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Paulo-Roberto Andel

ZEZÉ, UM PONTA-ESQUERDA COMPLETO

por Paulo-Roberto Andel


Em fins dos anos 1970, o Fluminense vivia um momento distinto: depois de atravessar o período de 1969 a 1976 como protagonista do futebol carioca e brasileiro, o Tricolor chegou a um período de vacas magras, passando as temporadas de 1977 a 1979 sem títulos e grandes destaques. Desfeita a fabulosa Máquina, o Flu passou a apostar em jogadores mais baratos ou mesmo veteranos sem oportunidades em outras equipes, sem muita preocupação da gestão à época, pouco afeita ao futebol – isso num clube que carrega o esporte em seu próprio nome.

Entretanto, alguns jovens jogadores revelados na base tricolor já começavam a despontar, e futuramente dariam enorme alegria à torcida. Um deles é pouco falado e merece valorização à altura de seu grande futebol: o ponta-esquerda Zezé.

Antônio José Gouvêa estreou pelo Fluminense em 1975 num amistoso em Petrópolis. Já estava acostumado a uma grande concorrência de feras tricolores desde a base, disputando vaga com Gilson Gênio (destaque do próprio Flu e do Bahia), Silvinho (que brilharia no America e no Vasco) e Mário (campeão pelo Flu e depois jogando por America, Vasco e Bangu). Precisou esperar até 1977, quando o treinador Pinheiro efetivou seu pupilo no time titular.

Apesar do Fluminense não brilhar naquele período, o futebol vistoso e ofensivo de Zezé logo chamou a atenção de Cláudio Coutinho, então treinador da Seleção Brasileira, que o levou para a Copa América de 1979. No Flu, o ponta seguia cumprindo grandes atuações e marcando vários gols. Além de seu talento como driblador nato, Zezé era especialista em chutes cruzados da esquerda e um bom cobrador de pênaltis. Só não gostava de marcar e, cá entre nós, tinha razão: seu talento não era para ser desperdiçado como marcador de laterais.

Em 1980, veio a redenção. Já “veterano” no Fluminense aos 23 anos, Zezé foi um dos grandes destaques do time campeão de 1980, praticamente todo feito em casa, desbancando o forte time do Vasco (com Guina, Paulinho, Roberto, Wilsinho, Pintinho e Paulo Cezar Lima) e superando o poderoso Flamengo (campeão brasileiro e que seria também mundial no ano seguinte). Ao lado de Robertinho e Cláudio Adão, o ponta-esquerda formou um ataque veloz e mortífero, todo com jogadores que passaram pela Seleção. Pelo Fluminense, marcou mais de 80 gols como profissional, e isso jogando ao lado de outros excelentes finalizadores.

Ao deixar o Fluminense, Zezé foi para o Guarani de Campinas, onde reencontrou outro velho conhecido das Laranjeiras: o goleiro Wendell. O Bugre fez ótima campanha no Brasileirão, chegando às semifinais, mas depois aconteceu um problema para o atacante: exames apontaram problemas cardiológicos sérios. Mesmo assim, Zezé acabou se transferindo para o Flamengo, não se firmou e a partir de então passou por várias equipes de menor investimento. Já o Fluminense perdeu sua referência de ponta-esquerda, mas logo a reabilitaria com a ascensão de duas outras feras dos anos 1980: Tato e Paulinho.

Zezé desencarnou jovem, aos 51 anos, em Recreio, sua cidade natal em Minas Gerais. Sofreu um ataque cardíaco em sua caminhada matinal. É o único titular tricolor de 1980 que já faleceu. Pouco desfrutou da era das redes sociais e não teve a oportunidade das lives, que hoje tanto ajudam a reavivar belas memórias do nosso futebol.

Ao menos restou a memória dos meninos tricolores daquele tempo, que trazem consigo a lembrança de um grande atacante, fundamental para reabilitar a imagem do Fluminense depois do pós-Máquina. Hoje cinquentões, ele ainda se lembram de cruzamentos e gols do arisco Zezé.

@pauloandel

O ÍBIS VOLTOU

por Paulo-Roberto Andel


Uma da manhã, madrugada de sábado para domingo, aquela insônia de doer e o controle remoto à mão. Nenhum filme interessante, nenhum show legal, o jornal 24 horas com as mesmas notícias da primeira hora (repetidas 23 vezes).

O destino determina procurar o primeiro jogo de futebol que apareça na seleção de canais. Subitamente ele se apresenta: Náutico versus Íbis, abertura do Pernambucano 2022. É reprise mas vale: se você não viu nada e se nada chegou do jogo à sua tela do smartphone, é um jogo novinho em folha.

Cheguei atrasado e o Náutico já vencia por 2 a 0, com dois bonitos gols de fora da área no castigado gramado do belo Estádio dos Aflitos. Interessante é que o jogo era divertido de se ver, mesmo com a limitação técnica dos dois times: ambos procuravam o ataque e tocando a bola, sem chutões nem ligações diretas. Mas olhando as camisas dos times e sabendo que elas são familiares, achei que tinha algo estranho, diferente, que eu não sabia explicar direito, até que a ficha caiu: qual tinha sido o último jogo que eu tinha visto do Íbis?

Nenhum. Mas como assim?

É fácil entender: o rubro-negro de Paulista estava voltando à primeira divisão pernambucana depois de 22 anos. Ou seja, o Íbis nunca tinha sido transmitido pela TV no século XXI até este jogo.

Gosto de jogos com a presença de times de menor investimento. Gosto da sensação de localidade, de raiz. É claro que o futebol bem jogado, de alto nível técnico (e cada vez mais raro no Brasil), é maravilhoso, só que para muitos apaixonados pelo esporte o enredo vai muito além das quatro linhas. O próprio Íbis é uma prova material desse conceito: de volta à primeira divisão de seu estado, o que lhe importa é se manter nela custe o que for. O Pássaro Negro não está em busca de títulos, mas da sua sobrevivência como “pior time do mundo”, só que na elite pernambucana. É bonito saber que a luta deles tem 80 anos.

E o jogo? Divertido no segundo tempo, até que perto do fim o garoto Júlio faz um golaço para o Náutico e decreta os 3 a 0 finais da partida. Mesmo assim, o Íbis teve duas oportunidades de gol desperdiçadas. E continuou tentando tocar a bola, mesmo sem qualquer esperança de um empate.

Quando a partida terminou, o Estádio dos Aflitos me lembrou dos jogos que vão começar daqui a pouco pelo Cariocão e Paulistão. E bateu a saudade de Moça Bonita, Ítalo Del Cima e Bariri, os velhos e queridos alçapões que sempre atrapalhavam o Big Four carioca mais os amados America e Bangu. A gente sabe que o melhor futebol está na Champions, mas quem viveu esses estádios que falei e outros sabe da importância disso. Importância que nutre um torcedor insone em plena madrugada de sábado para domingo. Ou lembrar de seu goleiro Félix, de seu time de botões cristal, de seus amigos da escola.

À beira do campo, Helio dos Anjos grita para consolidar a vitória do Náutico. Quem se lembra de que ele foi goleiro do Flamengo? Eram tempos de Raul e Cantarele, de Catinha e Zandonaide, de Mendonça, de Abel, de tanta gente que passou tão rápido mas deixou saudade.

O mascote do Íbis, um pássaro bem grande, aparece cabisbaixo atrás do gol no fim do jogo. No meio de campo, torcedores do Náutico celebraram o adversário: “Vocês subiram o Íbis. Agora façam um gol no Santa Cruz!”. A derrota dói, mas para quem estava há mais de duas décadas na segunda divisão, entrar em campo pela série A é uma vitória. E quem nunca é protagonista pode ter seu lugar ao sol como figurante. Quantas e quantas vezes a gente já se divertiu com o Íbis sem que ele vencesse um jogo ou marcasse um gol? De alguma forma ele sempre faz falta.

Duas e meia da manhã, daqui a pouco tem Avaí versus Figueirense. Já estou contando as horas para ver o Fluminense contra o Bangu na Ilha do Governador. Só me falta um radinho e três colegas de arquibancada que eu já tive, mas um dia eu chego lá.

O Íbis voltou porque o futebol é muito mais do que um jogo.

PS: o destaque negativo nos Aflitos foi um idiota que se gabava de não ter se vacinado ao entrar. O xilindró lhe deu a resposta merecida.

UM COFRINHO, UM SORRISO E ROBERTO

por Paulo-Roberto Andel


Duas da tarde de um dia qualquer de 1982. Naquele tempo estudávamos em um horário esquisito, das três às sete da noite. Combinamos de nos encontrar antes. O motivo? Futebol, claro. A gente gostava demais. Era jogo na praia, no calçadão, na vila, jogo de botão e o maravilhoso Maracanã.

Perto da nossa escola, Dr. Cícero Penna, no coração de Copacabana, ficava a Caderneta de Poupança Letra, que já não existe, trocou de nome ou foi absorvida por outra instituição bancária. Pois bem, a Letra ia distribuir cofrinhos em forma de bola de futebol. E quem estaria no banco dando autógrafos era ninguém menos do que Roberto Dinamite, ídolo do Vasco, do Rio e do Brasil.

Rivalidade no futebol sempre existiu, mas naquele tempo era natural os garotos admirarem os craques, os jogadores marcantes, de garra, pouco importando se jogavam em seus times de coração. Como ficar indiferente ao futebol de Leandro, Edinho, Deley, Mendonça, Zico, Adílio? Impossível.

Roberto era unanimidade na minha turma, que tinha poucos vascaínos. O Cassiano e o Luiz, no máximo. Não lembro se o Geleia também era Vasco. O fato era que Roberto era um artilheiraço, cobrava faltas mortíferas, cabeceava e ai da defesa que o deixasse ajeitar para a direita e chutar na frente da área. Um tormento para os zagueiros.

Juntamos a turma e fomos para a porta da Letra. O banco estava tão cheio que um funcionário veio para a porta distribuir os cofrinhos. Havia outras turmas também, todas com os mesmos objetivos: pegar os cofres mas também ver o craque. E tome gente, gente, gente.

Alguns dos nossos se espremeram na vitrine de vidro para tentar ver Roberto, que estava dando autógrafos numa mesa dentro da agência lotada. E assim ficamos por um bom tempo. Entrar era impossível, o máximo ficava numa espiadinha com nossos olhos recém saídos da infância.

Em certo momento, Roberto se levantou e veio para fora do banco para cumprimentar a garotada. Explodimos de alegria: nós éramos a dinamite daquela tarde. Mal ele saiu da agência, abriu o sorriso indestrutível e logo o cercamos para abraçá-lo. Ele também era uma felicidade só. Puxa vida, um dos maiores jogadores do Brasil bem ao lado da nossa escola. Ficamos muito contentes.

Não durou muito tempo, porque Roberto precisava voltar para o banco, mas foi suficiente para ser inesquecível. Pense em garotos felizes ao ver um de seus heróis sorridente, bem de perto? Foi assim.

Não juntei moedas. Muitos dos cofrinhos serviram para peladas no calçadão da Avenida Atlântica. O meu, não: levei para casa de recordação. O tempo e as mudanças me fizeram perdê-lo para sempre, mas o mais importante de tudo ficou comigo desde então: a lembrança de ter visto de perto um dos maiores jogadores de meu tempo, com aquele sorriso desfraldado e gigantesco como seu futebol, um ídolo de todos os garotos daquele tempo.

Acabamos de saber que Roberto terá uma batalha pela frente, provavelmente a mais desafiadora de toda a sua vida. Eu volto no tempo, na melhor das minhas épocas, e resgato um jovem artilheiro feliz, cercado por crianças e com um sorriso que batalha nenhuma há de derrotar. Um abraço em Copacabana fica para sempre. Logo, logo, o camisa 10 sairá comemorando como fazia em seus gols imortais, feito aqueles cinco sobre o Corinthians em 1980. E nós, que torcíamos lá, continuaremos a torcer por aqui.

UMA BREVE HISTÓRIA DA PORTUGUESA AGITA FINAL DO ANO

por André Luiz Pereira Nunes


No último dia 17, a Associação Atlética Portuguesa comemorou 97 anos de uma existência repleta de feitos e glórias em sua suntuosa sede, localizada na Ilha do Governador. Na ocasião, foi lançada a obra “Uma breve história da Portuguesa”, idealizada por Paulo Roberto Andel, autor de mais de 20 livros sobre o Fluminense.

A obra, apesar de não ter a intenção de ser uma historiografia, conta com depoimentos, recortes, reportagens e curiosidades sobre a simpática Lusinha Carioca, apelidada de Zebra por aprontar grandes feitos contra os adversários. Uma das vítimas foi o Real Madri, derrotado em pleno Santiago Bernabéu, em 4 de setembro de 1969.

Não por acaso, em 2021, a agremiação promoveu a sua melhor campanha em campeonatos estaduais ao chegar às semi finais da competição. O livro inclusive precisou aguardar o desfecho do certame para poder ser finalizado.

– A Portuguesa realmente merecia esse presente. Fui movido por uma memória afetiva de minha infância e trazer a materialização desse desejo é uma satisfação enorme, atesta Andel.


Entre os depoimentos, talvez um ou outro não esteja realmente em consonância com o tema. Há quem pareça até sequer saber sobre o que está escrevendo, mas o resultado final é extremamente satisfatório. O livro é agradável, envolvente e pode ser sorvido de uma tacada só.

Espera-se que o público adquira esse ótimo exemplar e que iniciativas semelhantes abundem no Rio de Janeiro, pois agremiações como Madureira, Olaria e Bonsucesso têm muita história para ser contada.

Vale relembrar que no início do próximo ano será lançada a historiografia do Andaraí, idealizada pelo escritor e professor Kléber Monteiro e que conta com a nossa humilde colaboração.

CAMISA 4 OU 22

por Paulo-Roberto Andel


Eu trabalho num sebo. Por isso, regularmente acabo recebendo doações de livros e discos. Na semana passada, quem apareceu foi meu amigo Leo, precisando se desfazer de um material expressivo: centenas de CDs. Passamos praticamente a década de 1980 juntos: fomos escoteiros, jogamos muita bola e botão por aí.

Ele veio à loja, deixou o material e então fomos para a Leiteria Mineira, uma das relíquias do Centro do Rio. Ficamos lá por cerca de duas horas, daí nos despedimos, ele foi para o Metrô Carioca, eu fui para a Praça Tiradentes e só o futuro dirá quando nos veremos novamente. São milhares e milhares de quilômetros de distância entre as nossas casas.

Voltei para o sebo e comecei a mexer num pacotinho que veio junto com os CDs. Num saco plástico transparente, botões, escudinhos de papel do Grêmio e uma trave de plástico. Tudo coisa dos anos 1980, perto dos 40 anos de vida. Ah, o tempo que passa tão rápido.

Saquei um botão do pacote. Era do meu Fluminense, igualzinho a um time que tive e o tempo levou – logo que pude, colecionei botões de vidrilha e galalite. Voltando ao botão: de acrílico verde lindo e o escudo tricolor envolto em fundo circular amarelo. Lindo. Devia ser coisa de 1978: eu ainda não tinha um Estrelão para jogar, sequer um Xalingão, então fazia meu campo com uma cartolina verde, fazendo as linhas pacientemente com caneta e régua. Havia a Copa do Mundo, papel picado nas ruas, a revista em quadrinhos “Dico, o artilheiro”, o começo do Globo Esporte, as figurinhas do Futebol Cards, os botões em pacotinhos na banca de jornal e muito mais coisas para os garotos que, como eu, começavam a ficar apaixonados pelo melhor jogo de bola do mundo.

O botão do Fluminense. Tem um número 4 preto bem em cima do escudo e um 22 escrito à caneta. O que será que aconteceu com ele? Era titular e virou reserva? Não sei. A camisa 22 nem existia, exceto para as seleções, mas a 4 teve muitos candidatos. Edinho jogava sempre com a 5, mas usou a 2 em sua segunda passagem pelo clube. E a defesa? Wendell, Miranda, Tadeu, Edinho e Carlinhos. Renato, Miranda, Moisés, Edinho e Rubens. Logo depois teve Ademílton. Pelo caminho ficaram Edval e Dário. Miranda era o Trésor brasileiro, referência de Marius Trésor, cracaço da seleção francesa. Ah, o Edevaldo.


Descobrir quem era o botão faz sentido. Os botões têm vida, alma e personalidade próprias. Se um botão foi batizado com um nome, não se pode contrariá-lo chamando-o por outro. E é pra sempre, porque os botões são imortais.

Sendo o camisa 4 do Fluminense em fins dos anos 1970, o botão teve muito trabalho. Imagine marcar Adílio, Roberto, Mendonça, Tita, Paulo Cezar, Búfalo Gil e outras feras no Estrelão lotado? Não era nada fácil. Naquele pequeno pedaço de belo acrílico verde há uma história, uma vivência e uma atualidade porque o tempo do futebol é diferente dos outros: possui a magia da eternidade. Com ele, futebol, semanalmente temos dez anos de idade para sempre; falamos de coisas de 30 ou 40 anos como se fossem noutro dia e, quando vemos os ídolos hoje setentões, eles nunca têm mais do que 30 ou 25 anos de idade, porque essa é a imagem que ficou para sempre. A imagem de um jogo fica eternamente nos olhos de um menino.

Continuo a apreciar o botão. Tiro uma foto. Ao fundo está o Teatro João Caetano. Então entro no Maracanã lotado. Ele deve ser o Miranda, de uniforme todo branco, encarando Cláudio Adão de rubro-negro ou Catinha de vascaíno. Eu estava na quarta série, sonhava com o Estrelão e com um futuro melhor. Quarenta anos passam rápido, rápido demais, mas só entende quem é do ramo: o futebol é um eterno presente em que vivemos. Está tudo bem guardado na memória.

Eu só queria jogar a partida de novo.