por Rubens Lemos
A geração do bicampeonato mundial de 1958 e 1962 pedia reformulação para o efusivo tricampeonato que parecia ganho sem que houvesse a necessidade de Copa do Mundo. Em 1966, o vexame.
A CBD organizou em 1963 uma excursão para o exterior. Daquelas lembradas por tabelas de conveniência, marcação e remarcação de jogos, escolhas de seleções tidas como barbadas sem um argumento que justificasse o otimismo soberbo.
Seriam nove partidas pela Europa e o Oriente Médio. Aimoré Moreira, comandante do bicampeonato, ajustava peças pontuais. No lugar de Didi, o Mister Futebol, entrou seu sucessor Gerson, futuro Canhotinha de Ouro.
A imprensa carioca ignorava o tempo e reclamava a ausência de Nilton Santos, 38 anos, a um ano do encerramento da carreira jogando de quarto-zagueiro. Os substitutos, Altair do Fluminense e Rildo, seu companheiro de defesa no Botafogo, decepcionaram.
O Brasil, com Pelé, Coutinho e Pepe e Garrincha contundido substituído por Dorval para completar o maior ataque da história de um clube no Santos, fez um papelão. Em nove jogos, perdeu quatro, ganhou quatro e empatou um.
Nada deu certo. O Brasil perdeu de 5×1 da Bélgica, que não tinha o menor prestígio, da Holanda por 1×0, quando ganhou o apelido de “Seleção Transistor”, pelos rádios dados pela Philips aos jogadores.
O prestígio foi abaixo da linha da vergonha na goleada da Itália por 3×0, quando, despeitados, os dirigentes brasileiros invadiram o vestiário da Azzurra para ofender o ítalo-brasileiro Sormani, autor do primeiro gol e chamado de traidor. Atuando no Brasil, Sormani jamais fora selecionado.
Houve o episódio do acidente de carro com Pelé que o tirou do empate em 1×1 com a Inglaterra, fazendo a torcida xingar o Rei 90 minutos. Pelé nunca jogou no mitológico Estádio de Wembley.
Cheia de sinais paranormais, a maldita excursão começou em Lisboa, patrícios loucos para vingar a derrota e a humilhação do Santos no mundial de 1962, os 6×2 da decisão e do baile no maior jogo da história de futebol entre times.
Eusébio fez o gol da vitória de 1×0 de Portugal numa falha de marcação do zagueiro Cláudio, do Internacional. Pelé estava naqueles dias de interruptor desligado e o goleiro adversário era o maior da história lusitana: Costa Pereira.
Português é mote de piada desde o Bispo Sardinha devorado por índios no descobrimento do Brasil. Costa Pereira andava pelo centro de Lisboa quando uma criança se desequilibra e cai da janela do prédio. Pânico encerrado no voo do “guarda-valas” formidável que segura o garoto e o encaixa junto ao peito.
Aplaudido efusivamente, Costa Pereira se empolga, quica o menino na calçada e, com ele no lugar da “esférica”, cobra o tiro de meta. O menino sobrevive para dar o arremate positivo à lenda.
Não interessa a derrota ou a péssima excursão brasileira. O que valeu a viagem foi esta foto: Pelé, sobre-humano, quase põe a cintura colada ao pescoço de Costa Pereira, numa obra de arte assombrosa.
Aos que se espantam, com razão, na cabeçada implacável do primeiro gol da Itália em 1970, quando ganha do gigante Fachetti, o lance com Costa Pereira é mais extraordinário. É espiritualista.
Pelé, no impulso, ultrapassa o goleiro a tempo de dar uma olhadinha ao céu, cumprimentar a Deus, seu inventor, alguns amigos mortos antes e descer ao universo dos comuns. Não duvide.
Preste atenção. Pelé cabeceou e fez uma visita ao paraíso. Voltou, pela graça de Nossa Senhora do Improvável. E as bênçãos do Pai Eterno. Só Pelé sobrevoou o além sem estar morto. Passeou, não ficou.