por Walter Duarte
Dia desses, em uma dessas intermináveis resenhas no “escritório” (bar do Vicente), debatemos sobre os talentos do futebol cada vez mais raros, apesar de toda estrutura disponível e campos sintéticos espalhado país a fora e as famosas “escolinhas”. Aliás, é um tema recorrente nos dias de hoje, onde a quantidade de jogadores revelados e com muito mercado não traduz necessariamente em qualidade, pelo menos para aqueles que entendem o futebol como uma arte, além do esporte.
Saudosismos à parte, falamos sobre o Zico, PC Caju, Adílio, Didi, Amarildo, Rivelino, Maradona, Pelé e tantos outros craques, como exemplos de jogadores diferenciados e que pensavam o jogo com muita classe. Muitas destas feras começaram seus primeiros dribles e passes, certamente, nas ruas de terra e campos de várzea em uma época em que a cada esquina deparávamos com um campinho de futebol.
Não poderia afirmar categoricamente que fatores genéticos e sociais determinam a formação do craque, ou pelo menos facilita, entendendo que a maioria deles têm origens humildes e enxergam o futebol como possibilidade de melhores dias, diante de um contexto de exclusão social. Acho, porém que algum estudioso das ciências sociais ou da Antropologia deverá ter alguma tese sobre o tema (quem sabe??) e tecer comentários mais fundamentados, longe da mesa de bar.
Pois bem, o bate papo se desenvolvia e colocávamos novas questões à mesa e o objeto da nossa resenha começou a derivar ou “viajar” para outras vertentes e todo mundo se sentindo um pouco dono da verdade. Certamente o craque não se fabrica em laboratório, ou se PROCESSA numa fábrica como um sorvete, apesar de podermos aperfeiçoar o talento com técnicas já conhecidas pelos “professores”, onde a parte física, e mecânica do jogador (movimentos repetitivos) são exploradas à exaustão.
Me veio em mente um paralelo com organização científica do trabalho, iniciada lá no início do século passado (Taylorismo e Fordismo) que promoveram mudanças significativas na produção industrial, diante das necessidades cada vez maiores de consumo de países do primeiro mundo e, por conseguinte, maximizar o lucro. Sem nenhuma conotação política e ideológica imagino que com a passar do tempo e com as “novas“ estratégias de jogo, as pressões de não perder dinheiro, bem como o mercantilismo do futebol, fizeram o jogador a se“despersonalizar”, e corromper sua criatividade, tal como o trabalhador das fábricas de automóveis na linha de produção em seus movimentos repetitivos e cadenciados.
Ao se mecanizar e acreditar que é apenas um dente da engrenagem, o jogador, em tese, perderia aquilo que é mais instintivo e natural, ou seja, a essência do futebol “moleque”, tal como um trabalhador robotizado no seu modo operatório. Ao final dessa teoria maluca muitos devem estar pensando – esse cara está inventando moda, suspende o chopp dele!!!
Chegamos a algumas conclusões um pouco alinhadas e de senso comum, e parafraseando o mestre e craque PC Caju (me permita Caju!!!), “engessaram a nossa arte”, motivo de entender aquele filme clássico do Charles Chaplin “ Tempos Modernos”, que antevia os efeitos da divisão do trabalho intelectual e de quem realmente executa, ou seja, o jogador, que poderia induzir a alienação…
Imaginemos Garrincha, o próprio Neymar ou Messi inibidos a apresentar dos seus instintos criativos, do imponderável não combinados nas frias táticas de jogo. Até mesmo a temida Laranja Mecânica (Holanda de 74) tinha algo de especial, e por que não dizer anárquico para conduzir aquela permutação contínua e irresistível em campo sem posições definidas. O futebol mecânico e pouco criativo,me parece ter origens na praticidade e na imposição de produtividade, sem nenhum pudor e compromissos com o encantamento. A estatística de jogo tornou-se uma grande ferramenta de avaliação de performance (não se pode excluí-la), porém virou quase que uma compulsão por números.
As seleções de 70 e 82 representaram uma MAGIA e algo que me parece intangível nos dias de hoje, tornando o clássico futebol brasileiro uma UTOPIA para os europeus, e a algum tempo copiado. É claro que grandes treinadores como Guardiola e outros com a mente mais arejada e que possuem talentos “a peso de ouro”, conseguem adaptar um estilo mais solto e de toque de bola, sobrepujando as retrancas jogando bonito.
Sem a menor pretensão de encerrar o assunto tão complexo para nós pobres mortais e “palpiteiros da bola”, repasso uma questão para vocês: o futebol mecânico, previsível, com ênfase na parte física, e de“resultado” é a nossa realidade??? Com certeza a polêmica alimentará nosso imaginário, pelo sonho do futebol que minha geração aprendeu a amar.