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Paulinho

MUITO ALÉM DE TRÊS PULINHOS E O SINAL DA CRUZ

por André Felipe de Lima


Um lugar específico do Órun, o recanto dos espíritos, está muito feliz. Nele certamente residem muitos ídolos do passado, especialmente Zizinho, o maior do Flamengo até surgir Zico; Didi, craque do Fluminense, do Botafogo e da Copa de 58; Orlando Pingo de Ouro, grande artilheiro do Flu nas décadas de 1940 e 50; “Pai” Jaú, zagueiro do Corinthians e da Copa de 38 e um babalorixá inesquecível, e muitos outros grandes jogadores do passado que sempre nutriram fé no deus maior, Olorum, mas também em todos os orixás do panteão mais iluminado do Órun. Todos estes sagrados espíritos e os dos nossos craques do passado certamente comemoram um simples gesto de um menino, mas de significado espetacular, gigantesco, e que pode ser muito importante para que a sociedade brasileira comece a respeitar a diversidade religiosa. Paulinho tinha tudo para entrar pela porta da frente da história como promissor ídolo do Vasco, onde começou a carreira, mas os orixás determinaram a ele outro destino. Exu, o orixá da comunicação, da transformação do mundo, o equivalente a “Hermes” ou “Mercúrio”, da cultura ocidental, abriu as portas deste futuro para o Paulinho, e Oxóssi, o consolidou naquele gesto do menino, como se erguendo um ofá (arco e flecha) do rei maior das florestas de corações, saiu rumo ao vento para comemorar mais um gol do Brasil. Um gol marcante, libertador, impositivamente vencedor, como assim querem os orixás, e, como alega Paulinho, um gol ou sucesso que “nunca” foi fruto da “sorte”: “Sempre foi Exu”, diz ele.

O futebol brasileiro sempre foi marcado pela aproximação com a fé. Seja ela de origem católica, protestante ou afrodescendente. Não importa qual bandeira de fé envolve o jogador. A fé sempre esteve e está ali dentro e fora de campo. Recorrente eram os depoimentos de jogadores do passado a proferi-la sem receios de serem perseguidos ou recriminados. Tudo bem, não havia rede social por onde detratores intolerantes pudessem emitir racismo e preconceito religioso. Estes dois nefastos e enraizados aspectos estão lamentavelmente entranhados em nossa cultura. Essa intolerância com a fé alheia e a cegueira do sectarismo que a molda são responsáveis para que muitos escondam sua certeza em uma força maior, uma força que brota na particular imagem do céu de cada um. Naquele gesto do Paulinho, há muito mais além de um simples pulinho e o sinal da cruz tão “praticados” por muitos jogadores ao entrarem em campo. Entendamos e, sobretudo, respeitemos, e com muita fé, a mensagem do menino de Oxóssi. Epa, Babá!

O DIA EM QUE PAULINHO PERDEU O MEDO

por André Felipe de Lima 


Botafogo e Fluminense estavam a três dias da decisão do Campeonato Carioca de 1957. Entrariam no sagrado gramado do Maracanã no dia 22 de dezembro. Havia um clima de muita ansiedade. Um dos protagonistas do embate oque se avizinhava já estava devidamente confirmado. Era o craque Didi. Haveria outro, mas isso ninguém jamais suspeitava. Falava-se em Nilton Santos, em Garrincha. Mas Didi, sim, com sua inigualável clarividência de fazer inveja a um Zaratustra ou a um Houdini já sabia quem deveria ser coroado com ele no domingo.

Naquela tarde da antevéspera do jogo, Didi disse o seguinte à esposa Guiomar: “Esse menino, no dia em que perder o medo, e não quero dizer medo no sentido de covardia, falo melhor, no dia em que ganhar confiança em si, vai ser uma parada. Tem tudo para ser um bom jogador. Seu chute é uma pedrada”. Didi falava reservadamente sobre o rapaz “Paulinho” que os aguardava na sala de jantar. O convidado em questão chamava-se Paulo Ângelo Valentim, que frequentemente visitava o casal. Didi e Paulinho — como era carinhosamente chamado pelos amigos — jogavam juntos no Botafogo, que não conquistava títulos desde aquela polêmica final contra o Vasco, em 1948. Por isso a ansiedade, a magia que cercava aquele jogo. Afinal, seria a primeira decisão do Didi contra seu ex-clube, que deixara para trás com uma dose cavalar de mágoa na alma e no coração.


A superstição estava em alta em General Severiano. O letreiro do clube inexplicavelmente estava sem todas as letras “e”. Quem por ali passava, lia: “Botafogo d FutbolRgatas”. Um cenário simplesmente nonsense que só mesmo o Alvinegro carioca para promovê-lo. Durante um papo com o amigo Rafael Casé, autor, entre outros, do maravilhoso “O artilheiro que não sorria”, uma sedutora biografia do artilheiro Quarentinha, e de “Somos todos Carlito”, sobre o impagável cartola botafoguense Carlito Rocha, ele recordou que a história certamente teria começado com Carlito, figura notória pela superstição com tudo e todos. Dias após nossa conversa sobre o episódio, Casé enviou uma nota de um jornal de 57, confirmando que o dirigente foi a um pai de santo nas vésperas do jogo. Carlito se benzeu, mas também pediu para que a macumba “amarrasse” os pés dos tricolores. O religioso foi enfático: “Retire todos os “es” do letreiro no portão do estádio”. Missão dada, missão cumprida.

Mas o que, afinal, tanto assustava Paulinho? Guiomar foi incisiva e perguntou o que mais o atemorizava. Ele respondeu que estava inseguro por ter custado tanto ao Botafogo e que as vaias também o importunavam. Sentia-se desvalorizado e sem ânimo para continuar jogando futebol e não descartava a possibilidade de não entrar em campo no domingo, contra o Fluminense. Ou, talvez, nunca mais.

O sábio Didi, o mais efetivo “psicólogo histórico” do futebol brasileiro, procurava levantar o moral do Paulinho, dizendo a ele que também sentia temor, e que isso era normal. Tanto que até promessas fez para cumpri-las em caso de vitória na final. A primeira seria estender a camisa do jogo no altar da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, mas Didi — como é público e notório — só a cumpriria no ano seguinte, após o Brasil levantar o caneco mundial na Suécia; para cumprir a segunda, a mais complicada, teria de caminhar do Maracanã até General Severiano logo após o jogo, e com o uniforme completo, da chuteira à camisa: “Deixa isso para lá, rapaz, você tem jogo para muito tempo. Você leva jeito para o negócio. Precisa sair um pouco mais, aprender a desmarcar-se. O resto é fácil. Deixa que eu dou na frente.”

Mais calmo após o papo com Didi e Guiomar, Paulinho confessara que desejava jogar de meia e não de centroavante, como o escalara João Saldanha: “Já falei com Saldanha. No jogo de domingo contra o Fluminense eu vou tirar fotografia na posição de meia. Tenho certeza que isso dará sorte. Eu tenho minhas manias.”

O tempero da Guiomar e a “psicologia” do Didi injetaram no rapaz uma vontade incontrolável de brilhar, de ser a representação mais esfuziante da estrela solitária. Naquele dia 22 de dezembro de 1957, a “mandiga” do Paulinho, o letreiro louco de General Severiano, as promessas do Didi e os conselhos que o jovem ponta-de-lança recebeu do próprio Didi e da Guiomar funcionaram.


Botafogo e Fluminense entraram em campo diante de cerca de 100 mil torcedores. Após o apito final do juiz Alberto da Gama Malcher, estava lá, no placar do estádio: Botafogo 6, Fluminense 2, com cinco gols do renascido Paulinho Valentim.

No vestiário, Guiomar beijou calorosamente o marido Didi. “Tudo que sou devo a você, Guiomar, e à nossa Rebequinha (a filha do casal)”. Após as entrevistas, Didi cumpre a primeira das duas promessas e, vestido ainda com o uniforme alvinegro completo, caminha do Maracanã até sua residência cercado de uma multidão incrivelmente feliz em preto e branco.

Quanto ao Paulinho, foi amar — com todas as cores possíveis — sua querida Hilda.

VALE QUANTO PESA?

por Mateus Ribeiro


Todo mês de agosto o assunto é o mesmo: a fatídica janela de transferências que movimenta clubes de toda a Europa (e alguns outros infelizes da América do Sul). Dia após dia, durante algumas semanas, boatos e fatos pipocam nos noticiários esportivos.

Em meio a esse bombardeio de compras e vendas, o mundo se chocou especialmente com uma transação: a ida de Paulinho para o Barcelona. Muitos pseudo entendedores e torcedores acharam um absurdo o fato do clube pagar uma verdadeira fortuna: 150 milhões de reais, o que torna o volante a quarta aquisição mais cara do Barcelona.

Choveram piadinhas na Internet. Brotaram críticos. Nasceram milhões de economistas analisando o gasto desenfreado por parte dos clubes. Pobre de Paulinho, que estava no lugar errado, e na hora errada. Virou o bode expiatório. Isso tudo já era esperado, uma vez que o queridinho do Brasil havia sido vendido para o PSG, e todos esperavam que viesse algum jogador cheio de holofotes e mídia. Não veio Coutinho, veio Paulinho. Paulinho é totalmente fora do padrão galã boleiragem que a imprensa e essa geração ESPN tanto dá valor (mesmo que a técnica seja sofrível), e não é “moralizador”, como esse bando de babaca que venera Adriano gosta de falar. Óbvio que iriam chiar. E quem chiou foram os mesmos bobões que bateram palmas quando o volante marcou aqueles gols pela seleção.


Na minha opinião, Paulinho não vale isso. Aliás, pra mim, nenhum jogador vale isso. A questão é que o volante fez duas temporadas incríveis no Corinthians. Após isso, fracassou em um time que com muito esforço faz parte do segundo escalão do futebol europeu. Depois disso, resolveu encher o bolso na China. Obviamente, em um campeonato sem o mínimo de competitividade, a chance de deitar e rolar era enorme. Paulinho deitou, rolou, e era sempre convocado para a Seleção. Fez algumas boas partidas na tal Copa das Confederações (com Scolari), fez parte do bonde do 7 a 1, e é um dos homens de confiança de Tite. Alguns podem se iludir com os gols e recordes quebrados por Paulinho, principalmente com os gols marcados no Uruguai. Porém, não podemos ser cegos a ponto de achar que jogar bem contra os sacos de pancada da América do Sul seja parâmetro para alguma coisa. Não é, e os últimos três mundiais mostraram isso.

Mesmo achando que Paulinho é apenas um bom jogador com estrela, e que sua contratação foi um absurdo, discordo totalmente de toda essa onda que visa esculhambar e desmerecer o jogador, por inúmeros fatores. Vamos lá:

1 — Essa loucura financeira não é velha, mas não começou ontem:


Em 2011, tivemos um cenário parecido, guardadas as devidas proporções. Fernando Torres era um dos xodós da torcida do Liverpool. Em uma transação controversa, foi parar no Chelsea. Torcedores queimaram camisas, amaldiçoaram a carreira do espanhol (com um certo sucesso), mas nada adiantou. Torres foi para o lado azul de Londres. O que o Liverpool fez para acalmar a torcida? Despejou um caminhão de dinheiro (aproximadamente “apenas” 31 milhões de Libras) no MEDONHO Andy Carroll, que até fazia seus golzinhos, porém, nada que merecesse essa pornografia. Conforme esperado, o cabeludo beberrão não se firmou, fez onze gols em quase sessenta partidas, e foi demonstrar seu talento no West Ham.

E quem não se lembra das cifras exorbitantes que clubes torravam no início do século por Anelka, famoso mais pelo seu desinteresse nas partidas do que propriamente pelos seus gols? Ou de Balotelli, que apesar de parecer um cara maneiro, iria penar pra jogar a Série B do Campeonato Brasileiro, e mesmo assim teve time saindo no tapa e torrando dinheiro por sua contratação nos últimos seis anos? Para ir um pouco mais longe, podemos lembrar dos violentíssimos SESSENTA milhões de euros que o Real Madrid pagou para tirar Figo do Barcelona. Está certo que era um dos grandes nomes do rival (apesar de eu mesmo nunca ter visto graça no futebol do português), que poderia gerar retorno, e todo esse papo furado. Mas sessenta contos, há 17 anos atrás, era algo inimaginável. Imagine hoje quanto não pagariam pra tirar o Suárez…

2 — Será mesmo que só Paulinho foi loucura?


O Manchester City gastou 184 milhões de euros com Sterling, De Bruyne e Fernandinho. Se você somar as cifras pagas pela eterna promessa Robinho, atingimos 227 milhões de euros.

Somados, Morata e David Luiz custaram quase 142 milhões de euros ao Chelsea.

Já o Liverpool gastou muito para montar um Southampton cover nos últimos anos. Como cereja do bolo, torrou mais de cem milhões em Roberto Firmino, que consegue iludir um ou outro aí, que imagina que uma meia dúzia de gols justificam um valor criminoso desses em um jogador que até ontem ninguém sabia quem era.

Isso sem contar as loucuras que o PSG fez para conquistar a belíssima glória de passar longe de qualquer final europeia e ser coroado com uma humilhação frente ao Barcelona. Ou então o Arsenal, que abria a carteira para contratar ilustres revelações desconhecidas sub-20 a pedido de Wenger, tudo para amargar um tenebroso jejum do Campeonato Inglês, e após um tempo começar a beliscar algumas Copas.

Não custa também relembrar o Real Madrid, que raspou o cofre para arrancar Kaká do Milan. A grande verdade é que se não fosse o fato do ex jogador do São Paulo ser o bibelô da imprensa esportiva brasileira, sua contratação seria considerada um grande fiasco. Como é o Kaká, dá lhe passada de pano, culpa nas contusões e no treinador para tentar explicar o fato de um dos “melhores do mundo”, contratado a peso de ouro, não render nada próximo do que se esperava dele.

Quem parece entrar nessa onda agora é o Milan, que está gastando muito em jogadores bem longe do patamar do clube (exceto o ótimo Bonucci), mas que segundo os nerds da bola são “contratações pontuais”.

Se você acha que é só por lá, lembre de da grana que o Corinthians deu naquele dublê de jogador chamado de Alexandre Pato. Ou então, tente argumentar a razão do patrocinador do Palmeiras achar justo pagar mais de 30 milhões de reais em um atacante que em seis anos de profissional já rodou mais que pião novo e só deu certo em um time bem encaixado?

O buraco é bem mais fundo que parece.

3 — E se Paulinho for bem?


É claro que um investimento deste tamanho é feito visando resultados. E acredite você ou não, existe a possibilidade de Paulinho ir bem no Barcelona. Da mesma maneira que pode ir mal. A diferença é que ele já chegará ao clube com olhares desconfiados, enquanto muitos que pouco ou nada fizeram pelo futebol continuam chegando com holofotes e sendo blindados pela imprensa até os dias de hoje.

A chance de Paulinho se dar bem existe, apesar do Barcelona perder muito com a saída de Neymar. Porém, o time ainda conta com Messi, Suárez e Iniesta, o que garante bons momentos. Ninguém é estúpido ao ponto de imaginar que Paulinho veio para substituir Neymar, mas já pensou se o Barcelona tiver um ano mais vencedor que o PSG? Já imaginou se Paulinho dá uma de Belletti? Já pensou se isso acontecer? Pois é, a chance existe, apesar de vocês já terem cravado o contrário.

A discussão é válida. Porém, tardia. Não foi Paulinho que iniciou essa maluquice. E também não foi o Barcelona o único clube a fazer tamanhas loucuras.

De resto, espero que Paulinho se dê bem, pois parece ser um bom profissional, e merece realizar seu sonho e calar a boca de muita gente mal intencionada. Espero também que essa roda gigante e maluca do dinheiro emperre logo de uma vez, para que o futebol deixe de ser esse campeonato maluco para ver quem gasta (e lava) mais dinheiro.

Abraços amargos, e até a próxima!