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Paulo-Roberto Andel

DIA DE CRAQUES

por Paulo-Roberto Andel


Se tem um dia em que se pode celebrar o talento do futebol brasileiro, ao menos daquele que conhecemos no passado, esse 19 de fevereiro cai perfeitamente na celebração.

Os aniversários de Sócrates, que infelizmente não está mais entre nós, e de Aílton Lira, firme por aí.

Dois cracaços, daqueles que dava gosto ver um simples passe, um lançamento – nada de assistências. Dos maiores da história do futebol brasileiro.

Sócrates é mais conhecido nacionalmente por causa de sua longa trajetória na Seleção Brasileira, enquanto Lira se manteve como uma fera do futebol paulista. Mas não custa lembrar: naquele tempo a camisa 10 do Brasil tinha como potenciais candidatos Rivellino, Paulo Cezar Lima, Dicá, os próprios Aílton Lira e Sócrates, Zico, Mendonça, Jorge Mendonça… e mais um monte. Falcão era volante, para vocês terem uma ideia.

Em fins dos anos 1970, Aílton Lira era o decano do timaço de 1978 do Santos, o dos famosos Meninos da Vila. O maestro que teve como sucessor ninguém menos do que Pita – e que, como Lira, também jogaria pelo São Paulo. E Sócrates era a sensação corintiana com seus passes de calcanhar, seus chutes certeiros, sua elegância discreta que iria muito além do futebol. O Santos e o Corinthians, dois gigantes.

Cobrança de falta. Aílton Lira na bola. O terror dos goleiros adversários. Várias vezes a torcida santista vibrou antes da bola entrar. É que a trajetória já era certa.

Anos depois, o Doutor também vestiu a camisa sagrada da Vila Belmiro.

Os dois passaram pela casa de Pelé. Justo e compreensível.

Aílton Lira e Sócrates desfilaram em campo o melhor do futebol brasileiro, aquele que fez os garotos se apaixonarem para sempre pelo jogo de futebol. O autêntico, dos passes e dribles, dos chutes e miras, da precisão e do talento.

Uma coisa é certa: 19 de fevereiro é dia de craque.

AMERICA, UM SONHO, UM DRAMA

por Paulo-Roberto Andel


Pesquisando alfarrábios e me deparando com uma partida de setembro de 1977. Lá se vão quase 44 anos. É tempo demais.

País, Jorge Valença, Alex, Russo e Álvaro; Renato, Bráulio (Jarbas) e Reinaldo; Mário, Leo Oliveira e César (Aílton). Renato jogava demais, hoje Renato Trindade. Bráulio era um monstro. Reinaldo foi para o Flamengo, Mário foi para o Inter, César para o Grêmio.

Um pouco diferente do primeiro que vi: País, Uchôa, Alex, Geraldo e Álvaro. Tinha Nedo, Nelson Borges, Luisinho de volta. Silvinho. Depois teve Duílio, Heraldo, o falecido Aírton, Gilberto, o espetacular Moreno, até Valdir Peres. Gilson Gênio, Gilcimar, os irmãos Zó e Kel. Renato Carioca, Polaco, Régis. Donato. Jorginho.

Cresci ouvindo as histórias do America. Tricolor, eu ficava fascinado com o adversário do outro lado da arquibancada, todo de vermelho. Já contei por aqui do meu amigo americano de Santo Cristo. Até o começo de 1987, o America era uma promessa. O Rio foi para o Maracanã apoiá-lo contra o São Paulo, não deu certo mas deu orgulho. E aí…

Veio a pernada da Copa União. O querido Estádio Volnei Braune foi soterrado. De uma hora para outra, foi como se o America tivesse se mudado de cidade ou até de país. Aparecia no Campeonato Carioca e só, até que um dia também caiu por lá. Voltou, caiu, voltou, caiu.

Nunca mais foi o mesmo, e isso é mau para a cidade do futebol.

Eu procuro pelo America nas lembranças, nos hiatos. Nos saborosos vídeos do YouTube. Eu procuro pelo America na saudade que tenho de meu pai, num sábado à tarde nublado no Maracanã, espiando o misterioso adversário vermelho, todo vermelho.

Li o desabafo do Trajano no Facebook e me emocionei. O tempo está passando, as pessoas, o amor segue sua luta e o America parece Ivan Lessa, meu ídolo que foi embora para nunca mais voltar. Bom, até o Ivan voltou um dia por duas semanas.


Talvez eu entenda a dor do America. Lembro de um causo anos atrás: louco com a oportunidade de fazer alguma coisa trabalhando com futebol, fui com meu amigo Catalano a uma reunião com o presidente americano Leo Almada. Nosso objetivo era fortalecer as redes sociais do clube, criar um movimento, chamar o Rio para perto de seu segundo time de coração. Ressalte-se que Leo Almada foi um gentleman, diferente de seu principal assessor na reunião, que além de debochar o tempo inteiro de nossas propostas, só perguntava que dinheiro nossas ideias trariam para o clube. Partindo desse testemunho, não é difícil para mim entender o que aconteceu ao Mecão nos últimos anos, a começar por sucessivas quedas no Campeonato Carioca.

É difícil pensar numa saída ou solução. Só sei que não consigo parar de pensar nas palavras do Trajano, nem naquele bandeirão rubro de mais de quarenta anos atrás. Em País voando para celebrar Pompéia, em Renato fazendo as vezes de Alarcón, de Alex na zaga como o zagueiro mais sério do mundo. O que sei é que o America é um pedaço importante do Rio de Janeiro, que não pode morrer à míngua ou desprezado. É preciso fazer alguma coisa, ou várias, mas antes que seja tarde demais e o futuro só carregue um lindo passado desperdiçado.

@pauloandel

MARQUE O TEMPO: EDSON MAURO NA ÁREA

por Paulo-Roberto Andel


Foto: Marcelo Tabach

Deitado em minha cama, a mesma onde nasci e onde meus pais morreram. Antigamente a cabeceira era de palhinha, até que a minha mãe trocou por compensado. Ficou bom. Quando eu era bem pequeno, a cama era gigantesca, mas continuo gostando hoje e não a troco por nenhuma dos vários hotéis onde já me hospedei.

Tarde de sábado, o Fluminense vai jogar com o Sport no começo da noite. Nada de TV, internet, tempo real. O velho radinho não funciona mais, há muito tempo, mas mexo no celular e acho a Rádio Globo. Eu só quero o som do jogo.

Não tem mais radinho, nem 1220, nem Rua do Russell, 434, Glória. Não tem mais rampa da UERJ, arquibancada de cimento, uhhhhhhh trepidando a marquise. Agora não tem nem público, paciência. Vamos ao FM, 98,1.

A voz inconfundível de Edson Mauro na narração.

Eu o conheci há mais de 40 anos. Adorei seu jeito divertido de narrar. Para completar, o Fluminense venceu e achei que o locutor deu sorte ao Flu. Nos clássicos, eram Jorge Curi e Waldyr Amaral, nos outros jogos era Edson Mauro, co-mu-ni-caaan-do. Meu Flu de Miranda, Tadeu, Edinho e Carlinhos. Tinha China, Perivaldo e Mendonça. Catinha, Roberto e Zandonaide. Luisinho Lemos e Renato. Té. Anapolina.

Cantarele e Mazzaropi todo mundo conhece. Meus goleiros são Leite, Gato Félix e Jurandir. E Ernâni. Braulino também. Jair Bragança! Borrachinha! Zé Carlos!

Edson Mauro com sua voz cristalina, impactante e eterna. O jogo vai começar. Volto a ter dez anos de idade, sonho com meus pais conversando por perto, lá vai o Fluminense de 1978 no radinho que o smartphone ajuda a reavivar. Certa vez o Edson esteve presente numa homenagem do Cinefoot, o fabuloso festival de cinema de futebol. Foi a única vez que o vi, mas tive vergonha de cumprimentá-lo: falar com ídolos não é fácil.

Procuro por defesas de Wendell. Ataques de Miranda, o Trésor brasileiro. Quem se lembra de Marius Trésor? Um zagueirão, cracaço francês que influenciou muita gente, de Mozer a Aldair. Será que vai ter Cléber e Pintinho? Doce ilusão, os tempos são outros.

E o Sport? Não tem País, nem Marião, nem Denô, que era um terror e nos venceu naquele tempo.

O primeiro tempo acabou meio chocho, com o Rubro-Negro tendo um jogador expulso. Zero a zero. Sonho com aquele copo gelado de Coca-Cola espumosa vendida pelos astronautas da arquibancada. O cachorro quente. Não há nada. Meu único tesouro da infância é a voz inconfundível de Edson Mauro, acompanhado por meu querido amigo Rafael Marques, que sabe tudo e vi começando em rádio, agora um comentarista consagrado. Rafael é mais suave e polido do que o velho herói João Saldanha, que teria esculhambado o Fluminense neste jogo.

Olho para o teto e sonho com o velho placar de lâmpadas do Maracanã, informando os jogos da Loteria Esportiva e do Campeonato Carioca.

Volta o jogo e Edson Mauro segue a narração simpática de sempre. Algo me lembra de uma canção de Gil: “sempre rindo e sempre cantando”. E dá sorte para o Flu, eu tenho certeza disso porque tenho dez anos de idade. Minha certeza infantil atesta que um narrador pode decidir as partidas para o meu time. Você entende o jogo direitinho quando ele é o narrador.

O jogo é fraco no rádio, tudo bem. Na TV e no Whatsapp ele fica bem pior. As mensagens não param. Sigo concentrado porque Edson Mauro não vai me trair e há de narrar um grande gol do Flu, até que a fantasia senta na cadeira dos fatos e pimba: 1 a 0. Gol, grande gol, meu amor.

Estou com os pés no estrado da cama. Bem que minha mãe podia apertar meu pé direito e dizer “Pequenininhoooo”. Era bom demais, tão bom que choro.

O Sport não tem Roberto nem Denô no ataque, a derrota de 1980 e 1981 não se repetirá, nem Maracanã é: estamos no Nilton Santos, casa do Botafogo, lugar de sorte do Fluminense.

O radinho simulado ainda tem sua magia. As mensagens não param. Edson Mauro com sua voz imperial atravessa as décadas. Impecável desde os tempos de Alberto Rodrigues, Danilo Bahia e Antônio Porto. Simmmm, Portooooooo!

Saudades de ouvir “Su-derjjjjj in-formaaa”. Victorio Gutemberg, nunca mais. O rapaz do Maracanã atual grita muito.

No fim do jogo o valente Sport pressiona mas não chega. É o Flu de uma vitória magrinha, humilde, um golzinho e o narrador infalível conta mais uma vitória tricolor. Tem sido assim nos últimos 40 anos.


Heber Roberto Lopes encerra o jogo. As luzes do Maracanã não se apagam. Eu vejo Rubens Galaxe, eu vejo Robertinho e Silvinho do outro lado, ele que era tão nosso. O meu time todo de branco numa paz monumental, juro que era assim e que saíamos felizes ao descer a rampa do Bellini. Antes, o velho placar de lâmpadas escrevia “Boa noite” e tínhamos a sensação do dever cumprido, pouco importando se foi uma vitória ou não. Agora estamos no Nilton Santos, não há público nem placar de lâmpadas, mas o futebol resiste.

Acontece um estalo. A fantasia acabou. Pulo dos 10 para os 52 anos. Estou sozinho no quarto, sem pai nem mãe, sem irmão nem esposa, mas meu time venceu o jogo e eu trocaria tudo para poder voltar a 1979 ou 1980, quando meu mundo era não tirar nota vermelha, jogar bola na praia de Copacabana, na vila, em frente ao shopping center e jogar botão debaixo da escada rolante com Augusto, Luis, Marcelinho e Chapecó.

É sábado à noite. Sou eternamente agradecido a Edson Mauro. Ele é trilha sonora da minha vida. A voz do jogo, o som do gol, a diversão: bingo! Quando ele conta as histórias de uma partida, meus pais são imortais conversando da sala. Não acredito que já se foram quarenta anos: tudo é brevidade. Soube que o America empatou à tarde, vou torcer muito por Deola e Richarlyson, o filho do Lela.

Quarta-feira que vem tem outro jogo. Tudo recomeça nesse eterno presente em que vivemos. Marque o tempo.

O tempo.

_Em memória do lateral direito Carlos Alberto Barbosa._

@pauloandel

PELÉ E O FUTEBOL BRASILEIRO MERECEM RESPEITO

por Paulo-Roberto Andel


Vivemos tempos estranhos, onde volta e meia há quem queira reescrever a História, com as mais variadas intenções.

Conversando com meu amigo Marcelo Lessa, discutimos sobre as seleções mundiais de futebol de todos os tempos, divulgadas por publicações realizadas. E, fato mais recente, sobre as tentativas midiáticas de fazer com que craques como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi sejam “superiores” a Pelé. Entre aspas mesmo, pois simplesmente não faz sentido.

Numa bela sacada de meu amigo, que a imprensa europeia, sempre engasgada com o fato do trono do futebol pertencer ao Brasil – não por hoje, mas pelo conjunto da obra -, tente promover a diminuição do tamanho dos nossos feitos, é explicável ainda que injustificável. Agora, duro de entender é quando os brasileiros caem em tal esparrela.

Bem antes de colocar as cinco estrelas no peito, a Seleção Brasileira já tinha posições respeitáveis no mundo do futebol, vide as Copas de 1938 e 1950. A derrota para o Uruguai, transformada exageradamente em desgraça nacional, levou muitos brasileiros ao suicídio – um fato silenciado pelos tempos -, quando na verdade tínhamos um timaço com jogadores espetaculares. E quando chegou o fim dos anos 1950, aí o Brasil não deixou barato: virou o jogo para cima de Uruguai e Itália, ambos bicampeões mundiais, conquistou três Copas em quatro disputadas e arrebatou para sempre a Taça Jules Rimet – ao menos simbolicamente, já que a mesma acabou surrupiada da sede da CBF.

Entre os anos 1950 e 1970, há uma era de absoluto predomínio do futebol brasileiro. Basta dizer que depois do tri no México, nossos grandes desastres foram um quarto lugar em 1974 e um terceiro em 1978, este sob circunstâncias já muito discutidas da partida Argentina 6 x 0 Peru. Em duas décadas e meia, quando o Brasil não foi supremo, esteve entre os melhores do mundo.

Tivemos uma safra de jogadores que nenhum país conseguiu, mesmo quando venceu uma Copa do Mundo. São tantos e tantos nomes que fica difícil listar, mas uma coisa é certa: num Olimpo de craques fantásticos, brilhou o nome de Pelé. Num tempo de equipes brasileiras com cinco, seis, sete craques em campo, ele conseguiu o título de Rei do Futebol e, já aposentado, de Atleta do Século XX. Atleta, concorrendo com monstros de todas as modalidades esportivas.


No mundo atual, o marketing é uma ferramenta fundamental para o aumento das arrecadações e, no futebol, isso não seria diferente. Assim, CR7 e Messi precisam ser exaltados à enésima potência, imortalizados, falados o tempo todo. Não existe dúvidas de que estão entre os maiores jogadores do século XXI. O problema acontece quando, para valorizá-los ao máximo, é preciso diminuir a imagem não somente de Pelé, mas a de Garrincha, Didi, Nilton Santos e de todo o futebol brasileiro.

Cada vez mais, somos reféns do capitalismo global, que fortalece algumas equipes européias e tira do Brasil seus melhores jogadores, às vezes com 19 ou 18 anos de idade. Não temos tempo para ter ídolos – as promessas se vão até mesmo sem ter jogado no time principal. Isso já nos coloca em franca desvantagem. Agora, querer apagar a História e reescrever os fatos é uma canalhice que os brasileiros não devem ou, ao menos, não deveriam referendar.

Para louvar Messi, Cristiano, Lewandowski ou qualquer outra fera do futebol mundial, não é preciso diminuir a figura de Pelé. Seus números e feitos estão disponíveis com facilidade no Google e no YouTube. Quem tiver preguiça de ler, basta ver. Não são fake news, está tudo lá. Números assombrosos, títulos incontáveis, partidas monstruosas. Para quem tem dúvidas sobre a genialidade de Pelé, basta consultar a lista dos maiores artilheiros da história do Santos: praticamente todos jogaram ao lado do Rei e, muitas vezes, receberam passes açucarados do camisa 10 para marcarem seus gols. Não é exagero dizer que, além dos mil e duzentos e tantos gols, Pelé deu passes para outros mil.

Os brasileiros precisam parar de fazer o jogo internacional de demolição da importância do nosso futebol no mundo.

Não está em jogo falar sobre a vida pessoal dos craques. Se estivesse, teríamos problemas no debate. Pelé, envolvido em situação polêmica com o rompimento com sua filha falecida, é pior do que CR7, que respondeu a processo por acusação de estupro? Ou de Messi, condenado por sonegação fiscal? Precisamos falar de Neymar? Essa vai ser a régua de avaliação? Não.

O futebol brasileiro vive a maior crise de identidade de sua história. Outrora famoso pela qualidade e talento, tem ficado cada vez mais medíocre pela opção da parte física acima de tudo. Os 7 a 1 de 2014 ainda doem no queixo, mas é inaceitável que os brasileiros diminuam o valor de jogadores que, décadas atrás levaram ao mundo inteiro o nosso nome como símbolo de vitória.


Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Vavá, Rivellino, Gerson, Paulo Cezar Lima, Carlos Alberto Torres, Gilmar, Félix e tantos outros nomes escreveram as páginas de ouro do futebol no mundo. Anos depois, foram sucedidos por Bebeto, Romário, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e outros – vivemos um outro ciclo entre 1994 e 2002, disputando três finais de Copas do Mundo e vencendo duas. O que dizer de tantos craques que tiveram chances reduzidas ou até mesmo nenhuma na Seleção Brasileira? A lista é imensa. De cara, Ademir da Guia, Dicá, Aílton Lira, Afonsinho, Carpeggiani, Cláudio Adão, Reinaldo, Zé Sérgio, Deley, Andrade, Geovani, Mauricinho, Robertinho, Enéas, Neto, Edmundo, Marcelinho Carioca. Mais no passado, Evaristo de Macedo, Dida, Canhoteiro, Zózimo, Marco Antônio, Edu, Coutinho, Pepe. No século XXI, Felipe, Roger, Alex. Se pararmos para fazer uma lista séria de 1958 para cá, passaremos de cem nomes com facilidade. Até aqui, não falei da Copa de 1982 e nem precisava: apesar de nosso “péssimo” quinto lugar, ali estavam alguns dos maiores jogadores da era moderna, com um time falado até hoje.

Pelé fez oitenta anos. É um ser humano, não Deus. Todos os que o viram jogar ficaram embasbacados. É assustador pensar que, com todo o seu talento inigualável, ele se divertia em peladas jogando como goleiro – e ainda defendendo pênaltis em jogos profissionais! Há sessenta anos ele é uma personalidade nas vidas brasileiras e mundial. Não se sabe de um único episódio público onde ele possa ter sido grosseiro ou deselegante – pelo contrário: nunca reagiu aos milhões de impropérios que sempre ouviu. Nunca se viu aspereza em suas declarações. Nunca faltou com o respeito aos brasileiros. Não preciso ter alinhamento político algum com Pelé para respeitá-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos, o Atleta do Século XX, o paradigma do futebol que todos os jogadores a seguir buscaram, nem monstros supremos como o já saudoso Diego Maradona, feras como Michel Platini, Zinedine Zidane, Johann Cruyff, Rummenigge, Matthaus e mais uma velha lista telefônica inteira.

Para finalizar, gostaria de contar uma pequena história sobre Pelé fora do campo, porque não adianta brigar com os fatos que ele construiu dentro das quatro linhas, ao menos para quem pretenda ser levado a sério. Meu amigo Marcelo Lessa, que inspirou esse texto, por muitos anos foi vizinho de Altair, prócer multicampeão do Fluminense e campeão mundial em 1962 no Chile. Altair teve uma linda filha que acabou falecendo jovem, vítima de leucemia. Ela teve um tratamento prolongado e caro, com medicações importadas regulamente, caríssimas, que o lateral não tinha como arcar financeiramente. Nunca se disse uma linha sobre o assunto, mas Altair nunca escondeu de ninguém que o tratamento de sua filha, que permitiu sua sobrevida, foi custeado integralmente e importado por Pelé. Apesar dos apedrejamentos e cancelamentos nas redes sociais, o Rei marcou golaços fora do campo também.

Ainda há tempo. Vamos respeitar os jogadores que ergueram o nome do nosso país frente ao mundo. Vamos respeitar Pelé. Vamos respeitar Garrincha. Vamos respeitar Didi e Nilton Santos. Carlos Alberto Torres. Vamos respeitar Félix. Não precisamos desprezá-los para admirar os craques das novas gerações, nem rasgar a História para justificar investimentos de marketing. Vamos respeitar os fatos, os dados, os campeões, o futebol brasileiro que já nos orgulhou muito.

@pauloandel

UM SHOPPING CHAMADO ANDARAHY (E AMERICA, VASCO, PORTUGUESA…)

por Paulo-Roberto Andel


Rio de Janeiro, janeiro de 2021. 

Na esquina das ruas Teodoro da Silva com Barão de São Francisco, no bairro de Vila Isabel (a conferir, ou Andaraí melhor dizendo), fica o Shopping Boulevard, uma referência comercial da região. Como qualquer shopping center, possui grandes lojas, cinemas, praças de alimentação e outros equipamentos. Agências bancárias também. 

Recebe famílias, crianças, casais, gente de várias localidades da cidade. 

Caminhando em seus corredores, talvez a única grande expressão que remeta ao futebol seja sua tradicional loja de botões, que promove campeonatos diariamente. 

Nestes tempos de pandemia, tudo é mais lento, vazio e silencioso. 

Transitando pelo Boulevard, é possível que seus frequentadores mais jovens sequer desconfiem que caminham sobre parte importante da memória do futebol brasileiro. Talvez nem os mais idosos se lembrem. Não há nada ali que identifique o caso. 

Para os que têm entre cinquenta e setenta anos de idade, pode passar a lembrança de que ali existiu o Estádio Wolney Braune, do América, vendido justamente para a construção do shopping. Mas o que poucos sabem é que bem antes do America, ali viveu uma grande praça do futebol do Rio. 

Foi a casa do Andarahy, o mesmo de Dondon, imortalizado na música de Nei Lopes. Dos tempos em que a maravilhosa Vila Isabel não puxava o bairro do Andaraí para si, melhor dizendo, que a especulação imobiliária não entortava as coisas. Naquele logradouro, o clube alviverde ergueu sua sede e estádio, que serviu para muitas partidas do Campeonato Carioca em seus primórdios. Além de mandar seus jogos, o Andarahy regulamente cedia suas instalações para partidas de outras equipes, em especial as da zona norte da cidade, tais como o próprio America e o Vasco, antes da imponente inauguração do Estádio de São Januário no ano de 1927. 

O Andarahy não resistiu ao futebol profissional. Jogou o Campeonato Carioca de 1913 a 1937. Depois disso, numa situação ruidosa, a querida Portuguesa – que hoje é um símbolo da Ilha do Governador, mas não nasceu lá – arrendou as instalações do clube e permaneceu na casa por duas décadas. Depois, com a saída – também ruidosa – da Lusa, o America adquiriu o patrimônio no ano de 1961, inaugurando o Estádio Wolney Braune – uma referência rubra – em 1996, permanecendo lá até 1993, quando foi concretizada a venda para a construção do shopping. Em 1973, o que havia sobrado do Andarahy na região desapareceu de vez. Felizmente o clube já foi registrado em livros e em breve ganhará um outro, do escritor Kleber Monteiro.


Não há uma vírgula visível dessa história para as milhares de pessoas que frequentam o shopping diariamente, ou um pouco menos nestes tempos de pandemia. Muita gente sequer desconfia que antigamente a rua lateral não se chamava Barão de São Francisco e sim Prefeito Serzedelo Corrêa. Que ali por muitos e muitos anos pulsou uma parte importante do futebol carioca, que envolveu vitórias, derrotas, dramas, nomes e, por isso mesmo, faz parte da história, uma história bela e que precisa ser resgatada o quanto antes.

O Shopping Boulevard fica bem em cima de um lindo capítulo do começo e firmamento do futebol carioca mas, justiça seja feita, está longe de ser o único cemitério involuntário da memória. Quando o bom e velho football se espalhou pelo então Distrito Federal, campos e mais campos de todos os tipos surgiram pela cidade, assim como times que muita gente nunca ouviu falar. São muitas histórias deste esporte apaixonante que precisam ser contadas. 

Cem anos passam rápido demais. Falando nisso, e dos queridos times sobreviventes e centenários do Rio, o que podemos esperar? O que vai acontecer para que consigam sobreviver 200 anos? 

@pauloandel