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Marcos Vinicius Cabral

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CARECA


Hoje tem marmelada! 

Corria o ano de 1960, quando em outubro veio ao mundo um certo Antônio Oliveira Filho, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo. O pai, Seu Antônio Oliveira, um santista, era ex-jogador de futebol que chegou a jogar na infância com Dondinho, pai de Pelé. Assim que o filho começou a dar os primeiros passos, seu Oliveira deu uma bola para o garoto e dos 7 aos 15 anos levava o menino para os campos de ‘peladas’ da cidade. Pode se dizer que foi o seu primeiro treinador. Dava gosto de ver o garoto marcando gols nos campos de várzea de Araraquara e correndo para comemorar com os companheiros. Mas, o que poucos entendiam era porque com aquela vasta cabeleireira balançando ao vento, a cada gol os torcedores gritavam: “Careca, Careca!”. Pois é, a história do apelido só ganhou fama e foi esclarecida anos depois, junto com os primeiros sinais de que Antônio surgia como um novo craque do futebol brasileiro, lá pelo final dos anos 70, jogando no Guarani, de Campinas, o Bugre: é que quando criança, enquanto não estava correndo atrás da bola nos campos de várzea, o pequeno Antônio estava ao lado do pai, acompanhado pelo rádio ou pela TV, os programas do palhaço Carequinha (nascido em Rio Bonito, mas morador de São Gonçalo por toda a vida), de quem era fã. Daí, o cabeludo Antônio, virou o Careca, que anos depois virou artista da bola, encantando plateias pelo mundo, como Carequinha fazia com seu circo e sua trupe. 

Para isso, Careca começou sua ‘turnê’ por Campinas, a 186,5 quilômetros de casa, onde aos 15 anos conheceu seu primeiro ‘palco’, o Estádio Brinco de Ouro da Princesa. Lá, antes de se tornar o protagonista do espetáculo, teve que dormir por muitas noites de calor e de frio no alojamento dos atletas amadores, sob as arquibancadas de concreto, de onde no futuro receberia os primeiros aplausos do público.

Do concreto, fez seu travesseiro, da laje, o cobertor, e assim, no chamado ‘quartão’, alojamento com 25 beliches, passou a sonhar em um dia vestir a camisa 9 do time principal do Guarani. 

E três anos depois o sonho virou realidade, ao ser lançado aos 17 anos na equipe principal do  Bugre, pelo treinador Carlos Alberto Silva, num time que tinha ‘feras’ como Zenon, Renato, Capitão, Zé Carlos, entre outros, e que despontava como o ‘azarão’ para disputar o título do Brasileirão de 1978.

E foi o que aconteceu naquela grande noite de 13 de agosto, com todos os 27 mil ingressos da bilheteria vendidos, e transmissão pela TV para todo o país, Careca brilhou durante os 90 minutos do espetáculo e foi aplaudido de pé pela multidão ao marcar o gol do único título brasileiro da história do Guarani.  

Depois da consagração daquela noite, o ‘circo’ do futebol levou o ‘astro’ Careca a se apresentar por várias partes do Brasil e do mundo, brilhando em várias ”companhias’ diferentes: São Paulo (onde recebeu a visita do ídolo Carequinha antes da decisão contra o Guarani, pelo Brasileirão de 1986), Napoli (Itália), Seleção Brasileira, Kashiwa Reysol (Japão), Santos, Campinas e São José (RS). 

Por tudo que fez pelo futebol brasileiro e mundial, Careca é o terceiro personagem na série ‘Vozes da Bola’, homenagem do ‘Museu da Pelada’ ao Dia Nacional do Futebol (19 de julho).

por Marcos Vinicius Cabral 

Como foi o seu início de carreira?

Jogava ‘peladas’ em Araraquara, nas categorias de base dos 7 aos 15 anos. Um amigo do meu pai que era ‘olheiro’ e havia jogado no Guarani, o Creca, me levou para fazer um teste lá. Passei, deu certo e fiquei por lá. Mas o começo de tudo foi lá no ‘rapadão’ do interior, que era mais terra do que grama. Mas, enfim, foi aonde comecei e graças ao apoio do meu pai que me levava nos campinhos de várzea. Profissionalmente eu estreei no final de 1977, contra o Juventus.

Como surgiu o apelido Careca?


O apelido Careca vem do palhaço Carequinha, que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente na véspera do jogo da final do Brasileirão entre Guarani e São Paulo, em 1986. Ele ficou sabendo por meio de uma matéria que fizeram comigo, que o apelido Careca surgiu em sua homenagem. Aí, saiu de São Gonçalo e na véspera do jogo, visitou o hotel onde estávamos concentrados aqui em Campinas. Se maquiou todo, se vestiu de palhaço e foi até a porta do meu quarto e fez essa surpresa maravilhosa. Desde os 6 anos, já tinha o apelido de Carequinha, e conforme fui crescendo, me tornei Careca. Mas eu gostava muito dele, ouvia seus programas de rádio e foi um ser humano muito marcante na minha vida.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Sem sombra de dúvidas foi o Tostão, que acompanhei na Copa de 1970. Comecei a conhecer um pouquinho de futebol com 9 anos, com a Seleção Brasileira. Na minha casa não tinha televisão e eu ia na casa de uma tia assistir aos jogos do Brasil, só para ver o Tostão jogar. Eu tinha uma admiração enorme e seguia alguns dos movimentos dele. Ele era um jogador de muita movimentação, inteligente, que fazia gols, mas dava muitas assistências, mais ou menos o meu estilo anos depois. Portanto, a minha inspiração, quando garoto, sempre foi o Tostão.

É verdade que para realizar seu sonho de ser jogador de futebol você chegou a dormir embaixo das arquibancadas do estádio Brinco de Ouro, em Campinas?

Venho de uma família de boleiros, pois meu pai jogou futebol, mesmo sendo criado em um orfanato, lá em Santos. Com 15 anos, em 1976, cheguei no Guarani e dormia no alojamento embaixo da arquibancada mesmo, pois era o que tinha naquela época. Mas fui muito bem acolhido, com alimentação,  treinamentos… enfim, fiquei duas ou três semanas sendo avaliado, até assinar meu primeiro contrato. Essas eram as condições do clube, mas mesmo assim sou muito grato.

Você apareceu para o mundo do futebol no Guarani, campeão brasileiro de 1978, o primeiro time do interior a conquistar o título nacional. Qual foi a sensação desse título?

Já no meu primeiro ano de profissional, em 78, conseguimos esse título, que para um time do interior, era inédito, e a conquista foi maravilhosa. Nosso objetivo era fazer uma boa campanha, pois no início, poucos se conheciam no time. Mas pelo que fizemos durante o campeonato, foi merecido. Não foi um título por acaso e sim conquistado com organização, disciplina e determinação, sem falar no elenco, que era maravilhoso.

Em cinco anos de Guarani, você marcou 118 gols, o que garante a terceira posição na lista de artilheiros da história do Bugre. Qual o seu sentimento em relação ao clube que abriu as portas para seu futebol?

Comecei profissionalmente em 1978, sendo campeão, e fiz 13 gols junto com Zenon, e nos tornamos artilheiros do time. Sem dúvida nenhuma é só gratidão e não me importo de ter feito 118 gols ou de ter jogado tantas partidas. O importante é o reconhecimento e a valorização que eu tenho até hoje aqui na cidade, já que foi a primeira camisa que vesti. Realmente, o Guarani foi tudo na minha vida, foi meu alicerce, a segunda família que eu tive aqui em Campinas. Sou muito grato por isso e do carinho de todos. Mas em especial aos treinadores, que me dirigiram nas categorias de base e ao primeiro presidente, Ricardo Chuffi.

O gol do primeiro título brasileiro de um clube do interior foi marcado por você com 17 anos. Foi o gol mais importante da sua carreira?

Não tenha dúvida. Fazer um gol no campeonato brasileiro, com 17 anos, em uma final, e, ainda por cima sendo campeão, realmente para mim foi marcante. Eu acho que não foi um gol bonito, mas o mais importante da minha vida e da minha história em tantos anos como jogador de futebol. Realmente me marcou muito e abriu as portas, não só para o Brasil, mas para o mundo. É claro que não existia a mídia de hoje, como internet, celular, mas com certeza a reprodução foi muito grande na época. Foi o gol mais importante da minha carreira.

O ex-treinador Carlos Alberto Silva disse que você foi um dos melhores atacantes com quem ele trabalhou. E quem foi o melhor técnico que te dirigiu?

Carlos Alberto Silva, sem dúvida nenhuma, foi o meu primeiro treinador profissional. Um cara que me ajudou bastante, era um treinador jovem, mas que já tinha a sua filosofia de trabalho. Eu moleque, com 16, 17 anos, e com certeza ele foi responsável por boa parte desse meu crescimento como jogador e da minha história. Depois tive outros treinadores, como Pepe, Telê Santana na Seleção, mas com quem me dei muito bem foi com o Cilinho, que foi um dos caras que me divertia bastante jogando, pois ele gostava do jogo bonito, com simplicidade e objetividade. Mas sem dúvida nenhuma, destacaria o Carlos Alberto Silva no começo da minha carreira, e no decorrer dela, o Cilinho, que merece um destaque legal na minha história.

Na Copa de 1982, na Espanha, você se contundiu e foi cortado. Quais suas lembranças daquele time?

Minha passagem pela Seleção Brasileira foi muito legal. Em 81, eu já estava com o time profissional, tendo o Telê (Santana) como supervisor na sub-23, em Toulon. O Vavá era o treinador e fomos bicampeões. Em 82, fui convocado e infelizmente, quatro dias antes da estreia tive uma distensão muscular, e acabei sendo cortado. Foi um momento muito triste, pois estava vivendo uma grande fase, com 21 anos, no auge. E aquela Seleção maravilhosa, que dava meio toque na bola e realmente, só de gênios, de jogadores diferenciados, mas que não ganhou. Apesar do corte, dessa tristeza, tenho ótimas recordações de Zico, Sócrates, Leandro, Júnior, Falcão, Cerezo, Serginho, Éder, Paulo Isidoro, Waldir Peres, Oscar, Luizinho… realmente jogadores muito diferentes na época, caras diferenciados.

Cortado da Seleção, você acabou indo parar no São Paulo. Como foi isso?

Foi em 83. Aconteceu oito meses depois da Copa do Mundo. Eu fiz minha recuperação no Guarani e voltei a jogar no Campeonato Brasileiro, e no fim do ano as negociações começaram. Jogar no São Paulo foi uma escolha minha e o clube tinha já naquela época uma excelente estrutura. Em janeiro de 83, acertei minha ida para o Morumbi. Ganhamos o Paulista, mas o Brasileiro foi muito importante não só para mim, mas para todo torcedor são-paulino.

O campeonato brasileiro de 1986 é especial para o são-paulino, pois era um grande time. Você marcou 25 gols naquela competição. Foi sua maior conquista com a camisa tricolor paulista?


Esse título em cima do meu ex-clube tem um lado triste para o torcedor do Guarani e muita alegria para o do São Paulo. Realmente, jogamos muito nesse campeonato e o Guarani tinha uma grande equipe. Empatamos com eles no Morumbi e depois decidimos no Brinco de Ouro, em Campinas. Foi um jogo emocionante, onde foi 1 a 1 nos noventa minutos e 3 a 3 na prorrogação. Eu me sinto abençoado, primeiro por ter dado o título ao Guarani em 78 e ter conquistado o bicampeonato Brasileiro pelo São Paulo, infelizmente, em cima do Guarani. Mas ali eu era jogador do São Paulo e com orgulho, honra, muita determinação, fomos ao nosso limite. Faltando 1 minuto para terminar o jogo, perdendo de 3 a 2, tive a felicidade de num sem pulo empatar o jogo e nos pênaltis, fomos campeões. Foi um título maravilhoso, onde fui artilheiro da competição com 25 gols e o Evair acabou  sendo o vice com 24. Mas o time do Guarani era muito bom, com Catatau, o próprio Evair, Ricardo Rocha, João Paulo, Boiadeiro… eram grandes jogadores, mas o São Paulo era uma máquina. Tínhamos Pita, Silas, Muller, Sidney, Nelsinho, Bernardo, eu, Márcio Araújo, Oscar, Darío Pereyra, Gilmar no gol, que já fazia a diferença na época. Foi um ano muito iluminado para todos nós.

Certa vez você afirmou: “Os momentos que vivi no Napoli, de 1987 a 1993, não têm igual. Chegava num lugar, tinha que chamar a polícia para fazer um cordão de isolamento para poder entrar no carro”. Podemos concluir que foram os melhores anos da sua vida como jogador de futebol?

Em 1987, me transferi para o futebol italiano que era o melhor naquele momento, considerado o número um no mundo. O meu sonho era jogar no futebol daquele país e também ao lado de Maradona. Foi programada a minha ida para o Napoli, mesmo tendo clubes espanhóis e franceses interessados na minha contratação. Me interessei pelo Napoli, que era um time que tinha acabado de conquistar seu primeiro título depois de 63 anos e Maradona era sua principal estrela. Foi um sonho realizado, onde nos divertimos muito, com uma cidade linda e um povo muito caloroso. Inclusive foi ali que meus filhos cresceram e foram alfabetizados, então, marcou bastante. Hoje, quando volto a Napoli, às vezes, não consigo realmente sair nas ruas, mas naquela época de jogador era muito pior, pois andar pelas ruas, dirigir nas estradas ou até mesmo fazer compras era muito difícil. Muitos vezes tive que chamar seguranças, policiais para abrir caminho para pegar meu carro e ir embora. Nesses anos todos como jogador de futebol, os torcedores napolitanos me marcaram bastante.

Nas eliminatórias para a Copa de 1994, você deixou a seleção. O que houve de fato?

Em 1993, estávamos nas eliminatórias e sempre fui uma pessoa muito transparente em querer o bem para um futuro melhor àqueles que poderiam vir a conquistar alguma coisa pela Seleção. Sempre busquei meu objetivo, mas tivemos nesse período muitas confusões, desde 90, com os dirigentes, diretores, patrocinadores. Enfim, problemas externos que acabavam os jogadores levando a culpa. Ali, me sentindo mais experiente naquele grupo, com 12 anos de Seleção, me sentia no dever de fazer algo, ou até tentar mudar as coisas. Mas o sistema era complicado de se mudar em virtude das gestões dos presidentes. Infelizmente, minhas passagens não foram das melhores, mas eu só tenho que agradecer, mesmo em 82, quando machucado fui cortado, depois em 86 e 90, com outros presidentes. Porém, me sinto honrado em ter vestido a camisa do Brasil e gostaria sim de ter conquistado uma Copa do Mundo. Infelizmente, não era para ser. Em 93, eu via tanta coisa errada e gostaria que não acontecesse mais ali no momento e dali para frente. E naquelas eliminatórias que cheguei ao meu limite e pedi a dispensa, chamando o Parreira, treinador, o Zagallo, auxiliar, o Ricardo Teixeira, presidente, e os jogadores, e comuniquei a minha decisão. A gente tentava fazer as coisas diferente e resultava na mesma coisa do passado e por isso, resolvi sair e dar oportunidade para outro jogador.

Como foi a experiência de jogar no Japão?

Foi positiva. Quando saí do Napoli, em 93, era um sonho pessoal conhecer o país e seu povo. Um povo disciplinado, um povo de superação e fiquei lá até 96. Aprendi muitas coisas lá, fiz grandes amigos, inclusive, que foram jogadores da Seleção Japonesa. Meus filhos cresceram lá, estudaram em escola publica e tudo foi bacana. Fui bem recebido, bem tratado pelo povo japonês e foi uma experiência enriquecedora.

Você sempre foi santista, correto? Ter jogado no time do Rei do futebol foi um sonho realizado?

Desde criança. Éramos santistas por influência do meu pai, que nasceu no Guarujá, foi criado em Santos e acabou sendo adotado por um casal em Bauru, onde chegou a jogar com o seu Dondinho, pai do Pelé. Esse é um motivo muito forte para nossa família toda ser santista, né? Tivemos o prazer de conhecer Seu Dondinho e Dona Celeste, pais do nosso Rei Pelé, e na sequência realizei o sonho de vestir a camisa do Santos. Tempos depois, reencontrei ali o Pelé e foi emocionante, mais um sonho realizado. Mas ter jogado lá por três meses, foi para realizar um desejo de meu pai, que eu sabia que ia gostar de me ver jogando  no Santos. Foi esse o motivo.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?


O Maracanã completou 70 anos e as lembranças são maravilhosas. Tenho recordações de gols pelo Guarani e São Paulo, mas a mais marcante foi um amistoso pela Seleção Brasileira, jogando contra a Alemanha, em 1981. Se não me engano foi 1 a 0 esse jogo, antes da Copa do Mundo, e um estádio muito cheio em que  o Telê Santana já era o treinador. Esse jogo me emocionou porque quando era jogo do Guarani ou do São Paulo ali naquele estádio, sempre era torcida contra e especialmente naquela partida, a torcida era única, a nosso favor. O Maracanã era iluminado e naquele jogo, representar o Brasil foi de arrepiar.

Como você analisa a falta de atacantes no futebol brasileiro atualmente?

Hoje temos uma carência de atacantes, daquele verdadeiro matador, o camisa 9, o jogador que tem obrigação de fazer os gols. Tiramos esse foco dele, esquecendo um pouco de se encontrar esse goleador. Perdemos com isso referência, com os pontas direitas e esquerdas e o centroavante sendo aquele ‘pivozão’. Perdemos isso. Passamos a copiar coisas da europa e nossa referência de grandes atacantes, grandes jogadores de área, tanto no espaço curto ou na jogada aérea, foi deixada de lado. A bola está difícil de chegar com qualidade e os laterais que antes defendiam, se tornaram pontas e os pontas não existem mais. O sistema mudou bastante e hoje temos essa grande dificuldade.

Defina Careca em poucas palavras?

Fantástico em todos os sentidos, e que, quando jogava, gostava de se divertir.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Careca?

O futebol foi tudo para mim. Tem essa influência do meu pai, que na época jogava e buscou esse sonho. Então, foi uma realização desse sonho, que busquei com alegria e com prazer, com os amigos que fiz. Hoje, tudo o que tenho, realmente, veio do futebol por meio de conquistas, dos contratos que assinei, pelas propagandas que fiz e sou muito grato a Deus pelo dom de ter sido jogador.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA NELINHO


Enquanto o país inteiro ainda estava sob o ‘luto’ pelo ‘Maracanazo’ da derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 a 1, na Copa do Mundo, em 16 de julho de 1950, nascia dez dias depois dessa tragédia, no subúrbio do Méier, no Rio, um certo Manoel Rezende Matos Cabral, filho do casal de portugueses Seu Manoel e D. Rosa.

Para provar, que o ‘mundo é mesmo uma bola’, quis o destino, que o Manoel crescesse como Nelinho (diminutivo do nome do pai Manoel e do padrinho, também Manoel), e virasse jogador de futebol; e que aos 20 anos, ainda como aspirante no Fluminense assistisse seu ídolo, o lateral direito Carlos Alberto Torres, o ‘Capita’, fechar o ‘caixão’ da Itália com um golaço na decisão do Tri no México.

Quatro anos depois, a ‘bola continuou girando’ e Nelinho, o filho da portuguesa D. Rosa, era convocado para substituir o seu ídolo ‘Capita’, cortado por contusão, na Copa da Alemanha, em 1974.

Para fechar o ‘giro da pelota do planeta futebol’, em 1978, na Copa do Mundo da Argentina, estava lá Nelinho, como se incorporado pelo espírito do ídolo Carlos Alberto Torres de oito anos atrás, marcando um dos gols mais bonitos de todas as Copas, justamente numa vitória que valia o título de ‘Campeão Mundial Moral’, contra a ‘freguesa’ Itália.

Nelinho, que marcou 180 gols, se tornando o lateral que mais vezes estufou as redes adversárias na história do futebol mundial, conversou com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso segundo personagem para a série ‘Vozes da Bola’, em comemoração ao Dia Nacional do Futebol, celebrado em 19 de julho.

por Marcos Vinicius Cabral 

Você estava em seu último ano como aspirante do Fluminense em 1970, quando foi contratado pelo América-RJ. O que houve ali?

Joguei no Fluminense no infanto-juvenil e o Pinheiro era o treinador. Nessa época eu iria subir para o aspirante do Fluminense e receberia uma ajuda de custo. Mas, o América me procurou e me propôs pagar um salário mínimo da época. Então, quer dizer, eu disputei o aspirante pelo América, ou seja, o último ano de aspirante pelo clube. Depois disso, não teve mais no Rio de Janeiro campeonato de aspirantes.

No mesmo ano, por indicação do técnico Otto Glória (1917-1986), você foi jogar no Barreirense F.C. de Portugal. Jogou por quase um ano no clube português, mas por conta de uma contusão voltou para o Brasil. Como foi essa época?

O Otto Glória era o nosso treinador no América e me indicou para o Bairrerense, porque o técnico lá era o Edsel Rodrigues, que havia trabalhado com ele como preparador físico do América. Aí, ele foi e me levou. Cheguei lá no final de julho e voltei em fevereiro do ano seguinte. Comecei bem, jogando como titular, mas aí tive uma contusão na virilha que eu não curava de jeito nenhum. Nesse meio tempo ele mandaram embora o treinador que me levou e coincidentemente eu parei de jogar por estar contundido, e eles achavam que eu estava fazendo corpo mole. Nessa briga eu pedi meu passe e não sendo atendido, vim embora e depois peguei o passe, pois depois eles precisaram de um documento assinado pelo meu pai, que exigiu isso deles. Aí fiquei com o passe livre. Em seguida, já em 1972, disputei o campeonato carioca pelo Bonsucesso, e começando o Brasileirão, fui contratado pelo Remo já com o campeonato em andamento. Nos últimos jogos me transformei numa espécie de ‘curinga’ do time. Não era titular absoluto, mas aí o Aranha, lateral direito se machucou e fui para a lateral e joguei bem os últimos três jogos. Inclusive, o último foi contra o Cruzeiro, quando chamei atenção da diretoria do clube e me convidaram para em 1973 assinar um contrato com eles. 


Em 1983 você recebeu pela quarta e última vez o prêmio Bola de Prata, da Placar. O que significou esse prêmio para você?

Recebi essa Bola de Prata jogando pelo Atlético Mineiro, e receber um troféu desse quilate sendo oferecido por uma revista conceituada no meio esportivo, como a Placar, foi uma satisfação muito grande. É o reconhecimento do que você fez na temporada, né? Significou muito para mim pela carreira que tive.

Você era office-boy no Centro do Rio e saía todo dia de casa com marmita e tudo. Sua mãe só ficou sabendo que você estava no América/RJ quando seu chefe ligou para sua casa perguntando por você. Como foi essa história?

Eu estudava no Pedro II, na Tijuca, e repeti o segundo ano colegial duas vezes seguidas. Aí, minha mãe falou: “Você não quer estudar não? Então, você vai trabalhar!”, e arrumou um trabalho para mim no Centro do Rio de Janeiro, de office-boy, numa empresa, não sei se era americana, sei lá,  chamada Arnico. Estava trabalhando nessa empresa quando recebi o convite, quando eu treinava no Fluminense escondido, em vez de ir trabalhar eu ia para o Fluminense. Então, nessa época, não estava no América, e sim no Fluminense, e aí o meu chefe ligou para minha mãe e falou assim: “Dona Rosa, o seu filho está doente? Por que doente?, respondeu ela. É que ele não tem vindo trabalhar! Como assim, se ele sai todo dia de casa com sua marmita para ir trabalhar? É mais não está vindo para cá não!”. Cheguei em casa depois de um treino e tive que explicar para ela que havia recebido um convite, que estava jogando futebol e que estava ganhando o mesmo que ganhava como office-boy. Ela me perguntou se era aquilo que eu queria para minha vida, eu respondi que sim e ela mandou eu ir com tudo. Aí saí do emprego e assumi a carreira no futebol.

Um ‘talho’ de cinco centímetros num dos tornozelos foi a causa de você não ter sido contratado pelo Botafogo, quando defendia o Bonsucesso. O que aconteceu de verdade?

Eu estava jogando no Bonsucesso no final de 1972, no Campeonato Carioca. O último jogo foi contra o Botafogo, no antigo campo do Mourisco, e eu fiz um gol de falta. Eu levei uma pancada no calcanhar e ficou doendo muito, mas eu joguei os noventa minutos. Quando terminou o jogo, ao tirar a chuteira, estava toda ensanguentada. Tinha um talho grande no calcanhar e precisei levar pontos. Fui para casa, pois meu contrato com o Bonsucesso tinha acabado, o Botafogo teve interesse em me contratar, mas como estava cheio de pontos no calcanhar não pude assinar e eles não quiserem esperar minha recuperação. Aí fiquei em casa e veio a proposta do Remo, já com o campeonato estadual deles em andamento em 1972. No ano seguinte, em 1973, cheguei ao Cruzeiro, após ter jogado muito bem por sinal contra ele antes, e fui muito bem no campeonato mineiro e no brasileiro. Em 1974, estava na lista dos 40 para a Copa do Mundo e o Carlos Alberto Torres se machucou e fui no lugar dele, ou seja, de reserva no Remo no final de 1972, titular em 1973 no Cruzeiro, e em 1974 já estava numa Copa do Mundo. No futebol não pode nunca desistir e tem que acreditar, porque se você enfrentar o primeiro problema e não seguir adiante, você pode se lamentar lá na frente. Isso felizmente não aconteceu comigo. Eu prossegui minha carreira e acabou dando certo.

Você enfrentou o ‘Carrossel Holandês’ comandado por Cruyff, na Copa de 1974? Acha que aquela maneira de jogar revolucionou o futebol?

Nesse jogo contra o ‘Carrossel Holandês’ eu não joguei e nem na reserva fiquei. Estava na arquibacanda do estádio assistindo. Realmente, foi a última grande mudança no futebol mundial e de lá para cá não existiu nenhuma novidade. Eles mudam a nomenclatura,  mas o futebol continua do mesmo jeito com os 3-5-2, 4-5-1, 4-4-2 e sei mais lá o quê, só muda isso, mas o jeito de jogar não. Ou seja, tem a bola joga e não tendo marca, é assim, não mudou absolutamente nada. Às vezes eu fico impressionado quando vejo os comentaristas inventando moda, sabe? Ficam inventando explicações, não têm. O futebol é simples e continua tudo no mesmo depois desse ‘Carrossel Holandês’.

Teve um Cruzeiro x Atlético em que você brigou com o Éder no início do jogo e foi expulso. Era 1982 e na época, a imprensa disse que essa briga foi o motivo para você não ter sido convocado para a Copa do Mundo da Espanha. Você concorda com a imprensa ou acha que não foi esse o motivo de Telê não ter te levado?

Não, eu acho que não. O Cruzeiro não vinha bem nesse ano e eu também não. Por outro lado, o Edevaldo, do Fluminense, estava em excelente fase, sem falar do Leandro. Então, eu acho que a convocação dos dois foi correta é nada tenho a reclamar sobre isso. Muita gente comenta sobre essa briga, que se não tivesse brigado com o Éder eu talvez poderia ter sido convocado, mas particularmentebnão  penso assim. Acho sim, que a convocação já estava pronta independentemente daquele jogo.

No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Nelinho?

Representou tudo na minha vida. Se não fosse o futebol, eu nem sei o que teria sido na vida, que carreira escolheria seguir e como eu abandonei os estudos no segundo ano colegial, eu seria o quê? Não sei, só Deus sabe o que iria acontecer comigo. Mas, com certeza o futebol me salvou e fez com que eu, hoje em dia, tenha uma família estruturada. Hoje posso dizer que foi graças ao futebol que consegui tudo na vida e pude, a partir daí, montar minha academia e viver dela. Infelizmente o momento não é bom para as academias, mas espero que melhore.

Você sempre é lembrado como um dos grandes laterais direitos de todos os tempos do futebol brasileiro, ao lado de Djalma Santos, Carlos Alberto Torres e Leandro. Na sua opinião, quem foi o maior da posição?

É difícil responder essa pergunta, pois tivemos muitos bons laterais como o Cafú, Daniel Alves, Jorginho, Leandro, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres. Mas para mim, que eu era fã, o melhor deles todos foi o Carlos Alberto Torres. Me espelhei muito nele e nas coisas que ele fazia dentro de campo. Mas o principal dele na minha opinião era que ele simplificava as jogadas, e em vez de dar dois toques na bola e passá-la para o companheiro, ele fazia isso com um toque só. E isso eu procurei fazer enquanto fui jogador profissional. Existem jogadores que dominam a bola e dão um, dois, três toques na bola para depois passar. E isso aí o Carlos Alberto Torres me ensinou a fazer diferente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Olha, para mim, esse isolamento tem sido tranquilo demais. Por que? Eu vivo em comunidade com filhas, genros e netos, e temos nos cuidado bastante. O convívio diário entre nós faz com que as coisas fiquem bem amenas em relação às outras famílias que não têm essa oportunidade.

Quem foi seu grande ídolo do futebol?

Na lateral direita foi o Carlos Alberto Torres, mas não tenho um ídolo apenas, tenho vários. Os craques do futebol brasileiro eu gostava de vê-los jogando, alguns enfrentei ou joguei a favor, e antes de ser jogador eu era torcedor, né? Era morador do Rio e vascaíno, e tinha muitos deles como ídolos, além dos outros como Garrincha, Didi, Nilton Santos, Dida e Moacir do Flamengo… Nossa, só craques! Então eu não tenho um único ídolo a não ser o Pelé que foi o maior de todos, mas não, sempre gostei de ver os craques jogando.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas lembranças do estádio?

Minha primeira recordação do Maracanã foi jogando no aspirante do América/RJ contra o São Cristóvão, se não estiver enganado. Foi a primeira vez que joguei no estádio. Mas antes, já tinha pisado como torcedor, pois era um menino, e o Olaria foi treinar com o Santos, na véspera da decisão do mundial contra o Milan/ITA, e seu Duque, treinador, me levou. Foi inesquecível, pois entrei em campo, bati bola, cobrei pênalti e infelizmente nesse dia o Pelé nem treinou porque estava machucado e também não jogou essa decisão.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Tive vários. Seu Zezé Moreira (1907-1998), nosso treinador na conquista da Libertadores pelo Cruzeiro; Telê Santana (1931-2006), com quem trabalhei no Atlético; e Osvaldo Brandão (1916-1989), gente finíssima, além de ser ótimo treinador, um cara maravilhoso para se lidar. Era brincalhão, dava moral para o jogador. Esses três foram os melhores, claro, sem esquecer do Zagallo, meu treinador em 1974 na Copa do Mundo.

Você teve uma longa e bonita história no Cruzeiro, não foi?


Foi bonita porque eu era um reserva do Remo/PA e no Cruzeiro eu conquistei tudo que um jogador profissional poderia conquistar. Sou muito grato ao clube por me proporcionar isso. E se eu consegui meus objetivos foi porque o Cruzeiro era um senhor clube e contava com excelentes jogadores como Raul, Piazza, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Palhinha, Joãozinho… enfim, qualquer um que chegasse ali para jogar naquele time ia ter uma facilidade maior. Mas o Cruzeiro foi muito importante para mim e sou eternamente grato por isso.

Nelinho, aquele seu gol contra a Itália, na Copa de 1978, foi extraordinário. Foi desenvolvido nos campos da ‘Boiada de Olaria’?

É. A ‘Boiada de Olaria’ foi o início de tudo. A gente chegava lá,  três, quatro meninos para jogar e não tinha número para fazer time contra, então azíamos chutes a gol. Eu particularmente,  passei a gostar de ficar chutando e quando cheguei aos profissionais me especializei. Mas o começo de tudo foi na ‘Boiada de Olaria’

Você, Éder ou Roberto Carlos. Quem foi o maior chutador do futebol brasileiro?

Esse negócio de maior ou melhor chutador do futebol brasileiro é muito difícil você apontar um. Cada um tem sua característica, sabe? Mas eu considero grandes batedores de falta aqueles que fizeram muitos gols. O Éder eu sei que fez, o Roberto Carlos eu já não sei, porque ele jogou muito tempo lá fora, mas eu incluíria o Marcelinho Carioca, como um dos maiores batedores  de falta de todos os tempos. Esse cara batia de toda forma e de qualquer lugar e se assemelhava muito como eu gostava de bater também, com lado interno, externo, peito de pé, de perto e de longe e de todos os lugares do campo. Então, para mim, apesar do Éder ter sido um grande cobrador de faltas, tínhamos o Zico e o Roberto Dinamite que batiam uma bola mais colocada. Mas o maior foi o Marcelinho.

Apesar de carioca, você foi o jogador que mais atuou no Mineirão, com 348 jogos. Além disso, despontou no Cruzeiro e encerrou a carreira no Atlético Mineiro. Que balanço você faz da carreira?

Quando eu conto para meus familiares e amigos sobre a minha história no futebol, e principalmente, para os que estão começando a carreira, eles se assustam. Porque teve muitos percalços, foi fácil não! Profissionalmente eu comecei no América/RJ, fui para Portugal e voltei por não ter dado certo, quase desisti da carreira, fui para a Venezuela, onde joguei com alguns que jogaram comigo no América/RJ, por um tempo lavei meu material de treino, quer dizer, não tinha estrutura nenhuma. Depois reiniciei pelo Bonsucesso, passei no Remo/PA e finalmente cheguei ao Cruzeiro. A partir daí é que as coisas clarearam mas até eu chegar no clube mineiro foi muito sofrimento, viu? Então, às vezes os caras que comentam sobre determinado jogador, como se ele não jogasse nada, eles esquecem que o jogador está no time errado, no momento errado do clube e acaba não rendendo. Aí ele sai dali e joga bem em outro clube e eles ficam se perguntando: “Pô, como esse cara não jogava isso no clube que ele passou?”. É isso, às vezes você passa por um clube e não está bem ou o clube não vive uma fase boa, o jogador não consegue produzir. No meu caso foi isso, eu cheguei no Cruzeiro na hora certa e o time estava embalado, e eu joguei tudo o que sabia. Mas antes, não! Por quê? Porque os clubes por onde eu passei não tinham a estrutura que  Cruzeiro tinha. E depois disso, quando fui para o Atlético/MG, foi quando o Cruzeiro estava sendo desmantelado, enquanto o Atlético/MG estava totalmente montado com Cerezo, Éder, Reinaldo, Luizinho… nossa, só grandes jogadores. Aí,  facilitou para mim e consegui encerrar minha carreira em altíssimo nível, justamente porque eu caí em um clube bem estruturado como o Atlético/MG. Posso dizer que a minha carreira profissional, a partir da minha chegada aqui em Minas Gerais foi que deslanchou. Antes disso, só sofrimento. Mas não tenho o que reclamar não. Serviu para minha vida pessoal.

Qual foi o gol mais bonito que você fez na sua carreira?

Não foi apenas o mais bonito, como foi o mais importante: o gol contra a Itália na Copa do Mundo de 1978.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA TÚLIO


Neste domingo (19), é comemorado o Dia Nacional do Futebol. Pensando nisso, o ‘Museu da Pelada’ preparou uma série chamada ‘Vozes da Bola’, coletânea de entrevistas que serão publicadas aos domingos até o fim de agosto.

O ‘Vozes da Bola’ contará um pouco da vida esportiva de ex-jogadores de futebol que se tornaram ídolos em grandes clubes do país.

Hoje, o primeiro é o artilheiro Túlio Maravilha, que bateu um papo descontraído e contou um pouco de seu amor ao clube da Estrela Solitária.

O coração dos torcedores alvinegros ficou triste naquele 15 de setembro de 1965, quando Garrincha, o eterno camisa 7 e ‘anjo das pernas tortas’, entrou em campo pela última vez com a ‘Estrela Solitária’ no peito, na abertura do Campeonato Carioca contra a modesta Portuguesa da Ilha do Governador, no antigo estádio de General Severiano. 

É verdade, que depois outros vários craques desfilaram pelos gramados vestindo o manto alvinegro, como Jairzinho, Paulo Cezar Caju, Afonsinho, Dé, Mendonça, Maurício, entre outros. Mas, desde  a saída de Garrincha, nenhum outro demonstrou ter o carisma, qualidade essencial para ser ídolo de uma torcida.

Esse vazio durou 30 anos, até ser preenchido pelos pés, cabeça, tronco e demais membros de Túlio Humberto Pereira da Costa, que chegou ‘chutando’ a solidão dos alvinegros para bem longe da sua área, como na cobrança de um tiro de meta, e fazendo nascer o fenômeno Túlio Maravilha.

‘Importado’ do Síon da Suíça, em 1994, o ‘Rei do Rio’ como se intitulava, conquistou o Campeonato Brasileiro no ano seguinte, quebrando um jejum de vinte e sete anos sem o título nacional.

Virou ídolo por meio de gols, muitos deles marcados por puro oportunismo. 

Vira e mexe é lembrado pelos torcedores do Glorioso, principalmente pelos da geração mais nova, que cresceu acompanhando os feitos dentro e fora de campo do camisa 7 alvinegro, e que jamais o esquecerá.

Nesse mês que é comemorado o Dia Nacional do Futebol, Túlio, ‘artilheiro dos mais de mil gols’ e com mais de mil histórias, bateu um papo com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso primeiro personagem na série de entrevistas do ‘Vozes da Bola’.

por Marcos Vinicius Cabral


Como foi o início de sua carreira?

Comecei minha carreira aos 12 anos de idade nas categorias de base do Goiás, na famosa ‘peneirada’. De lá para cá, fui seguindo nas catetgorias até chegar na equipe profissional, em 1988. Cheguei no clube em 1982, então, foi uma longa caminhada com vitórias, derrotas, mas graças a Deus, cheguei ao objetivo, que era ser profissional da equipe alviverde.

Você começou no Goiás, em uma equipe que tinha o ponta-direita Niltinho, os meias Tiãozinho e Luvanor, e o volante Uidemar. Como foi se destacar nesse time que é considerado pelo torcedor esmeraldino como um dos melhores de sua história?

É verdade. Jogar no Goiás com esses craques foi um privilégio e me ajudou bastante a me destacar. A minha sorte era que não havia um atacante matador como eu nessa época. E parece que esse time foi feito para mim, e, graças a Deus, eu soube aproveitar a oportunidade, me sagrando artilheiro do campeonato com 20 anos de idade, nessa equipe que é considerada a melhor de todos os tempos do Goiás.

Quem foi sua grande inspiração na vida e no futebol?

Na vida foi o meu pai e graças a ele, eu me tornei jogador de futebol. Desde os 7, 8 anos de idade, ele me levava ao Estádio  Serra Dourada, aqui em Goiânia, para assistir os jogos do Vila Nova. Aquilo acabou despertando o interesse em ser um jogador de futebol. Por isso, é o meu pai, que Deus o tenha em um bom lugar no céu e que ele possa estar olhando por nós. E no futebol é o Pelé, e não à toa é o ‘Atleta do Século’ e detentor de todos os recordes. O Rei é insuperável, insubstituível e o meu ídolo no futebol.

Quem foi seu melhor marcador e qual o gol mais bonito que você fez?

Vou citar dois: Ricardo Rocha, que jogou na seleção brasileira, foi tetracampeão, jogou no Vasco, Real Madrid e São Paulo. Era um jogador raçudo, rápido e difícil sair da marcação dele, porque sempre se antecipava nas jogadas. O outro, Mauro Galvão, pela sua leveza e inteligência. Os dois foram os meus melhores marcadores. Já sobre o gol mais bonito, foi com a camisa do Goiás, de bicicleta, no Serra Dourada, pelo campeonato goiano de 91. Ganhamos de 3 a 0 do América, de Morrinhos, e eu fiz os três gols nessa partida. Esse gol foi no bico da pequena área e foi antológico.

Como surgiu o Botafogo na sua vida?

Em 1994, precisamente em janeiro daquele ano. Eu estava no Síon da Suíça e um empresário chamado Luiz Orlando me ligou e perguntou se eu tinha interesse em voltar ao Brasil e vestir a camisa do Botafogo. Eu não pensei duas vezes, aceitei o convite, e graças a Deus, tomei a decisão mais certa da minha vida, em voltar ao futebol brasileiro, e vestir a camisa do Botafogo.

O Maravilha que acompanha seu nome foi dado pela torcida do Botafogo. Mas como surgiu esse apelido?

Esse apelido surgiu em 1994, no jogo de estreia do Campeonato Carioca, entre Botafogo e América, no Caio Martins. Esse jogo foi 6 a 0, fiz três gols, e no terceiro a torcida começou a cantar aquela musiquinha: “Túlio Maravilha, nós gostamos de você, Túlio Maravilha, faz mais um pra gente ver”. E isso me acompanhou em todos os jogos e cada cantoria da torcida era sinônimo de gol. Aí eu adotei esse apelido que acabou encaixando direitinho com a minha personalidade.

Na época do Botafogo, quando os treinos eram no Caio Martins, em Niterói, você chegou algumas vezes a ir de helicóptero. Queria que falasse dessa época e saber se você continua voando por aí?

É verdade. Naquela época eu ia para os treinos no Caio Martins, em Niterói, de helicóptero e sempre gostei de voar. O que me deixava estressado era o trânsito caótico da Barra da Tijuca, onde morava, até Niterói, onde se levava uma hora e meia de carro, tanto na ida como na volta. Então,  algumas vezes, para poder ser mais rápido e prático, eu alugava um helicóptero para ir aos treinos e isso acabou provocando a ira de muitos torcedores, principalmente flamenguistas, quando chegava às 8h da manhã e fazia um barulho danado e acordava todo mundo. Mas foi muito legal e não me arrependo não. Agora dei uma parada e hoje só voo de avião.

Você é o oitavo maior artilheiro da história do Botafogo com 159 gols. O que o Glorioso representa na sua vida?

Com 159 gols, sendo o oitavo maior artilheiro da história do clube e em recente pesquisa, eleito o quinto em 116 anos de existência. O Botafogo representa tudo na minha vida. Foi o melhor momento da minha carreira e se hoje eu sou o Túlio Maravilha  é graças ao clube e ao título de 95. Ou seja, resumindo: devo tudo ao Botafogo!

Você foi três vezes artilheiro do campeonato brasileiro:  em 1989 pelo Goiás, e 1994 e 1995 pelo Botafogo. Um recorde que divide com Romário, Dadá Maravilha e Fred. De onde vem essa facilidade em fazer gols?

Para mim é uma honra dividir essa artilharia com Fred, Romário e Dadá Maravilha. Acho que esse dom eu sempre tive, de fazer gols, mas o que me proporcionou ser artilheiro várias vezes do Brasil, sem esquecer uma vez da série B e duas da C, ou seja, único atleta a ser ‘hexa artilheiro’ em campeonatos brasileiros das séries A, B e C. Então, o que me diferencia dos outros atacantes, é que sempre fui um obstinado, treinei, me dediquei para fazer gols de todos os jeitos. Essa era a grande diferença do Túlio Maravilha, além do dom, sempre me aperfeiçoei e acabei sendo 99% transpiração e 1% inspiração.

Em 1997 você saiu do Botafogo e foi jogar no Corinthians, sendo a maior contratação da época. Mesmo você sendo artilheiro e o time campeão, você não foi bem e ficou no banco. O que de fato aconteceu ali?


Realmente fui contratado como o maior salário do futebol brasileiro, maior contratação da época e comecei muito bem, fazendo gols na estreia. Mas o problema maior, foi com o técnico Nelsinho, que preferia jogar com dois atacantes de velocidade, de movimentação. Eu, como todos sabiam, tinha minhas características e era um centroavante raíz, fixo na área, que esperava as jogadas dos companheiros. Infelizmente, o treinador não gostava desse meu estilo e resolveu me deixar no banco. Mas mesmo assim, fui campeão e artilheiro do time mesmo estando no banco naquele ano. No entanto, eu particularmente,  considero essa passagem no Corinthians boa e dei o meu melhor. Pena que ele (Nelsinho) tenha me barrado.

Você sempre foi movido a desafios e em 2014 fez o milésimo gol jogando pelo modesto Araxá, da segunda divisão do campeonato mineiro. Qual foi a sensação de chegar aos mil gols?

A sensação de chegar aos mil gols é a de dever cumprido. Como falei, aos 45 anos poder jogar uma segunda divisão de um campeonato tão competitivo, como era o mineiro naquela época, enfrentando jovens de 19, 20 anos. Foi realmente um sonho realizado, um dever cumprido, já que muitos duvidavam que eu pudesse chegar naquela idade e fazer o milésimo gol. Por isso, me considero um vitorioso e um predestinado em busca dos objetivos.

E afinal são quantos gols no total?

Em toda minha carreira eu fiz 1001 gols. Aos 45 anos eu fiz o milésimo gol com a camisa do Araxá em 2014 e depois em 2019, fiz o 1.001 jogando pelo Taboão da Serra, da terceira divisão do campeonato paulista. Essa é a contagem oficial.

Diante de um número tão expressivo, você se considera um dos grandes centroavantes de todos os tempo?

Claro! Não à toa, que pouquíssimos atletas conseguiram chegar a essa marca. Primeiro o Pelé, depois o Romário, e eu, que sou o terceiro da lista. Me considero sim, um dos dez maiores atacantes do futebol brasileiro e talvez do mundo. Por que não? Porque os melhores atacantes do mundo são brasileiros. Então, me considero sim, modéstia à parte, entre os dez maiores atacantes do mundo.

Com mais de 25 anos de carreira, tendo jogado em cinco países diferentes, participado de 47 transferências, defendido a camisa de 32 clubes, e se eternizado pelas atuações no Botafogo, o seu maior objetivo dentro das quatro linhas foi alcançado: chegar aos mil gols. Olhando números tão expressivos, faltou algo na sua carreira?

Diante de tantos números significantes em clubes, tempo de carreira, países diferentes, tendo jogado em todas as regiões do nosso Brasil e tudo mais, o que faltou foi uma Copa do Mundo. É o sonho de todo atleta, jogar uma e de preferência ganhar. Então, tirando isso, sou muito satisfeito e feliz com a carreira vitoriosa que tive.

De tantas histórias vividas nesse tempo todo como jogador qual a mais engraçada?

Foram muitas, mas teve uma que é imperdível. Eu jogava  no Nacional Fast, de Manaus, Série C do campeonato brasileiro em 2006, e havia uma chácara onde nos concentrávamos. Como a gente sabe, na mata amazônica em Manaus, 90% é predominante, então, teve um dia em que fui concentrar no quarto, juntamente com um outro companheiro de clube, e na hora do banho fui usar o vaso sanitário e para minha surpresa tinha uma perereca. Imagine se eu não olho e sento ali? Certamente, a perereca teria feito um estrago. Foi uma cena engraçada que eu não esqueço nunca mais.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças do estádio?


Em 1987 eu estava com 17, 18 anos, e fui ver a decisão do campeonato brasileiro entre Flamengo e Internacional. Estava na arquibacanda, vi aquele estádio tremer e falei: “Isso aqui vai cair!”. E pensei: “Hoje estou aqui nessa arquibacanda, mas daqui a uns anos quero estar lá no campo, podendo fazer gols e ser campeão”, e não deu outra. Pude realizar meu sonho e em 1994, fazer meu primeiro gol no Maracanã com a camisa do Botafogo e no ano seguinte, em 1995, um dos gols da vitória contra o Santos, que me proporcionou ser campeão daquele ano. Foi um momento indescritível. E nesses 70 anos do Maracanã, eu poder fazer parte dessa história e ainda por cima ter os meus pés na calçada da fama do estádio.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Minha vida tem sido rotineira como a de todo mundo nessa pandemia. De manhã, faço um treinamento funcional aqui em casa, levantamento de peso, corrida, ando de bicicleta, às vezes corro de 3 a 5 quilômetros três vezes por semana. E sempre mantendo a minha forma física. Hoje, estou com 51 anos, então, procuro sempre cuidar da minha saúde, da alimentação, em companhia da minha esposa e dos filhos. Por um lado esse isolamento está sendo positivo por estar deixando a família mais unida, mais amorosa e logo isso vai passar.

Defina Túlio em palavras?

Alegria, carisma, irreverência e artilheiro nato, artilheiro raiz, matador. Túlio é igual a gol e gol é igual a Túlio. Está no dicionário.

No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para você?

Para mim o futebol representa tudo. Foi minha ferramenta de trabalho e fui atleta profissional graças a esse esporte, que é o maior entretenimento popular no mundo. Então, feliz Charles Miller que inventou o futebol, e nós ex-jogadores, temos que agradecer todos os dias por ter o futebol em nossas vidas. Futebol transforma, realiza sonhos e supera desafios. Portanto, Túlio Maravilha é o que é, graças ao futebol.

O FLA-FLU DO NOVO NORMAL

por Marcos Vinicius Cabral


Maracanã vazio, sem torcida, tendo o Coronavírus como marcador implacável de todos nós e um campeonato maculado pela bagunça.

Não bastassem tantas efemérides, o Fluminense mostrou sua grandeza na partida de hoje (ontem) que teve um valor simbólico, quase inestimável, é bem verdade, para suas tradições tricolores.

Não acho que o time de Odair Hellmann tenha feito uma partida memorável ou que vai ser campeão daqui a dois jogos.

Nem o tricolor mais otimista acredita nesse título, porém, cabe ao Flamengo, mostrar que é muito melhor como time de futebol que o adversário.

Em dois jogos, a qualidade tende a prevalecer e mostrar para os deuses desse esporte, que seu investimento, assim como a briga comprada com o Grupo Globo, valeram a pena.

O ‘Fla-Flu’ de ontem, quarta-feira (8), mostrou o quanto o Fluminense é gigante.

A vitória por 3 a 2 na decisão por pênaltis, após 1 a 1 em tempo normal, mostrou que esse esporte é uma caixinha de surpresas.

Mas foi legal ver os jogadores do Fluminense dando volta olímpica, vibrando e olhando para as arquibancadas e saudando a torcida imaginária.

É como se dissessem: “Acreditem, o futebol é maior que qualquer MP 984 canetada por Bolsonaro, Grupo Globo, FERJ, FlaTv, R$10 e isolamento social”.

Seria esse o “novo normal” do futebol?

Com exceção do narrador Anderson Cardoso, que comandou o jogo pela FluTV, e não citou os nomes dos jogadores do Flamengo, a noite teria sido perfeita.

No entanto, restou um pouco de dignidade por parte rubro-negra, já que o narrador Emerson Santos, da FlaTV, não devolveu na mesma moeda sua narração e pôs em prática a imparcialidade nossa do bom jornalismo.

Menos mal.


O Flamengo continua anos luz à frente do Fluminense em favoritismo.

Não é só questão de ser melhor time, pois treinou por muito mais tempo, tem elenco mais qualificado e um treinador que dispensa adjetivos.

Mas o favoritismo de hoje (ontem), era um óbvio ululante e levou os bobões da objetividade, como eu, a analisar um jogo que nasceu 40 minutos antes do nada pela ‘lógica’.

E convenhamos: nenhum ‘Fla-Flu’ tem lógica.

O Fla-Flu de hoje (ontem) merecia crônica do autor de ‘Toda Nudez Será Castigada’, chamado seu Nelson, seu Nelson Rodrigues.

Bom dia, boa tarde, e boa noite tricolores, ninguém mereceu mais esse título do que vocês.

AMIGOS QUE O TEMPO NÃO APAGOU DA MEMÓRIA

por Marcos Vinicius Cabral 


Parado em um sinal de trânsito na Presidente Kennedy com a General Barcelos, Centro de São Gonçalo, voltei no tempo.

Fechei os olhos, ar condicionado do carro ligado, som sussurrando uma canção que não consigo distinguir, eu viajei. 

Não foi o vendedor de bala, nem a distribuidora de propaganda de GNV com um panfleto na mão e tampouco o representante de uma empresa que fabrica  panos de chão, que impediram-me de voltar no tempo.

Fiz uma viagem de trinta e poucos anos, quando garoto aos quinze, sonhava ser alguém na vida.

Exímio desenhista, gols de faltas de Zico, aventuras de Batman e caricaturas de conhecidos eram minhas especialidades. 

Mas também adorava escrever poemas e lê-los para amigos, que demonstravam grande apreço por mim até o “e aí, o que achou?”.

Depois saiam e sem falar uma palavra, me agrediam com aquele silêncio. 

Devastador, confesso!

Sonhava ser um novo  Drummond, um Quintana, um Borges, um Gabriel García Márquez.

Mas o horizonte me apontava para uma outra direção: um sonho que todo menino tem.

Pensando bem, sábio foi Samuel Rosa do Skank, quando de forma brilhante sintetizou o sonho de todo garoto, como nos versos de “É Uma Partida De Futebol”, do álbum O Samba Poconé. 

“Bola na trave não altera o placar

Bola na área sem ninguém pra cabecear

Bola na rede pra fazer o gol

Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”, canção de 1996.

Ser jogador de futebol, era algo concreto e não abstrato na minha vida.

Tão concreto que apesar de rubro-negro, treinei no Vasco e no Fluminense,  quando os clubes não tinham a infraestrutura que têm hoje.

Eram um abstratismo só quando se falava em categorias de base.

No Gigante da Colina reprovado fui, enquanto no Tricolor, passei com sobras vestindo a 8 e jogando de meio campista.

Porém, mais triste do que a lágrima dos meus olhos ao saber que meu pai não teria condições de arcar com as despesas com passagens de ônibus, foi ver o sorriso de seu Altair se desfazer quando fui lhe entregar o meu material, no Campo da Vidreira, no Vila Lage, onde era a sua escolinha e dizer que não poderia mais treinar.

Restou as peladas, como na Vila Olímpica, na Telerj, no Fluminensinho e os amigos que fui acumulando por esses lugares.

Na Vila, conheci a galera da Marca Olho, na Venda da Cruz, em Niterói, como Ricardo Astrô, Roberto Trac-Trac, Mauro, Siri, Pereira, Julinho, César Cavalo, Bode Cego e alguns outros que se juntaram à galera do Barreto como Quinho, Luizinho, César Pesão, Guta, Flávio, Deco, Marquinho, Zé Luiz, Russo, Patinho, Cemir, Dadão, entre tantos.

Até hoje, muitos deles, conseguem a proeza de manter vivo o futebol no Fluminense, numa rua ao lado da Universo, na Marechal Deodoro, em Niterói, sábado sim e sábado não.

Mas a bola, essa esfera redonda, inseparável amiga, me fez e faz sentir saudades desses e de outros seres humanos. 

Como os do Marajoara, no Fonseca, do Barreto, do Jovem Fla, do Grupo dos 30 e por fim, os do Barabá.

Cada um deles, em algum lugar nesse mundo, talvez não pense no quanto fomos ricos enquanto estivemos juntos, ali nesses lugares, jogando futebol.

Foi uma riqueza que dinheiro nenhum pôde comprar.

Uma riqueza que ninguém conseguiu perceber.

Mas afinal…

Pode parecer um exagero mas só quem viveu esse romantismo das peladas nos anos 1980, pode agora se pegar tentando esquecer o que o tempo não pode – por mais que queira – apagar.

Enfim… o sinal abriu, os carros buzinaram, engrenei a primeira e parti com meu carro torcendo para que nenhum outro sinal dali por diante estivesse vermelho.

Não estava. 

Parei no acostamento para enxugar, ops, ou melhor, para tirar um cisco do olho.