Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Paulo-Roberto Andel

RINCÓN, GARRA E TALENTO

por Paulo-Roberto Andel


Magrinho, ele era homem de frente. Um senhor jogador de futebol. Com o tempo, foi ficando mais forte e passou para a armação. Veterano, virou volante. As mudanças de posição não lhe tiraram o brilho e a eficiência.

Os quarentões se lembram da sova que a Colômbia aplicou na Argentina dentro de casa, fato raríssimo e inesquecível. Era o time de Higuita, de Valderrama mas principalmente de Rincón. Um jogadoraço que não poupou garra e disposição aliados a um talento raro, que acertou muito mas também falhou, claro. Esperava-se mais da Seleção Colombiana? É claro, mas não se pode desprezar o brilho daquele time.

Já campeão no Palmeiras mas sem êxito no Real Madrid – melhor dizendo, sua contratação não pode ser deixada de lado, pois foi uma vitória – Rincón desembarcou no Corinthians e no time alvinegro escreveu o tope de sua carreira: bicampeão brasileiro e campeão mundial de clubes no maravilhoso Maracanã de antigamente. Dividiu as glórias com uma turma da pesada: Marcelinho, Ricardinho, Edílson, Vampeta, alguns destes campeões no do mundo pelo no Brasil em 2002. Rincón era o líder, o capitão. Dividia como se fosse um zagueirão, tinha o pulmão de um jovem da base e atacava como a fera que foi. Não deixou pedra sobre pedra.

Tinha personalidade forte mas a alternava com momentos de extrema simpatia. Para alguns de seus companheiros de TV, já na condição de comentarista, Rincón foi um lorde. Em suma, um craque de muitos ângulos e facetas.

Seu nome está na galeria de grandes jogadores estrangeiros que, jogando por aqui, remetem ao que foi o nosso melhor futebol. Rincón senta praça na cavalaria de Sorín, Pedro Rocha, Forlán, Darío Pereyra, Conca, Petkovic e outros gringos que tinham aquele verde & amarelo nos pés.

Muito antes do justo e razoável, Rincón foi embora. Um segundo de equívoco e a vida escorre. Diante do inevitável, fica a celebração de seu sorriso invencível ao erguer a taça de campeão do mundo pelo Corinthians. Os que o viram em ação nos gramados sabem como ninguém: ele juntou garra e talento como poucos. Que assim continue, onde quer que esteja.

@pauloandel

FLA x FLU, O JOGO QUE NUNCA TERMINA

por Paulo-Roberto Andel


A peleja que começou trinta minutos antes do nada caminha para 110 anos de disputas. A próxima decisão aí está, em carne viva e tensão flutuante do Rio. Flamengo e Fluminense, Fluminense e Flamengo.

No mundo inteiro, há grandes clássicos que envolvem milhões de torcedores. O que difere o Fla x Flu de todos os outros é a relação de intimidade nas entranhas dos dois clubes. Claro que uma história secular também ajuda e ela não é pouca: de Laranjeiras e Gávea para São Januário e, então, para o Maracanã imortal das duzentas mil pessoas. O jogo dos jogos, com dezenas de recordes de público, decisões inesquecíveis e lances imortais, às vezes disputados em situações até comuns, embora o Fla x Flu jamais seja comum.

Por exemplo, o jogo dos três gols do Zico todo mundo se lembra e parece uma decisão de título, mas não foi nada disso e sim a partida de estreia na Taça Guanabara de 1986. O mesmo vale para os três gols de Super Ézio em 1994, num clássico normal de tabela, mas também inesquecível. E aquele golaço do Leandro em 1985? Era o primeiro jogo do triangular final, mas ficou eterno. E o créu do Thiago Neves? São muitas histórias.

Irmãos Karamazov do futebol brasileiro na concepção do genial Nelson Rodrigues, Flamengo e Fluminense têm papel decisivo num dos momentos mais difíceis da história do futebol brasileiro. Após a Copa de 1950, éramos terra arrasada. Pouco se fala dos suicídios ocorridos no Maracanã e no Distrito Federal após a derrota para o Uruguai. O Maracanã corria risco de se tornar um gigantesco elefante branco. Então o Fluminense ganhou o Carioca de 1951 e o Mundial de 1952, refazendo o colorido das arquibancadas, sucedido pelo tricampeonato rubro-negro de 1953 a 1955, confirmando o estádio como a casa da alegria no futebol brasileiro. Pouco tempo depois, veio 1958 e o resto da história já se sabe.

Num país onde a memória costuma ser desprezada, é fascinante pensar que o Fla x Flu atravessou o século XX no Brasil e segue firme no XXI. Quantos jogos, quantos ídolos, quantas histórias caberiam em livros e mais livros sobre o assunto? Fala-se de Zico, Rivellino, Júnior, Assis, Leandro, Félix. Doval vestiu as duas camisas, Renato Gaúcho também. Carlos Alberto Torres, Edinho, Rodrigues Neto, Paulo Cezar Lima, Moisés, Válber, Branco, o goleiro Renato, Cláudio Adão, Robertinho, o saudoso Zezé, Sérgio Araújo, Renato Carioca. Telê sempre foi Flu e depois treinou o Fla. Evaristo sempre foi Fla e treinou o Flu. A gente pode falar de Tim, de Renganeschi, de Zezé Moreira, de Fleitas Solich. É um universo tão marcante que um gol imortaliza até jogadores de efêmera passagem pelos clubes, tais como Luiz Marcelo, Nildo, Jacozinho e Jefferson.

Até aqui, nem falamos de Carlinhos e Nelsinho, de Flávio e Lula, de Denilson, de Didi, Henrique Frade e Joubert Meira. E Castilho e Pinheiro, Batatais e Chamorro. Nem que o Fluminense costumava prevalecer nos Fla x Flus decisivos – o que não tem acontecido nos últimos tempos -, nem que o Flamengo tinha mais vitórias na história do clássico – o que não tem acontecido nos últimos tempos. Nem falamos das grandes finais de 1941 e 1963, de 1969 e 1973, nem das recentes em 2020 e 2021. Hei, tem gol de barriga!

Tudo começou lá atrás, em 1912. O Flamengo montou um timaço com a cisão no Fluminense e era favorito, mas o Tricolor vestiu a roupa de mosca na sopa e ganhou por 3 a 2, com Barthô marcando o gol decisivo. De lá para cá, o Tricolor e o Rubro-Negro vêm se engalfinhando e escrevendo uma linda história de rivalidade e disputa através das décadas. E agora novos nomes concorrem ao prêmio de imortalidade que um título no Fla x Flu é capaz de oferecer. Vença quem vencer, será lembrado daqui a 50 ou 80 anos – a gente mesmo se lembra ou ouviu falar dos 2 a 2 de 1941, e parece que foi ontem.

Nesta semana o Rio vai assistir a mais um capítulo desta série de gala, cujo desfecho é absolutamente imprevisível, porque no Fla x Flu só existe uma única certeza: é o jogo que nunca termina.

@pauloandel

GEORGEMY, O BUGRE E OUTRAS HISTÓRIAS

por Paulo-Roberto Andel


Fim de noite após uma jornada cansativa, banho tomado, paro para comer um queijo quente e ligo a TV. A emoção surge no ato: uma decisão por pênaltis – tiros livres diretos cobrados da marca do pênalti, como gostava de dizer Mário Vianna, referência da arbitragem e do radialismo brasileiro.

Guarani e Vila Nova, no Brinco de Ouro da Princesa, disputando a sobrevivência na Copa do Brasil, a mais legal e emocionante competição brasileira a meu ver.

Enfim, deu Vila Nova por 5 a 4, com o protagonismo de Georgemy, goleiro do Vila Nova, que defendeu uma cobrança e abriu caminho para a classificação. A história de Georgemy já dá um livro: foi goleiro de seleção nas divisões de base, jogou em Portugal, sonhou em suceder Fábio no Cruzeiro e, por fim, jogou no Guarani e deixou o clube depois de uma falha. Nunca mais tinha voltado ao Brinco até este jogo. O futebol é assim, cheio de idas e vindas, cair e levantar-se, seguir em frente.

Georgemy queria suceder Fábio, que parecia eterno no gol do Cruzeiro e, num súbito, agora defende o Fluminense. O novo goleiro tricolor barrou Marcos Felipe, considerado um dos melhores goleiros do Brasil em 2021. Georgemy e Marcos têm idades próximas, cerca de 26 anos. Fábio, decano, já passou dos 41 e sabe que vive o desfecho da carreira. Ah, o futebol, que dá dez vezes mais voltas do que o mundo.

Do Vila Nova eu lembro de longe. Tinha o Danival, que jogava muita bola e veio do Atlético, e o Erivelto, outra fera, do Fluminense – nos tempos da Máquina – e do Cruzeiro. Se fosse hoje, os dois certamente estariam num Manchester City, United ou PSG, por exemplo. Tinha também o Tulica, centroavante rompedor que depois passou pelo Fluminense, infelizmente falecido anos atrás. Quando o Vila Nova jogava no Serra Dourada era bonito demais.

E o Guarani? O velho Bugre do meu coração tem nomes: Neneca, Mauro, Gomes, Édson e Miranda; Zé Carlos, Renato e Zenon; Capitão, Careca e Bozó, liderados por Carlos Alberto Silva. Os cinquentões e sessentões sabem o quanto Zé Carlos jogou, monstruosamente. Renato e Zenon – este, o craque do super bigode indefectível até hoje sem um fio branco (risos). Brincadeira, que jogadores. Depois Zenon ainda fez uma dupla com Sócrates no Corinthians. Dizer o quê? Careca era o terror. Craque. Finalizador e craque. Por azar, não foi o camisa 9 da Seleção de sonho de 1982, que vai fazer quarenta anos e continua celebrada pelo mundo afora.

Se o Serra Dourada era bonito com a turma do Vila Nova, imagine o maior time da história do Guarani abraçado por sua torcida lotando o Brinco de Ouro da Princesa, recheado de craques e vencendo o poderoso Palmeiras de Leão e companhia? Foi assim em 1978, depois em 1982, depois em 1988. O Guarani é grande e faz uma falta enorme nos grandes jogos.

Logo depois do belo Bugre de 1978, houve um efêmero mas inesquecível Palmeiras inesquecível em 1979: Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho, César e Baroninho. Telê Santana. Uma lembrança puxa a outra. O título não veio, mas o Verdão jogou tanto que Telê foi parar na Seleção Brasileira e, por dois anos e meio, o Brasil teve tanto prestígio mundial que se fala daquele tempo até hoje. Ganhar é bom demais, mas há um certo tempo também era importante jogar bem, jogar com talento, escrever a história com palavras bem cuidadas.

Sai o sonho, entra a realidade. O queijo quente acabou, o noticiário começou, está na hora de dormir.

@pauloandel

ESFIHA ALVINEGRA, ALEGRIA DO POVO

por Paulo-Roberto Andel


A SAARA – Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega – é o maior núcleo popular de comércio do Rio de Janeiro, bem no centro da cidade, e é ainda marcada por forte influência dos tradicionais comerciantes árabes, hoje dividindo espaço com os chineses e congêneres. Um de seus pontos comerciais mais queridos é a Padaria Bassil, fundada em 1913 e sempre lotada por clientes ávidos por lives, esfihas, pães e pastas – para muita gente, a esfiha da casa, feita no forno à lenha, é a melhor do Rio, brigando com a maravilhosa Rotisseria Sírio-Libaneza (no Largo do Machado), o imperdível Restaurante Baalbek (de Copacabana) e o El Gebal (no Centro). Aliás, o debate sobre a melhor esfiha do Rio suscita discussões acaloradas, mexe com paixões como se fosse um clássico no Maracanã e convoca os melhores esfihólogos cariocas, mas uma coisa é certa: as quatro são gostosíssimas. Em suma, a Bassil é uma padaria literalmente: há um balcão só, nenhum assento e os clientes se engalfinham em busca de grandes iguarias árabes, ora comendo ali mesmo, ora levando para casa.

Suculências à parte, o que será que a Padaria Bassil tem a ver com a história do nosso futebol? Há um capítulo divertido e marcante que completa 60 anos neste 2022.

Nas décadas de 1950 e 1960, os jogadores de futebol, embora já muito famosos, faziam parte da rotina cotidiana das ruas, longe do modelo superstar atual. Eram gente do povo, das ruas. E quem vivia traçando saborosos lanches árabes em pleno centro da cidade era Garrincha, gênio dos gênios do futebol brasileiro, antes e depois de se tornar campeão do mundo – e fã declarado da Padaria Bassil, assim como diversos outros jogadores do futebol carioca. No ano de 1962, a Padaria estava precisando de algumas reformas e dar uma melhorada no visual. Para ajudar na obra, Garrincha teve uma ideia: apostar com seu amigo Jordan, vigoroso lateral do Flamengo e considerado por muita gente como seu melhor marcador, na decisão do Campeonato Carioca daquele ano. O perdedor da final arcaria com as despesas do retrofit da padaria, fazendo prevalecer as cores do time campeão.


O desfecho da aposta é conhecido: Garrincha deitou e rolou, o Botafogo não tomou conhecimento do Flamengo, disparou 3 a 0 em 15 de dezembro de 1962 – diante de quase 160.000 torcedores – e garantiu o título para General Severiano numa final apoteótica. A Jordan, coube apenas a resignação e o financiamento da obra da Padaria, conforme combinado na aposta, fazendo uma grande parede de azulejos quadriculados em preto e branco, que se tornaram a marca definitiva do lugar a partir de 1963. Hoje, a Padaria Bassil tem a decoração alvinegra em todas as paredes.

Seis décadas depois, a casa de iguarias árabes mantém o sucesso centenário. Reformada e celebrada pelos clientes, atravessou até os tempos brabos que o Rio tem encarado, especialmente o centro da cidade – com enorme esvaziamento, fechamento do comércio e desemprego. Diariamente dezenas e dezenas de clientes continuam a busca por esfihas, quibes, pães e pastas. Belas e discretas, as paredes alvinegras do estabelecimento estampam um verdadeiro tributo aos melhores momentos do grande Campeonato Carioca, bem como a um dos maiores jogadores de todos os tempos – o inesquecível e fabuloso Garrincha, a Alegria do Povo. A Bassil merece um documentário por essa divertida – e deliciosa – história na decisão de 1962, quando o Rio era mais Rio e o nosso futebol rugia para o mundo.

@pauloandel

FUTEBOL CARDS, UMA ONDA IRRESISTÍVEL

por Paulo-Roberto Andel


Entre 1978 e 1981, a garotada que curtia futebol foi tomada por uma verdadeira febre que até hoje repercute no mundo adulto: a coleção de cartões Futebol Cards.

O lançamento veio na estreia da Copa da Argentina e logo mobilizou uma multidão. Pela primeira vez, o futebol não era lançado em figurinhas para um álbum, mas em cartões de papelão de ótima qualidade – mais de 40 anos depois, colecionadores ostentam peças impecáveis.

Cada cartão vinha com a foto do jogador vestido com a camisa do clube e, em seu verso, uma pequena ficha de apresentação com dados pessoais, gostos e trajetória na carreira. A venda era em pacotinhos com três cartões e o chiclete Ping Pong, também chamado de Magrão pelo seu formato retangular finíssimo. Bem, o chiclete não era grande coisa (…), mas o fato é que a garotada invadia as bancas de jornal – que, acredite, vendiam jornais naquele tempo – com suas moedas para a arrebatar os pacotes. Num mundo sem internet, o Futebol Cards era uma das raras oportunidades de se conhecer um pouco mais os ídolos.

Como em toda coleção, Futebol Cards tinha os cartões mais populares, que acumulavam repetições e eram usados em trocas, enquanto os mais raros eram disputados a tapa. Todo mundo tinha um Fred do Botafogo, zagueiro e irmão de Paulo Cezar Caju. Abel, o Abelão, hoje treinador consagrado, era um símbolo permanente do Vasco nos pacotinhos. Pelo Fluminense, o cartão popular era do multitarefa Rubens Galaxe. Do Flamengo, Rondinelli. E das equipes de outros estados? Quem não teve vários Iúra do Grêmio, Victor do Santos, Odirlei da Ponte Preta e o cracaço Zé Carlos do Guarani?

Num primeiro momento, a coleção se limitava aos grandes clubes, mas rapidamente abrigou equipes expressivas de outros estados e, numa segunda etapa, algumas equipes de menor investimento. Um caso típico foi a simpática Caldense de Minas Gerais, que ganhou projeção nacional com a coleção. Já incensado pela bela campanha em 1977 e o grandioso Estádio Santa Cruz, o Botafogo de Ribeirão Preto também teve grande visibilidade graças à coleção, que incluía nomes como os de João Carlos Motoca, o do goleiro Aguilera e do veteraníssimo Zito.


Alguns cartões ficaram muito valorizados por erros de edição. Por exemplo, no Guarani, os cartões dos pontas Capitão e Bozó, campeões brasileiros de 1978, saíram trocados. Em outras situações, os jogadores que mudaram de clube possuem cartões diferentes. É o caso de Nunes, que tem dois cartões quando jogava pelo Fluminense (um de camisa branca e o outro com uma camisa tricolor estranhíssima) e depois um pelo Flamengo, com a camisa rubro-negra. Também é o caso do xerife Moisés, com cartões pelos dois clubes. No Grêmio, o goleiro Remi não tirou a foto com a camisa da posição, mas sim a do time.

A Futebol Cards também lançou a série Grandes Jogos, registrando partidas importantes dos anos 1970, com fotos maravilhosas. Clássicos como Atlético e Cruzeiro, Fla x Flu e o incrível Fluminense x Corinthians de 1976 estão na lista.

Mais de quarenta anos depois, a coleção mexe com os torcedores cinquentões. Negociações na internet alimentam o sonho de se conseguir um cartão que faltou à época. Lá estão muitos e muitos nomes que ajudaram a escrever a história cotidiana do futebol brasileiro. Que tal o Helinho do Vasco? Ou o trio Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá da Ponte Preta? Juari e Nilton Batata no Santos. Zé Carlos, Renato e Zenon no Guarani. Marinho, Jair Gonçalves e Pires no Palmeiras. Você sabia que Ancheta, zagueiro símbolo do Grêmio, depois virou cantor na noite de Porto Alegre?

Ah, o meu time com Wendell e Renato, Gilson Gênio e Zezé, Pintinho e Cleber, que saudade!

@pauloandel