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DEIXEM-NOS ENTRAR

por Paulo Escobar


Deixem-nos entrar com as bandeiras, instrumentos e nossas faixa, não nos privem e reprimam a festa que somente a torcida que sofre e se alegra com seus times pode proporcionar.

Parem de nos privar do privilégio dos estádios e viajar com nossos times que são nossa religião, nos privar com os preços de ingressos inacessíveis para nos barrar do prazer de exercer a nossa fé.

Deixem-nos cantar e xingar sem tanto moralismo que procura punir manifestações dentro dos estádios, símbolo daqueles que também querem desabafar as agonias da semana pobre que nos destinaram a viver desde que nascemos.

Deixem-nos tocar os instrumentos e ter a liberdade de torcer que até hoje nossos irmãos argentinos possuem, privilégio que nos gera inveja e ciúmes quando vemos como são felizes e participantes do jogo dentro e fora de campo.

Parem de querer que engulamos que torcida é esse público de teatro que mal sabe cantar os cânticos ou então que mal sabe o que é realmente sofrer pelo seu time de coração. E deixem de insistir que o jeito certo é torcer sentado sem poder pular ou expressar nossas paixões de formas diversas.


Deixem-nos acender sinalizadores, fumaça e papel picado nas entradas dos nossos times, pois queremos no meio da festa lhes dar as boas-vindas e manifestar que ali estamos presentes alentando.

Deixem os nossos rivais entrarem na nossa casa e podermos comemorar nossas vitórias com eles presentes, e parem de nos culpar pela violência que é uma questão muito mais ampla e gerada socialmente por muitos acima de nós. 

Deixem de insistir em reprimir nossas paixões, e parem de chamar de invasões o que muitos de nós fazemos quando queremos entrar de alguma forma daquilo que vocês nos privaram através da barreira econômica imposta nos preços, aonde mostram que lugar de povão é do lado de fora.


Parem de achar que é democrático abrir as portas de treinos gratuitos e nos barrar dos jogos, que é o que realmente vale a pena assistir.

Já nos roubaram os estádios, já nos tomaram os acessos, já nos proibiram de tudo e tentaram nos colonizar. Mas a única coisa que nunca vão tirar de nós é a paixão e fé que temos naquilo que nos move que é o torcer e manifestar nosso sofrimento e amor.

À PROCURA DE ERIC

por Paulo Escobar

Em Marselha nasceu aquele que talvez no futebol mundial não aceitou ser domado nem por interesses e nem por treinadores que tentavam a todo custo domesticar Eric. Desde seus primeiros passos no futebol francês teve problemas já no seu primeiro clube, o Auxerre, e para termos uma noção, já em 1991 Cantona pensou em se aposentar após chutar a bola contra o juiz e pegar um gancho de dois meses.

Cansado da França, decide retomar o futebol na Inglaterra e fecha com Leeds Clube pelo qual foi campeão em 1991, e finalmente em 1993 chega ao clube que seria sua casa e onde viria a se tornar uma religião, o Manchester United.

No meio dos diabos vermelhos, Eric foi idolatrado e com gols e belas atuações foi aumentando o amor que a torcida de Manchester tinha por ele. Balançando a rede de formas memoráveis, como na partida contra o Sunderland em 1996, que talvez seja o que traduz o que era Eric: aqueles dribles do meio de campo, uma tabela, e da entrada da área mete uma cobertura maravilhosa. Na comemoração faz aquele olhar típico como quem olha não acreditando e com uma marra abre os braços e da uma volta no mesmo lugar olhando a torcida e companheiros de time.

Cantona nunca teve medo de expor suas posições e dentro de campo foi um demônio das finalizações, teve seu nome cantado e gritado. Na sala de imprensa do Old Trafford tem uma foto que embaixo leva escrito uma fala de Ferguson, que agradece os cinco anos maravilhosos que teve com o francês. Eric era fervoroso dentro de campo e a cada partida das jogadas e atitudes imprevisíveis era uma delícia ver esse cara dentro e fora das quatro linhas.

Era o anti-herói e anti-bom mocismo que o futebol que vivemos hoje da moral e dos bons costumes não suporta, de meião abaixo da canela e gola levantada não pagava simpatia pra ninguém. De entrevistas que com um posicionamento politico e falas que fugiam da mesmice das coletivas de imprensa.


O mesmo Eric já reconheceu que uma das melhores jogadas da sua vida não foi dentro de campo, mas sim ao ser expulso contra o Crystal Palace (1996). Na saída de campo, aquela voadora num nazista que o xingava de maneira xenófoba e preconceituosa. Cantona pega 9 meses de gancho e uma das supostas punições também deve ter sido a não convocação a Copa de 1998, que azar da Copa não ter tido ele lá. Sempre imaginei as falas em meio a esse evento tão dos bons costumes que seria essa Copa com Eric. Seriam momentos de tensão nos organizadores.

Nos dias de hoje, tão cheios de preconceitos, de uma xenofobia, de racismo, de homofobia e de ideias fascistas que vemos aumentando e tomando formas das mais cruéis possíveis, que falta fazem jogadores como ele. Cantona não compactuaria jamais com o que vemos sendo gritado em algumas arquibancadas e com certeza nos dias de hoje estaria em mais voadoras e discussões com o que vemos crescendo.


Eric, o do futebol bem jogado, o definidor nato e bom de cabeça e das ideias foi o mesmo que na crise dos refugiados na Europa abriu as portas da sua casa para recebê-los. Continua sendo o mesmo que recentemente criticou a seleção brasileira pelo amistoso contra Arábia Saudita, país com um regime no qual as pessoas desaparecem por motivos políticos (regime que bate as nossas portas também).

Nós, os órfãos de bons jogadores e que ainda por cima pensem e se posicionem, continuamos a procura de Eric.

RICO NAS FINANÇAS E POBRE NO FUTEBOL E NA ALMA

por Paulo Escobar


Assistindo aos jogos do Flamengo de uns anos pra cá, me pergunto: o que será que Rondinelli pensa quando vê o Flamengo jogar? O que será que Zico diz quando vê esse time? O que será Adriano sente quando olha um jogo do Flamengo? O que será que passa pela cabeça de Adílio quando vê esses atacantes desse time? O será que os ídolos Rubro-Negros sofrem quando olham esse time?

O time de maior torcida do Brasil e do mundo talvez, que em meio aos seus torcedores possui uma imensa maioria de gente pobre e que mora em meio a Favelas e sertões, que acordam cedo e se sacrificam a cada dia para tentar sobreviver, são os que continuam sofrendo com os jogos do time que poderia lhes dar um mínimo de alegria diante dos sofrimentos diários.

Muitos jogadores desse time não têm a dimensão do que é o Flamengo, de quem é sua torcida, o que é vestir a camisa rubro-negra. São atletas temporários que não criaram identificação mínima com o time e com aquilo que o Flamengo representa na vida de milhões de pessoas. São apáticos diante da derrota e possuem justificativa pra todos os fracassos e já deixando preparada a torcida para o fracasso seguinte.

O Flamengo de hoje é um time sem raça e sem alma, reflexo de uma diretoria que está mais preocupada em tornar o rubro-negro num time rico que jogue para as elites. É só olhar a preocupação constante no orçamento e preço dos ingressos, que é um dos muitos sinais de que a diretoria e seu presidente querem um Flamengo “moderno” que seja um time longe daqueles que são o povo que sofre pelo time.


Bandeira de Mello é o papai que mima seus jogadores e que criou um time de meninos mimados, blindados das críticas e distantes da realidade do torcedor rubro-negro. Muitos destes torcedores deixados de fora por essa própria diretoria que tenta mudar a cara de um clube que tem história e uma relação poderosa com as camadas mais pobres deste país.

O Flamengo das finanças é um time que procura saldar as dívidas, mas que possui uma dívida que parece não haver muito interesse em ser saldada, que é no futebol jogado dentro de campo.

Sinceramente muitos desses jogadores não têm noção da camisa que vestem e o que ela significa, eles não têm dimensão do que é sofrer com o Flamengo nas favelas e não sabem o que é o cara se lascar a semana inteira e esperar ter um momento de alegria com a paixão que o move. Talvez o jogador que hoje pareça entender isso, pelo que se vê dentro de campo, é o Cuellar que mesmo vindo da Colômbia parece ter mais noção do que é o Flamengo.

Esses caras não têm o cheirinho da raça do Rondinelli, não possuem o cheiro do artilheiro que foi Gaúcho ou Nunes, não possuem o cheiro do comprometimento do Pet e pior ainda é que não possuem identificação com a história ou cheiro das glórias do Flamengo. Grande parte desses jogadores mesmo pisando no Maracanã não têm noção da dimensão que é um jogo de domingo no Maracanã. Eles não sabem o que é aquele moleque na Rocinha ou no sertão que com sua camisa surrada espera chegar a hora do jogo.


O futebol apresentando pelo Flamengo é uma coisa dura de se ver, não dá gosto é um verdadeiro sacrifício ver a dificuldade que esses caras têm, parecem que jogam com chumbo dentro das chuteiras. É um desânimo terrível, diante da adversidade parecem se entregar e não possuem quase nenhuma reação diante da derrota, é só observar que do jeito que o Flamengo entra, ele sai de campo. É o desânimo já no túnel de entrada.

Às vezes penso que o que esses ídolos que entenderam o que é a camisa rubro-negra devem sentir é vergonha, de ver o que se passa dentro de campo quando o Flamengo joga hoje. Imagina o que o Adriano cercado de flamenguistas na Vila Cruzeiro deve sentir vendo esses atacantes com medo de fazer gols. Imagina os caras de 1992 que viram aquelas pessoas caindo da arquibancada do Maracanã lotado devem pensar, ao verem esse time moderno mais preocupado em ser rico e frequentado por ricos que não entendem a real dimensão do que é ser Flamengo.

O maior roubo que essa diretoria e parte dos jogadores faz é nos tirar o futebol vistoso e bem jogado que vimos o rubro-negro praticar no passado, nos roubar a raça que esse time possuía, querem nos roubar a possibilidade de estar nas arquibancadas e acima de tudo querem nos enfiar goela abaixo que o Flamengo é esse time conformado com os fracassos.


Na semifinal de quarta, ao tomar o segundo gol, fui dormir, pois sabia que esse time sem reação de jogadores sem identificação com o time e sua história nada fariam. E diante de tudo isso vemos que Bandeira de Mello e sua trupe querem transformar o Flamengo num time rico de grana, mas pobre de alma sem nenhuma identificação com a história e com o povo por trás do rubro-negro.

 

 

A CRUCIFICAÇÃO E RESSURREIÇÃO DO GOLEIRO NEGRO

por Paulo Escobar


Em meio a duzentas mil pessoas daquele Brasil e Uruguai de 50 vem um silêncio que ensurdece e se transforma num final de choro, para aquelas pessoas que ali se encontravam. E o silêncio não terminou alguns dias depois, mas continuou por décadas na vida do silenciado Barbosa, que pagou o maior preço de todos. 

Barbosa Goleiro Negro, e porque a importância do negro no título? Pois além dos pesos que teve que carregar, um deles foi o de ter sido goleiro Negro no Brasil. O peso foi tanto que numa das conversas com Mirandinha, aquele da perna quebrada, comenta que quem descobriu ele como atacante foi o pai dele, pois o mesmo queria ser goleiro. Mas um dos conselhos do pai a Mirandinha foi de que Goleiro Negro no Brasil era sofrimento a exemplo do Barbosa.

Barbosa foi lembrado como o culpado da perda do título daquela final de 50, mas poucos lembram dele como o grande goleiro que ele foi. Quase ninguém comenta que foi aquele que fechava o gol no “expresso da vitória” do Vasco da Gama em tempos da inexistência dos treinadores de goleiros ou equipamentos de proteção que amorteciam quedas, ou do não uso de luvas.


Como goleiro sofreu fraturas algumas vezes ao se enfrentar aos atacantes. No primeiro ano de Vasco foram costelas, braço, dedos e assim Barbosa viveu de uma carreira árdua e sem todo o aparato que se vive no futebol de hoje. 

Naquele fatídico domingo de julho o que Barbosa teve que enfrentar foi o começo da cruz que viria a carregar, as palavras que viria ouvir e o peso que se amplifica ainda mais num país carregado de racismo e que deseja ardentemente ainda hoje a derrota dos negros. O gol que o levou a ser enxergado como criminoso e que lhe custou o preço do martírio apagou a história do grande goleiro e humilde pessoa que Barbosa foi.

O que ele jamais imaginou antes daquele domingo, que mais parecia sexta-feira santa, era que se dirigia a sua crucificação e que o momento de alegria que ele esperava não se concretizou. Sempre penso o que será que Barbosa que se passou na sua cabeça, e como aquele homem de olhar humilde e sereno enfrentou essa culpa que lhe foi imputada. Numa das poucas entrevistas que anos atrás assisti na TV Cultura me lembro de ter chorado, num misto de tristeza e raiva, tristeza pela cruz que ele não escolheu carregar e raiva por ter sido crucificado.


Poucos foram os goleiros negros que tiveram na Seleção depois de Barbosa, poucos foram os que tiveram lugar de destaque mesmo sendo bons goleiros muitas vezes. Muitos carregaram o peso de serem comparados com Barbosa, não pelo grande goleiro que ele foi, mas pelo erro imputado a ele. 

O futebol brasileiro tem uma divida com Barbosa, e penso que no Maracanã era o lugar que uma estátua deveria de ser feita a ele, como herói que teve que carregar o peso de uma culpa até sua morte, para nos lembrarmos o quão injusto fomos com ele. E como continuamos crucificando Barbosa no desprezo aos goleiros ou técnicos brasileiros por serem negros, mesmo num país de maioria negra. Vide Jefferson, que vem sendo colocado no ostracismo aos poucos ou a perseguição que Aranha sofreu em tantos estádios.

Barbosa foi crucificado num domingo de julho de 50, mas acredito que ele ressuscita quando um goleiro vence no futebol brasileiro que ainda depois de décadas continua dando mais oportunidades e prestígio a goleiros brancos.

FUTEBOL E POLÍTICA NÃO SE MISTURAM?

por Paulo Escobar


Passa ano e sai ano, mas uma coisa repetida e que não muda de jeito nenhum é o papo de muitos programas esportivos ou de jornalistas com o mesmo chavão de sempre que futebol e política não se misturam. O incrível é que a cada dia tentam nos convencer de que uma coisa não tem a ver com a outra e assim continua o circo de malabarismos que tenta nos convencer de algo que é tão concreto.

Partindo da ideia de que política é tudo aquilo que involucra as questões da cidade, os interesses das pessoas que vivem nesta cidade ou sociedade, e tudo aquilo que nos afeta no nosso dia a dia. O poder do Estado sobre nós, os sistemas que nos colocam, os poderes e os interesses que nos atingem no dia a dia e tantas outras questões, e o futebol parte de tudo isso, como ainda insistem em nos convencer que uma coisa não tem nada a ver com a outra?

Do momento que você liga a televisão para assistir a partida do seu time já é um fato político, as empresas por traz das propagandas, os interesses da emissora que te atinge e tenta te fazer ver de acordo com o que ela deseja, o hino cantado e a entidade que comanda o futebol que entra na sua casa em dias de jogos.

Diante disto podemos pensar:

– Jogadores que apoiaram regimes opressores e que com sua imagem ajudaram na ocultação de injustiças é um fato político.

– Aqueles que resistiram através do futebol praticaram um fato político.


– Maradona ser perseguido no antidoping depois de não ter cumprimentado Havelange na final da Copa de 90 é um fato político.

– Os pobres terem seu acesso a cada dia que passa mais dificultado aos estádios é um fato político.

– Presidentes de clubes se perpetuando no poder e depois ainda aproveitando os votos dos torcedores para concorrer a cargos políticos é o que?

– A voadora de Cantona no nazista que o xingava é fato político

– Tite ter negado da CBF o primeiro convite da entidade manifestando ser contrario a Del Nero e as ações podres da entidade e depois ter aceitado é um fato político.

– A xenofobia e o racismo em muitos estádios pelo mundo é um fato político.


– Quando um torcedor se revolta e a polícia o reprime também é um fato político.

– Quando o futebol feminino é deixado no ostracismo para sempre exaltar mais os jogos do masculino e ainda termos que ouvir esse papo de inclusão como se fosse uma verdade, é um fato político.

– A listra da Adidas que Cruyff tirava da sua camiseta para jogar só com duas listras é um fato político.

– Quando Felipe Melo e outros jogadores declaram seu apoio a candidato que destila ódio contra gays, negros, estrangeiros, índios e tantos outros é um fato político.

– O jogador não poder comemorar seu gol ou o torcedor ter sua alegria castrada nas arquibancadas é um fato político.

– Os times chamados de pequenos sempre terem mais dificuldades que os times ditos grandes é um fato político.


– Barbosa depois da Copa de 50 ter sido culpado pela derrota até sua morte, que pode ter sido mais massacrado pelo fato de ser negro, é um fato político.

– O futebol moderno ser esse antro de chatice e de bons costumes que insistem em te inculcar é um fato político.

E milhões de outros casos que poderia ficar escrevendo milhares de outros exemplos, ou te contar uma infinidade de outras histórias que mostram que tanto a serviço da opressão quanto da resistência o futebol é um ato político também. O fato de muitos meios de comunicação e de muitos jornalistas que trabalham para estes meios quererem te dizer que futebol é uma coisa e política é outra e que as duas não se misturam, é um fato político.

Eu estar escrevendo e você lendo é somente mais um fato político também, acredite você ou não.