por Paulo-Roberto Andel
Duas da tarde de domingo. Se fosse possível voltar no tempo, há 40 anos eu sentiria o peito bater mais forte com a chance de ir para o Maracanã, chegando lá no máximo às três, com casa cheia ou não. Se estivesse lotado era acompanhar a preliminar. Não estando, era feliz do mesmo jeito.
Com a arquibancada vazia a visão era outra, mas não menos importante para um garoto de dez ou onze anos de idade, sonhando com o mundo, com seus craques e botões. O Maracanã era tão colossal que, mesmo numa tarde de pouco público, o olhar infantil não deixava passar nada: os pequenos burburinhos do outro lado, os personagens da geral, o movimento nas cabines de rádio com os craques da transmissão, as poucas pessoas sentadas perto ou nem tanto, os frequentadores das cadeiras de baixo.
Num outro jogo aquilo ali estava tudo lotado, mas não é ou pode não ser o caso de hoje. Ao longe você vê os vendedores de refrigerante, todos de branco com capacete e o tanque de refresco nas costas – pareciam astronautas. E o moço do cachorro-quente tem uma caixa bem grande. Os vendedores de amendoim são quase todos garotos, deixando o produto quentinho em latas que eles mesmos adaptam.
Bem no meio de campo tem o cordão de isolamento da polícia, mas só é necessário em dia de clássicos.
Do outro lado pintaram os pés da trave com tinta preta, fazendo duas bordas.
Se o radinho estiver ligado por perto, geralmente do pai e do responsável, logo alguém vai entrevistar o Justino, funcionário da SUDERJ que invariavelmente acerta todas as previsões de público.
Não tendo preliminar ou ela sendo pouco empolgante, dá para ir no corredor e ver as salas das torcidas organizadas, cheias de bandeiras. Ou então espiar o térreo, onde estacionam os ônibus dos times e aí você pode ver os jogadores à paisana. Atrás de um dos gols você vê a estação de trem Derby Club, que sempre traz gente para o jogo; se for do outro lado, tem a turma se esbaldando de bebida no Bar dos Esportes.
Se preferir ficar sentado na arquibancada cinzenta e olhar para cima, o céu vira um lindo círculo formado pela cobertura de concreto – a mesma que, nos grandes jogos, é responsável por aquele eco vigoroso de UUUUUUHHHHH toda vez que alguém acerta um chute perigoso ou, claro, GOOOOOOLLLL quando o nosso time balança a rede e Jorge Curi, Garotinho, Doalcei, Édson Mauro ou outro craque da narração dispara a vibrar.
Do lado de cá e do lado de lá tem bumbo e samba. É uma certeza marcial do jogo.
Lá pelo segundo tempo eles ligam os refletores, que parecem pequenas estrelas luminosas cravejadas no alto do Maracanã. Quando o goleiro chuta a bola muito alto, ela se perde em meio às luzes por um segundo e, logo no outro, quica no maior gramado do mundo.
Pode ter tido gols, jogadas bonitas, emoção, mas estar naquele lugar marca a criança para sempre em qualquer resultado. Perto das sete da noite, tudo termina, mas aí vem um componente especial: a mão do pai puxando a do filho, orientando, guiando, dando a sensação de que ela estará sempre presente.
Na hora de ir embora, pode ser de carro, trem ou ônibus, tanto faz: dá uma vontade de começar tudo outra vez, para sempre, para sempre. Só de pensar que tem uma bola branca novinha em cima da grama perto da lateral, e que ela vai correr por todo lado naquele campo verde, a gente pensa que a infância vai durar eternamente e o Maracanã estará ao nosso dispor.
Três da tarde. Uma câmera mostra um campo vazio. Daqui a pouco vai ter jogo na televisão. Cadê o radinho, a bandeira, a sala das torcidas? Cadê o trem chegando, a torcida cantando, a arquibancada enchendo?
O Maracanã agora é outro, mas o sonho permanece. Vai ter outro ano, vai ter outro jogo.
@pauloandel