por Rubens Lemos
O refúgio da velha guarda, amante do futebol-arte brasileiro chama-se Museu da Pelada, ideia luminosa, sacada de meia-esquerda criativo do jornalista vascaíno Sérgio Pugliese, carioca maduro, maneiro e gente boa. Faço parte da equipe de redatores porque Pugliese considerou meu texto afinado com a filosofia lírica dos programas exibidos em canal do Youtube.
Aqui mesmo de Natal, fiz duas entrevistas com Danilo Menezes. Na primeira, contou sua passagem desde o Uruguai ao Vasco da Gama(RJ), suas vitórias, suas jogadas de artista e os pesadelos vividos contra Pelé e Garrincha nos confrontos do Cruzmaltino diante do Santos e do Botafogo.
Satisfeitíssimo, aos 77 anos, Danilo Menezes celebra uma vitória duríssima em 1968 por 3×2 sobre o Santos na qual saiu do Maracanã com nota 9 do Jornal O Globo pelo futebol canhoto e criativo no sufoco diante do melhor esquadrão do mundo.
Contra Garrincha, sofria pela ordem tática de fazer a cobertura na marcação ao Torto, dando-lhe o segundo combate. Levou um drible diante de 130 mil pessoas no Ex-Maracanã, o das gerais, e levantou-se, humilhado , ao som das gargalhadas. Sorte que Mané perdeu o lance e o jogo por 2×1.
Em toque ousado de craque, Pugliese, que banca tudo com merchandising, fez um mini-filme chamando a todos nós, os nostálgicos, jamais melancólicos, à reflexão saudosista. O título dispensa debates: Já Fomos Bailarinos, Hoje Somos Robôs. É uma pintura, é a sagração do Museu da Pelada, de Pugliese e de todos os seus parceiros que simbolizo em Paulo Cézar Caju, o gênio rebelde e Embaixador do canal e André Mendonça.
É o choque sem medo com a realidade injusta do futebol brasileiro, em que menino com estatura de pivô de basquetebol é mais valorizado no gramado que o baixinho gingado e imarcável do drible. A síntese é: futebol hoje é dinheiro demais acima do talento.
Há um desfile sociológico. Antes, as famílias se chocavam com os diferenciados, os virtuosos, mas pobres, crias de morros e campos de várzea, como Paulo Cézar Caju que fazia malabarismo com uma bola de meia em favela próxima ao Cemitério São João Batista, onde jaz, o estilo moleque e encantador exibido por ele desde os 10, 12 anos.
A história mudou. Piorou. Ficou terrível. Os pais, não importa a capacidade dos moleques, veem nos garotos, um cofre de banco cheio de euros e ouros, forçando a barra para que limitados sejam aproveitados enquanto franzinos de drible fácil perdem no quesito do confronto corporal, imitação terrível das lutas de octógono.
Os clubes – tristemente assessorados por empresários de caráter duvidoso – apontam seus espelhos para o exterior e preferem os fortões. Que se misturam aos pernas de pau europeus, assimilam a barbárie do assassinato contínuo da bola. Um grosso é um serial killer, maltratando a plástica suave de um toque delirante e esgarçando tíbias e perônios rivais.
O que fica: a fantasia é familiar da liberdade, exercício da visão e do pensamento imbatíveis. Tinha que ser Pugliese a criar um espetáculo didático e emocional. Ele que, aos fins de semana, sai em seu carro caçando ex-ídolos, muitos em balcões de boteco, contando episódios imperdíveis do tempo do grito de gol ecoando pelas marquises e do bale-bola empolgando multidões.
Com o mini-filme, o Museu da Pelada se consagra. É nossa casa, é a fuga da mediocridade reinante de um futebol que já foi sem concorrência em qualquer continente. Futebol de país continental.
Na tradução literal, fomos bailarinos nos pentacampeões mundiais, em Ademir da Guia, Falcão, Zico, Sócrates, Geovani, Adílio, Pita e o melhor comentarista e cronista do Brasil: PC Caju. Hoje somos robôs. Sim, Somos Casemiros, Freds, Hulks, Jôs. Sacada genial do Museu da Pelada, a Academia de Letras e Cinemateca do futebol em arquitetura de Niemeyer.