por André Felipe de Lima
Dois monstros da literatura brasileira — e, em especial, da futebolística — nasceram em um dia 3 de junho: Mario Leite Rodrigues Filho, em Recife, faria hoje 110 anos e o mais rubro-negro de todos os escritores, o paraibano José Lins do Rego Cavalcanti, cuja pequena Pilar apresentou ao mundo, completaria 117 anos.
Lins do Rego era um apaixonado pelo futebol a ponto de envolver-se com as coisas do seu Flamengo como nenhum outro cartola de praxe ousaria fazer, ou, na mais amena das hipóteses, teria competência para tal. O genial escritor chorava nas derrotas e nas vitórias também. Abraçava-se a torcedores tão apaixonados pelo preto e o vermelho quanto ele. Eram anônimos, mas considerados por Lins do Rego singularmente iguais a ele na irmandade que lhes fez Flamengo. “Muita gente me pergunta: mas o que vai você fazer no futebol? Divertir-me, digo a uns. Viver, digo a outros. E sofrer, diriam os meus correligionários flamengos. Na verdade uma partida de futebol é mais alguma coisa que um bater de bola, que uma disputa de pontapés. Os espanhóis fizeram de suas touradas espécie de retrato psicológico de um povo. Ligaram-se com tanta alma, com tanto corpo aos espetáculos selvagens que com eles explicam mais a Espanha que com livros e livros de sociólogos”. Lins do Rego trouxe — e não temo afirma — Schopenhauer para o futebol brasileiro.
Mario Filho, por sua vez, é sinônimo de história deste schopenhaueriano futebol brasileiro, que se curva a dor consentida, porém feliz e resignada com ela. Não se conta essa história sem antes mencioná-lo e a sua maior obra: “O negro no futebol brasileiro”. Era amigo do futebol como ninguém conseguiu até hoje sê-lo. Abraçava o esporte, escrevia sobre ele e seus personagens com uma maestria e emoção cativantes. O devotado (quase santo!) Mario Filho, como o seu irmão de aura Lins do Rego, amava, sobretudo, os torcedores. Respeitava-os e a eles conferia uma força quase sobrenatural capaz até de mudar o rumo de um jogo. Para o cronista dos cronistas, até mesmo um juiz sucumbia diante desse mágico, potente e deliciosamente schopenhaueriano torcedor brasileiro, cuja vontade cega, insaciável, inquieta (e às vezes irascível) o leva a dor eterna, porém inequivocadamente apaixonada pelo seu clube de coração. “Há torcedores, aliás, com força moral sobre o juiz. Com uma voz poderosa de comando. Uma voz assim de Victor McLaglen. Grossa. Estentórea. Hipnótica. O juiz não quer apitar e apita a ordem de offside! hands! foul! corner! Contra isso o juiz não pode lutar. Trata-se de alguma coisa mais forte do que ele. Felizmente, são raros os torcedores privilegiados com uma voz de comando. E, além disso, os que tem a voz de comando, não a gastam assim, sem mais nem menos. Guardando-a para ocasiões solenes. Quase cívicas”.
Tenho saudades de Lins do Rego e de Mario Filho. Confesso-as publicamente, porque aprendi a lê-los ainda menino, e jamais esqueci que um pouco da paixão pelo texto que pretensamente assinamos “futebol” tem origem nas linhas destes dois gênios da literatura brasileira. Com os dois, tenho certeza, Schopenhauer seria feliz ao amar o futebol que escreviam, e faria do seu clássico “As dores do mundo” a “As dores queridas do futebol”.