por Claudio Lovato
É o mesmo cara ou não é?
Claro que sim.
Lógico que não.
Sim, senhor.
Não mesmo.
Foi craque, jogou na seleção, disputou Copa do Mundo, encerrou a carreira há trinta anos.
E, agora, cabelo grisalho, sobrepeso, marcas do tempo espalhadas pelo rosto.
É o mesmo cara ou não é?
Só é.
De jeito nenhum.
O sorriso de quem fez tudo o que havia para fazer na condição de ídolo de várias torcidas, os gestos que já não guardam tanta energia, as palavras de poucas ênfases.
Mas o olhar.
É o mesmo cara ou não é?
Claro que é.
Dá pra sacar pelo olhar.
O olhar de quem ainda solta bombas na lembrança. (E ainda tentaria mandar algumas hoje mesmo se fosse chamado a fazê-lo.)
De quem encobre goleiros na imaginação. (Sendo que nenhum desses devaneios supera o que ele fez na realidade quando era jovem, magrinho, cabeludo e feliz proprietário de um canhão na perna esquerda.)
O olhar de quem levou exércitos de meninos a decidir ser jogadores de futebol. (Sim, ele, figura maior na galeria pessoal de cada um daqueles para os quais sempre será o mais referencial e inspirador dos mestres.)
O olhar de quem sabe que fez milhões de torcedores se sentirem fodões-soberanos-donos-do-pedaço dentro do ônibus e depois na firma na segunda-feira de manhã.
Sim, é o mesmo cara.
Sentado no sofá do apartamento de três quartos, a cerveja colocada na mesa de centro pela companheira de muito tempo, o pensamento longe, um herói temendo o esquecimento em seu descanso tão merecido quanto indesejado.
Mas o mesmo cara.