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Palmeiras

VERÃO CARIOCA

por Marcos Fábio Katudjian


Verão no Rio de Janeiro. No maior estádio de futebol do mundo, uma multidão se acotovela para assistir ao chamado “jogo do século”. No gramado, os esquadrões de Flamengo e Palmeiras opõe a maior rivalidade do país, Rio de Janeiro contra São Paulo. Cariocas contra paulistas. Aos olhos do menino, o Maracanã, colossal, fazia todos os sonhos e desejos parecerem o que realmente são. Pequenos.

O dia épico iniciara-se na noite anterior. O garoto e seu pai partiram de São Paulo na viagem que durara toda a noite de sábado. Já no estádio, a caminho das cadeiras, entram num elevador enorme que sobe até o último nível da arquibancada. Ouvem-se as respirações das pessoas, num crescendo de ansiedade. O menino, último a entrar, fica mais perto da porta. O elevador sobe lento e ininterrupto. A tensão cresce entre as mais de vinte pessoas, na expectativa do palco que está para surgir. Um silêncio quente e uma sensação de iminência pairam no ar. O elevador para. A porta enfim se abre. E a paisagem maravilhosa apresenta-se como a própria verdade aos olhos do garoto. Grandiosa! … O Maracanã lotado!  Um bafo de som e calor invade o elevador. O canto da torcida do Flamengo em tarde de verão carioca é grave e lento e rubro e negro. Sob o sol, imensas e muitas bandeiras marcam o compasso surdo da batucada que rima com o pulso das cento e cinquenta mil pessoas. 

O menino paralisa. Não se sabe quanto tempo ficou ali bloqueando, à porta do elevador, a saída dos demais. Seu pai o resgata do estado cataléptico e ambos vão sentar-se que o jogo já está para começar.

Oprimidos atrás de um dos gols, a brancaleone torcida paulista é como um ponto verde no estádio vermelho e preto. Entre cantos e danças, a fanática torcida flamenguista entoa a previsível vitória do seu time. Canta especialmente o seu amor maior, Zico, o “Galinho de Quintino” ladeado por uma entourage invejável, Júnior, Adílio, Andrade e Tita. A escalação do time e todo o palco como fora armado faz ver que a derrota desse time beira a impossibilidade.

O Palmeiras, por outro lado, conhecido em São Paulo como a “Academia do Futebol”, confia no seu maestro, o meio-campista Jorge Mendonça, para quem a bola é uma parceira de dança. Além dele, Jorginho, o ponta direita vindo de Marília e os laterais Pedrinho e Rosemiro, com passagens pela seleção brasileira, são as principais atrações. A grande estrela dessa equipe, porém, não estava em campo, mas sentado no banco, o técnico Telê Santana, que duelaria com o treinador da própria seleção brasileira, Cláudio Coutinho. 

O apaixonado garoto aguarda o inicio do jogo espremido entre os adultos. Suas pernas tremem em delírios de ansiedade. A grande verdade rodrigueana finalmente revelada: o Maracanã era o mundo, nascido cinco minutos antes do nada.

Começa o jogo, o Flamengo vem para cima. A defesa tira. A pressão continua. O jogo é maravilhoso, ferve. De ataques e contra ataques. A cada descida do Flamengo o coração do menino parecia parar. E passava a bater novamente quando o Palmeiras tinha a bola. Afinal, era certo que a sorte e o azar eram responsabilidades suas. O menino de 13 anos acredita de verdade que um movimento em falso de sua parte poderia alterar todo o devir dos acontecimentos.

Assim, entre a vida e a morte, desenrolava a peleja. Enquanto o Flamengo se fazia todo entusiasmo e pressão, o Palmeiras, absolutamente frio, gelado, não deixava o calor das arquibancadas entrar no gramado. No contra ataque, gol! Gol do Palmeiras! Jorge Mendonça! O menino explode, soca o ar. Afinal os sonhos são possíveis! 

Logo a seguir, gol do Flamengo! Zico de pênalti. Tudo ruiu. Toda a esperança vira pó. A torcida do Flamengo, em fúria e paixão, vaticina o que dizia saber: a vitória seria certa no segundo tempo. Todo intervalo para roer as unhas. Para o segundo tempo, Telê Santana faz duas alterações. Uma delas é Jorge Mendonça, que sai contundido pela violência da defesa adversária. Com a perda do supercraque tudo ficara mais difícil. Quase impossível. 

E justamente nesse momento, quando as esperanças parecem todas perdidas é que surge espaço para o sublime, para o verdadeiramente magnífico e belo. Num instante de extrema superação, em menos de cinco minutos, o Palmeiras faz dois gols e a vitória se define brotando do improvável. Carlos Alberto e Pedrinho marcam, o menino explode, delirando de alegria. No estádio só se ouve a pequena torcida verde e branca. Quase cento e cinquenta mil adversários se calam, batidos. O Maracanã se transformava  afinal no “Recreio dos Bandeirantes”.

No último minuto ainda o quarto gol! O menino explode! Canta, vibra, grita e se joga ao chão, molhando de lágrimas o cimento da arquibancada, pois tanta alegria só pode ser expressa com lágrimas!

 

*

 

Naquele dia, como em nenhum outro momento, acreditei em todas as ilusões. As tive todas em minhas mãos. Realizáveis, mais que possíveis. A certeza que o mundo nasceu com uma função principal. O de ser conquistado. Por mim.

Não me passaria jamais pela cabeça que depois de cinco dias meu supertime fosse eliminado do campeonato por outra equipe de nem tanta categoria. Tampouco acreditaria se alguém me dissesse que depois de um ano o grande rival seria campeão do mundo.

Mas essas são outras estórias, que não diminuem, e ficam até pálidas, diante do dia mais feliz da minha vida.

 

TENDE PIEDADE DE NÓS

por Eliezer Cunha


Encerra-se finalmente o jogo, Vasco x Palmeiras em São Januário pelo Brasileirão de clubes 2019. Deixa-me corrigir, digo partida. Não posso classificar o que acabo de assistir e que me fez sair da inércia do aconchego do meu leito, para dissertar esta resenha, como jogo, não me permito.

Por parte do Palmeiras fica evidente o desinteresse pelo título disputado, mais ainda, demostra desprestígio pelo adversário da partida, isso, quando um time, talvez o único, a ter possibilidade de ultrapassar o time principal e líder do campeonato, favorito para conquistar o maior campeonato nacional, traz para a disputa praticamente seu time reserva. Audacioso seu técnico, paciente sua torcida e irrelevante o título disputado. Revirando minha memória não identifico nada de útil que possa ter ocorrido nesta partida. A pelota mais uma vez se depositou em segundo plano e o que se viu foi um bando de jogadores arremessando a bola para onde o nariz apontava. Infelizmente o que podemos assistir em 90 minutos foi: gol contra, enxurradas de cartões distribuídos, excessos de interrupções por reclamações e faltas, um juiz em campo desnorteado, nenhum esquema tático, atuação desnecessária do VAR, fundamentos básicos do futebol esquecidos, passes errados, escanteios mal batidos e qualidade do gramado a dar inveja a qualquer campo de várzea.

Por outro lado ainda ter que assistir uma equipe de jornalistas (Narrador e comentaristas) fazendo o possível para trazer normalidade e emoção à partida (comum nesta emissora). Cadê a verdadeira opinião desvinculada? Cadê a consideração com o telespectador? Cadê o compromisso com a profissão? Outra ocasião um jogador perdeu um gol e a justificativa de um dos comentaristas foi que a bola enganou o jogador… Desliguei no ato a TV.

Para alguns torcedores mais jovens estas minhas considerações podem não possuir sentido ou lógica, agora, para quem ia ao Maracanã mais cedo na década de 70 / 80, a fim de conquistar um lugar no espaço mais alto da Geral “ferro da geral” (Estrutura tubular que envolve a geral, entre o espaço da geral e as cadeiras), assistir as equipes de Zico e Roberto Dinamite sabe como dói hoje ter que assistir alguns atletas correndo atrás daquilo que para eles é apenas e somente um objeto esférico.

E continuamos a implorar agora mais que nunca: Jesus tende piedade de nós e do futebol carioca.

O TRIUNFO PODE ESPERAR – UMA LIÇÃO DE VIDA

por Serginho 5Bocas


Era dezembro de 1979 e o Flamengo o time sensação do Brasil, pois dominava amplamente o cenário carioca e começava a montar o grande esquadrão que faria história no País, na América e no mundo.

Naquele dia, foram mais de 112 mil torcedores presentes ao jogo, destacando que havia pelo menos 10 mil palmeirenses acreditando na equipe e por esta razão viajaram de Sampa para o Rio, para assistir à partida. 

Meu irmão Geraldo me levou ao Maracanã e na minha mente infantil seria um grande dia, pois se o Flamengo vencesse, passaria para a semifinal do Brasileirão daquele ano e enfrentaríamos o Inter, de Falcão, que era uma máquina de jogar bola. Mas primeiro tínhamos que despachar o Palmeiras, um belo time armado pelo mestre Telê Santana.

O Maracanã fervia o concreto com pelo menos 100 mil flamenguistas muito confiantes, sabíamos que daquela vez nada iria atrapalhar, agora não tinhamos só o Zico, havia também o Paulo Cesar Carpegiani, o Adílio, o Adão, o Tita, enfim, muita gente boa. Agora tínhamos um time de respeito, bastava vencer e sair para o abraço.

O primeiro tempo terminou 1×0 para o Palmeiras e o empate viria no inicio do segundo tempo com Zico fazendo de pênalti, e até aquele momento um jogo muito equilibrado. Estávamos tensos, pois em minha cabeça de menino, então com 12 anos, não entendia porque não goleávamos logo aquele “timinho”, algo estava errado.

Pois bem, no segundo tempo, vimos uma grande atuação do Palmeiras, o time de Jorge Mendonça, de Jorginho, de Pedrinho, de Mococa, de Pires, e principalmente de Telê Santana. O Verdão, que enfiou 4 a 1 em nossa goela em pleno Maracanã, com direito a “sambadinha” de Carlos Alberto Seixas quando fizeram o último tento. 

Hoje, vejo que este jogo foi um divisor de águas, um excelente laboratório que nos preparou para vencer no futuro. Na verdade, naquele dia, chorei muito de mãos dadas com meu irmão, pelo caminho escuro da saída da arquibancada, num silêncio frustrante de uma massa que compareceu e apoiou a equipe enquanto pode.

Tristeza de um menino que viu seu sonho frustrado e achava que nunca mais seria campeão brasileiro. Menino que depois, pouco depois, pra ser mais exato no ano seguinte, conheceria o outro lado da moeda, e teria toda sorte de títulos e glórias, inclusive com uma forra contra este mesmo Palmeiras por 6 a 2. Mas que naquele dia, sentiu o gosto amargo da derrota, e aprendeu que a vida não é feita só de vitórias e mais que isso, que nossos heróis também falham.

Ali, naquele trágico dia, eu nunca poderia imaginar que aquele jogo me daria uma grande lição de vida e que o melhor ainda estava por vir.

‘JULINHO É O MELHOR BRASILEIRO NA COPA DE 54’. SE PUSKAS FALOU, TÁ FALADO!

por André Felipe de Lima


Imagine se Garrincha não tivesse existido ou jamais gostado de jogar futebol. Imagine se, por uma obra descarada do acaso, além de outros clubes cariocas, o Botafogo também dispensasse o Mané e ele decidisse manter-se recluso na pequena Pau Grande, no pé da Serra do Rio, pescando e jogando suas peladas na terra batida no campo enfurnado dentro do mato. Imagine… quem seria afinal o melhor ponta-direita brasileiro (e mundial) em todos os tempo? A resposta, e todos os palmeirenses sabem disso, é única e insofismável: Julinho.

E, vejam só, igualmente ao que Mané, Julinho também teve quem o ignorasse. O Corinthians, quem diria, o desperdiçou. Com 19 anos, teimavam em escalá-lo na ponta-esquerda. Julinho foi parar no clube da camisa grená, na rua Javari, no bairro da Mooca. Apesar de ter começado a carreira no Juventus, Júlio Botelho, que nasceu em São Paulo no dia 29 de julho de 1929, apareceu para o futebol brasileiro pela Portuguesa, que o contratou em 15 de fevereiro de 1951 por 50 mil cruzeiros. Estreou contra o Flamengo, no Maracanã, no dia 18 de fevereiro de 1951. A Lusa perdeu por 5 a 2, mas ganhou um craque, que dias após o primeiro jogo, exatamente no dia 24 do mesmo mês, marcou os seus dois primeiros gols pela Portuguesa, na vitória de 4 a 2 sobre o América do Rio, no Pacaembu. Foram 191 jogos e 101 gols pela Lusa, uma ótima média para alguém que era muito mais armador que finalizador de jogadas.

A Portuguesa que Julinho defendia foi um dos melhores times já vistos no futebol brasileiro. Aquele timaço conquistou dois torneios Rio-São Paulo, em 1952 e 55. Um timaço capa de provocar uma avalanche de gols sobre o Corinthians, como aconteceu em 25 de novembro de 1951. Foi 7 a 3 para a Lusa, com quatro gols de Julinho. Até hoje os torcedores da Portuguesa não esquecem essa escalação: Muca, Nena e Noronha; Djalma Santos, Brandãozinho e Ceci; Julinho Botelho, Renato, Nininho, Pinga e Simão. Um time inigualável. Mas o sucesso de Julinho superou o daquele esquadrão. Ultrapassou fronteiras.

Em 1955, após a Lusa conquistar mais um torneio Rio-São Paulo, a Florentina pagou uma quantia abaixo do que Julinho valia e o levou, em julho, para a Itália. Mal aportou na “Bota”, ajudou a equipe a conquistar o primeiro campeonato italiano da história do clube, na temporada 1955/ 56, e continuou brilhando com a camisa violeta nos vices-campeonatos de 1956/ 57 e 1957/ 58. A temida Fiorentina de Julinho também chegou à final da Copa dos Campeões europeus, em sua segunda versão, no certame de 56/ 57, perdendo [2 a 0] o título, no campo do adversário, para o Real Madrid, com gols de Di Stefano [de pênalti] e do ponta-esquerda Gento. Embora a Fiorentina saísse derrotada para o poderoso Real Madrid, Julinho já estampava as manchetes dos jornais italianos como um dos grandes craques do futebol europeu daquela época.

O lateral–esquerdo sueco Sven Axbom, após a tortuosa tarefa de “marcar” Garrincha na final da Copa do Mundo de 1958, confessou a uma emissora de TV de Estocolmo que tudo ficaria ainda mais difícil com Julinho: “Há um ponta na Fiorentina melhor que Garrincha e que, felizmente para todos nós, não veio a esse Mundial”.

Julinho não teve tanta sorte com a camisa amarelinha. Mas brilhou em algumas ocasiões. Foi campeão pan-americano em 52 e disputou a Copa do Mundo de 54, na Suíça, quando foi eleito o melhor ponta-direita da competição. Sobre ele, disse Puskas, o extraordinário craque húngaro, durante a Copa de 54: “Julinho é o melhor de todos os brasileiros nesta Copa”.

Sempre foi lembrado pelo treinador Vicente Feola, até as vésperas da Copa de 1958. Era um dos intocáveis na lista prévia do treinador, mas um gesto incomparável norteado pelo bom caráter de Julinho deixaria Feola perplexo. Julinho virou-se para ele e disse que não merecia ser convocado. Alegara não ser justo defender a seleção se, naquele momento da carreira, não jogava no Brasil. Diante de um irredutível Julinho, Feola riscou o nome do craque da lista e levou para a Suécia Joel, grande ponta do Flamengo, e Garrincha.

Mas Julinho queria regressar ao Brasil. Saudades de São Paulo e da Penha, bairro onde nasceu e cresceu. O craque não estava feliz em Firenze apesar do carinho que recebia do clube e dos torcedores. Um período em que Julinho era chamado de “Senhor Tristeza”. Mas a diretoria da Fiorentina não queria deixar Julinho partir e fez ao ídolo uma proposta irrecusável para mantê-lo. Julinho ficou por mais um ano, mas infeliz. Com a morte do pai, decidiu: “Volto ao Brasil”. Deixou saudades na Fiorentina, onde é considerado um dos maiores craques da história do clube.

PALMEIRAS FOI MAIS RÁPIDO


Os clubes brasileiros ao saberem do interesse de Julinho em retornar ao país trataram de mexer nos cofres. E chovia proposta de todos os cantos. Era Vasco, era Corinthians… mas o Palmeiras antecipou-se. E em agosto de 1958, logo após a Copa, Julinho chegava ao Parque Antarctica. Agora, enfim no Brasil, a ética de Julinho lhe permitiu vestir a camisa canarinho novamente. Em um amistoso contra a Inglaterra, no dia 5 de maio de 1959, no Maracanã, entrou em campo debaixo da vaia de mais de 140 mil pessoas, que se acotovelavam para ver Garrincha. O tropeço no degrau do vestiário parecia o prenúncio de uma queda também dentro de campo, mas Nilton Santos, grande lateral-esquerdo e compadre de Mané, chegou ao seu lado e disse: “Vai lá e faça-os engolirem esta vaia”. Não precisa nem escrever muito para saber o que aconteceu em seguida nos gramado. Para encurtar a história, no dia seguinte as manchetes inglesas apontavam: “Brasil agora tem dois Garrinchas”. Na vitória por 2 a 0 fez um gol e deu o passe para outro. Saiu aplaudido pelas mesmas 140 mil vozes que o vaiaram. Ali, diante daquele palco, ovacionado, Julinho mandou às favas a ignomínia a qual foi submetido naquele injusto Maracanã e… chorou.

Mas o que Julinho ouvia constantemente da torcida do Palmeiras foi aplauso durante oito anos de amor incondicional. Quando esteve no clube, conquistou vários títulos, como os campeonatos paulistas de 1959 e 1963; os torneios Rio-São Paulo de 1965 e 67 e a Taça Brasil — o campeonato brasileiro da época — de 1960. Em 1962, Julinho iria à Copa do Mundo do Chile, mas novamente demonstrou o bom caráter que o tornou um dos mais respeitados jogadores brasileiros na história. Com o joelho machucado, falou para o técnico Aymoré Moreira que não deveria ir. Aymoré não concordou: “Vá assim mesmo. A sua simples presença incentiva o grupo”. Julinho, que jamais prejudicaria companheiros, agradeceu ao insistente treinador e sugeriu que convocasse o jovem e talentoso Jair da Costa.

Pelo Verdão, o “Flecha Dourada” Julinho, como foi apelidado pelo radialista Geraldo José de Almeida, disputou 267 jogos e marcou 80 gols. Despediu-se durante a partida em que o Palmeiras derrotou o Náutico por 1 a 0, no dia 12 de fevereiro de 1967. No escrete nacional, atuou 27 vezes, com 18 vitórias, dois empates e 15 gols assinalados. Chegou a vestir a camisa do São Paulo uma única vez, em 9 de outubro de 1960, na festa de inauguração do Morumbi, quando o Palmeiras o emprestou e também Almir e Djalma Santos ao São Paulo, que derrotou o Nacional de Montevidéu por 3 a 0.
Nunca foi esquecido. Nem pelo Palmeiras, tampouco pela Portuguesa, muito menos pela Fiorentina, que o tornou famoso na Itália a ponto de precisar se esconder para fugir do assédio dos torcedores. Um restaurante de Firenze, o reverencia até hoje. Em uma placa no estabelecimento está escrito “Aqui almoçava Julinho”.

Ademir da Guia confidenciou ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza [bi[ografo do Divino] que Julinho, quando retornou da Itália para o Palmeiras, em 1958, exigiu uma cláusula no contrato que o dispensaria da concentração para os jogos. “Aqui, no Palmeiras, ele não se concentrava. Ficava na casa dele, na Penha. Na hora do jogo [quando aqui em São Paulo, Jundiaí ou Santos] ia direto para o estádio ou [quando fora de São Paulo] para o embarque do ônibus ou avião. Isso funcionava perfeitamente. Ele não se desgastava. Não ia para as noitadas, nem nada. Ficava em casa e ia para o jogo. Teve até uma história espetacular que envolveu Júlio. Ademir recorda: “A cada ano que passava, o Júlio gostava, cada vez menos, de ir jogar no interior. Nos jogos na capital ele brilhava. Jogava como nunca, mas para o interior ele não gostava de ir. Algumas vezes, tínhamos um jogo no interior na quarta-feira e um clássico aqui no Pacaembu no domingo. O que fazia o Júlio? No treino da terça-feira, ele dizia que estava sentindo uma contusão. Nem daria para terminar o treino ou para viajar para o jogo de quarta-feira e ficava em tratamento. Tratava da contusão e no domingo dizia para o treinador que estava quase bom e pronto para o clássico. O treinador tinha de espernear para acertar a situação pois, invariavelmente, o Gildo substituía o Júlio e jogava muito bem.”

O treinador na ocasião era Geninho, outrora craque do Cruzeiro e do Botafogo. Segundo Ademir da Guia, Geninho escalou Gildo na ponta-direita e Nilo, egresso do América campeão carioca de 1960, na esquerda, em jogo realizado em uma quarta-feira. No domingo seguinte, clássico contra o Corinthians. Julinho disse a Geninho ter “melhorado” da contusão e que “estava oitenta por cento”. Geninho respondeu que era preciso estar cem por cento. E barrou o craque do time. Ademir da Guia presenciou o episódio: “Ninguém esperava que ele dissesse aquilo. Foi espantoso! O Júlio era um homem de uma integridade inabalável. Quando foi convocado para a Copa de 58, recusou a convocação porque estava jogando há muito tempo fora do Brasil e não achava correto ser preterido um jogador que vinha atuando no Brasil. É uma atitude rara, muito especial mesmo.”

Depois que parou de jogar, Julinho ainda treinou as categorias de base da Portuguesa, Palmeiras e Corinthians, mas largou tudo para se dedicar ao clube de futebol de várzea que fundou, o Rio Branco, no bairro onde nasceu e morreu, a Penha, na zona leste de São Paulo. Hoje, em homenagem ao genial ponta-direita, ergueram na Penha uma escola batizada com o nome do craque, que mantém um memorial do ídolo alviverde, com camisas e fotos da carreira de Julinho pelos clubes que defendeu e seleção.

Um derrame o deixou com o corpo parcialmente paralisado. Ao invés da bola como companheira, Julinho viveu seus últimos dias em uma cadeira de rodas.

Foi um ídolo na Itália e no Brasil, mas não fez fortuna. Muito doente, não conseguiu juntar R$ 25 mil para custear um aparelho que seria inserido em seu coração. Tentou-se de tudo para obter a quantia. Os médicos não ouviram o apelo da família e até a diretoria do Palmeiras rechaçou a sugestão para que um torneio entre os clubes que Julinho defendeu fosse disputado e a renda destinada para o tratamento do craque. Preocupados, dirigentes da Fiorentina ligavam com freqüência para saber do estado de saúde de Julinho, aquela altura já internado no Centro de Tratamento Intensivo.
Todo o descaso tem um preço. E Julinho pagou com a vida a falta de solidariedade. Morreu de parada cardiorrespiratória no dia 11 de janeiro de 2003, no Hospital Nossa Senhora da Penha, em São Paulo. No enterro de seu corpo, mais de 150 pessoas lotaram o Cemitério da Penha.

“Não tive a oportunidade de jogar ao lado do Julinho. Mas o enfrentei em várias ocasiões, principalmente quando ele defendia a Portuguesa. Tratava-se de um ponta muito rápido, que tinha uma característica singular: não conseguia driblar parado. Além disso, em campo era muito educado. Não me recordo de tê-lo visto participando de discussões […] Ele entrava em campo apenas para jogar. Não desviava o foco jamais. Lembro que no início da década de 50 o Palmeiras estava prestes a conquistar a Taça dos Invictos e teve uma seqüência de 17 partidas sem perder interrompida pela Portuguesa do Julinho. Mas as melhores lembranças que guardarei dele são da época em que atuava pelo time de veteranos do Palmeiras. Será difícil esquecê-lo”. As palavras são do maior goleiro da história do Palmeiras: Oberdan Catani, um dos poucos ex-craques palmeirenses que compareceram ao enterro em meio a muitos torcedores da Lusa e do Palmeiras.

Longe de seu eterno ídolo, os tifosi da Fiorentina também renderam homenagens ao craque. Bandeiras da equipe da região da Toscana foram enviadas à família e alguns torcedores do time que viviam em São Paulo compareceram ao enterro. O saudoso locutor esportivo Fiori Gigliotti lembrou com carinho do craque Julinho: “Certa vez, durante uma viagem para Florença, fui convidado pelo Julinho para almoçar. No caminho até o restaurante, pude perceber o quanto ele era amado pela torcida local. Os guardas simplesmente interrompiam o trânsito para que passasse. No restaurante, Julinho e seus convidados foram tratados como reis”. Um ídolo incontestável, que recebia todos os anos passagens aéreas para ser reverenciado em Firenze.

Na Itália, já fizeram muito sucesso o ex-lateral-esquerdo cruzeirense Nininho, na década de 30, Mazzola — para os tifosi, simplesmente “Altafini” —, Falcão, Zico, Careca, Aldair, Cafu, Kaká… mas Julinho Botelho foi o maior deles. Talvez, apenas Falcão tenha sido tão idolatrado como ele. Mas somente Julinho tinha uma camisa número sete da Fiorentina com o seu nome escrito em uma época em que jamais escreveriam o nome dos jogadores além dos números. Em um dos quartos da casa em que Julinho viveu em São Paulo, na parede havia jornais italianos emoldurados e a flâmula de um clube peruano, o “Club Atlético Julinho”, que enalteciam o talento de Julinho Botelho, uma verdadeira instituição do futebol. “O Júlio Botelho talvez tenha sido o maior ídolo da história do Palmeiras e também da Fiorentina […] Quando foi jogar na Itália, ele chegou e era o craque que se destacava. Só dava ele, foi mais ídolo ainda. O Júlio era uma pessoa muito correta, muito simples. Não bebia, se dedicava sempre o máximo que podia”. Palavras de Ademir da Guia.

CAREQUINHA, O BOTECO E O FUTEBOL

por Paulo Escobar


Num boteco de madeira debaixo de um viaduto na radial leste é possível ver a paixão nas paredes daquele canto. Sentado no seu sofá, olhando aquela TV de tubo é possível pedir um cigarro solto ou uma dose de cachaça.

Carequinha, como é conhecido, serve cada maloqueiro daqueles quase 300 que passam por dia, alguns para desabafar e outros para pedir fiado, apesar da placa: “Fiado nem na bala”.

Ali foi construído um verdadeiro altar ao Palmeiras, ali é sofrimento e alegria rolando solta. Naquela radial leste sentido Itaquerão, muitos corintianos já gritaram alguma provocação a caminho do estádio.

E justamente nos clássicos que Carequinha não permite que os rivais assistam o jogo no seu boteco, pois dá azar o rival no mesmo ambiente.

A seleção da CBF naquele espaço não é tão importante quanto os jogos do Brasileiro. Sagradas são as rivalidades e zoeiras em dias de jogos.

Para Carequinha, Palmeiras tem mundial, e naquela parede de madeira encontra-se uma foto de revista com Ademir da Guia, pois cada um tem seu Deus e nós, como inter religiosos, o respeitamos.

Um dia, um ônibus da Mancha Verde a caminho do estádio parou naquele boteco, e levou Carequinha ao estádio. Foi o dia que Carequinha conheceu a Arena. Lugar no qual só poderia estar graças a essa atitude.

Em dias de jogos decisivos, os moradores de rua da maloca prestam atenção ao que ocorre no boteco. Acontece que em dias de jogos decisivos ou de títulos, Carequinha abre uma caixa de corote e distribui para a geral. Acredito que mais de um torcedor rival torceu pelo Palmeiras, pois cachaça de graça pra quem tem dificuldade em comprar não é todo dia.

No bar do Carequinha debaixo do viaduto Alcântara é vivido o futebol da forma mais raiz possível, ali aonde os deixados à margem dos estádios e canais fechados ainda vivem suas paixões no rádio.

Sim ali no boteco da maloca ouvir jogo no rádio ainda é tradição. Ali a paixão é vivida de forma muito intensa, pois muitas vezes debaixo de um viaduto de uma cidade rica, que destina milhares à pobreza, a única coisa que não se tira é a paixão.

Por mais que muitos insistam em transformar o futebol em esporte de gente rica, nas malocas a paixão intensa e de coração não será roubada.