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Pelé

PELÉ 80

por Paulo-Roberto Andel


Meio século depois de comandar o maior time de todos os tempos – a Seleção Brasileira tricampeã mundial em 1970 -, Pelé completa 80 anos. 

Desde a vitória inesquecível no México, jamais foi superado, sequer igualado ou, pelo menos, tendo um concorrente em seu encalço, ainda que a cem ou duzentos metros de distância. 

De lá para cá, vimos Cruiyff, Rivellino, Maradona, Rummenigge, Sócrates, Platini, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, CR7, Zidane, Messi, Neymar e mais um exército de super craques fantásticos, mas nenhum deles sequer ameaçou no o posto do Rei do Futebol, o Atleta do Século XX. 

Ao contrário da praxe de um país que, a cada quinze anos, esquece o que se passou a cada quinze anos, a carreira de Pelé pode ser vista e revista de muitas formas e com franca digitalização: revistas, filmes, documentários, vídeos, livros e muitos, muitos gols e jogadas. Só desconhece sua obra quem quer. 

Não é preciso concordar com as posições políticas nem com as questões familiares de Pelé – ambas dignas de crítica livre – para reconhecê-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos. E sua arte não pode ser diminuída. Não vale apenas para Pelé, mas também para Pablo Picasso, George Gershwin, Tom Jobim, Basquiat, Andy Warhol, Charles Chaplin, Charles Bukowski, Jack Kerouac, Paul McCartney, Madonna, Janis Joplin, Susan Sontag, Indira Gandhi, Glauber Rocha e uma antiga lista telefônica imensa de personalidades geniais que foram – e/ou são – seres imperfeitos, simplesmente porque a perfeição plena de um ser humano não existe. Você mesmo(a) que lê estas linhas, já cometeu erros que considera até graves, mesmo que não tenham resultado na morte de ninguém? Eu cometi, reconheço e alguns deles me doem diariamente, mesmo quando eu não fui diretamente responsável, assim como algumas das pessoas que mais admirei e admiro já cometeram, inclusive contra mim. Todas estão perdoadas. Nenhuma delas foi ou é Pelé. 


Gostaria de compartilhar uma pequena história de um colega, hoje jornalista consagrado, iniciante há duas décadas. Ao saber que Pelé desembarcaria nas Laranjeiras para uma reunião no Palácio Guanabara, se mandou para lá cedinho e abordou o Rei quando não havia um repórter por perto, em pleno gramado tricolor. Foi atendido com toda a gentileza em plena alvorada e, quando os seguranças chegaram perto para intervir, Pelé imediatamente pediu para que se afastassem e continuou atendendo o jovem e desconhecido repórter. 

O maior craque de todos os tempos levou o nome do Brasil por todos os quatro cantos do mundo, num tempo em que o país procurava seu lugar no planeta. Seus números falam por si. Voltando às referências artísticas, muitos dizem que Nelson Rodrigues – outro brasileiro genial e que também não está isento de críticas – era o nosso Shakespeare. Outros dizem que Miles Davis – outro monstro com histórias controversas – foi o Pablo Picasso do jazz. Outros dizem que o maravilhoso Tom Jobim – que hoje seria apedrejado – foi e é o nosso George Gershwin. Pois bem, dentro das quatro linhas Pelé foi a soma de todos esses artistas geniais e mais um pouco. Carregando consigo a tradição de heróis como Friedenreich e Zizinho, ele desenhou uma carreira sem precedentes na história do futebol e hoje, quase quarenta anos depois, todos alimentamos o sonho de ver algo parecido com Pelé em campo. É difícil imaginar que ele possa ser concretizado. Pelo menos o Google e o YouTube aí estão para provar tudo que foi realizado pelo Rei.

“Vê-lo jogar, bem valia uma trégua e muito mais. Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada”, escreveu Eduardo Galeano, um Pelé da literatura, em seu espetacular livro “Futebol ao sol e à sombra”. 

Antes disso, em 1958, escreveu Galeano: “Pelé magricela, quase menino, incha o peito para impressionar e ergue o queixo. Ele joga futebol como Deus jogaria, se Deus decidisse se dedicar seriamente ao assunto. Pelé marca encontro com a bola onde for e quando for e como for, e ele nunca falha. 

Até pouco tempo, engraxava sapatos no cais do porto. Pelé nasceu para subir, e sabe disso.”

PELÉ – RABISCOS

por Mauro Ferreira


Rabiscos. A majestade foi construída sobre rabiscos. Toda ela. Rabiscos escritos por duas pernas, cada qual equipadas com meiões e chuteiras. Desenharam a graça e deixaram sem graça os atrevidos, os tais beques. Mal sabiam, estavam ali para servir de guia; “por aqui, não; por aqui, sim”. E o desenho sempre desenhava um espetáculo. E foram muitos. Muitos e em variados quadros verdes, verdinhos e às vezes, nem tão verdes assim.

Até que alguém resolveu rabiscar sobre o rabiscado e contar com letras as obras de arte. E assim, foram espalhando aos quatro cantos e a todos os outros espaços que não cantos, as maravilhas, as proezas, todos aqueles rabiscos geniais. Primeiro, com letras; depois, vozes cantando letras. Até as imagens surgirem para mostrar o zigue-zague de um balé sem linóleo. Palcos abertos, plateias silentes substituídas por gentes. Gentios, gentalhas, qualquer um. O que importava? O que importava? Importava assistir aquelas pernas, aqueles pés rabiscando e rabiscando… e urrar de prazer, obra pronta, impressa na memória. Na arena-teatro, o artista fazia da ponta da chuteira, sua ponta de pincel.

Arte tamanha, tão grande a ponto de interromper uma guerra, a maior manifestação do ódio humano. Talvez, porque o artista nada tem de humano. O maior artista do século. Perdão. O maior artista dos séculos. Sua majestade, primeiro e único.

Humilde, engraçado, solicito, gaiato, PELÉ, o artista maior, o Rei Uno, soberano sobre todos, disse love, love, love. No dia do seu aniversário, majestade, a plebe encantada repete:

WE LOVE YOU,

PELÉ!

O AUTÓGRAFO

por Paulo Cesar Martins


Costumo brincar que não sei qual foi motivo que levou esse povo a me cercar para pedir autógrafo. Inclusive o camarada vestido com macacão esportivo. A foto e o fato não foram registrados, em 1966, pelas páginas da Fatos & Fotos, mas pela Manchete, então a mais prestigiada revista brasileira.

A minha cidade, Lambari, no Sul de Minas e estação hidromineral, foi uma das escolhidas para a fase de preparação da seleção brasileira para a Copa de 66. Foram dias mágicos para a criançada. A gente cercava os jogadores caçando autógrafos e se exibindo num campinho de pelada ao lado do Hotel da Seleção.

Alguns jogadores desciam para ver “os grandes craques em ação”. Lembro-me do Dino Sani e do Zito comentando uma jogada que eu fiz. Prefiro pensar que estavam me elogiando.

Era uma turma enorme – quase 50 jogadores – e todos muito atenciosos. O coitado do Rei não podia sair muito porque não tinha sossego. Mas eles desciam para beber água mineral no Parque, ao lado da minha casa, no Centro da cidade; ou seja, se integraram à paisagem.


Tanto que uma noite alguns foram ver uma “tourada” no antigo campo do Águas Virtuosas. O campo novo, com as medidas do Maraca, estava reservado para os treinos da seleção na grama que eu e dezenas de crianças plantamos. A “tourada” era uma vaca muito brava que o “toureiro” tentava vencer. A festa acabou quando o Garrincha pulou o alambrado para ele virar o toureiro. A direção da então CBD recolheu todos para o hotel.

A seleção foi um fiasco, não por culpa de Lambari, vou logo avisando. Os anos voaram nas asas da Panair e virei jornalista, com longo tempo nos esportes.

Reencontrei o Pelé – o cara de macacão dessa foto – poucas vezes, para a minha tristeza. Numa delas em O Globo, quando a redação parou numa visita dele, quase perguntei se queria um segundo autógrafo meu. Mas achei melhor ficar quieto. Teria que atender também os meus colegas.

Ele agora completou 80 anos. É uma pena que a gente ainda não descobriu um jeito de parar o relógio!

Sua benção, Majestade! Longa vida ao Rei!

‘REI 80’: O MUNDO AGRADECE A GENIALIDADE DE PELÉ

por André Luiz Pereira Nunes (Especial para o Museu da Pelada)


Lamento profundamente não ter visto Pelé em sua época áurea de jogador. Felizmente ainda tive o privilégio de acompanhar a geração seguinte composta por grandes nomes como Zico, Reinaldo, Sócrates, Leandro, Roberto Dinamite e Falcão. Por ser nascido em 1976, o máximo onde pude chegar foi vê-lo em ação durante a Copa batizada em seu nome e organizada por Luciano do Valle, em 1987. Naquela oportunidade fora criado o Mundialito de Sêniores, composto por astros veteranos das principais seleções do mundo. Pelé só atuaria na estreia contra a Itália. Me recordo que foi uma exibição discreta, sem brilho, no entanto bastante esperada. 

Uma outra vez foi durante um amistoso comemorativo da Seleção Brasileira contra o Resto do Mundo. O Rei jogou algum tempo, dando depois lugar a Neto, esse mesmo que hoje é comentarista da Rede Bandeirantes. Me recordo de um episódio bastante interessante. Pelo Brasil atuava um obscuro ponta, de talento muito discutível, chamado Rinaldo, que na época pertencia ao Fluminense. Em dado momento, esse jogador tinha a bola no ataque e havia a opção de tocar para o Rei, que estava livre de marcação para fazer o gol. O atleta tricolor, entretanto, deu vazão à sua total falta de qualidade. Não tocou para Pelé, não fez o gol e ainda se embolou completamente no lance. Perdeu talvez a chance de contar para os filhos e netos o que seria a apoteose de sua carreira. Preferiu se render ao individualismo e à mediocridade que, por sinal, permearam a sua trajetória. 

Obviamente não vi Pelé jogar em seu tempo de atleta, já o disse e repito, mas tive acesso a seus vídeos. Possuía uma fita VHS contendo seus principais lances e gols. Através do YouTube também tive a oportunidade de conferir tudo a respeito. Trata-se realmente de algo sobrenatural. Falar sobre o Atleta de Todos os Séculos é como falar sobre Deus. As arrancadas, os dribles, a impulsão, os lançamentos e os arremates são mesmo algo de uma outra dimensão.

Confesso que mesmo não tendo visto o Rei ao vivo, não sinto aquela sensação ufanista de que o seu talento pertence somente à Nação Brasileira. Como cidadão do mundo, tenho a percepção de que vivemos em um planeta sem fronteiras. As linhas que demarcam países, estados ou cidades são imaginárias. Vale ainda ressaltar que paixão futebolística não tem idade, sexo, país ou raça. Os astros pertencem a todos. Pelé não é brasileiro. É universal! Tanto que foi capaz de interromper uma guerra na África quando o Santos por lá excursionava. 


Evidentemente, Pelé era Deus em campo, mas humano fora dele. Causou muita tristeza o fato dele não ter reconhecido uma filha concebida fora do casamento. A moça faleceu de uma doença grave clamando em vão pelo contato paterno, mas o Rei não moveu uma palha. Diversos companheiros, como Rivellino, ficaram profundamente entristecidos. Sim, não há dúvida. Fora de campo o Rei era como todos somos: humanos!

Possivelmente jamais haverá um outro semelhante ou melhor. De tempos em tempos a imprensa esportiva tenta igualar algum craque ao nível de Pelé. Vejo isso como algo natural, pois os mitos precisam ser fabricados para que haja vendas e promoções. Já fizeram comparações inúteis com Maradona e, mais recentemente, com Messi e até Neymar. Além do talento inigualável, o Rei detém uma marca impressionante. Além do bicampeonato mundial conquistado com o Santos, ainda se sagrou tricampeão pela Seleção Brasileira. Maradona só ganhou uma Copa. Neymar e Messi tampouco. 

Talvez o único que tenha chegado perto seja Garrincha. Esse também era uma criatura sobrenatural, possivelmente outra divindade. Vencido pelo álcool, acabou pobre, mas não esquecido. Enquanto os dois jogaram juntos, o Brasil parecia realmente invencível. É por isso que não dá para compararmos uma Seleção Brasileira contendo esses dois astros com a de 82, por exemplo. Não existe comparação que resista a uma análise mais apurada.

Portanto, falar de Pelé é talvez falar sobre a perfeição. De alguém que foi feito para jogar futebol. Um modelo. Detentor de um futebol alegre, ofensivo, bonito. Não o frio, moderno, medíocre, esforçado, pragmático e de resultados. Pelé e sua geração representam a pura alegria. A irresponsabilidade. A irreverência. A pureza e a essência do desporto espontâneo e de amor à camisa.

DE KISSINGER PARA PELÉ: ‘QUERO VOCÊ AQUI, NO COSMOS’

por André Felipe de Lima


Pelé estava milionário — apesar dos graves problemas financeiros com a Fiolax, indústria de borracha de sua propriedade — e não sabia bem o que fazer na reta final da carreira, ou seja, administraria o tantão de dinheiro que merecidamente conquistou ou permaneceria por mais tempo num gramado jogando bola? Esse dilema pintou na cuca do Rei lá pelos meados de 1975. Já havia se despedido da seleção brasileira e do Santos. Nada mais haveria, em tese, a fazer no futebol. Digo “em tese” porque ao falarmos do “Negão” a saudade da bola era preponderante e vice-versa. Despedir-se dela e ela dele parecia improvável. O fim do Pelé constituía-se em algo que todos neste planeta categoricamente negavam. Afinal, o Rei é eterno e sempre terno com seus súditos. Nunca poderia abandoná-los. Não havia e até hoje não há fronteiras que impeçam de oidolatrarmos. Idiomas, culturas, nuances e salamaleques de cada um em cada canto do mundo jamais impediram que um cidadão — mesmo aquele mais distraído com as coisas do futebol — amasse Pelé. Um destes “distraídos”foi o todo poderoso e não menos controverso Henry Kissinger, então secretário de estado americano naquele ano do dilema “peleniano”, que mandava mais que o próprio presidente dos Estados Unidos, o pouco ou nada carismático Gerald Ford. Kissenger tem em seu currículo um suspeitíssimo Nobel da Paz e a péssima fama de ter idealizado ditaduras na América Latina, no Timor e até o golpe militar no Chile, que matou Salvador Allende. Mas estamos falando do Pelé, e foi por ele que Kissinger clamou. Exatamente no dia 2 de junho de 1975, o chanceler brasileiro Antonio Azeredo da Silveira recebera um telegrama do americano implorando para que convencessem Pelé a aceitar a proposta do New York Cosmos. Kissinger alegava que a permanência de Pelé nos Estados Unidos contribuiria para estreitar as relações entre os dois países, principalmente no campo esportivo. Ele dizia que a ida de Pelé para lá popularizaria o futebol em um país onde reinavam (como é a até hoje) o baseball e o basquete. Um apelo similar de alguém tão poderoso dos Estados Unidos, quase um chefe de estado, para que um jogador estrangeiro defendesse um clube de seu país é algo que, humildemente confesso, ignorava. Kissinger “convocar” Pelé é algo quase inverossímil. Mas Pelé é Rei, é fora de qualquer lógica futebolística. Com ele, tudo poderia acontecer, como guerras cessarem e o relógio parar.

Obviamente, a imagem de mítico jogadorbrasileiro estava sendo explorada por um marketing político descarado. O Brasil vivia um período dos mais dolorosos e cruéis da ditadura militar. O mesmo acontecia no Chile desde 1973 e estava prestes a emergir na Argentina. Para o plano de supremacia americana na América Latina, ter Pelé defendendo um clube de Nova York era perfeito. O fato é que Azeredo tratou de entrar imediatamente em contato com Pelé para comunicar o apelo do secretário de estado americano que mais soaria como ordem:

“Tenho o prazer de comunicar-lhe que recebi mensagem do secretário de estado norte-americano, Henry Kissinger manifestando seu interesse pessoal em que possam chegar a bom termo as tentativas entre o Cosmos Clube e V.Sa. para a sua contratação pela equipe de Nova Iorque. Caso V.Sa. decida firmar aquele contrato, estou seguro de que sua permanência nos Estados Unidos contribuirá de forma muito significativa para uma aproximação brasileiro-norte-americana no campo esportivo. Cordiais saudações. AntonioAzeredo da Silveira, ministro de estado das Relações Exteriores.”

Alguns dias após Kissinger pedir ao Rei para aceitar a proposta do clube americano, o Cosmos, no dia 10 de junho, informou oficialmente que Pelé assinara um contrato de três anos, confirmando as especulações da imprensa e até mesmo por parte de Pelé de que estava tudo certo entre ele o clube antes mesmo do telegrama de Kissinger.


O acordo com os gringos permitiu ao Rei matardois coelhos com uma cajadada só. Ele manteve-se perto da sua bola de futebol, rolando-a nas gramas sintéticas de estádios de basebol adaptados para o bom e violento esporte bretão, e de quebra engordou ainda mais sua já parruda conta bancária com estratosféricos salários em dólares que o tornaram o mais bem pago atleta do planeta na ocasião.

A relação de Pelé com a turma da Casa Branca era mais estreita do que se supõe. Recentemente, a CIA revelou documentos que provam que Kissinger promovera um encontro de Pelé com Ford e o conselheiro de segurança nacional Brent Scowcroft dias após o envio do telex ao chanceler brasileiro. Seria aquela a segunda ida de Pelé ao famoso salão oval da Casa Branca. Richard Nixon, antecessor de Ford, recebera o jogador em 1973.

O marketing politico estava consumado. Pelé e Kissinger se tornaram chapas, como vários registros fotográficos apontam em uma breve pesquisa em algum software de busca na internet. Enquanto isso, por aqui, o país andava para trás, e Kissinger tinha um dos dedos (ou mesmo a mão inteira) nesse plano político sórdido na contramão dos direitos humanos. Seria mera semelhança vivermos resquícios disso hoje no Brasil? A despeito da especulação política o pior de tudo é que não temos sequer um craque com pelo menos um por cento do Pelé para fazer farol no exterior. Vivemos a decadência total. O país, a política e o futebol.