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Paulo-Roberto Andel

RUBENS GALAXE, UM CORINGA MULTICAMPEÃO

por Paulo-Roberto Andel


Hoje em dia é quase impossível ter num clube um jogador que atravesse uma década vitoriosa num elenco, mas na década de 1970 isso era perfeitamente possível. É o caso de Rubens Galaxe, sexto jogador que mais vestiu a camisa do Fluminense na história, com 462 apresentações.

Em meio a craques consagrados, Rubens atravessou diversas formações. No começo dos anos 1970, quando ele chegou, o Flu vinha de uma trajetória vitoriosa, ganhando o Campeonato Carioca de 1969 e o Brasileiro de 1970. E assim seguiu, ganhando os estaduais de 1971 e 1973, até desaguar na monumental Máquina Tricolor, campeã em 1975 e 1976, além de chegar a duas semifinais de brasileiros. Jogadores chegavam e saíam, mas Rubens estava lá. Era o “coringa”, o jogador que se adaptava às diversas funções e posições sem qualquer reclamação – hoje em dia seria uma referência mundial. E ninguém foi tão fundo quando o assunto tratou de posições diferentes em campo: só não jogou de goleiro e centroavante, sempre honrando a camisa tricolor. Não era um craque, mas possuía todos os fundamentos qualificados no futebol e trazia um consigo que foi sua marca: a eficiência.

Com a diáspora da Máquina, vieram tempos ruidosos e o Fluminense ficou três anos sem títulos importantes – hoje, com nove, tem gente que aplaude e comemora, mas naquela época dava até confusão. Pela primeira vez vivendo uma crise no Flu, Rubens aguentou firme e, aos 28 anos, foi o “veterano” do grandioso time campeão carioca de 1980, praticamente todo formado na base tricolor. Dois anos depois, deixou o clube. Uma pena: ele merecia fazer parte do time tricampeão de 1983 a 1985.


Sempre discreto, Rubens marcou poucos gols, mas dois deles foram espetaculares: um chute violentíssimo numa goleada sobre o São Cristóvão por 8 a 1 em 1979 e outro, belíssimo, numa vitória sobre o Flamengo por 3 a 0 no mesmo ano. Este jogo por si dá um livro, tantos foram seus acontecimentos: o Maracanã abarrotado com mais de 100 mil torcedores, o goleiro Paulo Goulart defendendo um pênalti de ninguém menos do que Zico, um monumental gol marcado pelo jovem Cristovão (que depois seria treinador de diversos clubes) num drible sobre Manguito e, por fim, a frustrada estreia da torcida Flagay no Maracanã, provocado por homofobia de setores da arquibancada rubro-negra. O gol de Rubens abriu o marcador num chute forte, no ângulo esquerdo do goleiro Cantarele, e a comemoração virou uma foto maravilhosa publicada na Revista Placar.

Numa entrevista mais recente, Rubens Galaxe declarou: “Nunca fui vaiado pela torcida do Fluminense”. Nem teria como: nos tempos em que o Campeonato Carioca era o mais importante do país, Rubens foi nada menos do que pentacampeão em uma década. Quando o Fluminense teve o time mais emblemático de sua história, ele teve lugar cativo como titular. E depois de uma grande crise, ele colaborou muito para o que Flu voltasse a ser campeão. Sua trajetória e história merecem ser contadas e relembradas: elas falam de um jogador honesto, sério, que nunca teve os holofotes para si, mas que está em muitos posters de um dos gigantes do futebol brasileiro. Um pentacampeão que não escolheu posição para defender sua camisa.

Ele foi muitos num só.

O ADEUS DE TIA RUTH E O DESABAFO DE GERALDAVES

por Paulo-Roberto Andel


Tia Ruth acabou de morrer e com ela se foi um jeito de torcer que não existe mais: colocar o amor e a simpatia acima de todas as intempéries, que no caso do seu America têm sido intensas. Uma lady a serviço da memória do futebol brasileiro, enfrentando viagens, campos esburacados e falta de estrutura para apoiar uma causa que muitos consideram perdida. O fato é que o America faz uma falta enorme ao Maracanã e, se pensarmos no passado, o próprio Maracanã, aquele que aprendemos a amar e admirar, também faz falta.

A tristeza não parou. Recebi por WhatsApp um texto, uma carta aberta possivelmente assinada sob pseudônimo que me emocionou profundamente. Além da enorme simpatia pelo America, estou escrevendo um livro sobre o clube junto com o jornalista André Luiz Pereira Nunes, o que aumenta a reflexão. Ler a carta foi como levar um soco violento no queixo. Tomei a liberdade de reproduzi-la aqui:

“É preciso acabar com o America!

(por Geraldaves de Almeida)

É preciso acabar com o America. O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.

É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. É um cenário perfeito para um portador de labirintite.

O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em atuar sem obter qualquer êxito.

É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.

Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro, o de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.

O ex-America possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria passará a emitir boletos?

A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é do futebol moderno que preza pela elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. Money, my friend!

Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.

Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!”

O que foi lido acima é uma declaração de amor e desespero. Centenária instituição que ajudou muito nos alicerces do futebol brasileiro, o America tem cumprido uma pena desde 1987, quando foi alijado da primeira divisão do futebol brasileiro numa canetada, até que passou a viver em quase mendicância esportiva e hoje tem uma vida sobrenatural: parece resistir mesmo em estado de decomposição.

O America não pode morrer. Ele é um pedaço fundamental da história dessa cidade. Num período de quarenta anos atrás, curtíssimo para a análise histórica, o America ocupava dignamente o Maracanã, ostentava seu bandeirão na arquibancada e disputava títulos. Sua derrocada é drama, lição mas também um chamado de socorro.

Eu não tenho as soluções, eu não tenho as respostas. A única coisa que sei é que ele precisa ser salvo, precisa ser resgatado de um incêndio que o cremará se nada for feito.

Não adianta que algumas moscas mortas do clube, eternamente penduradas lá, ainda tentem enganar alguém com discursos pernósticos e empáfia oca.

Para o que foi e ainda é, o America não vive menos do que uma tragédia, capaz de alimentar o desespero como se leu na brilhante carta de Geraldaves, reproduzida acima.

Torcedores e sócios do America precisam se unir e lutar, lutar muito para impedir uma morte que parece anunciada em outdoors. O lugar do time rubro não é o de figurante na segunda divisão do Rio. Há um século em jogo. É preciso resistir.

OS PONTAS, OS MEIAS, O ESPETÁCULO

por Paulo-Roberto Andel


Meu amigo Catalano, também escritor, tem uma tese a respeito do futebol “moderno”: se uma boa equipe tiver dois grandes jogadores abrindo ataques pelas pontas, mais um finalizador de respeito, triturará os adversários no mundo inteiro. Sigo o relator.

Até os anos 1980, todos os times usavam pontas. Depois disso, a prioridade do futebol-força fez com que a posição fosse extinta, pois todos têm que marcar e recompor. Some-se a isso a besteirada de neologismos ocos (agudo, intensidade etc), mais retrancas para tentar garantir os empregos dos treinadores por algum tempo e pronto: chegamos ao cenário atual onde colocamos três times entre os quatro melhores da Libertadores, mas não brilhamos. A Seleção Brasileira é líder disparada nas eliminatórias, mas não encanta em nada.

É certo que os temas e focos mudam. Sem sombra de dúvida, o futebol de hoje exige um condicionamento físico intenso, muito maior do que antes. E os pontas precisam voltar para garantir a dinâmica de jogo. Ok, tudo bem, mas por que a evolução física deveria significar o fim do nosso talento?

Não faz sentido algum.

O Brasil dominou o cenário do futebol quando desenvolveu uma característica própria que nenhum outro país tinha em quantidade: talento individual, drible, passe, lançamentos, soluções surpreendentes. Até hoje somos respeitados por causa disso, e quando jogadores como Neymar encantam multidões em certas ocasiões, é porque exibem resquícios daquele talento.

E onde entram os velhos pontas nessa história? Com os dribles. Tivemos pontas. fantásticos que entortavam marcadores e apavoravam as defesas, cruzando de forma mortífera já de dentro da área. Hoje em dia o sujeito dá um balão do meio de campo e não entende como a defesa rival desarma tudo.

Não entendam estas linhas como um manifesto saudosista, porque este não é o objetivo delas. O que reclamo é: por que temos que abrir mão da nossa qualidade técnica, o bem mais precioso que temos para voltarmos ao topo do mundo? Ele pode ser reabilitado, desde que aplicado às escolas de formação de jogadores, até que voltemos a mostrar talento em campo. Não é difícil, mas exige vontade política. Quem disse que não podemos aliar condição física e excelência técnica?

Sem o drible, o futebol brasileiro perdeu sua essência. Muito disso veio quando passamos a massacrar os pontas, a eliminar a troca do camisa 10 pelo cão de guarda marcador, a fazer do volante um brucutu. E a quem interessava esse discurso? Aos adversários, claro.

Colocando gente que sabe de bola nas divisões de base, talvez possamos reverter essa pasmaceira em alguns anos. Gente que possa fazer o papel de grandes nomes que tivemos, tais como Cilinho, Carlinhos, Faria e Neca, verdadeiros ourives da bola. Caso contrário, continuaremos a ver jogos cada vez mais chochos, chamados de “grandes espetáculos”.

ESTÁ FALTANDO O UUUUUUUUHHHHH

Paulo-Roberto Andel


Das coisas que fazem muita falta daquele Maracanã dos tempos de glória, uma delas era um verdadeiro termômetro do que era assistir a uma partida no palco sagrado do futebol brasileiro.

Ironicamente, ela só aparecia em grandes jogadas que não terminavam em gol. Mesmo assim, servia como uma espécie de atestado de qualidade da partida.

Não podia ser vista, mas muito ouvida, assim como os sinalzões das transmissões dos jogos pelas rádios.

E deixava para sempre suas marcas nas crianças de todas as idades, até mesmo as que há muito deixaram de ser crianças.

Era uma simples onomatopeia, gritada coletivamente e que marcou gerações de torcedores até 2010.

UUUUUUHHHHHHHHHHHHHHH!

O desabafo da torcida a cada grande lance: um defesaço do goleiro, a bola que tocava levemente ou explodia na trave, o chute que passava a centímetros do gol, o zagueiro que tirava a bola em cima da linha, a cobrança de falta perigosíssima.

Tempos de clássicos abarrotados no Maraca, corações a mil, a multidão ensandecida e UUUUHHHH para todo lado. Eram muitos por partida, até mesmo num zero a zero. Como as grandes equipes cariocas eram recheadas de craques, não faltavam lances emocionantes que faziam a torcida pular na arquibancada e na geral. Excelentes chutadores disparavam de fora da área. Para culminar, a saudosa e querida marquise de concreto do Maracanã fazia o som ecoar com força. O UUUUUHHHH era algo tão mágico que era bonito até vê-lo no outro lado, na torcida rival – só não podia se transformar no AAAAAHHHH de alegria após o gol, é claro.

Quantos jogadores foram responsáveis pelo UHHHHHH do Maracanã? É impossível contar, mas a onomatopeia era uma realidade a cada clássico, a cada grande jogo quando os artistas passavam muito perto de fazer suas torcidas explodirem de alegria. O quase gol fazia parte do espetáculo, como se fosse um recado de que a emoção maior estava a caminho.

Em 2010, o Maracanã fechou suas portas por longos três anos, sendo reconstruído para a Copa do Mundo de 2014. Foi modernizado, mas completamente modificado. Ele voltou, mas sua nova capacidade já não permitia as multidões de antigamente. Recebeu importantes decisões e a festa de campeões, mas mudou para sempre. E depois veio a pandemia, silenciando a torcida ausente por necessidade. Mas o que faltou no estádio até 2020 para o UUUUHHHH se tornar raro?

Um pouco de tudo, a começar por gente humilde que fazia do Maracanã a sua vida aos domingos, o público popular que se esgoelava com a beleza do nosso futebol.

Pelo jeito de se jogar, cada vez mais mergulhado em teoremas e carente das nossas melhores qualidades: o drible, o improviso, o inesperado e improvável. Arriscar, chutar, tentar.

Pelo coro imortal da geral, que desapareceu, e da arquibancada – que encolheu.

Pela escassez de grandes artistas da bola. Se pensarmos só na segunda metade dos anos 1970 e começo dos 1980, com muitos UUUUUHHHHS no Maracanã, eis uma breve lista: Roberto Dinamite, Edinho, Pintinho, Rivellino, Paulo Cézar, Carlos Alberto Torres, Júnior, Adílio, Zico, Tita, Lico, Leandro, Marcelo, Mendonça, Reinaldo, Palhinha, Éder, Zé Sérgio, Amaral, Nelinho, Pita, Renato, Marinho Chagas, Marinho, Arturzinho, Cláudio Adão.

E dos goleiros voando para grandes defesas ou mesmo fazendo golpe de vista? Leão, Wendell, Renato, Raul, Paulo Sérgio, Paulo Victor, Zé Carlos, Borrachinha.

A marquise de concreto ajudou a fixar grandes memórias na cabeça de centenas de milhares de torcedores, com aquele som incrível reverberando. É triste saber que ela não mais existe e que jamais voltará.

Resta esperar o fim desta pandemia e, aos poucos, voltar para o Maracanã para reconstruir a festa das torcidas. Ele agora é outro, mas novas histórias precisam ser escritas pela cobertura de acrílico. A memória do UUUUUUHHHHHHH é oxigênio para este esporte que tanto amamos.

@pauloandel

A SELEÇÃO PAROU NO TEMPO?

por Paulo-Roberto Andel


Nas últimas semanas, por diversos motivos a Seleção Brasileira tem sido referência nos meios de comunicação. Não tem a ver propriamente com a medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, nossa conquista mais recente, mas sim com cenas maravilhosas de muito tempo atrás.

Seja para celebrar os aniversários de Pelé e Zagallo, para comemorar os aniversários das conquistas das cinco Copas do Mundo, documentários maravilhosos de Ernesto Rodrigues no SporTV ou outros motivos, o fato é que a Seleção tem aparecido bem na TV fechada, internet etc.

Ao mesmo tempo em que se pode esbaldar com cenas maravilhosas, gols inesquecíveis – no caso de 1970, até mesmo os gols que não aconteceram – e passes fantásticos, hoje a melhor imagem da Seleção Brasileira é uma lembrança distante. Sim, para muitos de nós aquele futebol maravilhoso está muito vivo à mente, mas 1970 tem mais de meio século, 1962 prestes a completar 60 anos e 1958 já tendo passado disso.

É importante respeitar e muito as grandes conquistas de 1994 e 2002, últimos momentos que o nosso futebol deu lampejos do que já foi um dia, mas quando se fala em uma constelação de craques, temos 1958-62-70 em vista. É inevitável.

Estamos a caminho dos 20 anos sem Copas. Quando isso aconteceu a partir de 1970, em 1990 o Brasil fracassou no Mundial da Itália, mas tinha jogadores que faziam pensar, dentro e fora da Seleção: Romário, Bebeto, Renato Gaúcho, Careca, Neto e ainda viriam à frente Djalminha, Edmundo, Marcelinho, Dener, Jorginho, Aldair, Branco, Leonardo, Mozer, Ricardo Gomes, Taffarel, Zetti, tantos nomes. E agora? O que realmente temos agora além da estrela solitaríssima de Neymar? Líder nas eliminatórias, o Brasil não empolga nem mostra nomes capazes de cativar os torcedores.

Enquanto por aqui vivemos um futebol anêmico, verdadeiro faquir do talento, numa sucessão de jogos brutos, feiosos e que não dizem o que é o verdadeiro Brasil em campo, não consigo parar de pensar numa fala do brilhante documentário “Maracana”, de Sebastián Bednarik e Andrés Varela. Feita com cenas belíssimas da trajetória uruguaia na Copa de 1950, a produção aborda uma perspectiva diferente do lugar comum que temos de tragédia nacional. No fim, o narrador em off conta a chegada dos jogadores uruguaios a Montevidéu, e nas cenas finais com o povo louvando os jogadores, algo como “a vitória do Uruguai fez o país parar no tempo, sendo seu último grande feito esportivo”.

Vejo as lindas cenas do passado do nosso futebol e temo que tenhamos parado no tempo, sem perceber.

@pauloandel