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Paulo-Roberto Andel

REINALDO E LEO BATISTA, ESSÊNCIAS DO VELHO E BOM FUTEBOL

por Paulo-Roberto Andel


O domingo passado foi de fazer pensar muito em futebol. A turma de fora acha que é só o pessoal correndo atrás de uma bola, mas a gente que ama esse jogo sabe que vai muito, muito além da bola e do campo.

No Mineirão lotado, o rei chorou. Reinaldo, o Rei, maior artilheiro da história do estádio, maior artilheiro do Atlético e, de quebra, um dos maiores centroavantes da história do futebol brasileiro. Um craque absoluto que infelizmente sofreu com as contusões, num tempo em que a medicina era menos avançada. Um monstro.

Reinaldo chorou em sua casa. Chorou com a comemoração de Hulk, o braço estendido com punho cerrado. Chorou pela emoção de ver seu time novamente campeão – ou quase isso – com o Mineirão lotado e comemorando não apenas um título encaminhado, mas o fim de uma espera de meio século. Reinaldo, craque tão humano, consciente das mazelas de seu povo, que muito acertou e quando errou foi apenas contra si próprio.

Nesses anos todos, quanto os atleticanos também choraram por não ter mais Reinaldo, seus gols geniais, suas jogadas de puro refinamento, seu talento tão gigantesco? Muito. Reinaldo foi tão espetacular que os títulos que não conquistou e o tempo abreviado de sua carreira são pequenos diante de sua consagração como craque.

A 600 quilômetros do Mineirão, os botafoguenses lotaram o Estádio Nilton Santos para gritar a plenos pulmões pela volta do Glorioso a seu lugar, campeão da série B e novamente na A. Quem estava lá para anunciar a entrada do time era Leo Batista, decano do jornalismo esportivo, emocionado mas tranquilo com seu time do coração. Leo entra em nossas casas há muitos anos, não é mais uma visita. Sua voz é familiar aos nossos sonhos de futebol há pelo menos meio século.

Muito bonitas as imagens de Leo acompanhando o jogo entre Botafogo e Guarani, espiando, vibrando, parecendo um garoto de quinze anos torcendo pelo seu time. E daí que ele seja quase nonagenário? Todo torcedor de futebol é uma eterna criança namorando a bola que corre e desenha memórias espetaculares.

Reinaldo e Leo Batista são referências eternas do nosso futebol. Um craque do campo e outro da locução, eles ajudaram muita gente a se apaixonar por esse jogo que todos perseguimos a cada quarta, a cada domingo, a cada decisão ou um jogo trivial, não importa. As duas feras nos remetem a uma época de sonhos, promessas e de uma beleza inesquecível do Mineirão ao Morumbi, do Maracanã ao Beira-Rio. O futebol das grandes jogadas, das narrações certeiras, da torcida apaixonada, das pistas de quando éramos todos reis, na verdade os melhores do mundo.

@pauloandel

CABELO, CABELEIRA, CABELADA

por Paulo-Roberto Andel


Houve um tempo no Rio de Janeiro, mais especificamente na década de 1980, em que só os grandes jogos e lotes de craques não bastavam: a arbitragem também era marcante, com seus membros praticamente alçados à condição de estrelas do gramado também.

Depois dos tempos de Sansão e Armando Marques, a new order da arbitragem carioca tinha decanos como José Roberto Wright, Arnaldo César Coelho, Wilson Carlos dos Santos, Valquir Pimentel, Luiz Carlos Bregalda e grande elenco. Depois viriam Claudio Vinicius Cerdeira, Leo Feldman e Daniel Pomeroy. Mas na segunda metade dos anos 1980, três estrelas se destacavam na constelação da arbitragem carioca: Valter Senra, Jorge Emiliano e Luiz Carlos Gonçalves. Talvez pelos nomes, nem todos os torcedores lembrariam desse trio; agora, pelos apelidos, ninguém se esquece de Bianca, Margarida e, claro, Cabelada.

Os dois primeiros foram marcados pela segurança nas arbitragens e pelo jeito desinibido de arbitrar. Eram gays assumidos numa sociedade muito homofóbica, onde era normal que fossem sacaneados e sofressem diversas declarações pejorativas, até mesmo de dirigentes e jornalistas. Independentemente de qualquer coisa, Senra e Emiliano foram craques da arbitragem.

E Cabelada? Bom, esse não se pareceu com ninguém, dada a sua condição de personagem único. Dotado de incrível capacidade para ser o centro das atenções, boêmio convicto (inclusive antes dos jogos), divertido, espalhafatoso e um tremendo fazedor de média, Luiz Carlos Gonçalves colecionou histórias de arbitragens que beiram o quase inacreditável, seja por erros extraterrestres (de propósito), tumultos generalizados e principalmente por sua vida extracampo, movida a hectolitros de chope, samba, carnaval galhofa e uma intensa vida social – que o levou à amizade de ícones cariocas como os compositores Nei Lopes e Guinga, o sambista Toninho Geraes e outros craques. Acredite: por pouco Cabelada não se tornou ator global, dentre outras façanhas, tudo isso enquanto arbitrava jogos do Carioca numa das melhores épocas da competição.


Prestes a completar 75 anos, Luiz Carlos Gonçalves ganha um livro tributo que será lançado em 11 de dezembro, dia de seu aniversário, em seu aquário natural: o endereço do eterno Petisco da Vila, na Vila Isabel em que o ex-árbitro marcou época como personagem das ruas. O livro se chama “Todo juiz é ladrão, Cabelada não!”. Este cronista teve a honra de produzir a obra ao lado do escritor Zé Augusto Catalano e assegura: o texto de Leandro Araujo, o autor, é de fazer rolar de rir com talento colossal, muito amparado pelas histórias (todas reais, mas quase todas inacreditáveis) de Cabelada, personagem que merece ser revivido por representar um Rio de Janeiro e um futebol carioca muito mais divertido, pulsante e, honestamente, galhofeiro.

Os clássicos eram monumentais, os jogos dos times de menor investimento eram desafiadores e, acredite, mesmo com toda a esculhambação, o Brasil tinha o melhor futebol do mundo, muitas vezes jogado no Rio de Janeiro e no Maracanã cheio de estrelas, até mesmo na arbitragem. Foi outro dia mesmo, mas já faz mais de trinta anos. O tempo não para.

ÉZIO, SUPER ÉZIO

por Paulo-Roberto Andel


Dez anos sem o mais gentil e humano de todos os grandes artilheiros tricolores.

Ézio foi um caso de amor com o Fluminense que começou sem grande alarde, mas que cresceu a tal ponto que se tornou eterno.

Começou em 1991. O Flu vinha de cinco anos sem títulos, uma agonia para a exigente torcida tricolor. Com seus gols e sua simpatia, o artilheiro começou no a ganhar a torcida.

Marcava de todos os jeitos, pouco importando se a finalização era comum ou maravilhosa. Alternava golaços com outros considerados mais simples.

E ia o Fluminense batendo nas traves. Quase o Brasileiro de 1991, quase o Carioca do mesmo ano, a Copa do Brasil 1992 que escapou no apito de José Aparecido, os Cariocas de 1993 e 1994. O Flu não ganhava os títulos, mas lutava por eles: a gente sentia que viria mais cedo ou mais tarde. Continuávamos como protagonistas e tínhamos um ídolo de verdade. Os jovens tricolores estudantes da UERJ mataram muitas aulas para ver o Tricolor logo ao lado, com a chama de seu camisa 9.

Em quatro temporadas, Ézio fez muitos gols e esteve presente em momentos históricos além das decisões: não há tricolor que se esqueça dos 7 a 1 sobre o Botafogo em 1994, nem dos 4 a 2 sobre o Flamengo naquele mesmo ano – Ézio marcou três gols do Fla x Flu e não lembro se outro camisa 9 do Fluminense o igualou neste sentido. Mais atrás, muitos falam da semifinal contra o Bragantino em 1991, mas poucos se lembram de que, para disputá-la, o Fluminense precisou vencer dentro e fora do campo os cinco últimos jogos – e lá estava o artilheiro marcando presença. E não se pode desprezar as duas Taças Guanabara, em 1991 e 1993, esta decidida com um gol de Ézio.

Os últimos minutos da carreira de Ézio no Fluminense foram inesquecíveis: entrou em campo naquele que, para muitos, é o maior Fla x Flu da história. E foi dele o primeiro toque na bola no campo adversário que, segundos depois, se transformaria no mais inesperado – e fascinante – gol da história das decisões no Maracanã, marcado pela barriga de Renato Gaúcho. Sua última partida pelo Fluminense é uma das maiores que o clube disputou em quase 120 anos de glórias.

Consagrado pela narração de Januário de Oliveira, amado pela torcida do Fluminense por seus gols e simpatia, Ézio é uma força, uma presença, um drama e uma intensidade que ainda povoa o Estádio das Laranjeiras. Ali ele deu muitos autógrafos, tirou muitas fotos e abraçou milhares de fãs com seu sorriso indestrutível. Ali ele treinou para fazer mais de cem gols pelo Flu. E foi ali que ele começou a escrever uma história inigualável no futebol brasileiro.

Explica-se: todos os grandes clubes do país possuem grandes títulos e monumentais artilheiros. A diferença do Fluminense para todos os outros é que só o Tricolor teve como artilheiro um eterno super-herói. O mais humano, sensível e amigo, o mais especial de todos os goleadores vestidos de grená, branco e verde.

Sinistro, muito sinistro o Super Ézio.

@pauloandel

QUINZE PRAS CINCO

por Paulo-Roberto Andel


Mal acabavam de fazer o primeiro jogo, os garotos dos dois times juvenis se apinhavam perto das escadas. Nada de descer para tomar banho: eles queriam era ver os craques entrarem em campo.

Cem mil pessoas, cinquenta mil de cada lado mais ou menos.

Dos dois lados, dezenas de bandeiras imensas enfileiradas, prontas para serem desfraldadas assim que os times entrassem.

Quinze pras cinco da tarde. De repente, entre os gritos das torcidas, havia certo silêncio e alguma aflição, alguma coisa que mexia com o peito.

De repente, no belo placar de lâmpadas amarelas, estava escrito “SU-DERJ IN-FORMA: ÁR-BI-TRO”. Pronto, todo mundo vaiava. Um barulhão. Em meio ao caos, no alto-falante uma voz abafada e inesquecível narrava o que se lia.

Cinco para as cinco. O coração parece que vai sair pela boca. Num súbito, o lado de cá explode num grito de alegria: entra um time todo de branco e, de repente, não dá para enxergar quase nada porque tudo em volta está no meio de uma grande nuvem branca. Um sinal de paz. E logo em seguida explode o lado de lá, com outro mar de bandeiras tremulando e centenas de rolos de papel higiênico desfraldadas.

É um oceano de barulho, mas dá para ouvir direitinho o que se canta lá e cá. Aquela aflição no peito bate com força total feito a pancada nos bumbos logo acima na arquibancada.

Aparece o nosso escudo no placar de lâmpadas e gritamos como se fosse um gol. Quando é a vez do escudo deles, aí berram com toda força. É uma festa fascinante, pra arrombar a retina de quem vê, como na letra imortal de Chico Buarque.

Cinco da tarde. Eu tenho onze anos de idade. Meu pai me segura pela mão na velha arquibancada de concreto cinza, onde quase não podemos nos mexer. Estou coberto de pó de arroz. Daqui a pouco eu vou ganhar um cachorro quente e uma coca-cola. Vai ser dada a saída.

Por uma hora e meia, sou o garoto mais feliz do mundo: estou no maior estádio do mundo, em meio a uma multidão, vendo o melhor futebol do mundo. No placar do Maracanã, aparece o nome do craque do meu time, ele tem a camisa 5. Vai enfrentar uma barra pesada: o 2, outro 5, o 7, o 8, o 9, o 10. Enfim, um grande clássico.

Parece que foi ontem, mas faz muito tempo. Há muito tempo eu não tenho a mão do meu pai para apertar, nem me junto a cem mil pessoas que sequer cabem onde, um dia, esteve o maior estádio do mundo.

Onde estão os craques?

Bandeirão, não pode. Fumaça, não pode.

Não há mais o velho placar de lâmpadas, nem milhares de pessoas humildes, às vezes desdentadas, que sorriam feito crianças ao ver algum nome escrito com as luzes.

Não há nem os garotos juvenis para se apinhar nos túneis da felicidade.

Vida que segue, diria o mestre João Saldanha, ao menos presente de espírito, mas para sempre.

@pauloandel

MEMÓRIAS DO FLA X FLU

por Paulo-Roberto Andel


Depois do expediente, no começo da tarde de sábado, fomos eu, Jocemar e Pimenta num boteco da Praça Tiradentes, famoso por seu bom chope e seus acepipes nem tão bons assim. Três tulipas e, pela margem de segurança, uma porção de queijo prato em cubinhos. Dois tricolores e um flamenguista.

Passamos a manhã falando de música, mas logo após o primeiro brinde o assunto não poderia ser outro: o primeiro Fla x Flu com público em um ano e meio. Logo de cara, tivemos saudades dos velhos tempos em que, no dia do clássico maior, camisas tricolores e rubro-negras se espalhavam pela cidade. É, tudo mudou. Agora a turma se acotovela em frente às tevês dos botequins. Quem governa o futebol chama isso de modernidade: quem não tem dinheiro não vai ao estádio, quem tem não está muito a fim.

Memórias, memórias. Aquele Fla x Flu em que o Cristóvão deixou o Manguito sentado na grama e fez um golaço, que fez o Jocemar enlouquecer na arquibancada abarrotada – no mesmo jogo o Paulo Goulart defendeu um pênalti cobrado por Zico. E outro, quando o Pimenta levou o pai que nunca ia ao Maracanã e, mal sentaram nas cadeiras, o Flu já tinha feito 3 a 0. Ou ainda quando voltavam de uma vitória tricolor e, no carro, o Barata debochava que ele só de todo mundo. Acabamos falando de muito mais vitórias tricolores do que rubro-negras, mas não era uma provocação e sim apenas as lembranças, só que quando todos aqueles assuntos surgiram, minha cabeça foi e voltou num espaço de quarenta anos. Ah, sim, e o empate épico de 1985 com o golaço de Leandro que eu, por azar e sorte, vi atrás do gol, no meio da galera adversária – fui com um amigo flamenguista ao jogo, vimos o primeiro tempo na torcida tricolor e, no segundo, trocamos. Detalhe: já estávamos na boca do túnel da arquibancada, com o Ricardinho já indo embora e eu disse “Espera!”. Deu no que deu. O Flu acabou campeão mas ninguém esquece daquele empate.


Falar de Assis é inevitável, Renato Gaúcho idem, Zico e Júnior, Félix e Raul, Edinho, Pintinho, Adílio, Geraldo, Paulo Cezar Caju e até Pelé, aniversariante do dia e que vestiu as camisas dos dois clubes em amistosos. O Fla x Flu deságua num mar do Rio de Janeiro e, por isso mesmo, estamos loucos para ler o livro do Simas sobre o Maracanã, que acaba de sair. Tempos de glória. Sobrou até para o Botafogo, pois em certo momento rediscutimos a final do Carioca de 1971 que surgiu no caminho – é um jogo interminável.

E quem disse que o Fla x Flu é escrito apenas por craques e jogadores duradouros? Da parte que me toca, é só lembrar de Valtair, Zezé Gomes, Luiz Marcelo, Alexandre, Agnaldo, Ademilson, Fabio Bala, Rodriguinho e tantos outros.

[Depois de uma hora de bate-papo, finalmente entra um flamenguista a caráter no bar, com a devida camisa branca surradíssima, talvez de uns dez ou quinze anos atrás. Nenhum tricolor uniformizado.

Foi minha primeira mesa de botequim em um ano e meio. Talvez o primeiro sábado de tranquilidade no ano, do jeito que tinha de ser, com chope e boa conversa sobre futebol. Me despedi dos amigos, eu fiquei pelo Centro, o Jocemar ia para Niterói e depois Honório Gurgel, o Pimenta para Guadalupe: era o Fla x Flu se espalhando com braços abertos sobre a Guanabara.


Veio a noite e, mantendo a tradição do clássico, onde o melhor no papel nem sempre vence, o Fluminense passou o trator no Flamengo e ganhou com autoridade por 3 a 1, num raro jogo com todos os gols bonitos. Uma noite de contrastes entre a juventude de John Kennedy, autor de dois belos gols, e a talvez despedida do veterano Abel Hernandez, que deixou sua marca em um golaço. O Fla x Flu foi tão elétrico que até o vaiadíssimo lateral Renê fez um gol bonito também. Em tempos de pandemia a casa não podia ficar cheia, mas dez mil maníacos puderam ver de perto o jogo dos jogos.

O Pimenta, rubro-negro de nobreza exemplar, me mandou uma mensagem de parabéns pela vitória. O Jocemar, mergulhado no caldo verde da vitória, não falou nada porque a gente brinca que ganhar Fla x Flu é normal – é o clássico dos clássicos. Não dá para saber o que será daqui por diante – o Fluminense sofre com nove anos sem grandes títulos -, nem as trajetórias dos jogadores, mas uma coisa é certa: John Kennedy e Abel Hernandez vão ficar na memória dos pequenos tricolores para sempre. Eu entendo muito bem: Cristóvão, Valtair e Zezé Gomes continuam comigo. Paulo Goulart também.

No fim das contas, todos vimos mais um capítulo do jogo que nunca termina. É o Fla x Flu, é o Maracanã, são dois gigantes que se digladiam no maior ringue de grama do mundo pela eternidade afora.

@pauloandel