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Nilton Santos

VOLTA NILTON, VOLTA!

por Victor Kingma


O futebol, essa paixão nacional, é feito de histórias, muitas delas fantasiosas, fruto da imaginação dos torcedores. 

Assim, através dos  tempos, cada gol ou lance  inusitado que tenha acontecido numa partida,  são contados pelos boleiros de forma diferente, onde são acrescentados novos detalhes e até outros personagens para o mesmo fato, quase sempre envolvendo figuras marcantes do futebol.

E essas histórias acabam entrando definitivamente para o folclore do velho esporte bretão.

Entretanto, existem aquelas que se tornam verdadeiras lendas e possuem registros oficiais que as comprovam, a despeito de pequenos detalhes que possam ter sido acrescentados pelo imaginário dos amantes da bola.

Uma dessas lendárias histórias foi a que  aconteceu na estreia do Brasil, na Copa de 1958, na Suécia.

Brasil e Áustria se enfrentavam. A seleção havia vencido o primeiro tempo por 1 x 0, gol do centroavante palmeirense Mazzola, e tinha  o jogo sobre controle.

Entretanto, logo que começou a segunda etapa, os austríacos iniciaram uma grande  pressão em busca do empate. O goleiro Gilmar já havia feito duas difíceis defesas.

Aos cinco minutos o time austríaco inicia novo ataque pela direita quando Nilton Santos desarma o arrisco ponteiro Horac e parte para o ataque, coisa rara nos laterais daquela época. 

No banco, o técnico Vicente Feola, temendo que ele pudesse perder a bola e propiciar um contra-ataque fatal, grita desesperado:

–  VOLTA, NILTON! VOLTA, NILTON!

O lateral, com a personalidade que sempre o acompanhou, não dá ouvidos ao treinador e prossegue na jogada.

– VOLTA, NILTON, VOLTA NILTON! – Insistia,  descontrolado, o treinador.

O craque botafoguense, então, avança com a bola dominada, tabela com Mazzola, recebe na frente e desloca o goleiro Rudolf Szanwald com um toque de classe: Brasil 2 x 0!  

– BOA, NILTON!  Valeu, meu craque! –  Teria gritado,  aliviado,  e quase sem voz,  o bonachão Feola!

A partir do gol, o primeiro marcado pela seleção por um defensor, com a bola rolando,   o Brasil voltou a tomar conta do jogo e ainda faria o terceiro, novamente através do avante  Mazzola.

Com a vitória por 3 x 0, e o lance marcante de Nilton Santos, a “Enciclopédia do Futebol”,  o Brasil iniciava a memorável campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol.

TRIBUTO AO QUERIDO “ENCICLOPÉDIA”

por Émerson Gáspari


Eu te amo, Nilton Santos!

Se pudesse encontrar o “Enciclopédia do Futebol” por aí, vivo e cheio de histórias pra contar, juro que esta seria a primeira frase que eu lhe diria, antes de abraça-lo.

Talvez ele até se assustasse a princípio, com um desconhecido lhe dizendo isso logo de cara, mas duvido que não fosse me receber com a costumeira ternura que destinava a todos os que o procuravam.

Percebam a sabedoria de alguém conseguir ser assim, mesmo convivendo ao longo da vida, no carregado meio futebolístico. É para poucos. Nilton conseguiu marcar sua trajetória não apenas como um dos melhores jogadores do mundo ou um dos mais camaradas. Deixou também um exemplo de profissionalismo e amor com sua história, a qual, mesmo após sua morte, continua a angariar novos torcedores para o Botafogo. 

Qualquer um dos personagens daquela época de ouro do clube que você imaginar; tiveram estreita relação e histórias legais com ele; Garrincha, Carlito Rocha, Didi, Neném Prancha, João Saldanha, Amarildo, Zagallo, Manga… até o cãozinho-mascote Biriba! E não apenas no time da “Estrela Solitária”, mas também nas Seleções Carioca e Brasileira, únicas equipes que defendeu, ao longo de dezessete anos.

De 1948 a 1964, atuaria em 825 partidas ao todo, marcando 15 gols e conquistando 35 títulos. Venceu 26 decisões e só perdeu uma. Algumas tiveram sabor especial, como as Copas do Mundo de 1958 e 1962 pela Seleção e os Campeonatos Cariocas de 1948, 1957, 1961 e 1962 pelo Botafogo.

Nada mal, para aquele garoto humilde nascido em 16 de maio de 1925, filho de pescador e morador no antigo bairro de Flexeiras, na Ilha do Governador, o qual, mais tarde, daria lugar ao aeroporto do Galeão (hoje “Tom Jobim”).

Quando garoto, após a aula, Nilton adorava jogar bola com os meninos da vizinhança. Chegaram até a formar um time, com uniforme e tudo: chamava-se “Fumo”. As bolas eram de meia ou de borracha e geralmente jogavam de pés descalços, tanto na grama quanto na areia. Nilton era o dono da ponta-esquerda.

Anos depois, passaria a integrar a respeitada equipe do Flexeiras Atlético Clube – atração daquela região – e aos poucos, se tornaria muito conhecido no pedaço, já que foi crescendo e desenvolvendo um futebol vistoso, atuando agora, a pedido do treinador, na posição de “centro-médio”.

Quando foi servir na Aeronáutica, Nilton acabaria escalado no time dos oficiais e sargentos – tremendo privilégio para um mero soldado – na meia-esquerda, armando o jogo e fazendo a festa de um major que lhe acenara com uma proposta: a cada assistência dele que redundasse em gol do tal oficial, Nilton receberia dois dias de folga. Acabaria ganhando um montão de folgas com isso!

Foi dali que surgiriam pedidos e indicações para que tentasse a sorte no profissional.  Dessa forma, acabou indo fazer testes no Botafogo, em 1948. De um grupo de jovens testados naquele dia em General Severiano, só ele acabou aprovado.

Lá, treinaria pela primeira vez, entrando no lugar do volante Ávila. Seu desempenho agradou muito o técnico Zezé Moreira e especialmente o presidente Carlito Rocha que, olhando para o seu tamanho e porte atlético (media 1,83 m.), perguntou se ele jogava “com a cabeça”. Depois, pediu para que ele saltasse e vaticinou: “Meu filho, você não vai jogar no ataque, não: seu lugar é na defesa; jogando lá, você será campeão carioca, brasileiro, sul-americano e mundial”.

Passou então a morar no alojamento do clube, após assinar seu primeiro contrato (de gaveta) ganhando quatrocentos cruzeiros. Estrearia num amistoso (21/3/48) frente ao América/MG. Antes da partida, ouviu comentários de um jogador, de que sua escalação não seria interessante para a equipe.

Pensou em desistir e discretamente, já ia se evadindo do clube, quando topou com o presidente Carlito Rocha, o qual – sem nada saber – o botou pra dentro, dizendo que ele iria jogar dali a pouco. Não sairia mais do time.


Logo, viria a estreia no “Cariocão” e suas atuações foram encantando a torcida, pois Santos (como era chamado na época) tinha muita segurança, primoroso domínio de bola e sabia sair jogando como ninguém. Na lateral então, adorava apoiar e até chutar a gol. Um consolo para ele, que no fundo, não gostava muito de jogar atrás. Mas, dada imposição de Carlito Rocha, preferia não discutir.

O Botafogo já curtia um indigesto jejum de treze anos sem conquistar um título carioca, mesmo contando em suas fileiras com o artilheiro Heleno de Freitas. Para azar dele, acabaria deixando o clube justamente naquele ano, antes da conquista do título de 1948, da qual “Santos” viria a fazer parte, ainda como quarto-zagueiro.

O plantel contava com bons jogadores, como o goleiro Osvaldo Baliza e o meia Geninho, mas Heleno – apesar do temperamento difícil e vaidoso – era o “craque” do time. Mandava e desmandava. Num treino, tentou recuperar uma bola perdida para Nilton, que fingiu recuá-la para o goleiro, mas, passando o pé por cima dela, rodopiou e deu uma “meia-volta” no atacante, saindo com tranquilidade.

Heleno, apelidado pelas torcidas adversárias de “Gilda” (personagem temperamental de Rita Hayworth, no cinema) não gostou do drible e quis partir pra cima de Nilton, que o encarou, dizendo: “Ih, ‘Gilda’, não vem não: quem sabe de você, é o Zizinho”,

insinuando um inverídico homossexualismo do atacante, na época talvez, o galã mais badalado do Rio de Janeiro.

Nilton Santos era assim: um camarada bacana, legal com todo mundo, mas que desde cedo, sabia impor-se diante da dura vida de jogador profissional.

A frase “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”  parece ter sido feita sob medida para ele.

Seu jeito contrastava de certa forma, com o ambiente futebolístico, geralmente “prostituído” por palavrões, vaidades e até concorrência desleal.

Mesmo seus adversários, eram tratados com o maior respeito e consideração.

O célebre meia Zizinho, por exemplo – então o maior craque no futebol brasileiro – sempre teve sua admiração, apesar de atuar pelo Bangu.

Certa vez, o Botafogo precisando muito de um meia-armador de ofício; Nilton insistiu que chamassem “Mestre ZIza” para resolver o problema.

Esbarrou na inflexibilidade de Carlito Rocha, que não o contratava por tentar “chutar o Biriba”, mascote do Botafogo, numa invasão de campo do cãozinho alvinegro.

Vejam se pode uma coisa dessas!

Só que a admiração passou a ser mútua com o passar do tempo, pois em certa ocasião, Zizinho se referiu a Nilton Santos com deslumbramento, dizendo que, num Argentina x Brasil (08/07/56), no Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, ele teria realizado uma partida absolutamente perfeita, sem vacilar ou errar um único passe e ainda por cima, policiar e corrigir os erros cometidos pela defesa brasileira, diante dos atacantes Sansone, Conde, Angelilo, Grilo e Cruz. Nem mesmo as entradas de Sívori e Michele alterariam o panorama daquela partida. Assim era Nilton Santos.

Um craque tão completo, que sabia usar até, as forças da natureza a seu favor.

Não era preciso, por exemplo, num Maracanã à tarde, avisá-lo sobre a presença de um “ladrão” por perto, caso ele estivesse de posse da bola e de costas para o inimigo: pela sombra do rival projetada no gramado, ele antevia a aproximação, saindo sempre com elegância pelo lado oposto, deixando o adversário “na saudade”.

Outro lance “ecológico” de Nilton ocorreu no início dos anos 60, numa partida contra o Palmeiras. Tudo porque um verdadeiro “dilúvio” desabou sobre o Pacaembu, levando a drenagem do estádio literalmente “por água abaixo”, especialmente na região da ponta-direita palmeirense, que se transformou num autêntico “piscinão”.

Pois em dado momento, a bola teimou em cair exatamente lá e Gildo do Palmeiras e Rildo do Botafogo tentavam tirá-la daquela “lagoa”, sem sucesso, enquanto a torcida zombava das tentativas frustradas de ambos.


Então, Nilton Santos abandonou a grande área, aproximou-se correndo e pôs a mão no peito de Rildo, afastando-o por um instante, enquanto Gildo apenas observava. E, como nem mesmo o mais experiente peladeiro saberia fazer, deu um violento pisão na água, bem ao lado da bola, a qual, atraída pelo “empuxo” subiu, pulando para o peito do pé de Nilton. Ele a levantou, amaciando-a na coxa e, notando um companheiro livre às suas costas, emendou uma bicicleta maravilhosa, entregando-a certinha, nos pés do colega. A torcida alviverde aplaudiu de pé!

Seu futebol era tão vistoso, que até no exterior lhe tomavam como exemplo.

Num torneio disputado no México, o célebre volante e meia argentino Nestor Rossi mandou o lateral Vairo (que estava tomando um baile de Garrincha) passar a mão nas pernas de Nilton Santos disfarçadamente, pois segundo ele, “nelas estaria contido o melhor futebol do mundo e quem sabe assim, ele não se contaminava um pouquinho e conseguia melhorar sua atuação?”.

Até mesmo fora das quatro linhas, Nilton exibia categoria e estupendo controle de bola, como quando gravou um comercial para uma famosa loja de roupas que vendia ternos sob a medida e no qual sua tarefa era equilibrar uma moeda e fazê-la cair dentro do bolso de seu terno.

Acontece que confeccionaram um terno especial, com bolsos maiores, para que ele pudesse cumprir a tal missão. Envergonhado pelo tamanho dos bolsos, pediu se a peça não poderia ser trocada e como teriam que ir buscar outro terno longe e isso iria demorar muito tempo, decidiu então, ele mesmo, resolver o problema.

Ao som do “gravando”, soltou a moeda e a controlou no pé, fazendo duas ou três embaixadinhas. De repente, deu um chute mais forte e alto, puxando o bolso de níquel da calça e fazendo a moedinha cair lá dentro, de primeira.

Ao som do diretor gritando “corta!”, só se ouviam aplausos no estúdio.

Pelé foi outro que tinha enorme respeito pelo lateral. Geralmente, no maior clássico do país daqueles tempos – Santos e Botafogo – Nilton era o marcador do Rei e cumpria sua missão sempre com lisura e esportividade. Certa vez, em partida no Maracanã, Pelé arrancou pela meia-direita, tentando aplicar-lhe um drible pelas costas, mas foi surpreendido quando Nilton puxou a bola com o calcanhar, com extrema precisão, impedindo a progressão da jogada e servindo ao companheiro mais próximo.

O próprio Pelé o cumprimentou na sequência, com um tapinha nas costas. 

Era uma reverência que o Rei não costumava conceder a muitos, diga-se de passagem.

Até porque, Nilton foi uma referência para o “negão”, ainda no início de carreira, no ambiente de Copa do Mundo, vivido pela Seleção Brasileira. Há inclusive uma foto belíssima de Pelé emocionado, chorando copiosamente após a conquista do título, abraçando fortemente Nilton Santos, o qual lhe retribui com um afago na cabeça, enquanto ostenta um sorriso iluminado na face, de pura satisfação. 

Mais de uma vez, Nilton Santos chegou a ser questionado quanto à “fórmula” para se marcar Pelé e Garrincha. Rindo, ele costumava responder o mesmo que João Saldanha: para parar Pelé e Mané, só na bala!

Segundo ele, o melhor a fazer, no caso de Pelé, seriam dois marcadores posicionados lado-a-lado, alguns metros antes da grande área, de frente para ele, aguardando sua aproximação. Mas não apenas isso: com um terceiro marcador, acompanhando-o de perto, por trás, a fim de tirar-lhe a concentração, aquele raciocínio antecipado da jogada, causando-lhe com isso, certa insegurança e preocupação, no lance.


Já com o “imarcável” Garrincha, a solução seria não aceitar sua provocação costumeira de oferecer a bola para que você desse o bote e acabasse driblado: o ideal seria ir recuando e procurando, ao mesmo tempo, encurralar o “torto”, direcionando-o para um canto do gramado, onde as chances de desarmá-lo aumentariam um pouco.

Mas – sempre fazia a ressalva – isso tudo teria que ser num dia em que ambos não estivessem muito inspirados. Porque senão…

Supersticioso desde jovem, Nilton Santos começaria com o pé direito no profissional, dando sorte logo em seu primeiro ano de Botafogo, tornando-se campeão carioca.

Isso após o Botafogo ter sido quatro vezes vice consecutivamente!

A partida final foi diante do Vasco e aquela seria uma “prova de fogo” para o craque, pois embora jogando no estádio de General Severiano e tendo aberto dois à zero no marcador, o recém-denominado “clube da Estrela Solitária” correu riscos em sua vitória, quando o zagueiro Gérson deixou o gramado após violenta pancada na cabeça, logo no primeiro minuto do segundo tempo, deixando a equipe com dez, até o final.  Porém, o “Enciclopédia” jogou por ele e pelo companheiro de zaga, sabendo controlar o ímpeto do ataque adversário, que ao final, saiu de campo derrotado por 3×1, para delírio botafoguense (12/12/48).

Ao longo das temporadas seguintes, o jovem Nilton Santos foi mostrando todo seu fantástico talento, a ponto de certo dia, ao chegar em casa, o pai lhe questionar, espantado: “Meu filho, o locutor do rádio disse que desde Domingos da Guia, não aparecia um jogador que atuasse tão bem, com tanta classe,  quanto você, na quarta-zaga. É verdade isso, querido; você está jogando tão bem assim?

Apesar de todo o seu potencial, o fato é que nos anos seguintes tudo seria mais difícil, até porque, ele se tornaria o único craque do time. Alguns torcedores chegavam a dizer que na verdade, “ele” é quem era a “Estrela Solitária” da equipe.

Brincadeiras à parte, Nilton jamais cogitou sair do Fogão, recusando propostas por seu bom futebol. Até que, após a chegada de Garrincha, Didi e outros craques, as coisas foram entrando nos eixos e em 1957, viria mais um título carioca para as mãos dele, dessa vez, com a maior goleada da história das finais daquele certame estadual: 6×2 em cima do Fluminense, no Maracanã (22/12/57).

Foi uma vitória tão marcante e alegre, que Nilton e Didi combinaram que a cada gol alvinegro, rasgariam um pedaço de suas próprias camisas. Terminariam com os uniformes quase que em frangalhos.

Mas nem tudo eram flores: pouco tempo depois (23/3/58) num dos amistosos disputados pelo Glorioso, desta feita no estádio Independência, em Minas Gerais, o time atuava diante do Atlético/MG e perdia por 4×0 no primeiro tempo, com gols de Tomazinho e mais três de Alvinho.

Tomado pela cólera, o técnico João Saldanha, naquele dia, fez com o time o mesmo que faria onze anos depois com a Seleção, numa partida pelas Eliminatórias. Simplesmente, trancou o vestiário no intervalo e disse para os atletas que não iriam entrar para tomar banho; que ficassem no gramado – de castigo – para resolverem entre eles mesmos, os problemas que estavam apresentando em campo.

A punição valeu: o Botafogo voltou “aceso” para a etapa final e com gols de Edson,

Garrincha, Paulo Valentim e mais dois de Quarentinha (além de uma atuação bastante destacada de Nilton Santos, lá atrás), virou inacreditavelmente para 5×4. 

Nesses tempos, Nilton Santos já era o dono da lateral-esquerda do Botafogo e das Seleções Carioca e Brasileira.

O selecionado nacional, inclusive, ele já frequentava e colecionava títulos desde 1949. Em 52, por exemplo, “destruiu” o ponta Gigghia, no Pan-Americano no Chile, dando dribles secos no atacante, chegando ao desplante de dar “rolinho” e tudo o mais à que tinha direito, vingando a Copa de 1950 de uma maneira toda pessoal, já que fora obrigado à assistir o “Maracanazzo” de fora, pois o técnico Flávio Costa o deixou na reserva, pelo simples fato de Nilton não usar chuteiras de bico duro, próprias para dar chutões, como ele exigia. Nilton gostava de sair jogando, de tratar a bola com carinho.

Flávio foi um eterno desafeto do nosso lateral, que jamais o perdoaria por isso, assegurando muitas vezes em entrevistas que o Brasil poderia até perder aquela final pro Uruguai, mas não pelo setor dele, caso enfrentasse Ghiggia. 

Como duvidar de um atleta que integrou a Seleção Brasileira nas Copas de 50, 54, 58 e 62, tendo sido campeão nas duas últimas? E que foi eleito o lateral-esquerdo da Seleção Mundial do Século XX?


Um craque que possui duas estátuas erguidas em sua homenagem; uma na sede do clube em General Severiano e a outra no estádio olímpico Nilton Santos (de quatro metros de altura). Um ídolo que empresta seu nome a dois estádios: um em Palmas (aliás, o maior do estado do Tocantins) e o outro, justamente o “Engenhão”, no Rio.

Mais do que um craque, um ídolo, Nilton Santos foi um monstro sagrado do futebol brasileiro, indiscutivelmente.

Pelo Botafogo, além das conquistas dos Campeonatos Cariocas, houve também a dos Torneios Rio/SP de 62 e 64. O de 1962 foi particularmente marcante, sendo obtido após dois vices seguidos do Glorioso.

Aquela final diante do Palmeiras (17/3/62) teria ingredientes bem especiais: o Fogão sairia na frente, logo no primeiro minuto. Mas acabou surpreendido com o empate palmeirense quase em seguida. Daí por diante só deu Verdão, que dominou o meio-campo, mas não conseguiu traduzir sua superioridade em números.

Adivinhem a razão? Exatamente!

Nilton Santos destruía cada nova investida de Vavá, Chinesinho & Cia, com sua costumeira classe. Assim, a pressão palmeirense simplesmente acabou após o primeiro tempo. Daí por diante, Amarildo e Garrincha tomariam conta do jogo, que terminou com o placar de 3×1 para o alvinegro e mais um troféu na prateleira no clube.

A trajetória do “Enciclopédia do Futebol” (apelido dado por Waldir Amaral e que dispensa maiores explicações) foi pontuada por essa e muitas outras histórias impagáveis, que nos enchem de orgulho e uma certeza: jogador assim, nunca mais. Um cara que sabia como romper barreiras e ir além, com simplicidade e atitude.

Foi desse modo, que na Copa de 58, contrariou as ordens de Vicente Feola, quando resolveu avançar para o ataque, numa época em que isso era explicitamente proibido.

– Volta, Nilton, volta! – berrava o preocupado Feola, do banco.

Mas ele não esmoreceu: continuou avançando, seguro, agora pela meia-esquerda, por entre a zaga inimiga. Entregou a bola para Mazzola e a pediu de volta. Recebendo-a, tocou com categoria, por sobre o goleiro austríaco Szanwald, que saía desesperado da meta, na vã tentativa de fechar o ângulo.

– Boa, Nilton!!! – berrava agora Feola, satisfeitíssimo com sua ousadia e o gol marcado.

Estava sacramentada nossa primeira vitória rumo à conquista da Jules Rimet. Estava revolucionada a função dos laterais, no planeta. Era o fim da “trincheira” imposta pelos treinadores, que limitavam os laterais a meros “zagueiros periféricos”, marcadores de ponta, até então.

Se naquela Copa de 1958, Nilton foi importante, na de 62 ele seria crucial.


Tudo porque perdíamos o jogo diante da Espanha e num avanço do ponteiro Collar, Nilton avançou sobre ele e o tocou na corrida, ocasionando um pênalti, o qual, convertido, provavelmente liquidaria com as pretensões brasileiras.

Ato contínuo, ele completou sua passada, ficando com os dois pés sobre a linha da grande área, induzindo o juiz a assinalar falta. Depois disso viriam a virada, as vitórias, o bicampeonato mundial. 

Mas poucos lembram que esses dois lances em duas Copas diferentes, foram o ponto de partida rumo aos nossos primeiros títulos. Nessas ocasiões – é bom lembrar – Nilton estava com 33 e 37 anos de idade, respectivamente. Assombroso, não?

Há também a recordação dos mais antigos, de seu papo – juntamente com outros craques experientes da Seleção Brasileira de 58 – com Paulo Machado de Carvalho, a respeito da inclusão de Pelé, Garrincha e Zito na escalação do time que precisava se classificar e que acabaria sendo campeão.

Bem como, seus conselhos todas as noites para Amarildo, quando Pelé se contundiu na Copa de 62 e o “Possesso” soube que iria substituir o Rei, pressionado por uma tremenda responsabilidade alimentada pela imprensa.

Hoje, nossas maiores lembranças em Copas, tem sido outras: o gol contra de Fernandinho, as quedas de Neymar, os alemães passeando pela nossa área e se fartando de fazer gols, a famigerada trombada entre Júlio César e Felipe Melo ou até o Roberto Carlos ajeitando sua meia, enquanto uma bola era cruzada na área brasileira.

É; os tempos realmente mudaram. Para pior.

Nilton Santos atuaria profissionalmente até os 39 anos de idade.

Despediu-se do futebol em 16/12/64, na partida Botafogo 1 x 0 Bahia. Pouco antes, o Botafogo – já sem chances no campeonato – enfrentou o Flamengo, que precisava da vitória para continuar com esperanças de conquistar o título.

Nos instantes que antecederam aquele jogo, ele recebeu um troféu por parte da diretoria do Mengão homenageando-o e um dos cartolas tentou intimidá-lo, dizendo “veja lá o que você vai aprontar”. Sem pestanejar, Nilton respondeu-lhe apenas: “Já, já, você vai ver o que eu vou aprontar”.

Fim de jogo e o Botafogo venceu o rival por 1×0, em mais uma atuação espetacular de seu maior ídolo e assim, desclassificando também o Flamengo no campeonato.

Nilton Santos foi grandioso no futebol brasileiro, a tal ponto de ser respeitado pelas torcidas rivais, que demonstravam carinho pelo craque, mesmo sabendo que estavam diante de um botafoguense roxo. 

Algumas pessoas podem estranhar o fato de eu considerar Nilton Santos, o maior ídolo do Botafogo. Explique-se: até a revista Placar o elegeu como o maior – mais até do que seu “compadre” Mané Garrincha – por sua importância e identificação com o Glorioso. Além das 17 temporadas pela agremiação, há de se salientar que jamais Nilton vestiu a camisa de outro clube em toda a sua carreira. Não é para qualquer um. Tampouco para qualquer clube. Pelo prazer de ajudar o Botafogo e por entender e confiar em seus dirigentes chegou a assinar por três vezes, contratos em branco.

Ficar rico nunca lhe passou pela cabeça. Não foi à toa que apenas em 1962, conseguiu comprar um fusquinha importado, 1948.


Depois que parou com o futebol, foi treinador por pouco tempo e chegou até a montar uma loja de material esportivo, que inclusive fornecia o uniforme do Botafogo. Mas acabou quebrando – entre outras razões – porque tinha o hábito de não cobrar para os muitos amigos que o procuravam em seu comércio. Alguns, que conheciam seu coração grande, até queriam pagar, mas ele insistia que não era necessário. Quantas pessoas no mundo vocês conhecem assim?

Um fato curioso é que Nilton fazia tudo o que fazia em campo pelo setor esquerdo, mas usando a perna direita. Porém, ele mesmo sustentava que no fundo, era ambidestro, pois sabia sair jogando, driblando adversários pelos dois lados e usando ambas as pernas, demonstrando possuir igual habilidade, nelas.

Seu estilo de jogo consistia basicamente em se antecipar ao atacante numa jogada, ficando com a bola e, assim que pressionado, girar o corpo habilmente para qualquer um dos lados, saindo limpamente com a pelota, fazendo esse “volteio” de maneira veloz e natural, se mantendo sempre a uma distância segura do atacante, que parecia ficar um tanto surpreso e desnorteado, com o drible levado. Isso lhe evitava sofrer faltas e contusões mais graves. O incrível é que não perdia nunca a bola, mesmo executando isso dentro de sua grande área, com frequência!

Nessa altura do texto, fica uma certeza: ninguém foi melhor do que Nilton Santos, na lateral-esquerda. Ninguém!

Não é porque uma revista especializada colocou o R6 na capa chamando-o de “melhor de todos os tempos”, que ele seja. A propósito, a própria revista nem existe mais.

Nessa última Copa mesmo, quiseram criar uma onda em cima do Marcelo.

Depois das atuações dele não muito exuberantes e de sua falha de marcação no gol que nos eliminou, ficou mais difícil defender esse argumento.

Tem um grande jornalista que ousou escalar, esses dias mesmo, o Marinho Chagas em sua Seleção Brasileira Eterna. Nada disso! Marinho foi um grande lateral, sem dúvida, mas deixava uma avenida aberta, às vezes, quando descia para o ataque. Leão, que sofreu com ele no jogo que nos custaria o terceiro lugar diante da Polônia de Lato em 74, sabe disso melhor que ninguém. 

Esse mesmo defeito tinha Junior, “cracaço” indiscutível de bola, tanto na grama, quanto na areia, mas que não pode ser equiparado ao “Enciclopédia”. E nem é por ter falhado naqueles três gols de Paolo Rossi, que nos eliminou da Copa de 82, viu?!

Então, “teimosinhos de plantão”, o dono absoluto da lateral-esquerda no Brasil – e no mundo – é Nilton Santos. Ponto final.

Se na direita, existe a eterna celeuma entre Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, do outro lado, essa dúvida sequer deve existir.

E pensar que ele não gostava de jogar lá atrás, gente!


Se pudesse ter sido o ponta-esquerda que sonhou ser em seus primeiros anos de futebol e tivesse tido essa sua vontade respeitada quando iniciou no profissional, poderíamos ter testemunhado um ataque com Garrincha, Pelé e Nilton Santos, por exemplo. Já sonharam com isso?

Pois eu já, e muitas vezes!

Seria o maior ataque de todos os tempos, creio eu. Mas às vezes, podia ser que sem alguém tão competente e seguro lá atrás, talvez não tivéssemos conquistado nossos dois primeiros títulos.

Porque quando a coisa apertava, na base da pressão, lá estava o “Enciclopédia” para, com todo seu talento e experiência, contornar a situação e nos livrar do pior. E fazia isso sem “chiliques”, sem estrelismos, sem vaidades, na Seleção ou no Botafogo.

Por isso foi tão respeitado e quando o tempo passou e a idade avançada começou a cobrar seu preço, ele era amparado exemplarmente pelos companheiros e pelo clube, que custeou seu tratamento contra o Alzheimer e mais tarde, também o seu sepultamento, em 27 de novembro de 2013, aos 88 anos de idade, numa bela prova de gratidão.

Nilton Santos teve ainda um irmão que se tornaria jogador profissional e que também atuou no Botafogo e na zaga – inclusive bem parecido, física e fisionomicamente – com ele. Mas as semelhanças param por aí, porque a diferença técnica era absurda.

De temperamento amistoso, Nilton Santos perdeu algumas vezes a cabeça com certos árbitros, especialmente Armando Marques, a quem chegou inclusive a agredir. Numa das vezes em que se desentendeu com ele, foi por uma bola cruzada na área do Botafogo e que encobriu um companheiro de equipe, mas o juiz inventou um pênalti. Ao perguntar a ele o porquê da marcação, foi recebido com o característico “dedo na cara” que o apitador costumava utilizar.

Por ter filho pequeno e não admitir esse tipo de desrespeito, Nilton chegou às vias- de- fato, com ele. Em outra ocasião, já como supervisor de futebol, acabou por agredi-lo, pelo que vinha fazendo ao Botafogo, novamente. Mas foram raras oportunidades em que acabaria expulso de campo, porque não costumava cometer faltas duras, nem reclamar.

Aliás, também não reclamava de nada que o clube lhe dava e isso era motivo de exemplo para os demais. Quando chegava um jovem atleta ao Botafogo, que por uma razão ou outra resmungava de alguma coisa, como o uniforme não estar legal, por exemplo, o roupeiro Aluísio – até para persuadir o novato – saía-se com essa: “veja só o grande Nilton Santos que nunca protesta, jamais deu uma de ‘mascarado’; como é que você vai querer ter moral pra reclamar aqui, rapaz?”.

Até que um dia, durante uma partida, a chuteira de Nilton estourou e ele pediu socorro a Aluísio, que atirou em sua direção, a de outro jogador, que usava dois números maior e além do mais, pisava torto. Então o “Enciclopédia” reivindicou: “Aluísio, me arranja outra, porque essa não dá!”.

E lá veio a bronca, da lateral do campo: “Ih, vai me dizer que agora virou ‘mascarado’ também?”. Não teve jeito: foi obrigado a terminar a peleja, com aquelas chuteiras horríveis, mesmo.

Imaginem só uma cena dessas no futebol de hoje com toda a tecnologia de ponta empregada no uniforme dos atletas? Impensável!

E ainda tem quem ache que esses craques de antigamente não jogariam com os atletas de hoje. É como recentemente disse o nosso Gérson, “Canhotinha de Ouro”, para uma bela resenha, no Museu da Pelada: “Não jogaríamos mesmo… de vergonha de jogar com uns camaradas desses, de hoje”. Gênio sabe mesmo das coisas…

Por seu comportamento exemplar e desempenho invejável em campo, Nilton Santos era uma espécie de “filho” preferido do presidente Carlito Rocha, o que viria a provocar diversas histórias hilárias.

Numa delas, o dirigente invocou de desafiar – sem mais, nem menos – os atletas de uma equipe estrangeira de que nenhum deles teria mais fôlego do que Nilton Santos. E tome nosso pobre herói ser obrigado a vencer a todos, num exótico teste de Espirometria.

Maníaco por vitaminas, Carlito as distribuía fartamente entre os jogadores.


Nilton, com o tempo, secretamente passou a não tomar todas. Um dia, elas estavam em falta no mercado e diante da preocupação de Carlito com isso, ele – querendo agradar – disse para que o presidente não ficasse aflito e foi buscar todas que havia escondido. Acabou por deixar o presidente aborrecido por não tê-las tomado. Mas claro que isso foi logo esquecido.

A única tristeza profunda foi quando ele não aceitou o encerramento de carreira do lateral, apesar dos 39 anos, deixando por isso, de conversar com o craque.

Para ele, Nilton possuía futebol para mais algumas temporadas ainda e aparentemente se magoou pelo fato do “Enciclopédia” ter tomado tal decisão sozinho, sem consulta-lo (até porque, o cartola sempre o convencia de que ainda era jovem e vendia saúde). 

Explique-se: Carlito foi jogador, treinador, presidente e eterno apaixonado pelo Botafogo. Industrial, gastou praticamente tudo o que tinha, empatando a grana no clube. Acordava os jogadores, dando-lhes bolachas e gemadas, todo santo dia, como um pai faz com seus filhos. E Nilton era seu “filho” mais querido.

Uma pena que no final tivesse que ser assim!

A exemplo de Pelé, que atuou ao lado de três gerações de craques no Santos, Nilton também teve (e deu!) esse privilégio à muitos companheiros de Botafogo, em diferentes épocas.

Chegou a pegar a época de Heleno, Geninho, Pirillo. Depois, foi contemporâneo de Garrincha, Didi, Quarentinha. E no fim, já estava atuando ao lado de Jairzinho, Gérson, Roberto.

Nada melhor que encerrar este texto, com a deliciosa historinha de Nilton Santos, em sua última “partida” na vida; por ironia, na areia da praia, como começou, na infância. 

Numa manhã ensolarada, Nilton caminhava tranquilo pela praia de Copacabana quando, subitamente, ouviu alguns rapazolas gritarem para ele:

– Tio! Quer completar o time pra gente?

Nilton olhou para eles, todos com idade por volta de 14, 15 anos e topou a brincadeira. Por um momento se esqueceu de que possuía 61 anos. Há mais de duas décadas, portanto, aposentado do futebol.

Ali, naquele instante, ele não era nada mais do que sua alma pura e juvenil, misturada às outras, numa simples pelada de praia. Desconhecida por eles; aquela figura consagrada mundialmente, de repente era apenas mais uma, fazendo troça com a rapaziada, num joguinho descompromissado.

Vai começar o “match” e Nilton (que finalmente podia atacar como tanto gostava), renuncia a ficar no ataque, indo para a defesa, pedindo para que seu companheiro de equipe vá para frente, naquela prazerosa brincadeira de “dois-contra-dois”.

O confronto – totalmente surreal – enfim, se deu: no primeiro ataque adversário, um garotão chegou com pinta de ponteiro driblador. Partiu pra cima dele e… ficou sem a bola. O velho lançou a redonda na medida para o “amiguinho” abrir a contagem.

Mas o adversário é matreiro: seus parceiros trocam de posição e agora é outro rapazinho quem se aproxima, tentando ludibriar o veterano marcador, saracoteando para os dois lados. Quando vai passar com bola e tudo até passa: mas a bola não.

Nilton Santos o desarma também, rodopia em torno dele e sai jogando; como cansou de fazer em quase duas décadas de carreira, diante de adversários digamos, bem mais qualificados.  E – sem perder tempo – enfia mais uma bola caprichada para seu parceiro, que marca outro gol.

Então os inimigos combinam a melhor estratégia e decidam vir juntos, para o ataque. Nilton dá sinal para que seu “parceirinho” permaneça lá na frente, que ele cuida da situação.

O inevitável se consuma: enquanto o primeiro procura atrair sua atenção, o segundo se movimenta desmarcado, para receber a bola livre. De repente, sai o passe – prontamente interceptado – e Nilton arranca ao ataque, como nos velhos tempos.

Mas daí se recorda de que não está envergando a camisa do Botafogo: para e dá a assistência “na manteiga” para o amigo juvenil, que na “banheira”, faz o terceiro.

O s rivais vão desanimando, até que – com a goleada se dilatando cada vez mais – decidem enfim, encerrar o prélio e ir embora.

É quando o garotão que o chamou e foi seu parceiro naquele “clássico das areias”, ainda surpreso com o desempenho dele, se despede com uma pergunta, todo curioso: – Valeu tio! Como é seu nome?

– É Nilton! Nilton Santos!

O adolescente, com ar desconfiado o olha de cima em baixo e comenta; descrente:

– O senhor, o Nilton Santos “Enciclopédia”? Tá bom que eu acredito! Eu, hein?!

Nosso herói dá um sorriso, balança a cabeça como que a pensar nas experiências que a vida nos oferece ao longo de nossa existência e volta calmamente para o calçadão, com mais um “causo” para contar, em sua rica biografia.

Embora fosse uma pessoa simples, Nilton estudou, sempre foi inteligente e ligado na dura realidade do futuro do futebol brasileiro.

Preocupava-o, sobretudo, o caminho errado que nosso esporte bretão havia tomado, nesse século. Demonstrando certo desencanto, alertava que no Brasil só ficava “o resto”, pois os craques saíam todos para o exterior, ainda muito cedo.

Além disso, percebia que o conceito “futebol-força” estava sendo novamente absorvido por nós, fruto da sorrateira influência europeia e que a continuar assim, os europeus iriam acabar dominando o cenário futebolístico, o que de fato veio a acontecer.

Mas procurou deixar o seu legado, dando sua contribuição, já na terceira idade.

Quem diria que um dia estaria treinando crianças carentes no Rio, em Minas, Distrito Federal e até no Tocantins? Tirou muita criança do mau caminho, das drogas, da violência, da marginalidade nas ruas. 

Nilton teve grandes amigos em sua vida. Dentre eles, alguns jornalistas e escritores, que foram excelentes profissionais e pessoas. É aquela velha história do “dize-me com quem andas e eu direi quem és”.  Maneco Muller foi um deles. Sandro Moreyra outro, do tipo inseparável. E Armando Nogueira, a mesma coisa, um verdadeiro irmão.

Três amigos e fãs de carteirinha do “Enciclopédia”.

Dali só saía coisa boa e para mim, a melhor definição que um escritor concebeu para Nilton Santos, partiu justamente de Armando Nogueira:

“Tu em campo, parecias tantos e, no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.

Perfeito, não acham? É por tudo isso e muito mais, que Nilton Santos se tornou meu maior ídolo no futebol, o personagem que mais gosto nessa aparentemente infindável constelação de craques brasileiros do passado.

A foto dele que mais aprecio foi colhida a partir das arquibancadas de General Severiano e revela o time do Botafogo ainda em campo, momentos após a partida final de 1948.

Nela, os vascaínos derrotados, vão deixando o gramado, de costas, enquanto o time botafoguense prepara-se para vir de encontro aos torcedores. No canto do retrato, o cãozinho Biriba se aproxima de Nilton Santos, cheirando-lhe a ponta do pé direito, como que a reconhecer seu maior craque, enquanto Nilton se abaixa para acaricia-lo.

A imagem, tão singela, é de uma profundidade de sentimentos impressionante e se faz necessária sensibilidade apurada para captar sua simbologia tão grandiosa: de um lado a mascote, símbolo vivo do clube e do outro, o craque mais identificado com a agremiação em toda a sua rica história, num momento de amor e cumplicidade.

O futebol mundial, ao longo de mais de 150 anos, conseguiu produzir bilhões de peladeiros, milhões de jogadores, milhares de diferenciados, centenas de craques, dezenas de gênios… mas  apenas “um” Nilton Santos, o qual, merecidamente, está incluído entre os onze que alinham na seleção mundial de todos os tempos.

Obrigado “Enciclopédia”, por você ter existido e nos representado com tamanha dignidade. Mais do que ninguém, você merece todo nosso respeito e reconhecimento. Um grande abraço, onde quer que você esteja; meu velho.

Torço para que seja nos campinhos celestiais da eternidade e que estejas feliz, batendo uma bolinha ao lado do compadre Mané Garrincha, de Didi, Quarentinha, Osvaldo Baliza, Pampolini e tantos amigos teus, companheiros de diferentes épocas, que infelizmente há muito já nos deixaram.

Todos, observados por João Saldanha, Zezé Moreira, Neném Prancha e Carlito Rocha, este último, segurando o cãozinho Biriba no colo, doido para entrar em campo.

Um dia, Deus há de me permitir estar também nessa arquibancada divina, para aplaudir a poesia que sabiamente soubeste escrever pelos gramados da vida e perpetuas pelos céus.

Enquanto esse dia não chega, rendo-lhe minha mais profunda homenagem, dedicando-lhe este humilde tributo, em forma de texto colaborativo para o Museu da Pelada; até para que as futuras gerações possam conhecer tua história tão gloriosa.

Todas as vezes que vislumbro aquela estrela solitária brilhando de maneira singular e intensa na profunda negritude das noites de céu límpido, sinto a mais absoluta certeza de que é você que está lá, agraciado por Deus, em razão do ser humano fantástico que foi um dia, aqui na Terra. A reluzente “Estrela Solitária”.

Descanse em paz e seja feliz para todo o sempre, amigo.

Amém.

CRAQUES ETERNIZADOS

por Mauro Ferreira

Lá tem Felix, o papel. Também tem Djalma Santos, Nilton Santos e outros tantos. Lá, lá em cima, tem uns 500 times, daqueles que congelam “ohs” e “ahs”. E não é só craque daqui da pátria de chuteiras. Tem os de além mar, também. Eusébio, Cruyff, Di Stefano… Todos finados, mas sempre afinados.

No Dia de Finados, o Museu da Pelada contou histórias de quem bateu bola no enterro do pai para espantar os males. Dias antes, o Museu também homenageou o Capita com vários encontros magníficos de letras e palavras.

Mas a pelada, a pelada como ela é, não permite chororô. A bola quando rola é pra fazer a dentição aparecer branquela de dentro da boca. E dos que se foram lá pra cima, nenhum foi mais peladeiro que Mané Garrincha. Do balé ao baile, campinho em Pau Grande, ou Maraca e suas cópias europeias, Garrincha azucrinou seus marcadores. Entre ganhar e perder, queria o drible… de preferência, os humilhantes, aqueles que arracam “ihs” prolongados e debochados da assistência e transformam os outros jogadores em meros joões.

Garrincha é o peladeiro mor do Museu da Pelada. Vai lá, “seu” Mané. Encanta aí em cima. Daqui de baixo a gente gruda os olhos no videotape.

A PELADA À FANTASIA DE NILTON SANTOS


A "Enciclopédia" Nilton Santos em três momentos de descontração no Carnaval.

A “Enciclopédia” Nilton Santos em três momentos de descontração no Carnaval.

A MINHA PELADA DA ILHA

Por Nilton Santos (* texto extraído do livro “Veteranos do Zumbi”)


“Em 1965, quando já não jogava mais futebol profissionalmente, andei fazendo algumas partidas pelo time de uma colônia de pesca da ilha, o Z-1. Numa dessas, conheci o pessoal do Zumbi e eles me convidaram para fazer parte dessa pelada.

Primeiramente, fiz questão de pedir alguns esclarecimentos: onde eles jogavam, como eram as regras do jogo e, um item importante – eu só joguei na defesa para ganhar dinheiro e, já que estava voltando para Ilha, teria que jogar no meio campo para frente. Além deles concordarem com essa minha exigência, me ganharam logo quando disseram que lá não tinha juiz. Todos apitavam e prevalecia o bom senso. Assim comecei a fazer parte da pelada da Ilha, depois pelada do Zumbi.

Os jogos eram aos sábado, às quinze e trinta, e não tinham hora para terminar. Só acabavam quando já era noite e a gente não enxergava mais a bola. Eu chegava cedo na Ilha, passava na casa do Franz, na do Gato e na do Udinho e, juntos, íamos comer um peixe frito com um caju amigo lá na Freguesia, outro bairro da Ilha. Eu sempre tinha o cuidado de chegar antes do horário previsto. Primeiro, por respeito aos outros, e depois por não querer que eles abrissem um precedente para mim, tendo que fazer uma substituição para que eu pudesse jogar. Dizia sempre a eles que ali, eu não era um campeão do mundo e sim um simples peladeiro. Tinha que conseguir a minha própria vaga.

O campo era num terreno baldio, ao lado da casa do Huascar. Toda vez que a bola caía na casa dele um gritava: “olha o que você fez, Huascar” (que era para mãe dele não brigar). Depois fomos jogar no campo do Cocotá, mais tarde no campo do batalhão Humaitá, dos Fuzileiros Navais. Hoje em dia (*), a pelada continua, agora com a direção do Mario Duarte e a supervisão do Jorge Ferreira, na área de lazer da Varig, com nome mais sofisticado de Veteranos do Zumbi.

Nós ficávamos sentados no campo conversando, dando tempo para que todos chegassem e a pelada pudesse começar. Como eu havia parado de jogar recentemente é claro que todos ficavam mais a minha volta, curiosos com as histórias do futebol profissional. Ao final, e era o melhor da pelada, os times, vencedor e perdedor, se confraternizavam num barzinho tomando uma cervejinha com tira-gosto, com exceção do querido e saudoso Biguá – zagueiro – que só tomava leite gelado. O Biguá era baixinho, forte e troncudo. Não era muito determinado e chutava muito forte. Por isso,foi apelidado pelo Hugo Gambá de “toco de amarrá burro”. Quando ele estava perdendo e a pelada acabava, ele sempre dizia: – acabou? Logo agora que eu ia fazer o meu gol? – Nós podemos jogar até amanhã de manhã que o seu gol não vai sair, respondia o Hugo, puto, gaguejando: – “mais qui… mais qui ele não joga nada. Mais qui .. mas qui ele é um toco de amarrá burro”!

Outro fato formidável era o duelo dos irmãos Franz x Irineu. Eles só gostavam de jogar um contra o outro. Eram muito habilidosos e por terem consciência disso disputavam pau-a-pau o troféu de quem é o melhor. Mas se, por acaso, algum de nós tocasse em um deles, o outro imediatamente deixava de ser adversário para ser o maior defensor da raça.


Turma dos Veteranos do Zumbi em época de Carnaval!

Turma dos Veteranos do Zumbi em época de Carnaval!

Sábado de carnaval, fazíamos uma pelada à fantasia. Todos jogavam vestidos de mulher. Me lembro que o Paulinho Russo vinha sempre de Carmem Miranda. Ele era baixinho e vinha vestido com uma mini saia, uma bem criada barriga de fora,colares e maquiagem. Um turbante sensacional, bem espalhafatoso, complementava seu traje. Eu me vestia, na maioria das vezes, por ser mais fácil, de havaiana, colocando duas laranja para formar o busto. Os mais novos, em geral, nunca apareciam nesse dia. Eu costumava dizer que era porque eles não se garantiam.

Nessa pelada, como em todas da Ilha, existiam grandes jogadores que não chegaram a ser profissionais mas jogavam muito bem. Vale a pena ressaltar que na pelada da Ilha existia uma mistura muito grande. Tinha médicos, engenheiros, oficiais militares, pescadores, advogados, operários, não importava, todos tinham em comum o gosto pelo futebol.

Por eu falar demais dessa pelada, o Geraldo Romualdo, do Jornal dos Sports, um dia propôs fazer uma matéria comigo na Ilha. Fomos no meu carro e ele ia registrando tudo o que acontecia. Depois de pegar o pessoal da pelada e passarmos na Freguesia para comer um peixe, chegamos ao campo. Passado um pouco, fui a um matagal que tinha próximo ao campo e ele perguntou o que eu fazia lá. Respondi que estava trocando o calção. Geraldo ficou indignado e disse: – você é muito cínico, é um campeão do mundo, como é que pode jogar num campo desse e trocar de roupa no mato? Eu apenas ri. Como podia fazer diferente, se lá não tinha vestiário?

Nós podíamos levar convidados e eu sempre levava alguém. O Pampolini foi uma vez comigo e ficou por lá durante muito tempo. O Chico Anísio e o Paulinho da Viola também passaram por lá várias vezes. O Espezim Bermuda Neto, que foi comentarista da Rádio Globo e mais tarde juiz de futebol, era nosso companheiro também. Só que na pelada ele era goleiro. O Bob, que jogou comigo no Botafogo, foi e ficou. O Brito era outro que nas férias do Vasco sempre ia lá. Enfim, tinha o grupo dos permanentes e o grupo dos esporádicos.

Ao longo desse tempo, presenciei várias alterações nas equipes – algumas vezes, porque as pessoas saíam do Rio para outras cidades e até para o exterior, como foi o caso Franz, na Argélia; outras vezes, por problemas de saúde e também por simples renovação. O legal é o espírito do grupo: primeiro jogam os pais que vão aos poucos, trazendo os filhos. Depois, os genros, que, por sua vez, trazem os amigos. Assim, vão se perpetuando as amizades e uma pelada maravilhosa. Prova disso, foi a chegada do Cação, (com o Jorge Ferreira ainda jogando), trazendo depois o genro Manoel, o Fernando e o Xerife. O mesmo aconteceu com o Jonjoca, que trazia o Ratinho só para distribuir as camisas e as bolas, mas quando faltava alguém ele entrava para jogar. E, coitado, nunca conseguiu agradar. A derrota do time era sempre culpa do Rato. Todos esses, de quem me lembrei aqui, eram rapazes, meninos perto de muitos de nós. Mas sempre respeitavam a todos, chegavam a chamar alguns de senhor. O Cação com o Jorge, era um fato à parte, muito engraçado. Toda vez que o Cação pegava a bola, o Jorge gritava: – vai Cação, meu filho! ou – Boa, Cação, meu filho!  Ele ficava danado e a gente se divertia com o Jorge. Uma vez o Cação chamou o Hugo, com todo o respeito, de Seu Gambá… – mas qui, seu gambá???

Depois vieram o Pedrinho Tostão, o PC, sei lá se estou confundindo a ordem, mas a ordem dos fatores não altera o produto. O importante é que lembro de cada um de uma maneira. Pela característica de jogar, por ser um amigo mais próximo, por ter me ajudado a sair de alguma enrascada, enfim do jeito carinhoso e saudoso que tenho para cada um deles. Ao final do ano sempre havia uma festa de confraternização e os chefes do comitê organizador eram o Zé do Armarinho e o Jorge Ferreira. Mais tarde veio o Mario Duarte, que passou a fazer parte também dessa comissão hoje assumida integralmente por ele. Em 1983, quando eu disse que ia sair do Rio para Uberaba, eles organizaram uma homenagem linda para mim, fizeram inclusive uma camisa especial com o meu retrato estampado. Convidaram o Gérson Canhotinha e o Pampolini – que jogaram -, o Zizinho e o Sabará que foram apenas para me homenagear. Ao final da pelada, tivemos um jantar com discurso e tudo, quando ganhei um troféu, que é uma bola, com o logotipo da pelada, fazendo uma declaração de amor para mim:

“Mestre Nilton: hoje eu realizei o sonho de todas as bolas do mundo: ser só tua para sempre. Obrigada, meu amor”.

A pelada da Ilha, como sempre prefiro me referir, ao invés de Veteranos do Zumbi, foi muito importante para mim. Trabalhava a semana inteira esperando o sábado chegar, ir para a Ilha, jogar, brincar e rever os amigos. Hoje ela é a agradável lembrança de um tempo maravilhoso que infelizmente passou. O que ficou foi apenas a recordação carinhosa dos que já se foram e a amizade dos que permanecem vivos. Mesmo aqueles que, como eu, estão afastados dos Veteranos do Zumbi somente fisicamente.

Quando posso vou visitar o pessoal lá no campo da Varig. Chego a levar um susto quando pergunto: quem é aquele ali? E alguém me diz: é o filho do Carlinhos, ou o filho do Mario, ou filho do Manoel, do Fernando. É, essa vida não nos deixa mesmo esquecer que envelhecemos. Noutro dia, eu estava jogando com o filho do fulano. Hoje, os filhos é que são os pais.”