagens mais complexas sobre a vida dele. Eu, pelo menos, não a identifiquei em nenhum deles, exceto na escrita pelo Mario Filho. Também não identifiquei em nenhuma deles (livros ou reportagens), inclusive na do próprio jornalista que empresta o nome ao estádio do Maracanã, a informação de que Pelé por muito pouco não embarcaria para o Parque Antarctica ao invés de seguir para a Vila Belmiro.

Reportagem da revista Manchete Esportiva, de julho de 1957, é categórica sobre a “promessa” Pelé que acabara de brilhar no escrete montado por Pirillo para a Copa Rocca: “Mas o Noroeste não quis aproveitá-lo na equipe superior devido àpouca idade. Diante disso o Pelé voltou para São Paulo e treinou no Palmeiras, mas Aimoré (o técnico Aymoré Moreira) estava viajando e o diretor de futebol Arnaldo Tirone mandou-o embora por julgá-lo jogador sem méritos, dando-lhe vinte cruzeiros para o lotação. Pelé então foi para o Santos, por conselho do próprio Waldemar (de Brito) e em poucos treinos agradou inteiramente e jogou alguns jogos do Torneio Rio-São Paulo (que seria conquistado pelo Fluminense) com um contrato provisório.”

Dondinho e Waldemar de Brito não estão mais entre nós para confirmar a história do Pelé quase alviverde. Muita gente já havia especulado que o craque teria sido dispensado pelo Corinthians. O Rei sempre negou essa informação, que, na verdade, sequer foi oficialmente publicada, nem mesmo como especulação. Tudo ficara restrito ao bastidor, ao disse-me-disse. Mas essa rocambolesca história — extremamente relevante para a biografia do Pelé, frise-se — de que ele teria sido dispensado pelo Palmeiras é novidade. Pelo menos para mim. Pelé poderia confirmá-la. Já imaginou o Rei jogando ao lado de Ademir da Guia? O que a história reservaria para o Santos sem Pelé e o Palmeiras com ele? Essas intrigantes perguntas, amigos, só mesmo Deus para respondê-las no dia do Juízo Final, ou, na hipótese mais jocosa, o “apito” final do Cara lá de cima.