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Palmeiras

XV DE JAÚ, PRETENDERS, 3X2 E UM CAFUNÉ NA BOCA DA NOITE

por Marcelo Mendez


Ela não tava nem aí para o Palmeiras.

Também não ligava muito para minha empolgação falando dos livros que eu havia recém descoberto, me dizia que eram nomes bem estranhos… Gisnbergh, Kerouac, Gregory Corso e Willian Burroughs e por aí afora.

Em 1985, no florescer da minha fase beatnik dos livros, gastava meu tempo com eles, com os discos de rock e com ela, a Cris. Aos 15 anos de idade, dá para dizer que vivíamos a primeira das tantas paixões que viveríamos ao longo da vida.

Linda.

Tinha cabelos curtos e vermelhos, olhos coloridos, às vezes azuis, quase sempre verdes. Estudávamos juntos e começamos a nos apaixonar quando eu fui para escola com uma camisa do Slayer e ela intrigada, me perguntou quem era. Quando respondi, ela mandou:

– Eu curto Pretenders!

Mediante a resposta dela, iniciei um discurso em favor do rock “contra as bandas pré fabricadas por produtores mercenários” e ao terminar ela me falou sorrindo:

– Você fica lindo, quando fica bravo!

Bem, aos 15 anos acho que todo mundo é lindo. Fora isso, fica meio impossível não se apaixonar por quem admira a fúria nossa. Faltava o arremate final:

– Cris, que time você torce?

– São Paulo…

Em 1985, isso não era muito bom sinal. Mas bem, outras coisas deveriam acontecer para eu poder me preocupar com o São Paulo. E não aconteceram…

A esperança que não se deve.

A novidade tinha agradado minha mãe.

Com o namoro com a Cris, eu até estava um pouco mais calmo, nem tava tão bravo assim com o Palmeiras, que, naquele ano, disputava um Campeonato Paulista a trancos e barracos. Era um tal de perder em casa pra Botafogo de Ribeirão Preto, Santo André, tomar sapatada em Sorocaba do São Bento, mas vencemos uns clássicos e mais outras partidas do returno.

A campanha nos credenciou para ao menos um sonho, por mais impossível que pudesse parecer.  Fomos para a rodada final, tendo que torcer para o desinteressado Comercial de Ribeirão Preto contra o Corinthians. O jogo seria domingo pela manhã e na noite anterior, uma festa na casa de uns amigos me fez esticar o sono. Eu não tinha esperança nenhuma.

Era todo ano, o mesmo sofrimento, todo ano a porra da frustração de imaginar que algo de bom estaria bem perto e descobrir que não, tudo era longe demais para nós Palmeirenses. 

Por conta disso, decidi dormir até as tantas, à tarde eu tinha combinado um cinema com a Cris e sinceramente, isso era motivo da maior alegria daquele sono. Mas eis que ele foi interrompido.

– Filho levanta. O Corinthians perdeu e agora é só a gente ganhar do XV De Jaú e estamos classificados. Veste a roupa que seu Tio tá passando aqui já, já. Vamos no Parque Antártica!

Meio sonolento, fui levantando, caçando roupa, saindo com o Tio Bida buzinando o Opala pra gente ir. Não tomei café, não almoçamos, o Pai prometeu pra minha mãe que faríamos isso por lá. Deu tempo de eu pedir pra minha mãe ligar pra Cris para explicar o que havia rolado, sabia que mediante a causa tão nobre, ela iria entender e remarcaríamos nosso cinema.

No carro do Tio, tudo era alegria. As conversas, os risos, o rádio tocando Midnight Rambler dos Stones e eu acordando para aquilo que eu acreditava que seria um grande domingo na minha vida. Esperança que enchia o peito.

Porém, como falei, não eram tempos propícios para se esperar por muita coisa…

A dor que vem de Jaú

Bem, a impressão que tive quando o carro aportou na Pompéia é que todo mundo fez o mesmo que meu Pai. O trânsito era infernal, as ruas todas cheias, as gentes todas decidiram suspender o almoço para ir até o Parque Antártica. Compreensível.

O XV de Jaú era o décimo sexto colocado, não tinha mais nada que fazer no campeonato e o Palestra lotado com mais 45 mil pessoas fazia o clima ideal para a festa da classificação nossa para a semifinal do Paulistão. E o enredo começou bem.

Logo no começo do jogo, Barbosa abriu o placar. O Palestra Itália balançava. Que festa! Talvez embevecido dela, não percebemos que o XV começava a melhorar em campo e com isso não só conseguiu o empate, como a virada do jogo. No segundo tempo, 2×1 para o time do interior e a gente tentando ficar calmo naquela arquibancada. Veio um alento, o gol de empate, 2×2 e a volta da esperança.

Não deu.

Já no caminho para o final do jogo, o ponta direita Nildo, pega uma bola dentro da pequena área e define o marcador. XV de Jaú 3×2 Palmeiras. Em casa, com 45 mil pessoas empurrando, um adversário fraco, derrotado e desinteressado e o Palmeiras conseguiu: perdeu o jogo, a vaga pra semifinal, o juízo, perdeu tudo.

O silêncio de nossa gente indo embora, os passos de tristeza pela Pompéia, a volta para o ABC. Naquele dia, o Pai e o Tio Bida não tentaram me consolar, nem explicar nada. Nada era compreensível, nada era racional e tudo era tão somente dor.

Chegamos.

Avisei meu Velho que iria na casa da Cris e ele, sem nem dar muita bola, deixou. Ela morava na rua de trás da minha casa e quando cheguei Seu Antonio, Pai dela, me recebeu:

– Poxa vida, Marcelo, não deu de novo, né? Entra, a Cris está ouvindo música no quarto, pode subir!

A porta do quarto dela tava aberta. Entrei. Sentada na cama e ouvindo uma música dos Pretenders dela, me recebeu. Não falei nada; Sentei ao seu lado, dei um beijo nela e instintivamente, deitei a cabeça no colo dela. Ela passou a afagar meus cabelos enquanto na vitrola, tocava Back on the chain Gang.

Nunca os Pretenders pareceram tão bons…

ALMA LAVADA

Por Marcelo Mendez


Felizes são os meninos que têm a chance de trocar umas ideias com seus ídolos. Plenos, são afortunados que estabelecem uma proximidade com aqueles que tantas alegrias lhes deram. Assim é minha parada com César Sampaio. Grande César…

Com a camisa 5 do meu Palmeiras, César Sampaio beirou as raias da imortalidade em campo. Enquanto jogou pelo Palmeiras em sua fase áurea nos anos 90, Sampaio jamais olhou para ver a cor da grama. Cabeça erguida, pose imperial de uma realeza que dispensa a frescura das coroas para ser imortal de chuteiras pretas. Era César Sampaio o capitão do time o qual contaremos a história aqui hoje. O chamei para contar comigo e o meu capitão topou a prosa. Para uma noite fria de março, em que eu estava na arquibancada e ele em campo, escorremos aqui, odes e sonhos. Nosso Palestra entraria em campo para um jogo importante da Libertadores da América de 1994.

Aconteceria ali uma das maiores partidas dos 103 anos de história Sociedade Esportiva Palmeiras e, sem saber, César Sampaio me daria uma das maiores alegrias da minha vida…

09 de Março de 1994, Palmeiras x Boca Juniors – a noite de lavar a alma verde…

– Sabíamos bem do Boca, lógico que não como hoje, onde temos milhares de informações e uma equipe só trabalhando para isso. Mas o Palmeiras sabia como o Boca jogava… – César Sampaio, Capitão do Palmeiras em 1994


A coisa na verdade começou algumas horas antes daquela noite mágica de março…

Durante o dia, encontrei tempo de ouvir um programa de esportes no saudoso rádio AM, a Rádio Globo do grande Osmar Santos e um dos comentaristas chamava atenção: “Olha, veja bem; O Boca é um time matreiro e é treinado pelo Menotti. Isso é sempre perigoso” César Luis Menotti… De pivete me lembro daquele homem magro, elegantíssimo, impecavelmente bem vestido à beira dos campos argentinos durante a Copa do Mundo de 1978. Munido de seu cigarro sem filtro, o Flaco comandava suas boas equipes.

Seus times sempre eram leves, sem nada de brucutus, meio campo sempre com jogadores leves, habilidosos e um gosto intrínseco pelo bom futebol. Não sabia muito daquele time do Boca, mas do jogo que eu vi um empate com o Velez Sársfield no mesmo grupo em 1×1 não me seduziu muito.

Vi que tinha lé um ótimo goleiro, Navarro Montoya, um bom jogador de nome Carranza, um outro cheio de perna de nome Mancuso (Esse a gente viria a conhecer bem um ano depois…), um atacante ciscador de nome Martinez, mas nada de mais. Nada que justificasse a marra com que o Boca havia chegado em São Paulo.

Parecia a corte imperial da Rainha Vitoria do século XIX.

Rapaz, mas que frescurada da porra!

Passeando pelo hall do Hotel Transamérica, os jogadores argentinos se achavam uns Mick Jagger’s e olhavam o mundo todo com um nariz empinado a lá Mary Poppins. Muito que a contra gosto, do alto de sua grandeza, Menotti topou dar uma entrevista para TV Bandeirantes e caprichou no portunhol selvagem para dizer que o Boca jogaria pra cima do Palmeiras pra ganhar o jogo e que futebol era muito simples:


– Mi equipo joga assim… Yo Toco e me Voy! – pois é, o famoso toco e vou.

O sujeito veio sei lá de que bimboca da Argentina, enfrentar o campeão Paulista e Brasileiro, como se esse fosse um time de várzea do Desafio ao Galo, era o que eu pensava. Tinha logo que começar o jogo pra gente ganhar deles, pensava eu na arquibancada do velho Palestra. E começou. Naquela noite o Palmeiras veio para campo com desfalques consideráveis. Não jogaria Fred Rincón, machucado.

Não teria Edmundo, envolto em uma de suas suspensões. Sendo assim, o meio-campo seria formado por Amaral, Cesar Sampaio, Mazinho e Zinho. Na frente, Edílson e Evair. Era um timaço. A zaga tinha Sérgio, Cláudio, Antônio Carlos, Cléber e Roberto Carlos. Não era possível que esse time fosse ter trabalho pra vencer o Boca. Não teve… O Palmeiras levou 15 minutos para marcar o primeiro gol com Cléber, empurrando para as redes após um bate rebate na área.

A partir daí, o Boca com o seu tal de “Toco e vou” não via a cor da bola. Pouco passava do meio de campo, não criava nada e quando o primeiro tempo terminou em 1×0, poderia até comemorar. Afinal de contas, tinha lá no banco o homi, o tal do Menotti, de certo que criaria uma solução mágica. Tá, criou sim…

A Linha Burra…


– Nosso time era muito leve e muito veloz. Contávamos com ótimos jogadores, todos muito inteligentes e então, quando olhamos para o campo e percebemos que o Boca tentaria subir a marcação, imediatamente já sabíamos o que fazer. Surgiu muito espaço em campo e daí, ficou muito bom para jogarmos! – lembra César Sampaio.

Tinha nos bolsos uns comprimidos de algum barato sintético aí, mas o dia não era para o surto. Não… A hora era pra ficar consciente do que rolava. Fiquei no intervalo a pensar em coisas da vida e no Brasil do Plano Real, a única coisa que eu queria naquela noite era meu time ganhando o jogo. Ia me enveredar por essas elucubrações quando os times voltaram e o jogo recomeçou. Ávido em saber qual a solução mágica do Menotti, fiquei de cara quando vi seu time em campo no segundo tempo.

– Cara… Ele vai fazer linha de impedimento? – puxou conversa comigo um companheiro verde a meu lado na arquibancada. Pois é…

Contra o melhor time do Brasil, Menotti e suas milongas, decidiu que adiantaria sua linha defensiva pra tentar diminuir o campo do Palmeiras. Uma benção para um time que tinha jogadores inteligentíssimos como Zinho, Cesar Sampaio, Evair e ele, o dono da noite:

Mazinho.


– Foi um dos grandes parceiros de meio-campo que tive. Um cara correto, dedicado, altamente técnico, trabalhava bem com as duas pernas, onde caía ele resolvia. Bom passe, inteligente, naquela noite ele deixou de ser coadjuvante. Mazinho protagonizou, brilhou!

César Sampaio tem muita razão.

Os garotos da geração Playstation não fazem ideia do quanto que esse camisa 8 jogou de bola na vida. Mazinho é muito mais do que apenas o pai do Thiago Alcântara do Bayern e do Rafinha do Barça. Antigo lateral-direito, quando veio para o meio-campo, Mazinho passou a ser um dos melhores meias que já passaram pelos campos nossos aqui.

Inteligente, habilidoso, passe preciso, altamente técnico, foi um grande. Na época, estava cotado para ir à Copa que aconteceria meses depois e Parreira, o técnico de então, estudava a possibilidade de sua convocação. No dia do jogo contra o Boca, na ausência de Rincón, Luxemburgo decidiu colocá-lo como meia, um pouco mais à frente.

Seria nosso 10 e então caberia a ele armar o que viria pela frente e assim o fez lindamente…

Posicionando-se um pouco mais atrás, Mazinho observou que o Boca pouco atacava. Dessa forma, começa a encher os laterais Claudio e Roberto Carlos de bola. A todo instante, vindo de trás, os dois estouravam dentro da área do Boca. Foi dessa forma que roubou a bola de Mac Allister para lançar Evair na esquerda. O 9 esperou a passagem de Roberto Carlos e com um toque de calcanhar e de encanto o serviu para um golaço! Era o 2×0.

O Baile de Bola…

– Na verdade, o Boca veio a São Paulo para não perder. O empate jogando aqui para eles estaria ótimo e estavam na deles, fechadinhos e tudo mais. Com a desvantagem, eles desarmaram a marcação do meio-campo (Saiu Da Silva) e colocaram um atacante (Acosta). Aí, como se diz na gíria do futebol, foi um chocolate!

Mal tive tempo de comemorar e Edílson fez o terceiro. Em situação normal, eu estaria radiante mas sei lá, foi estranho. Queria mais…

É tácito em nossa formação de Sudaca os caminhos da paixão inexorável pelo que amamos. No caso, amamos o futebol e naquele 09 de março, como que por uma conjuração cósmica entre time, torcida e universo, ficou decidido que no Parque Antártica o Palmeiras não ia parar de jogar. Não se contentaria apenas com os três pontos, não cessaria um milímetro que fosse na luta pelo encanto. Era dia de lavar a alma, era a noite de passar com um caminhão em cima do Boca Juniors.

No nosso berro incansável, na nossa sede de poesia o Palmeiras seguiu. Mazinho, o craque daquela noite seguiu botando o Boca na roda. Em jogada épica, driblou a zaga toda da linha burra de Menotti e sofreu o pênalti para Evair fazer o quarto. Pouco depois, no rebote de sua tentativa por gol de cobertura em Navarro Montoya, veio o 5×0 e o sexto de Jean Carlo, foi o êxtase. Como o mais belo dos olimpos, nós fizemos de nosso Palestra uma catedral. Era um 6×0, uma seiszada inapelável e implacável em cima da empáfia do Boca e da classe de Flaco Menotti.

Depois disso, quase esqueci do gol de pênalti do Boca, marcado por Martinez, dane-se.

Era 6×1! O placar lavou minha alma bêbada e me redimiu do torto que eu era.

Foi meu nirvana na Pompéia. Não, não vencemos aquela Libertadores. Passamos a primeira fase, ficamos nas oitavas contra o ótimo time do São Paulo e pouco me importa isso. Sou Sudaca, um rapaz latino americano que tem compromisso com a poesia e não com as “vitórias”.

Se bem que naquela noite, no Parque Antártica, venci.

DE JÚLIO BARROSO PARA O PALMEIRAS COM AMOR, OU QUASE

por Marcelo Mendez

Era um ano legal na minha vida.

Naqueles 1984, eu já estava, como diria os outros, um mocinho. Seguindo a premissa dessa tenra e adolescente idade, agora aos 14 anos, eu tinha um walkman, um punhado de fitas cassetes que ganhava dos meus primos mais velhos e meus primeiros discos. 

No começo daquele ano, minha prima Mirian me deu de presente o primeiro disco da Gang 90 e foi através desse disco que conheci Julio Barroso, o cantor, compositor, letrista e tudo da Gang. Pirei.

Com o Julio, descobri os caminhos para poesia beat, as primeiras informações sobre a coisa, os primeiros nomes do que viriam a ser influências de tudo, referências de uma vida toda; Kerouac, Ginsbergh. Mas isso é uma outra história…

Aqui no Museu a lembrança que vale é das coisas do futebol. E para o menino Palmeirense, não podia estar melhor…

O camisa 11 do Verde

O Palmeiras voava no Campeonato Paulista.

Dirigido por Fedato, naquele ano, tínhamos um baita time de bola. Leão, Diogo, Luis Pereira, Vagner Bacharel e Paulo Roberto. No meio campo, tinha Marcio, Osias, Carlos Alberto Borges e na frente, Jorginho, Reinaldo Xavier e ele, o mágico, o craque o genial Mário Sérgio. 


O canhoto craque de bola, dono de uma classe e uma elegância inexorável, jogava futebol da mesma forma que Paul Desmond tocava sax para o Dave Brubeck Quartert. Os passes que saíam de seu pé esquerdo, tal e qual as pinceladas saíam da paleta de Renoir, ou Ticiano. Ver Mário Sérgio jogar era uma experiência única.

Ele em campo me redimia de tudo que ameaça-se o encanto em minha vida. Ele era quem me protegia da tristeza e de todas as outras durezas. Craque, meu herói. E ele não fazia feio. 

Naquele ano, num campeonato de pontos corridos, o Palmeiras era líder e dava show. A reta de chegada estava perto, mas no meio do caminho havia um clássico por jogar. Um clássico que sem a gente saber, entraria para história…

O Clássico da briga e os perdidos na selva do barato…

O São Paulo já era o time da moda. 

Havia contratado o ótimo Cilinho como técnico, começava ali uma renovação e tinha um time poderoso. Careca, Casagrande, Pita, Sidney, bons laterais como Paulo Roberto e Nelsinho, um timaço. O Palmeiras enfrentaria esse time e precisava vencer para meter a mão na taça. E dessa vez, eu, o Pai e meu Tio Bida fomos felizes para o Morumbi. 

O meu lugar na numerada inferior não estava parecendo tão melancólico, a esperança de que naquele ano tudo seria diferente era muito grande. Mas tínhamos que vencer o São Paulo e vencemos.

Após levar o primeiro, com um gol de Sidney, o Palmeiras foi para cima e virou com duas cabeçadas, uma de Reinaldo Xavier no primeiro gol e outra de Diogo. No final do jogo, Vagner Bacharel deu uma banda em Pita do São Paulo e o pau comeu. Bem ali, na minha frente, vi voadoras, porradas, chutes mas num tava nem aí, rimos.

 Naquele dia saímos do Morumbi tão felizes, mas tão felizes, que meu tio Bida não aguentou:

– Marcelo, cadê aquelas tuas fita doidas?

– Tá aqui, Tio. Por quê?

– Dá uma delas aí, vamos ouvindo!

– Bida, acho melhor, não! – precaveu meu Pai.

– Vai, Mauro! Vamos festejar, esse ano o Verdão vai ser campeão! Me dê aí, Marcelo…

Dei.

E do banco de trás do Opala Vermelho Cor de Sangue, dele, fomos os três, cantando a plenos pulmões “Eu e minha gata rolando na relva/rolava de tudo/covil de piratas pirados/Perdidos na Selva…”

Era dia de festa, tudo parecia que ia dar certo. Mas daí, em 1984 descobri que para a alegria ser plena, precisa de muita força. 

Descobri o Tapetão….

Anfetamina Blue..

Doping.


Mais umas das novas palavras da minha vida. Naquela semana só se falava disso. Um tal de exame antidoping disse que Mário Sérgio havia tomado uma coisa estranha, de nome anfetamina e que isso, não podia.

Sem entender nada. Fiquei sabendo que o Palmeiras seria julgado por isso e se punido fosse, a pena previa perda de cinco pontos. Isso arrebentaria com o time, o Palmeiras perderia a primeira posição e mais algumas. Dito e feito.

O tal tapetão, tirou os cinco pontos de fato. Mário recebeu punição por parte da organização do campeonato e o time nunca mais foi o mesmo. Com os nervos em frangalhos, o Palmeiras despencou pra quarta posição e de lá não saiu.

Da poltrona de casa, numa tristeza danada, vi o Santos vencer o Corinthians e sagrar-se campeão de um campeonato que era pra ser meu, era pra ser do Palmeiras. Não foi.

Vi pela tv a festa em Santos e a única coisa que pensava era num dia, quem sabe em breve, eu também num saio pra rua e participo de uma dessas.

Não foi dessa vez…

SÓCRATES 1×0 E A SINA DO OPALA COR DE SANGUE

por Marcelo Mendez

O ano de 1983 foi um ano bacana na minha vida.

Foi o primeiro sopro de emancipação que eu tive. Quer dizer, quase isso…


Meu Tio Bida havia trocado de carro e finalmente conseguiu realizar seu sonho de consumo; Um Opala Comodoro 1982, vermelho, tinindo! Quando ele baixou com a barca nova no Parque Novo Oratório, correu em casa mostrar pra nós. E enquanto todos ficavam embasbacados, minha mãe Dona Claudete teve como sempre, o juízo necessário:

– Bida, seu doido, como você vai pagar esse carro?

– Eu dei o outro de entrada…

– Aquele fusca velho, peidorreiro? Bida o que você tem na cabeça?!

– Detinha, calma. Uma coisa de cada vez; Primeiro eu vou ter o carro que eu quero, depois eu penso nessas responsabilidades aí…

Bem, eles seguiram discutindo, como de costume na nossa família. Se debatia tudo, se falava de tudo. Mas essa parte não é a importante aqui da história. O que vale contar é que, com a chegada do Opala Cor de Sangue, me tornei o lavador oficial da barca, aos domingos.

Com isso, passei a ganhar umas moedas do Tio, que num davam lá pra muita coisa, mas juntando, até que dava uma numerariozinho. Foi o que fiz naquele mês até conseguir atingir a quantia necessária pra ir à Discoteca Aldo, no Centro da Cidade.

– Vou comprar o disco novo do AC/DC!

Fui, comprei e então a magia se fez. Junto do Palmeiras, agora tem o rock e o Opala cor de sangue. Cor de Sangue…

Mais do mesmo…


O Campeonato Paulista do Palmeiras não havia sido lá uma benção. Mas deu pra classificar pra semifinal. O time era novo, muito bom. Tinha Cléo, Jorginho, Luis Pereira, Vagner Bacharel, Eneas, Baltazar, Carlos Alberto Borges, um craque! Pegou no breu na reta de chegada e então faltava o cruzamento que seria novamente contra eles:

Corinthians!

Dessa vez, os nossos rivais estavam na moda. Casagrande, Sócrates, Wladimir, Ataliba, Zenon, Biro-Biro, sob a égide da Democracia Corinthiana, um movimento que marcaria a história da abertura política no Brasil.

E então era muito pop ser Corintiano.

Enquanto o Palmeiras…

Já eram seis anos de fila. A coisa começava a incomodar, nada de caneco e as partidas todas iam ficando cada vez mais difíceis. A primeira da semifinal foi um inferno. No placar do Morumbi 1×1. Palmeiras fez com Baltazar e Corinthians foi buscar a igualdade com Sócrates guardando de pênalti. E de novo, assim como no Carnaval, tudo ia acabar na quarta-feira…

O silêncio que a derrota traz

De novo na numerada inferior do Morumbi.


Aquele canto do gigantesco estádio são-paulino havia se tornado o meu alpendre de dor de fossa favorito. Ali, com 13 anos de idade eu já passava a acumular um bom número de frustrações ludopédicas. Mas juro que naquela noite, achei que poderia ser diferente.

O Corinthians chegou atrasado para o jogo porque ficaram presos no trânsito. O time do Palmeiras ia completo, precisava fazer um gol no Corinthians e estaria tudo resolvido. Seria uma facilidade maravilhosa, mas um time como o Palmeiras não sabe nada dessas tais felicidades aí…

O Verdão amassou o Corinthians. Em 10 minutos jogados, o goleiro Leão já havia feitos dois milagres. Sim, Leão. Ele estava do lado de lá. Vendo aquele começo de jogo, quase que cheguei a acreditar que aquela noite seria diferente, que passaríamos pelo Corinthians e tudo mais. Não…

Em uma jogada genial, Sócrates faz um giro de corpo em cima do nosso zagueiro Márcio, conduziu a bola para o bico da área e bateu cruzado, rasteiro, devagarinho, pra doer mesmo. O Corinthians abriu o placar e o drama voltava acontecer. Se o Palmeiras jogasse três dias contra o Corinthians, não viraria esse jogo. Não viramos.


Placar final, 1×0 para eles e por mais um ano, lá ia eu, cheio de contrariedades e sonhos frustrados. De novo, meu Pai e meu Tio Bida tentando me consolar, mas eu nem ligava. No banco de trás do Opala Cor de Sangue, eu via a cidade passando, enquanto a gente voltava pro ABC. Via a festa dos amigos corintianos nas ruas da Cidade, contrastando com o deserto de alegria que havia em mim.

No peito, a dor de imaginar que seria mais um ano sem títulos. E uma incerteza atroz me roendo. Será que um dia eu ia fazer aquela festa também?

Quem sabe…

A FILA AUMENTA EM 1982

por Marcelo Mendez

Todo mundo parecia muito feliz naquele primeiro semestre de 1982.

O Brasil vivia um clima de abertura com o afrouxamento da ditadura militar, o sol era forte naquele verão, a Blitz estourava nas rádios com o hit “Você Não Soube me Amar”, Chacrinha balançava a sua pança muito contente nas tardes de sábado na televisão e a Seleção Brasileira de Futebol era só espetáculo.

Tudo ia bem pra todo mundo. Menos pra mim…

Se tratando de futebol, algo que era absurdamente importante pra mim naquele ano em que eu completaria meus 12 anos de vida, as coisas iam clamorosamente más.

Meu time de coração, meu Palmeiras, Alviverde que cantava ser imponente, já não me parecia tão imponente assim naquele ano. O time havia feito uma campanha péssima no Campeonato Brasileiro do primeiro semestre e quando fui me queixar a meu Pai e a meu tio João, eméritos Palmeirenses, imediatamente trataram de me consolar:

– Calma, Filho. É que todo mundo só pensa em Copa do Mundo agora. Depois dela, tudo vai melhorar! – diziam-me.

Bom, não sei se eu acreditei totalmente nisso há época, mas decidi esperar.

Todavia em Julho daquele ano, a Itália de Paolo Rossi varreu com nossos sonhos na Espanha. O sonho por lá, acabou. As atenções então se voltaram para os campeonatos regionais. A minha também…

Você não soube me amar…

As coisas iam de mal a pior.


O Campeonato Paulista havia começado e o Palmeiras que estreou empatando com o Marília, conseguiu a proeza de perder em casa para o Taubaté, depois perder para a Inter de Limeira, empatar de 0x0 com o Santo André…

– Ta errado isso aí, Pai!

Era um ritual. Toda a vez que o Palmeiras me aprontava eu ia me queixar com meu Pai, depois pedia liberação para minha mãe para ligar para meu tio. Oras, eles haviam me dito que isso ia mudar, num se diz uma coisa dessas para um menino de 12 anos. Fui lá e cobrei. Talvez por conta disso, eles decidiram então me presentear:

– Vamos no Morumbi, Filho. Eu, você e seu Tio João. E vamos ganhar do Corinthians!

Na hora do anúncio, fiquei tão feliz, que nem me atentei para o que o Pai havia dito; “Ganhar do Corinthians”. Uns dias depois eu lembraria…

Silêncio no opala!

Nas numeradas inferiores do Morumbi, vi de pertinho o time deles.

Tinha Sócrates, craque de bola, Zenon, Casagrande, Biro Biro, Ataliba, Paulinho, Vladimir. O nosso, havia repatriado Luis Pereira, o Grande Luizão. Mas isso não seria suficiente. O Corinthians abriu o placar com Biro-Biro e o Palmeiras empatou com Jorginho. E isso pareceu piorar as coisas.

O time deles, que estava levando o jogo preguiçosamente, pareceu ter acordado na hora de nosso gol de empate. Imediatamente, trataram de virar o jogo com um pênalti idiota cometido pelo volante Rocha. Depois disso, só desastre.


Com o Goleiro Gilmar expulso, o Palmeiras com um jogador a menos; vimos Casagrande deitar e rolar em cima de nossa zaga. O 9 deles marcou o terceiro, o quarto e o quinto gol. Um 5×1 humilhante.

Na numerada onde estávamos, a torcida corintiana do nosso lado, gritava olé, tirava onda e nós, estarrecidos, assistíamos aquela surra de bola. Com meus 12 anos, minha camisa verde número 10, meu cachorro quente atravessado, sentia um misto de tristeza profunda, com raiva. Era um absurdo, o que tinha acontecido.

No carro, enquanto voltávamos, a dupla formada por meu pai e meu Tio João, percebendo que eu não estava muito bem, tentou me consolar novamente:

– Marcelo, calma. O Campeonato ta só começando…

– Escuta aqui, vocês dois; Não me falem mais nada!

Resolutos, não me disseram. O silêncio se fez no carro.