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Pedro Tomaz de Oliveira Neto

A APOSENTADORIA SEM ADEUS DE UM GÊNIO DA BOLA

Por Pedro Tomaz de Oliveira Neto


Todo craque fora-de-série deveria ter um jogo de despedida para que a torcida pudesse prestar reverências e agradecimentos pelas jogadas espetaculares, dribles sensacionais, golaços inesquecíveis e pelas glórias alcançadas ao longo de sua carreira. Merecidamente, o Rei Pelé teve não só uma, mas várias despedidas. Garrincha — ainda que numa  homenagem tardia —, Zico, Roberto Dinamite, Romário e Ronaldo também ganharam um jogoespecial para congraçamento entre ídolos e fãs. 

Surpreendentemente, o craque que herdou a camisa 10 da Seleção Brasileira após o adeus de Pelé não teve um jogo de despedida. Roberto Rivellino, dono da temida Patada Atômica, de dribles desconcertantes como o elástico, de lançamentos longos e precisos, que marcou época defendendo o Corinthians, o Fluminense e, claro, a Pátria de Chuteiras, se aposentou da bola quase que na surdina, sem um jogo festivo para receber os salamaleques e os tributos da torcida brasileira pelos relevantes serviços prestados à causa do futebol. Sem chance de um adeus, até a lembrança do seu último jogo foge a nossa memória.

Com a camisa do Corinthians, Rivellino fez 474 jogos, marcando 141 gols. Não conquistou títulos, porém, com seu futebol exuberante, tornou-se um ídolo da fiel torcida, mantendo acesa, enquanto esteve no Parque São Jorge, a chama da esperança de um grito de campeão que não vinha desde 1954. Mesmo com toda a idolatria, seu último jogo pelo Timão, ao invés de uma festa, foi um dos mais tristes de sua carreira, perdendo a decisão do Paulistão de 1974 para o maior rival e ainda sendo culpado pela derrota, injustiça que o estimulou a aceitar a proposta de transferência para o Fluminense.

No Rio de Janeiro, Rivellino comandou a memorável Máquina Tricolor, sendo bicampeão carioca. Foram 158 jogos, exibindo toda a sua genialidade e técnica refinada, traduzidas em 53 gols e em jogadas de encher os olhos do torcedor. Ainda assim, não teve um jogo para dizer adeus à torcida tricolor e vice-versa. Sua última partida pelo Fluminense ninguém lembra. Aconteceu em fevereiro de 1978, na distante Itumbiara, interior do estado de Goiás, num amistoso contra o time local, informação essa obtida após minuciosa pesquisa de internet. Depois, o craque se apresentou à Seleção Brasileira para a disputa da Copa do Mundo na Argentina e não voltou mais. Foi desfilar seu futebol pelo mundo árabe.


Pela Seleção Brasileira, Riva fez 122 jogos, anotando 43 gols. Desses, três foram “patadas” indefensáveis e muito importantes para a épica conquista do tricampeonato mundial no México, em 1970: contra a Tchecoslováquia, ao empatar o jogo e aliviar a tensão da estreia, abrindo a porteira para a goleada; contra o Peru, ao inaugurar o marcador logo no início da partida; e contra o Uruguai, aofechar o placar de um jogo nervoso do começo ao fim. Sem Pelé, Rivellino passou a ser o astro maior da Seleção Canarinha, jogando mais duas copas do mundo e conquistando a Taça Independência e o Torneio Bicentenário dos Estados Unidos. Com todo esse currículo, fazia jus a um jogo de despedida para receber dos brasileiros os merecidos aplausos. Mas não! O jogo do adeus foi somente seu último jogo pela Seleção, contra a Itália, na decisão do 3º lugar da copa de 1978.

Nem tempos depois, quando Rivellino encerrou seu contrato com os sheiks e retornou ao Brasil, a CBF se dignou a organizar uma homenagem por tudo o que ele representou para o nosso futebol. Fazer o quê? Resta-nos apenas parabenizar esse gênio da bola e sempre agradecer, em vida, pelas alegrias e emoções indescritíveis que ele nos proporcionou por quase duas décadas de futebol bem jogado.

A MAIOR ZEBRA DA HISTÓRIA DO FUTEBOL

Por Pedro Tomaz de Oliveira Neto


Diferente de outras modalidades esportivas, como basquete e voleibol, nas quais as chances de um time mais fraco vencer o mais forte são quase nulas, o futebol tem na imprevisibilidade do resultado um de seus atrativos. Em que pese o favoritismo sempre pender para os times superiores em termos financeiros, físicos e técnicos, de vez em quando a zebra resolve dar o ar de sua graça, tal como aconteceu na Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil, em que o mundo do futebol testemunhou, incrédulo, uma das maiores zebras da história, com a Seleção dos Estados Unidos vencendo o England Team.

O espanto não se deu só por causa das diferenças técnicas abissais que opunham, de um lado, uma equipe de amadores, e, de outro, a prestigiada seleção do país onde nasceu o futebol e floresceu uma das ligas profissionais mais ricas do planeta. O mais inusitado foram as circunstâncias que envolveram a participação americana nesta Copa. O futebol no país tinha pouca importância, sendo mais praticado entre imigrantes do que propriamente pelos americanos nativos, para quem o verdadeiro futebol era outro, aquele jogado com pés, mãos e muita porrada.


Foi com imigrantes britânicos que os Estados Unidos se fizeram presentes nas Copas de 1930, no Uruguai, conseguindo um honroso 3º lugar, e na de 1934, na Itália, terminando num horroroso último lugar. Para ir à Copa no Brasil, o país se apoiou no voluntarismo de imigrantes portugueses, espanhóis, irlandeses e até de um haitiano, para os quais o futebol era apenas um passatempo, pois ganhavam a vida exercendo outras profissões como professor, agente funerário, lavador de pratos, carteiro etc. Nas eliminatórias para o mundial, esta seleção, que parecia mais um “catadão”, levou 15 gols em quatro partidas, mas se classificou goleando por 5 a 2 a ainda mais fraca Seleção de Cuba. Antes de embarcar para o Brasil, fizeram sete jogos amistosos, marcando dois míseros gols e sofrendo 45!

Sediado em Belo Horizonte, os Estados Unidos estrearam na Copa perdendo para a Espanha por 3 a 1, placar recebido quase como uma vitória tendo em vista as sucessivas goleadas sofridas nos últimos jogos. Só que não dava nem para comemorar. O próximo compromisso era contra a temida Inglaterra no estádio Independência. Aos “norte-americanos” restava lutar por uma derrota honrosa. Decididos, se fecharam em seu campo de defesa e só avançavam em tímidos contra-ataques. Com uma escalação praticamente de reservas, notava-se por parte dos ingleses uma soberba acompanhada de preguiça, certos de que ganhariam fácil o confronto.


Mas, surpreendentemente, aos 37 minutos do primeiro tempo, numa escapada pelo lado, os Estados Unidos abriram o marcador com um gol do haitiano Joe Gaetjens. Desde então, assistiu-se a um bombardeio impiedoso da Armada Inglesa contra a meta defendida pelo goleiro Frank Borghi que, com defesas sensacionais e milagrosas e muita entrega dos seus companheiros, garantiram uma vitória histórica que, de tão inesperada, tornou-se inesquecível.

Pelo feito, toda a delegação americana varou a madrugada pelas ruas e bares da capital mineira comemorando o inacreditável triunfo. Três dias depois, ainda grogues de tanto festejar, o time voltou a campo. O placar de 5 a 2 para o Chile eliminou os Estados Unidos do torneio, mas isso pouco importou e não impediu que a volta para casa dos novos heróis da América fosse com aquela enorme sensação de felicidade, orgulho e missão cumprida.

O FALECIDO BIRA BURRO E DADÁ MARAVILHA: NOS TEMPOS DO FUTEBOL IRREVERENTE

Por Pedro Tomaz de Oliveira Neto


Essa semana fez um ano que o futebol brasileiro perdeu um de seus grandes personagens. Em 14 de setembro de 2020, morria Ubiratã Silva do Espírito Santo, o Bira Burro.

Antes de mais nada, vale ressaltar que de burro este macapaense não tinha nada. O apelido surgiu quando Bira decidiu se transferir para o Internacional de Porto Alegre. A opção foi classificada por muitos como burrice, já que o clube da Beira-Rio passava por uma forte crise e havia um suposto interesse pelo seu passe por parte do Flamengo de Zico, Adílio e Carpegiani, que começava a despontar para uma era de glórias.

O fato é que a “burrice” de Bira lhe rendeu o título de campeão brasileiro em 1979 e a admiração eterna do torcedor colorado pelo seu futebol. No Inter, não chegou a fazer muitos gols, mas foi peça fundamental no esquema do técnico Ênio Andrade, com boas assistências e fazendo o pivô para a chegada em condições de concluir de Falcão, Jair e Cia.

Além de goleador, Bira também era um marqueteiro. Espirituoso, sempre dava asa àquela rivalidade sadia entre jogadores e torcidas. E quando do lado do maior adversário tinha um especialista em marketing de si como Dadá Maravilha, o futebol se tornava mais interessante, delicioso, alegre e festivo.


Antes de Bira se mudar para o Sul, ambos se confrontaram num dos mais disputados clássicos do Brasil, Remo e Paysandu, o RE-PA. Dadá passou a semana provocando e prometendo o gol Sossega Leão, numa referência ao mascote do Remo. Sem deixar barato, Bira, que ainda não era “burro”, garantia fazer outro gol como resposta a cada gol do consagrado e fanfarrão artilheiro, além de lhe aprontar uma boa surpresa.

No domingo, o Mangueirão lotado foi palco de um jogaço de bola, com os dois artilheiros sendo o centro das atenções. Ao abrir o placar, ainda no primeiro tempo, Bira protagonizou uma das comemorações mais originais e inusitadas do futebol brasileiro. Ensandecido com o seu gol, escapou dos abraços dos companheiros e saiu na disparada até o meio de campo ao encontro de Dadá para festejar pendurado em seu colo. Era a anunciada surpresa do artilheiro azulino. No segundo tempo, Dario empatou para o Paysandu, sossegando o Leão tal como prometido e devolvendo a comemoração ao se jogar nos braços de Bira, sob aplausos das torcidas rivais, já confraternizadas num armistício que durou até o apito final do clássico.

Diante de tanta irreverência e naturalidade, desta saudável disputa nascia uma grande amizade, que seguiu firme e forte até a partida de Bira para o andar de cima.