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Palmeiras

DEZ VEZES VERDES E UM PORRE REDENTOR

por Marcelo Mendez


De tudo que posso lembrar-me do domingo, a última coisa que disse antes de entrar em estado delicioso de torpor etílico foi: “Deyverson, eu te amo”.

Assim como tantas outras vezes eu disse que o odeio, que o detesto, que não joga nada, que é maluco, que é grosso e caneleiro. Mas daí vem o titulo do Palmeiras do Brasileirão em 2018 e nada do que foi dito importa.

Só vale então o que se sente.

Um titulo do Palmeiras para mim tem o gosto do picolé da Yopa que meu pai comprava para mim na frente do Parque Antártica, lá pelos anos 70. Tem o cheiro daquela chapa de pernil, pronta pra preparar os mais deliciosos lanches que já comi. Tem a velocidade do carro do meu saudoso Tio Bida, a nos levar para embates épicos pelas arquibancadas de São Paulo ao longo da vida.


Vale muito.

Vale minha busca intrínseca pelo riso do rosto de vocês, meus iguais Palmeirenses, vale pelo meu ofício de cronista, de procurar a mínima centelha de faísca para através dela, incendiar o coração de vocês, para criar uma labareda de encantos, em meio a esse mundo duro e frio que insiste em se fazer presente.

As melhores vezes que consegui isso foram através do Palmeiras.


Portanto agora, as 05h27min da manhã da segunda, vestido de verde e tomando café numa padaria do Parque Novo Oratório, eu saúdo a todos vocês que assim como eu, deram um tempo na chatice da razão critica, da razão pura e simples e de todas as lógicas que se impõe no dia a dia nosso.

Já, já a gente volta às responsabilidades.

Agora comemora Palmeirense.

Comemora que a gente merece.

SETEMBRO DE DOR EM 1986. O PALMEIRAS FAZ 10 ANOS

por Marcelo Mendez


A manhã de 03 de setembro de 1986 não existiu. 

Ela tanto poderia ser a madrugada do dia 02, ou a noite do dia 01, ou qualquer dia que possa haver no mundo dos sonhos, ou dos que anseiam por ter um sonho. 

As horas não faziam mais o menor sentido, eu simplesmente não dormi nesses dias todos. A minha cabeça estava toda voltada para o que aconteceria naquela quarta-feira a noite no Morumbi.

O Palmeiras entraria em campo para enfrentar a Inter de Limeira na decisão do titulo do Campeonato Paulista daquele ano. 

E os dias eram incrivelmente longos.

Minuto a minuto de tardes densas, muito quentes, outras, nordicamente geladas; E cada giro do ponteiro do relógio tinha o peso de um frame do Jaques Rivet. Era exasperador imaginar que toda aquela imensidão de espaço precisava ser preenchida. Não sei.

Como criar, como ordenar cada viagem que a cabeça fazia naquela imensidão de segundos intermináveis? Era uma angústia tamanha, que pouco me lembro da hora que o Pai chegou do trabalho. Mal deixei ele tomar banho, não quis esperar em casa pelo Tio Bida vir nos buscar, enchi o saco do Pai e fiz ele descer comigo até a casa de meu Tio, uns 10 minutos de casa.


Dalí embarcamos para o Morumbi. Abri o vidro do banco de trás do carro, deixei o vento soprar na minha cara. No toca fitas, o Tio colocou um cassete de um disco que ele amava incomensuravelmente. Era o “Roberto Carlos 1972” e a música que ele ouvia era “Agora eu Sei”, um puta dum funkão, movido a uma bandaça que entre outros, tinha o órgão envenenado do Lafayette na introdução da coisa. Meu pai, pra variar, reclamou:

 – Ô Bida, não da pra por outra coisa aí pra ouvir?

– Ué; Por que, Mauro?

– Ah por favor, né? Estamos em 1986, o cometa já passou, e você não larga essas cafonices!

Eu pouco me importava com eles. 

Quando chegamos no Morumbi, quase que fui correndo até o estádio. Me seguraram e pediram pra esperar eu guardar o carro. Depois rumamos para nosso lugar. A Velha numerada inferior do Morumbi. Sentando ali naquela noite, eu queria tudo, ma me contentaria com pouco. Queria apenas ver o Palmeiras ser campeão. Isso não deveria ser algo tão raro na vida de um menino de 16 anos.

Mas…

Roberto Carlos estava certo.

O jogo era duro e hipnótico até os 09 minutos do segundo tempo.


Éder, Mirandinha, Edmar, Jorginho, todos os nossos já haviam perdido chances na primeira etapa. O Palmeiras, diante de nós, 105 vozes a berrar pelas tribunas, foi melhor. Mas tudo mudaria radicalmente, quando Kita de costas, dominou uma bola e virou em cima do zagueiro Márcio. Na virada, apesar de caído, pegou bem na bola e estufou as redes de Martorelli.

A incrível Inter de Limeira abria o placar. 

E surpreendentemente, após outra infelicidade de Denys, o Palmeiras sofre o segundo gol marcado por Tato. 

Inacreditável! Ali diante de nossas fuças, o time do Interior metia 2×0 na gente e dava um baile de bola no Estádio do Morumbi.

Amarildo, nosso zagueiro, diminuiu o marcador que não mais se mudou, que ninguém queria saber, que era só a tristeza.  Com o apito final de Dulcídio Wanderley Boschillia, pouca coisa eu vi, pouca coisa eu quis ver. Sentei na numerada e simplesmente não conseguia sair do lugar. Não tinha forças, não tinha vontade, não tinha nada.

Era só vencer a Inter de Limeira em dois jogos, era só fazer o que todo mundo esperava que seria feito. Mas só uma triste repetição do que vinha acontecendo nos últimos 10 anos. Sim, 10 anos. Em 1986 completamos 10 anos sem títulos e isso parecia que não ia mudar. Não sei.

Sentado naquele lugar, vi toda a torcida do Palmeiras ir embora e o Morumbi esvaziar. Na arquibancada um pequeno punhado de torcedores da Inter fazia a festa. Pensei, “Como pode”? Até a Inter de Limeira, era campeã e nós, não.

Silêncio.

Na volta para o ABC, a única coisa que podíamos ouvir era o silêncio. Éramos três corações calados, em busca de algo que alivia-se um pouco do que a razão nos esfregou na cara. O Palmeiras perdeu de novo. Talvez na esperança de mudar as coisas, o Tio colou a fita pra tocar de novo e então, o Roberto nos falou:

“Mas agora eu sei, o que aconteceu, 

quem sabe menos das coisas 

sabe muito mais que eu”

O longo inverno de 1976 ainda perdurava E o Roberto Carlos estava certÍssímo.

ADÁGIO DE DOR E CORTE EM 1986

por Marcelo Mendez

Era uma tarde fria, de céu acinzentado.

Passei o dia, o caminho de carro entre Santo André e o Morumbi, ouvindo um som do The Smiths, uma fita cassete que a Cris me deu. Mesmo sob protestos de meu Pai, meu Tio Bida botou pra tocar “Ask” no toca fitas do carro. Era o som e eu tava gostando.

Queria estar animado, tomado de empolgação e felicidade, afinal de contas o Palmeiras estava disputando uma decisão de campeonato, a primeira final da minha geração, no Morumbi era tudo Verde, enfim:

Era um dia de Palmeiras.

Mas não consegui.

Alguma coisa dentro de mim bloqueava a euforia. Poderia ser várias coisas, poderia não ser nada. Ou poderia ser tudo, sei lá. Era a primeira partida da decisão do Campeonato Paulista de 1986. O Palmeiras enfrentava a Inter de Limeira com 100 mil Palmeirenses a seu favor na arquibancada. Em campo, porém, o maior desafio.

A Inter de Limeira contava com um timaço. Tinha Silas no gol que havia chegado desde o Santos. Bolivar, zagueiro que veio do Grêmio, Manguinha que foi campeão brasileiro pelo Guarani em 1978, João Batista, ex-Lusa, Kita, centroavante gaúcho que havia conquistado a medalha de prata nos jogos olímpicos.


Além desses, uma molecada comandada pelo volantão Gilberto Costa, ex-Santos. Garotos como Tato, Lê, os laterais João Luiz e Pecos. Um time parrudo que havia voado durante a fase de classificação do campeonato. Não me importava nada disso.

Quando sentei naquele banco de madeira da numerada inferior do Morumbi, a única coisa que queria ter era confiança, eu só queria permitir em mim a alegria, a esperança de finalmente ver um jogo do Palmeiras com um final diferente, ter um ano legal, como todo mundo eventualmente tinha nas questões ludopédicas.

O jogo seguia…

Sem chance criada, sem maiores emoções, tudo muito frio, todos os medos calculados e o inevitável 0x0 no placar final. No caminho até o carro do Tio, meu Pai meio que já comprava o discurso do “tudo bem, é um jogo de 180 minutos”. Não me confortou muito, queria então ver logo os 90 minutos finais. Pois bem, os dias passaram.

Veio a quarta-feira da final e os 90 minutos restantes, na verdade, durariam por mais muito tempo na vida Palmeirense.

Muito tempo…

O MAIOR DERBY DA MINHA VIDA NA NOITE DE TODOS OS BLUES

por Marcelo Mendez


Não entendi porque o Pai não quis ir para o Morumbi na primeira partida da semifinais do Campeonato Paulista de 1986.

Time voando, Corinthians goleado por nós. Por que não fomos? De rádio colado no ouvido, pensava nisso. Sem perceber, várias horas haviam se passado. Começa ali o jogo e a maior roubalheira da história do Derby.

Teve de tudo!

Gol legítimo de Vagner Bacharel anulado, pênaltis não marcados e um destes com o zagueiro Edvaldo do Corinthians espalmando a bola para fora.

Um absurdo. Terminado a coisa, meu Pai bateu na porta e munido de um desejo de justiça, decretou:

– Vamos no jogo, quarta-feira!

Fomos. E ali chega o dia de uma das maiores alegrias que o Palmeiras me deu.

Era o dia de fazer justiça!

Justiça, Justiça, Justiça…

No Morumbi lotado, o Palmeiras martelava e amassava o Corinthians.

Carlos, o goleiro, pegava bolas e mais bolas em defesas espetaculares e as coisas não iam bem. Na antiga numerada inferior, onde ficávamos todos misturados, as esperanças iam ruindo até que chegamos ao ápice da coisa, aos 42 minutos do segundo tempo. Meu pai, puto com tudo, virou e me falou.

– Chega, vamos embora!

– O que? Tá doido, Pai?? Ainda não acabou, não!!

– Vai acontecer o que vem acontecendo por esses 10 anos. Vamos…

Nisso, um corintiano ao lado que acompanhava a cena se meteu na história:

– Menino… Ouve seu Pai, vai ficar pra passar mais raiva? Vai assistir nossa festa?

– Marcelo… vamos!

– Espera, Pai…

– Cê vai ficar aí? Fica, eu tô indo!

– Então vai, Pai! Vá pra porra! O senhor é palmeirense porra nenhuma! Vai embora, eu me viro!

Após a gente quebrar o pau, o Velho virou as costas e foi indo embora. Eu tinha 16 anos de idade em 1986. Na ocasião, num tinha uma moeda no bolso e quando meu pai começou a ir embora, eu nem pensei em nada. O corintiano do meu lado se meteu de novo:

– Garoto, melhor você ir embora, hein? Ah lá… faz como seu Pai que aqui o Coringão já levou…


Nesse momento, Jorginho se encaminhou para bater uma falta. Bola na área, Vagner Bacharel cabeceia, o goleiro Carlos espalma e a bola acha a barriga, as pernas e tudo de Mirandinha, que a empurra como dá para o fundo das redes.

GOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!!!

Eu já gritei vários gols na vida. Mas eu duvido que algum deles tenha tido a força que teve aquele berro na cara do corintiano desenxabido ali na minha frente. Eu o peguei pela camisa e gritava… “Golllllllll”. Meu pai que estava indo embora voltou e quando vi estava meio que me abraçando, meio que me tirando em cima do corintiano.

– Ainda falta a prorrogação, o Timão vai virar…

– Vai virar é o caralho! Vai embora você, arrombado!

E nesse clima “hospitaleiro”, fomos à prorrogação. O regulamento previa que após os resultados iguais, com a melhor campanha, o Palmeiras precisaria empatar com o Corinthians na prorrogação para a final. A peleja começou:

E no primeiro ataque do Palmeiras, Mirandinha pega uma bola, entorta Edivaldo e bate pra rede.

“GOOOOOOOOOOOOLLLLL”

Nesse momento, o corintiano foi levantando pra ir embora e eu corri atrás dele falando um milhão de impropérios. Meu pai correu atrás de mim e disse pra esquecer o cara e fazer a festa. Eu fiz.

De quebra, teve gol olímpico de Éder e uma festança de 3×0.

Depois daquela noite, veio alguma dor. Essa noite vai servir de acalanto…

1986 E UM DOMINGO DE GOLEADA AO SOM DE PRINCE E BONNIE TYLER

por Marcelo Mendez


O ano de 1986 começava, movido a All Star vermelho, calça jeans rasgada no joelho, cabelo cumprido e a Cris, a doce Cris na minha vida.

Nosso imberbe namoro de já alguns meses ia bem. As descobertas todas juntos, a companhia, nossas voltas pela cidade de Santo André. No que pese algumas diferenças a gente se dava bem.

– Celo, vamos ao cinema?

– Vamo. Tá passando Daumbailó no Vitrine!

– Nem a pau. Quero ir no Studio Center em Santo André mesmo, te dar uns beijos namorar e ver qualquer coisa. Mas que merda, Marcelo… As coisas num precisam ser um evento intelectual toda hora. Eu quero ficar com meu namorado, o filme que se dane, entendeu?

– Entendi. Tá bom. Mas domingo cê sabe, tem Palmeiras x Corinthians, num rola…

– É, o amor da sua vida é o Palmeiras. Eu sou a amante…

A gente riu, ela me deu um beijo e como sempre naqueles tempos, fui ao Morumbi ver o Derby. Uma alegria vivida naquele intenso 1986…

Outros sons, outras batidas outras pulsações

Contrariando as previsões de minha mãe, o opala vermelho do Tio Bida seguia com ele. Era nosso carro de ir pro jogo.

Depois do almoço, passou em casa, pegou eu e meu Pai e fomos pro Morumbi. Aos 16 anos, eu jaá tava fincado no Rock até a medula. Mas naquele domingo o som do toca fita foi outro:

– Marcelo, se liga nesse som aqui..

Um balanção da hora! Meio funk, meio soul. Gostei.

– Que é isso, Tio?”

– Prince. A música chama Raspberry Beret”

– Irado!

Foi com esse hit na cabeça que vi o Palmeiras dar um baile no Corinthians no primeiro tempo. Acabou 2×0 com caixa pra mais. E teve mais!

No segundo tempo, com um show de Edu, Edmar, Mendonça e Mirandinha, metemos um 5×0 no Corinthians e nem demos bola para o gol de Casagrande. O que valia era os 5, metemos 5 neles!

Na volta pra casa, ainda não tinha dado sequer 20 horas. Dava tempo de ir até a Cris e pedi pra meu tio deixar me deixar la.

Da calçada gritei o nome dela. Ela saiu, me abraçou e me pediu pra ir no baile da primavera no salão paroquial da igreja do bairro.

Bom, eu já tinha furado com o cinema e apesar de ser em 1986, um moleque cabeludo que ouvia Slayer, Kreator e Venom, larguei tudo pra lá. Naquele domingo ouvi Prince. Naquele domingo o Palmeiras havia metido cinco. Naquele dia num quis outra coisa que num fosse ficar com a Cris.

E no baile, de rosto colado com ela aí som de Eclipse of the Heart, a vida pareceu algo bem legal…