por Marcelo Mendez
Era o ano da graça de 1979.
A vida seguia sendo algo bucólico no Parque Novo Oratório.
Nas calçadas ainda havia árvores, o começo da minha rua tinha uns 30 metros de terra, o gás era vendido em caminhões, na quinta-feira a caminhonete de Seo Dermival vendia tubaína para pagar no fim do mês. Na TV, minha mãe assistia a novela Pai Herói e no rádio, uma música dessa novela tocava o tempo todo…
Wuthering Heights era um sucesso de uma moça muito bonita, de voz aguda, chamada Kate Bush e minha prima Marlene, mesmo com o parco inglês que falava na época, tentava cantar junto. Bem, ele não conseguia, mas cantava mesmo assim…
Eu, menino de 9 anos, observava isso tudo, agora, com alguns outros interesses.
O Palmeiras estava voando naquele ano! Havia metido 5×1 no Santos, 4×1 no Flamengo, varreu com todo mundo no interior e tudo indicava que eu ia ver o Palmeiras ser campeão. Mas…
A Descoberta do Tapetão
Eis que ali, aos 9 anos de idade, descobri que o futebol tinha coisas para além do campo. E essas coisas quase sempre vinham para causar grandes problemas. Foi a primeira vez que ouvi a palavra “Tapetão” na vida…
O Palmeiras era só espetáculo!
O timaço de Telê Santana, passava por cima de todo mundo, com espetáculos de bola de Jorge Mendonça, Baroninho e Jorginho. Tudo ia muito bem, até a hora que o Presidente da federação teve la uma ideia para a fase final.
Na reta de chegada da peleja, Nabi Abi Chedid, marcou uma rodada dupla no Morumbi com direito a venda de direitos de transmissão para a TV.
Corinthians e Ponte Preta fariam a preliminar de Palmeiras e Guarani, no dia 11 de novembro.
Alegando que seu time não poderia fazer o jogo preliminar e que a sua torcida era maior que as outras três juntas, o presidente corintiano Vicente Matheus não aceitou a proposta da rodada dupla. O Corinthians não participou do evento e entrou na justiça, paralisando o campeonato.
A pendenga se arrastou e os jogadores entraram de férias obrigatórias. O campeonato só seria decidido no ano seguinte e, em janeiro. E 1980, não me parecia começar muito bem…
A Canelada de Biro Biro doeu em mim
Na semifinal contra o Corinthians, o primeiro jogo já havia terminado em 1×1 e isso jamais aconteceria se o campeonato não tivesse sido paralisado. O Palmeiras tinha muito mais time, muito mais brilho. Mas em janeiro, já não tinha mais as mesmas pernas…
No segundo jogo, após perder dois caminhões de gols, o Palmeiras vê uma cobrança de escanteio perambular na sua área. Após um bate-rebate, a bola Drible branca, encontra a canela de Biro Biro e chutada por esta, vai calmamente morrer no fundo da meta de Gilmar.
Atônito, estarrecido, em choque, vi aquilo acontecer. Como era possível?! Um time como o nosso, com a campanha que fez, ser eliminado com um gol de canela? E do Corinthians!!!!
Foi demais.
Naquele dia, não quis jantar. Também não fui até a sala ver a novela Pai Herói como a família, nem ouvir a música da moça bonita de voz aguda.
Fui pra meu quarto e o mundo dos adultos, no caso, representado por minha mãe, respeitou minha dor.
No escuro do meu quarto, procurei não sofrer, pensando que logo mais haveria outros campeonatos para o Palmeiras jogar, que dor latente logo mais passaria. Mas não consegui.
Naquele dia, senti que algo não estava bem. Que um tormento estava acontecendo.
Mal sabia que fosse ser o que viria pela frente…