Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

PC Caju

RESPEITO À HISTÓRIA

  :::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Recebi uma mensagem do santista J. Maurílio Paixão sugerindo que os jogadores de nossa época não fiquem comparando qual dos dois times, Botafogo e Santos, teria sido o melhor. Um tinha Pelé, o outro Garrincha e proporcionaram ao público espetáculos grandiosos em que pouco importava o resultado. Sabe, ele tem toda razão, afinal todos os jogadores se respeitavam. Mas volta e meia caímos nessas pegadinhas da imprensa, tipo “PC Caju x Edu”? Na época, o bairrismo era pesado e influenciava até nas convocações da seleção. Também tinha o Cruzeiro, Palmeiras e outros gigantes, cada qual com o seu 10 de qualidade e seu centroavante que cabeceava de os olhos abertos. O mundo nos respeitava e a maior prova de nosso poder de fogo foram as conquistas internacionais.

Hoje, os times brasileiros não são convidados mais para nada, no máximo torneios de quinta categoria nos Estados Unidos. Agora, o centro de memória do Botafogo, em nome de Luís Felipe Carneiro de Miranda, reivindica à FIFA como títulos mundiais. Talvez seja uma batalha inglória, mas nós jogadores podemos garantir sua relevância, tanto que o Torneio de Caracas era chamado de Pequena Taça do Mundo. A qualidade dos adversários era infinitamente superior aos de hoje. Fui campeão mundial de clubes pelo Grêmio em cima do Hamburgo e, claro, me orgulho disso, mas na segunda edição do Torneio de Caracas vencemos a seleção da argentina na final. Na primeira, a decisão foi contra o Barcelona e ganhamos por 3×2, gols de Aírton Beleza, Gerson e um meu. Também vencemos o Peñarol, o Spartak, o próprio Santos, de Pelé, e o Benfica, de Eusébio e Coluna.

O nível era altíssimo e não é nenhum absurdo essa reivindicação. O Botafogo até confeccionou os troféus porque o torneio não premiava. Vários clubes têm suas reivindicações, justas ou não. Que coloquem a boca no trombone! Os clubes da época venciam seleções e o mundo os reverenciava, talvez fosse importante a FIFA rever seus critérios, não pelo Botafogo, mas pela história do futebol como um todo. Se hoje grandes torcidas existem, muito deve-se a esses jogadores. Pouco me importa se o Botafogo vai subir mais alguns degraus no ranking, afinal com essa revisão outros clubes seriam contemplados.

O santista J. Maurílio Paixão sabe bem que seu clube era um papa-títulos internacional. Bangu, Corinthians e Cruzeiro também venceram edições do Torneio de Caracas, tinham timaços! Relendo a mensagem de J. Maurílio Paixão me emociono porque vejo um torcedor brigando por suas cores, exigindo respeito, tudo com extrema educação e cordialidade. Está na história e história é para ser respeitada. O Santos sempre foi um celeiro de ídolos, assim como o Botafogo. Se a FIFA não aceitar a reinvindicação de nosso clube, continuaremos tendo a plena certeza de nosso papel, de nossa luta, de nossa glória.

FÉLIX, ELES NÃO SABEM O QUE DIZEM

  :::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Sabe o que eu acho mais engraçado? Eu ser chamado de nostálgico. Nessa quarentena, algumas emissoras resolveram transmitir Copas do Mundo do passado e não se falou em outra coisa. Os grupos de zap estavam tinindo: “vai começar Brasil x Uruguai”, “viram a arrancada do Furacão?”, o Pelé era demais!”. E saudosista sou eu.

O que mais me incomodou foram as mesas-redondas atuais comentando essas partidas. Deveria ser proibido. Deixei no mudo, claro. Até porque os analistas de computadores engomadinhos seguem falando baboseiras! Não dá para tratarem o goleiro Félix com tanto menosprezo. Félix foi um goleiraço!

Falhava, claro, mas até Pelé dava suas caneladas. Vocês viram quantos chutes errados o Riva deu contra a Itália? Eu já errei dribles, dominei mal e perdi um gol feito contra a Holanda. E o Félix, como todos nós, também errava. Quem acompanhou a carreira dele inteira? Quem tem bagagem para tratá-lo com esse desrespeito?

Outro dia ouvi o Paulo Victor, ídolo tricolor, dizer que antigamente tínhamos grandes goleiros e hoje temos goleiros grandes. Hoje temos atletas, bem diferente de jogadores. Algum jornalista foi medir a grossura das coxas dos italianos, romenos e uruguaios, na Copa de 70, para compará-las com a de Gerson e Tostão, por exemplo?

Hoje todos jogam de camisetinha colada no corpo, com um GPS instalado, para saber quantos quilômetros correram e quantas calorias foram perdidas. O que percorrer a mais longa distância será o mais elogiado pelos fisiologistas. Agora, mande baterem uma falta com precisão, lá onde a coruja dorme! Falar mal do Félix é fácil.


Já joguei com goleiros altos que nunca souberam sair do gol e baixos que tinham uma agilidade impressionante. Ubirajara Mota é um deles. O ditado diz que quanto mais alto maior é o tombo. Hoje o jogador brasileiro mais valorizado na Europa é o goleiro Alisson. Se não é o mais é um dos mais.

E isso só mostra a decadência avassaladora de nosso futebol. Talvez pela desmoralização sofrida por Barbosa, Félix, Waldir Peres e, porque não Jeferson, os treinadores resolveram investir pesado nessa posição. Esqueceram o resto.

É inadmissível falarem mal de Félix. Teve uma carreira brilhante no Fluminense e, reza a lenda, que em 1964, ainda na Portuguesa, de Ivair, o Príncipe, durante um amistoso, nos Estados Unidos, com o jogo já em 9×0 foi colocado de centroavante e fez um gol.

É fácil dizer que Almir Pernambuquinho era brigão, era mesmo, e omitir que ele jogou muita bola. Félix foi um goleiraço. Mas a imprensa prefere colocar holofote na defesa de Banks, coisa de cinema, na cabeçada de Pelé.

Nesse mesmo jogo, contra Inglaterra, Félix salvou o Brasil. O verbo é esse mesmo, “salvou” o Brasil. Quero saber se algum jornalista preocupou-se em saber quanto Gordon Banks mede, se é mais alto que Félix ou se apenas foi mais um baixinho sortudo. Exaltamos Banks e menosprezamos Félix sem conhecer suas carreiras, seus títulos.

Félix, descanse em paz porque eles não sabem o que dizem.

MASCARADO, EU?

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Estava dando um pulo rapidinho, no Kurt, do Leblon, para comprar um pedaço de torta quando alguém me grita “Ô, mascarado!”. Já ia partir para cima, conferir se as aulas que vinha fazendo de boxe deram resultado. Mas era o flanelinha, que guarda e lava os carros da rua. Só então lembrei que estava de máscara para me proteger desse vírus maldito. Mas malditos mesmo são esses políticos, que mesmo em um momento crítico como esse, com a população fragilizada, nos deixam cheios de dúvidas.

O melhor é ouvir o que os médicos sugerem porque morreremos se dependermos dos políticos. Mas achei divertido esse grito de “mascarado” porque ouvi durante toda a minha carreira, na verdade desde o infanto-juvenil quando jogava no futebol de salão do Flamengo. Adorava quando ia jogar nas quadras de taco. As duas do Flamengo eram de cimento, mas as do Vasco, Vila, Grajaú, Melo, Carioca e Fluminense eram lindas, de madeira.

A primeira vez que me chamaram de “mascarado” foi em um jogo contra o Vasco. O goleiro deles era o Borrachinha e tinham um cracaço, Antônio Carlos Cabeça. O meu era Alcides e Marcelo revezando no gol, Fred de parado, Johnson, excelente pivô, eu e Maurício. Foi 4×4 e meti os quatro. Era brincalhão, abusado, gostava de dar caneta e isso irritava a torcida adversária. Mas quebrava a cara quando encontrava um Tamba pela frente. Tomei uma goleada inesquecível quando joguei contra ele, na Associação Atlética Tijuca. Que jogador!!!

Depois, aos 15 anos, fui levado para a Colômbia, por Marinho, meu pai adotivo e treinador do Junior Barranquilla. Na minha estreia contra o Milionários, de Bogotá, ganhamos de cinco e meti três. Mas era fácil jogar com Oto Valentim, Airton Beleza, Escurinho, Dida e Fred, meu irmão adotivo, todos levados pelo grande Marinho. Aí veio minha estreia pelo Botafogo, no Maracanã, três contra o América e o título.

Como meus amigos eram de classe média alta me vestia com as grifes da época. Achavam marra, mas era estilo!!! Lia muito e não aceitava desaforos e ofensas. Me irritei porque a diretoria do Botafogo deu uma volta no meu pai. E a partir daí sempre briguei pelos meus direitos. Isso virou máscara, mas era personalidade!

Quando viajei para os Estados Unidos, conheci o os negros de lá e suas ideologias aí que ninguém me segurou. Voltei com um black power laranja e calça boca de sino. No aeroporto de São Paulo, os adversários fizeram a festa. “Mascarado” foi pouco! Mas continuei fazendo meus gols e dançando à noite nas boates do Rio. Minha carreira toda foi assim.

Aí ligo a tevê e noticiam a morte de meu amigo Moraes Moreira. Meu Deus, quantas peladas, noitadas e loucuras. Moraes viveu intensamente e fez um cordel para mim e um trecho diz assim…”chamado o nariz de ferro, pois sempre encarou sem medo, jogar era seu segredo, eu falo assim e não erro, ninguém ganhava no berro. Qual era a sua função? Marcar posição…”.

Obrigado, parceiro! Carregarei para sempre você, meu cordel e minha máscara, que como você bem definiu, representa minha verdade, minha liberdade de expressão.

A SELEÇÃO QUE ME FEZ CHORAR NA QUARENTENA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Estou fugindo do Coronavírus, em Angra, na casa de meu amigo Wilson de Souza Filho, rubro-negro e boleiro dos bons. Não estou vendo tevê, nem acompanhando o noticiário, mas continua atendendo ligações e uma delas foi de um jornalista da revista France Football. Falamos sobre minha carreira, polêmicas, títulos e derrotas. No fim, fez aquela pergunta que o pessoal da resenha adora: qual a melhor seleção, a de 58 ou a de 70? Me lembrei de um vídeo do Afonsinho e sua reação ao ver uma foto do time de 58 formado. Ele chorou e falou “esses são os santos de meu altar”.

Esse sentimento resume o que essa geração representou para nós. Um grupo com Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi não pode ser comparado com nenhum outro na história do futebol. Realmente são os santos do altar de quem enxerga esse esporte como uma arte. A de 70 foi fantástica, mágica, inesquecível! Pela qualidade dos adversários pode ser considerada a melhor Copa de todos os tempos, afinal estreamos contra a seleção tcheca, campeã europeia, com Petrás e Kuna, depois contra a Inglaterra, de Banks e Bobby Moore, campeã mundial, e Romênia, vice-européia. Depois, Peru, do técnico Didi, Uruguai, de Ancheta, e a final contra a Itália, de Mazzola. O nível era muito bom. Mas, olha, não dá para esquecer da de 50, do grande Barbosa, Zizinho, Jair da Rosa Pinto, Chico, Friaça e Ademir Menezes. Era um timaço!

A de 62 era praticamente a de 58, mas tinha Amarildo, o Possesso, que mostrou o seu potencial quando precisou substituir Pelé. A de 82, nem se fala, Zico, Falcão, Éder. Carregam um peso cruel por não terem trazido o caneco. O futebol tem dessas coisas. Sobre as outras seleções não me sinto confortável porque o estilo passou a ser outro, muita retranca e um futebol pragmático, sem a magia de outrora. Mas coloco Rivaldo, Romário, Bebeto, Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho na galeria dos maiores do mundo.

Respondi para o jornalista da France Football que a de 58 foi incomparável, mas pelo nível enfrentado pela de 70 o ideal seria colocar uma em cada tempo. Quando terminei a ligação procurei uma foto de 58 no Google: Gylmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini, Nilton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Zagallo, Vavá e Pelé. De repente, Wilson, meu amigo, cutucou o meu ombro e quis saber por que eu chorava. Mostrei a foto e ficamos os dois vidrados como se aqueles artistas da bola estivessem bem ali na nossa frente, entrando em campo para mais um espetáculo.

O ABANDONO DOS VELHOS CRAQUES

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


“Patrimônio nacional e imorrível”. A definição, certeira, veio de gente simples, na porta de um boteco, provavelmente em São João de Meriti, onde meu compadre Marco Antônio passa as horas jogando carteado, fumando e bebendo conhaque. Recebi essa imagem pelo zap e me lembrei dos tempos em que me drogava descontroladamente. Marco Antônio há dois anos teve um AVC e recuperou-se totalmente. Treina um time de pelada em São João e é meio indomável, apesar de introvertido, caladão. O certo seria se internar e falei com o meu irmão, Fred, para ver que tipo de ajuda a AGAP (Associação de Garantia ao Atleta Profissional) poderia oferecer. Deve receber uma pensão da CBF, mas o problema de muitos jogadores, principalmente os de minha época, vai muito além do dinheiro. É carência, abandono, apoio psicológico.

Nossa relação com o futebol e com a torcida era colossal, profunda e, acima de tudo, verdadeira. Antes da minha, então, nem se fala. Garrincha também enfrentou problemas com a bebida e foi abandonado. Quando seu pai morreu ele estava em Pau Grande e disse à família e vizinhos que seus amigos abastados e dirigentes de futebol arcariam com as despesas. Esperou, esperou e nada. O corpo do pai foi levado até o cemitério por um caminhão de lixo. Pelé está só. Tostão, recluso. Gerson, Riva, eu e, acho que todo grupo da velha guarda, nunca assimilou a pendurada de chuteiras. O futebol era nossa vida, nosso amor, nossa entrega. Sem apoio psicológico ou oferta de empregos acabamos nos deprimindo. Não é fácil ficar longe do futebol.

Marco Antônio ficou viúvo cedo, sofreu um bocado. Dividi quarto com ele na Copa de 74. É um dos maiores laterais esquerdos da história do futebol brasileiro. Nilton Santos foi o maior. Entre Marco Antônio e Marinho Bruxa? Marco Antônio, sem dúvida. Era completo, apoiava, marcava, cruzava, batia falta, era inteligente. Marinho foi genial, talento raro, mas era um peladeiro, no bom sentido, docemente irresponsável. Estamos a poucos meses de comemorar os 50 anos do Tri. É o momento de sermos procurados, badalados, exaltados. Eu posso ser localizado tomando um café no Kurt, Marco Antônio um conhaque, em São João, Riva cuidando de seus curiós, Gerson chorando em alguma transmissão da Tupi, Tostão despejando seus sentimentos em belas crônicas, Brito tomando uma cerveja em um quiosque da Ilha do Governador e o Furacão assistindo uma pelada na Praia do Leme, lembrando suas memoráveis arrancadas.

Os heróis do Tri, apesar de serem considerados “patrimônios nacionais e imorríveis”, podem ser encontrados perdidos e filmados em qualquer esquina. Deprimidos, bêbados, loucos, mas com o coração abarrotado de paixão por um futebol que se perdeu no tempo. Pra finalizar, me lembraram de mais um termo que está na moda dos comentaristas: “jogador de beirinha”. Que tal de beirinha é essa?