por Marcos Eduardo Neves
No tempo em que existia ponta-direita e ponta-esquerda no futebol, surgiu uma peça ofensiva que vestia a camisa 7 ou 11 mas não se restringia à limitada faixa lateral do campo. Era o falso ponta. Em sua fase áurea, por exemplo, o Flamengo teve dois atacantes assim: Tita e Lico. Nesta semana, perdemos não um falso ponta, mas um falso alegre. O sorridente malandro Mário José dos Reis Emiliano. O trágico Marinho, do Bangu.
Moleque travesso, luz que escureceu da noite para o dia. Aliás, do dia, vários dias, para a noite. Treva eterna de uma existência triste, solitária e infeliz.
O destino foi cruel com ele. Disfarçadamente. Primeiro o enganou, fez dele uma revelação do futebol. Aos 12 anos, precisou arrancar forças do Além para superar o drama de ver sua irmã morrer na sua frente, atropelada, quando o levava a um treino. A bola o salvou.
Marinho despontou com a camisa da seleção de novos e disputou a Olimpíada de 1976. Estreou jovem no fortíssimo time principal do Atlético Mineiro. O céu parecia o limite. Mas justamente quando poderia ter disputado sua primeira final de Brasileiro, ao lado de astros como Cerezo, Reinaldo e Éder, não prestava mais seus serviços em Beagá. Escondia-se em São José do Rio Preto, defendendo as cores do América paulista. Primeira grande ironia.
Não se abateu. Talentoso, provou seu valor e por alta cifra se transferiu para o forte Bangu, clube patrocinado por um contraventor cheio de bufunfa. O bicheiro Castor de Andrade montou um time para ganhar tudo. Em 1985, Marinho se tornou estrela nacional. Melhor jogador do Campeonato Brasileiro, fazia parte da seleção. Nos braços de amigos e na boca das mulheres, surfava a crista da onda.
Seu Bangu chegou às finais de tudo que disputou naquele ano. No Carioca perdeu a decisão para o Fluminense de maneira contestável. O árbitro fez vista grossa para um pênalti claro a favor do clube suburbano, nos instantes derradeiros. Já no Brasileiro, cenário final apoteótico. Maracanã lotado com as torcidas cariocas em peso no estádio; o Rio a favor do alvirrubro de Moça Bonita. Nos pênaltis, Bangu vice. Diante do mediano Coritiba e em casa, o apogeu de um belo time sem títulos, em suma, uma excelente equipe condenada ao ostracismo.
Marinho, contudo, era maior do que uma simples faixa no peito. 1986 era ano de Copa do Mundo. Na convocação final para o Mundial do México, porém, Telê Santana contrariou o ‘Zé da Galera’, personagem de Jô Soares no humorístico ‘Viva o Gordo’, e extirpou em um corte só dois ponteiros: ele e Renato Gaúcho. Nova decepção. Que sempre com um sorriso no rosto, sua marca registrada, Marinho haveria de contornar no ano de 1988.
Contratado pelo Botafogo, clube que dependia financeiramente de outro dono de banca do jogo do bicho, Emil Pinheiro, tudo indicava que Marinho, aos 30 anos de idade, daria finalmente o pulo do gato.
Não deu. E por não saltar não salvou seu filho, que com um ano e sete meses caiu na piscina da mansão enquanto o pai concedia uma entrevista à imprensa. O anjinho partiu afogado. Matando Marinho de vez.
Do mundo de tapinhas nas costas e farras, o jogador mergulhou profundamente no umbral das bebidas. Foi dizimado aos poucos pelo alcoolismo. Em contrapartida, seu patrimônio e sua vida pessoal dele se desfaziam de maneira tão veloz quanto partia Marinho para cima dos beques, serelepe, com a bola nos pés.
Perdeu a esposa, morou no próprio carro e até nas dependências do Bangu. Vagava pelas ruas do bairro que lhe deu fama e anonimato. Nos últimos anos contraiu tuberculose. Resgatado por um filho, voltou a Belo Horizonte. Na cidade que viu seu início mostrou-lhe o capítulo final.
Aos 63 anos, numa sala de UTI de um hospital público, o falso alegre perdeu o jeito para driblar tantas adversidades. Encarava um marcador inclemente: um câncer metastático de pâncreas. Passou por três cirurgias, mas pela última vez perdeu o jogo decisivo. Deixando lacrimejado nos fãs um sorriso amargo. Amargo de amargura.