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Palmeiras

1979/80; O PALMEIRAS E A PRIMEIRA DOR AO SOM DE KATE BUSH

por Marcelo Mendez

Era o ano da graça de 1979.

A vida seguia sendo algo bucólico no Parque Novo Oratório.

Nas calçadas ainda havia árvores, o começo da minha rua tinha uns 30 metros de terra, o gás era vendido em caminhões, na quinta-feira a caminhonete de Seo Dermival vendia tubaína para pagar no fim do mês. Na TV, minha mãe assistia a novela Pai Herói e no rádio, uma música dessa novela tocava o tempo todo…

Wuthering Heights era um sucesso de uma moça muito bonita, de voz aguda, chamada Kate Bush e minha prima Marlene, mesmo com o parco inglês que falava na época, tentava cantar junto. Bem, ele não conseguia, mas cantava mesmo assim…

Eu, menino de 9 anos, observava isso tudo, agora, com alguns outros interesses. 

O Palmeiras estava voando naquele ano! Havia metido 5×1 no Santos, 4×1 no Flamengo, varreu com todo mundo no interior e tudo indicava que eu ia ver o Palmeiras ser campeão. Mas…

A Descoberta do Tapetão

Eis que ali, aos 9 anos de idade, descobri que o futebol tinha coisas para além do campo. E essas coisas quase sempre vinham para causar grandes problemas. Foi a primeira vez que ouvi a palavra “Tapetão” na vida…

O Palmeiras era só espetáculo!

O timaço de Telê Santana, passava por cima de todo mundo, com espetáculos de bola de Jorge Mendonça, Baroninho e Jorginho. Tudo ia muito bem, até a hora que o Presidente da federação teve la uma ideia para a fase final.


Na reta de chegada da peleja, Nabi Abi Chedid, marcou uma rodada dupla no Morumbi com direito a venda de direitos de transmissão para a TV. 

Corinthians e Ponte Preta fariam a preliminar de Palmeiras e Guarani, no dia 11 de novembro. 

Alegando que seu time não poderia fazer o jogo preliminar e que a sua torcida era maior que as outras três juntas, o presidente corintiano Vicente Matheus não aceitou a proposta da rodada dupla. O Corinthians não participou do evento e entrou na justiça, paralisando o campeonato.

A pendenga se arrastou e os jogadores entraram de férias obrigatórias. O campeonato só seria decidido no ano seguinte e, em janeiro. E 1980, não me parecia começar muito bem… 

A Canelada de Biro Biro doeu em mim

Na semifinal contra o Corinthians, o primeiro jogo já havia terminado em 1×1 e isso jamais aconteceria se o campeonato não tivesse sido paralisado. O Palmeiras tinha muito mais time, muito mais brilho. Mas em janeiro, já não tinha mais as mesmas pernas…


No segundo jogo, após perder dois caminhões de gols, o Palmeiras vê uma cobrança de escanteio perambular na sua área. Após um bate-rebate, a bola Drible branca, encontra a canela de Biro Biro e chutada por esta, vai calmamente morrer no fundo da meta de Gilmar.

Atônito, estarrecido, em choque, vi aquilo acontecer. Como era possível?! Um time como o nosso, com a campanha que fez, ser eliminado com um gol de canela? E do Corinthians!!!!

Foi demais.

Naquele dia, não quis jantar. Também não fui até a sala ver a novela Pai Herói como a família, nem ouvir a música da moça bonita de voz aguda.

Fui pra meu quarto e o mundo dos adultos, no caso, representado por minha mãe, respeitou minha dor.

No escuro do meu quarto, procurei não sofrer, pensando que logo mais haveria outros campeonatos para o Palmeiras jogar, que dor latente logo mais passaria. Mas não consegui.

Naquele dia, senti que algo não estava bem. Que um tormento estava acontecendo.

Mal sabia que fosse ser o que viria pela frente…

A LIRA DOS 16 ANOS. DE QUANDO SURGE O AMOR EM PALESTRA ITÁLIA

por Marcelo Mendez


Era um tempo de menino na minha vida.

Aos oito anos de idade, eu tinha como única preocupação, o campeonato de fubecas que acontecia no quintal da minha tia Marieta. Fubeca, que no mundo por aí a fora chamam de “bolinhas de gude”. Não…

No Parque Novo Oratório em 1978, o nome era fubeca. Uma, entre tantas outras peculiaridades da vida nossa, naquele bucólico e prosaico bairro da Cidade de Santo André. Ali começava a minha vida.

Rua de terra, bola de capotão numero 5, kichute no pé, todos os sonhos na cabeça. No rachão do “Larguinho”, onde se davam nossas batalhas épicas, a minha camisa já era verde, o número das costas já era o 10, o qual eu já havia sido ensinado que pertencia ao Divino Ademir Da Guia e o escudo que ia do lado esquerdo do meu peito…

Palmeiras.

Do lado esquerdo do meu peito, de dentro da minha alma, ainda que eu tentasse fazer diferente não seria possível. Antes de descobrir e ser qualquer coisa na vida, eu já era Palmeirense. E ainda que não soubesse disso, sem duvida, já sentia isso fortemente. E 1978 foi fundamental para que tudo isso se consolidasse.

– Filho, tenho uma coisa boa pra você; Domingo vamos na casa do Landau ver a final na TV em cores!!

– Aeeee!!! – Respondi ao pai, vibrando. Foi ali, que começaria uma história que duraria 16 anos…

Um Vice no Banco de um Landau


A semana não havia sido boa para o Palmeiras.

Além da derrota em casa na primeira partida da decisão do Campeonato Brasileiro para o ótimo time do Guarani, o nosso Verde não teria o goleiro Leão e tinha que vencer o Bugre dentro de Campinas. Mesmo assim, meu Pai manteve a esperança e a palavra. Quando o domingo chegou, fomos até a casa do Landau.

Um dia frio.

Era Agosto de 1978, a Copa do Mundo havia acabado de maneira frustrante e estranha, as pessoas ainda ruminavam aquela patacoada da armação Peru/Argentina para eliminar o Brasil e na volta, um Campeonato Brasileiro foi disputado e agora chegou ao fim. Na vida dos Palmeirenses, algo corriqueiro.

O Palmeiras teve uma década de 70 gloriosa e podia fechá-la com chave de ouro. Mas ali não se jogava a vida. O nosso Verde havia sido campeão dois anos antes em 1976, o torcedor da época tinha uma certa barriga cheia e talvez por isso, outras coisas me importavam naquele domingo. O Landau, por exemplo.

Era amigo do Velho, trabalhava como Ferramenteiro na Scania e o apelido se dava por conta de ele ter um carro homônimo, um Landau Branco 1975, tinindo. Chegando na sua casa, na Vila Lucinda, poucos quilômetros da nossa, ele nos recebeu, me abraçou e me disse que o carro estava aberto. Corri para lá e, no banco do motorista, comecei a me imaginar um Fittipaldi.

Brincava ali como brincam os meninos, como se faz quando é menino. Pouco me importei com o tempo, esqueci completamente do jogo que ali começaria e enquanto o Palmeiras levava gol do Guarani, eu pouco sofria.


Em 1978, derrota não era a regra no Palmeiras. A sensação que tínhamos é que em breve isso passaria, que tão logo começasse os campeonatos, venceríamos como sempre acontecia.

Mas não foi assim.

E para contar como foi, começa aqui a série em 16 Crônicas que contará a história dos anos mais duros da história do Palmeiras. Da escassez que fez florir as mais belas flores no jardim suspenso do saudoso Parque Antártica. Vamos falar da Fila, mas também vamos falar dos sonhos.

Do amor que surge no peito de uma geração de Palmeirenses esculpida a machadadas. De uma Geração que teve seu amor se consolidando na fase de miséria ludopédica, plena.

Geração esta, o qual esse Cronista orgulhosamente fez parte.

Venham comigo amigos, começa aqui “A Lira dos 16 Anos Verdes”

JOGOS INESQUECÍVEIS

por Mateus Ribeiro


São Paulo x Corinthians (Semifinal do Campeonato Brasileiro 1999).

Clássicos são emocionantes na maioria das vezes. Se o clássico em questão valer algo grande, a tendência é que a emoção alcance níveis estratosféricos. E foi isso que aconteceu no dia 28 de novembro de 1999.

São Paulo e Corinthians se enfrentaram pela primeira partida da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999. De um lado, um São Paulo que vinha de uma década fantástica, com títulos nacionais, continentais e mundiais. Do outro, o Corinthians, que naqueles dias, vivia a melhor fase de sua história. Como se isso não bastasse, grandes nomes do futebol como França, Marcelinho, Rogério Ceni, Rincón, Ricardinho, Raí, Edílson, Jorginho, Dida e muitos outros estavam em campo. Não se poderia esperar algo diferente de um grande jogo.

A partida foi um lá e cá sem fim, do primeiro ao último minuto. Os treinadores deram uma bica na tal da cautela, e ambos os times atacavam sem medo de ser feliz.

O Corinthians saiu na frente, com gol do zagueiro Nenê. Alguns minutos depois, Raí, acostumado a ser carrasco do Corinthians, acertou um chute que nem dois Didas seriam capazes de defender. Eu, que já havia ficado muito chateado pelo tanto que Raí judiou do meu time do coração (acho que já deu pra perceber que torço para o Corinthians) em 1991 e 1998, senti um filme passando pela minha cabeça. Estava prevendo o pior.


Para a minha sorte, dois minutos depois, Ricardinho aproveitou um lançamento e colocou o Corinthians na frente de novo. Meu coração estava um pouco mais aliviado, e eu conseguia respirar. Até que Edmílson tratou de empatar a partida, e jogar um banho de água fria na torcida do Corinthians. O frenético e insano primeiro tempo terminou empatado em dois gols, e com muitas alternativas para ambos os lados. Eu tinha certeza que o segundo tempo seria uma loucura. E realmente foi.

Logo no início, Edílson deixou Wilson na saudade, e caiu dentro da área. Pênalti para o Corinthians. Na batida, o jogador que eu mais amei odiar na minha vida inteira: Marcelinho. Bola de um lado, goleiro do outro, e o Corinthians estava novamente em vantagem.

Alguns minutos depois, pênalti para o São Paulo. De um lado, um dos maiores jogadores da história do São Paulo. Do outro, um goleiro gigantesco, que estava pegando até pensamento em 1999. O Resultado? Nas palavras de Cléber Machado, “…Dida, o rei dos pênaltis, pega mais um…”.

Naquelas alturas, eu já estava quase tendo uma parada cardíaca. Teve bola na trave, bola tirada em cima da linha, e tudo mais que os deuses do futebol poderiam preparar para fazer meu coração parar.


Até que quando o jogo estava se aproximando do fim, mais uma surpresa. Desagradável, é lógico. Mais um pênalti para o São Paulo. Eu já achava que aquilo fosse perseguição. Meu coração, desde sempre, nunca foi de aguentar fortes emoções. Tanto que no segundo pênalti, fiquei de costa para a tevê, sabe se lá o motivo, com meu chinelo na mão. E o chinelo foi um personagem importante, já que o monstruoso Dida defendeu o pênalti do gigante Raí mais uma vez, e eu arremessei meu calçado na árvore de Natal, e destruí o adorno que enfeitava a sala da minha casa.

Antes do apito final, Maurício (que substituiu Dida) ainda fez uma grande defesa, garantindo a vantagem para o jogo de volta.

Um jogo emocionante, que consagrou Dida, e de certa forma, foi uma espécie de vingança minha contra Raí, que em muitas oportunidades me fez chorar. Vale ressaltar que o craque são paulino é o rival que eu mais admirei durante minha vida.

A vitória me deixou feliz, é claro. Porém, além dos três pontos e da vantagem para o jogo da volta, quase uma década depois, o que me deixa feliz (e triste) é ver que naqueles dias as torcidas dividiam o estádio, os times se enfrentavam em pé de igualdade, e os craques ainda passeavam pelos gramados.

Um dos dias mais emocionantes e insanos da minha vida. Agradeço aos grandes jogadores que me fazem lembrar daquele domingo como se fosse ontem. Agradeço também, você que leu até aqui, e dividiu essas lembranças comigo.

Um abraço, e até a próxima!

 

 

 

ABC, TERMÔMETRO SENTIMENTAL DE UM POVO

por Rubens Lemos


O Palmeiras da Segunda Academia ganhou o Campeonato Brasileiro de 1972 no bailado em câmera lenta de Ademir da Guia. Quando veio a Natal para jogar contra o ABC, dia 3 de dezembro, estava classificado por antecipação para a segunda fase e poupou quatro dos seus principais astros.

Ademir da Guia ficou descansando em São Paulo e o destaque era na artilharia para o meia-atacante Leivinha e o controvertido artilheiro César Lemos, o César Maluco, irmão de sangue dos também goleadores Caio Cambalhota e Luisinho Tombo, um dos principais ídolos do América do Rio de Janeiro.

Natal recebeu com indignação provinciana a decisão tomada pelo clube palestrino, hospedado no Hotel Internacional dos Reis Magos diante do mar da Praia do Meio.

O Palmeiras era campeão paulista e tivera três titulares entre os convocados para a seleção brasileira campeã da Minicopa, realizada naquele ano com jogos no recém-inaugurado Estádio Castelo Branco, o Castelão.


O público feminino tentava invadir o hotel, hoje aos escombros, pela boate Bambelô, brigando por um mero aceno do goleiro Emerson Leão, titularíssimo do gol do Brasil e dono, segundo a mídia especializada, do par de pernas masculinas mais bonito do país. Sua imagem em
propaganda de cueca aparecia em outdoors espalhados de Boa Vista a Porto Alegre.

Leão, conhecido pela antipatia pessoal, proporcional ao talento debaixo das traves, desceu à piscina de óculos escuros, estirou-se nas cadeiras para o bronzeado, olhou sem sorrir para as fãs, respondeu entrevistas aos monossílabos e voltou ao seu quarto.

O mais tranquilo era o veterano Dudu, remanescente da primeira versão da Academia, no início dos anos 1960, quando entrou no time para substituir o pernambucano Zequinha, campeão mundial na reserva da seleção brasileira na Copa do Chile.

Dudu era o ponto de apoio para os solos de Ademir da Guia. Carregava o piano para o craque de aspecto dispersivo e afinado como um violino Stradivarius. Ademir da Guia usava o cérebro em contraponto ao fôlego e a partida adaptava-se ao seu ritmo, não o contrário.

Dudu estava escalado junto a outro volante, Zé Carlos, seu conformado reserva, numa formação aparentemente defensiva, mas com quatro homens no ataque: Os dois insinuantes e dribladores pontas Edu e Nei, mais dois atacantes de área, o argentino Madurga e Fedato, que jogaria no Náutico de Recife quatro anos depois.

Para o lugar de Luís Pereira, o mítico técnico Osvaldo Brandão, discreto em suas caminhadas esguias, escolheu o jovem João Carlos, revelado pela Portuguesa Santista e de conteúdo oposto ao do titular. Era força e garra, nada do requinte e da vocação ofensiva de Luís
Chevrolet.

O ABC esperava se despedir com dignidade. Havia sido suspenso por dois anos de competições nacionais pela escalação irregular contra o Botafogo (RJ) do zagueiro Nilson Andrade e do lateral-esquerdo Rildo, expulsos contra o Ceará e do meia Orlando, sem autorização da CBD.

Os jogos do alvinegro motivaram Natal. O Castelão revelava-se o palco digno para os desfiles de Alberi, o rei da cidade, com atuações exuberantes que o levariam à conquista da Bola de Prata da revista Placar como melhor de sua posição no Brasileiro.

Uma atuação convincente aos jurados diante do Palmeiras seria crucial para a vitória na disputa contra Tostão do Vasco, Jairzinho do Botafogo, Palhinha do Cruzeiro e Doval do Flamengo, seus concorrentes diretos.

A cidade, que havia parado quatro dias antes para ver Pelé em discreta atuação na vitória por 2×0 sobre o representante potiguar, especulava sobre o interesse do Fluminense por Alberi, contratação que chegou a ser tratada pelo representante do clube em Natal, jornalista
Aluizio Menezes, e não concretizada.


Com a bola rolando, Leão perdeu a pose. Alberi queria o duelo com Ademir da Guia e adorou a solidão do brilho. Deslocou-se como pantera pelos dois lados e procurando tabela com o centroavante Petinha. Aos 25 minutos, caiu nas costas de Dudu e deu de cara com o zagueiro João Carlos.

Aplicou-lhe um drible seco e bateu rasteiro, com força, no canto esquerdo da trave voltada para a direita das cabines de rádio. Leão esticou-se e segurou sem rebote. Alberi dominou o primeiro tempo jogando por ele e pelo seu companheiro de criação, o meia-armador
Danilo Menezes, ausente por problemas médicos.

O Palmeiras abriu o placar aos 3 minutos do segundo tempo com Zé Carlos chutando fraco de fora da área. Falha do goleiro Tião. Em jogada individual, Madurga enganou a defesa alvinegra e chutou sem chances para o goleiro espigado e contratado ao Bonsucesso(RJ) para
caprichar em erros capitais ao longo da campanha do ABC.

No seu pragmático tático, Brandão recuou Madurga ao meio, o Palmeiras fechou-se e passou a tocar a bola para passar o tempo. Faltou apenas combinar com Alberi. Em nova arrancada, aos dribles, o Negão fintou João Carlos que cometeu pênalti. Alberi bateu forte e Leão foi buscar
no fundo das redes.

O ABC acordou e a Frasqueira eletrizou o estádio de arquitetura impecável. Alberi pediu bola. Recebeu na entrada da grande área. Vieram o humilhado João Carlos e o quarto-zagueiro Alfredo Mostarda. Numa finta, passaram os dois. Alberi  tentou driblar Leão, os dois se
enroscaram e a bola sobrou para Maranhão, que chutou fraco demais.


Bola de Prata/1972: Aranha (Remo), Marinho Chagas (Botafogo), Figueroa (Inter), Beto Bacamarte (Grêmio) e Piazza (Cruzeiro). Osni (Vitória), Alberi (ABC), Zé Roberto (Coritiba) e Paulo Cézar (Flamengo)

O lateral-direito Eurico tratou de empurrar para as próprias redes. O empate por 2×2 fez Leão cumprimentar e aplaudir Alberi. O encontro com Ademir da Guia só aconteceu durante a entrega da Bola de Prata (foto), que os dois receberam, cada um na sua posição. Alberi, guia do show do dia sem Ademir, eterna inspiração aos súditos de 46  anos depois. Viva o ABC, 103 anos do termômetro sentimental de Natal.

PS.Nesta sexta-feira(29 de junho), o ABC, recordista brasileiro de títulos estaduais(55), faz aniversário e a lembrança de seu craque maior é homenagem merecida.

CÉSAR, O MALUCO BELEZA

Foi um dos melhores parceiros de área de Ademir da Guia. Os dois juntos marcaram muitos gols pelo Verdão. Hoje é festa para César Lemos. Conheça um pouco mais sobre esse grande ídolo do Palmeiras nas linhas abaixo

por André Felipe de Lima


César não era fácil. Principalmente se o adversário fosse o Corinthians. Na semana que antecedia a partida contra o rival mor, provocava os jogadores alvinegros. Os zagueiros, coitados, eram os alvos das frases mordazes e debochadas do atacante palmeirense, que prometia gols e apostava sempre 10 contra um na vitória do Verdão. Os programas esportivos de rádio e TV não falavam em outra coisa.

César era um exímio vendedor, sobretudo de bom humor, e sequer desconfiava do outro talento que não fosse o de marcar gols. Fez muitos pelo clube do Parque Antarctica. Oficialmente, 180 gols em 324 jogos, dos quais ganhou 170 e empatou 91. Só Heitor, do Vecchio Palestra, das décadas de 1910 e 20, marcou mais vezes. Inclusive no clássico entre Palmeiras e Corinthians. No placar, 16 gols para Heitor e 14 para César, que de “maluco”, apelido que recebeu da torcida e que não gostava nem um pouco, não tinha nada.

Antes de os jogos começarem, se aproximava dos zagueiros — importunados por ele a semana inteira pela mídia — e perguntava se a família estava bem, os filhos, sogra, papagaio… essas coisas. Conversava amenidades e gesticulava. Da arquibancada, a impressão era de que César provocava ainda mais o adversário. A galera vibrava com as cenas do cabeludo centroavante do Palmeiras, que jogava futebol na mesma medida em que arrumava confusões. Jogando contra o Corinthians, o Palmeiras vencia por 1 a 0 e era muito pressionado. César chutou uma das duas bolas para a arquibancada, e a pelota sumiu. O Timão empatou no começo do segundo tempo, e como ele fez cera pra recomeçar a partida, foi expulso. Mas deu trabalho, pois levou a única bola para o vestiário, obrigando jogadores, comissão técnica e representantes da Federação Paulista de Futebol a buscá-lo no vestiário.

Foi suspenso e não disputou nenhuma partida do Brasileirão de 1972, vencido pelo Verdão.

César Augusto da Silva Lemos nasceu em Niterói, no dia 17 de maio de 1946. Irmão dos também centroavantes Luisinho Lemos, que brilhou no América e no Flamengo, e Caio Cambalhota, César iniciou a carreira no clube da Gávea, em 1962, aos 16 anos. Disputou 58 jogos, dos quais venceu 32 vitórias e empatou 18, marcando 38 gols.


No final de 1966, chegava ao Palmeiras por empréstimo. Em depoimento ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza, César recordou sua chegada ao Parque Antarctica. “Nem me fale! Eu fui recebido bem demais. Fiquei encantado com o ambiente e com o time. Eu, garotão, carioca, cheio de saúde, de pique, estava louco para arrebentar. Cheguei e me senti em casa”. Mas, em janeiro, teve de retornar ao Rio porque o Flamengo teria de pagar uma taxa extra para negociar, definitivamente, o seu passe com o Palmeiras. Tudo acertado entre os dois clubes, César embarcou para Lima, onde se juntou à delegação alviverde, que excursionava pelo Peru. Aimoré Moreira escalou-o paulatinamente, ora na ponta-direita, ora como centroavante. Jornais como o tradicional Jornal dos Sports sinalizavam que o Verdão havia encontrado o herdeiro de Vavá. Vaticínio preciso. César firmou-se e foi fazendo gols seguidos contra Fluminense, Corinthians e Santos.

O currículo do camisa “9” no Palmeiras explica a admiração por parte da torcida: foram três Paulistões conquistados em 1966, 72 e 74, dois torneios Roberto Gomes Pedrosa, em 1967 e 69, a Taça Brasil, em 1967, e os Brasileirões de 1972 e 73. Foi artilheiro do Paulistão de 1971, no vice do Palmeiras, com 18 gols. O campeão foi o São Paulo.

O último jogo pelo Verdão foi contra o São Paulo, partida que terminou empatada em 6 de outubro de 1974.

César trocou os “parques”. Do Antarctica rumou para o São Jorge. Pelo Corinthians, disputou 37 jogos e assinalou apenas 8 gols. No primeiro jogo vestindo a camisa do arquirrival, em 2 de março de 1975, o centroavante perdeu um pênalti no último minuto de partida contra o XV de Novembro de Piracicaba, pelo campeonato paulista.

O craque peregrinou por Santos, Fluminense, de Feira de Santana; Botafogo, de Ribeirão Preto; Rio Negro, de Manaus; Universidad Católica, do Chile; Salonica, da Grécia e Fluminense, do Rio, no qual parou, em 1977. Pela seleção nacional, esteve no elenco da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Vestiu canarinho em 11 jogos, com seis vitórias, três empates e um gol.

Abandonou a carreira nos gramados e iniciou a de técnico, mas sempre dividindo o tempo com a de vendedor de carros. Investiu em concessionárias, mas não deu certo. O resultado não o desanimou e permaneceu no setor, mas como funcionário de outras empresas.

O “ex-maluco” mora na capital paulista e, em 1988, arriscou-se na política após aceitar um convite do deputado Afanásio Jazadji para concorrer pelo antigo PDS a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foi mal nas urnas, repetindo o fiasco no pleito de 1992. Creditou o insucesso eleitoral ao apelido do qual jamais curtiu.


César Maluco e Ademir da Guia

Pai de três mulheres e já vovô, César já deu o ar da graça na TV fechada, como apresentador esportivo. E o programa levou seu nome: “César na área”.

Mas, em 2006, o grande artilheiro passou por um revés. Sofreu um grave acidente automobilístico na avenida Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. Só Deus sabe como sobreviveu. Mas as sequelas foram inevitáveis. Fraturou uma perna e operou o quadril, tendo de caminhar com o auxílio de um andador. Ocaso infindável, César ainda submeteu-se a várias cirurgias no estômago. Outro baque forte foi a morte da esposa, em 2011, vítima de câncer.

Igualmente nos gramados, César sempre foi um camarada com uma garra incomum. Escapou da morte aos trancos e barrancos da mesma forma que escapava dos zagueiros. Mas sempre com aquele velho e inconfundível sorriso nos lábios. “Pois é, um sorriso nos lábios”, como cantava Gonzaguinha. César Lemos foi mesmo um maluco… um maluco beleza!