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Marcos Vinicius Cabral

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA AMARAL


Nascido em fevereiro de 1973 em São Paulo, na cidade do interior de Capivari – a mesma da pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973) – Alexandre da Silva Mariano escondeu por trás do sorriso a vida difícil que teve na infância.

Conhecido pelo riso solto, pelas anedotas e pela ptose – enfermidade muscular mais conhecida como pálpebra caída – ganhou rapidamente o apelido de Amaral, dado pelo avô Ditinho e ‘coveiro’, embora fosse agente funerário antes de virar jogador de futebol.

Operário em campo como se define e era definido pelos técnicos, o volante de marcação obstinada, muito fôlego e velocidade, começou a morder tornozelos nas categorias de base do Palmeiras e, a partir de 1991, ganhou espaço entre os profissionais.

Incansável dentro das quatro linhas e querido pelos companheiros de time por seu jeito bondoso, ingênuo e engraçado, o camisa 8 se tornou figura importantíssima de um dos Palmeiras mais fortes de toda a história, onde sagrou-se campeão paulista em 1993, 1994 e 1996 e bicampeão brasileiro no mesmo período.

Mesmo com suas limitações técnicas foi convocado para a seleção brasileira – com a qual ganhou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996 – e se transferiu para o Parma, enfrentando um desafio tão grande quanto e de enterrar seu pai quando era agente funerário.

Multicampeão pelas andanças mundo afora, enfrentou o racismo com bom humor na Polônia, onde atuou pelo Pogoń Szczecin, entre 2006 e 2007.

“Jogar na Polônia foi complicado. Certa vez fomos disputar um jogo e a torcida jogou mais de 30 bananas na gente. Eu não ligo porque acho que a melhor resposta para um ignorante é o silêncio. Peguei a banana, comi, e falei que ela estava aguada e eles jogaram uma banana mais doce. Acabou o jogo, fomos para a delegacia para depor. Tínhamos um tradutor, e como eu levo tudo na esportiva, falava: pô, jogaram a banana e não era banana nanica, não era banana maçã, era uma banana estranha, amarga, que amargava nossa boca”, lembrou.

Passou ainda por Corinthians e Vasco, antes de voltar à Europa mais maduro, com 27 anos e assinou com a Fiorentina, que vinha com problemas financeiros e montava um time mais modesto que em anos anteriores.

Rodou ainda por outros clubes em diferentes países e veio a encerrar a carreira no Capivariano Futebol Clube, em sua cidade natal, no ano de 2015.

O Museu da Pelada conversou por telefone com Amaral, nosso décimo terceiro personagem da série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Você teve um começo de vida difícil. Quais as lembranças que têm dessa época?


Eu nasci na cidade de Capivari, sou capivarano e tenho muito orgulho disso. Em qualquer lugar que eu vou carregar, faço questão de carregar a bandeira da minha cidade. Realmente, meu início foi muito triste, com muita dificuldade e vou falar para você a verdade, eu nunca pensei em ser jogador de futebol, por incrível que possa parecer. Mas Deus falou assim:”Se você sofreu muito na barriga da sua mãe, agora vai sofrer mais um pouco na Terra, para depois, aí sim, eu te exaltar”. Foi um início muito triste, infância difícil, onde cheguei a passar fome. No entanto, resumindo para não prolongar essa triste lembrança na entrevista, tive essa experiência, ou melhor, um fato que marcou muito a minha vida que foi enterrar meu próprio pai, já que eu trabalhava na funerária. Foi um choque muito grande para mim e acho que tudo que eu passei na minha vida e principalmente na infância, acho que Deus permitiu que eu fosse criando um alicerce para quando chegar os baques da vida eu estivesse preparado para não esmurecer. Acho que tudo que aconteceu na minha vida foi um aprendizado.

Nascido Alexandre da Silva Mariano, como surgiu o apelido de Amaral?

Hoje sou palmeirense em São Paulo e vascaíno no Rio de Janeiro, mas na infância, quando era corintiano e muito escurinho, seu Ditinho, meu avô, me chamava de Amaral por causa do Amaral que era zagueiro e jogou na seleção brasileira em 1978. No futebol, eu cheguei como Amaral mas na verdade, queria ter chegado como Alexandre, e aí, quando eu falava para o pessoal, eles falavam para mim:”Pô, Alexandre é nome muito forte, pois Alexandre, o Grande, era um jovem príncipe que sucedeu a seu pai, o Rei Filipe II, no trono com vinte anos de idade”, e eu, era todo pequeninho, então, fiquei como Amaral mesmo. Hoje algumas pessoas me chamam de Amaral, outras de Amaralzinho e ficou registrado como Amaral. Depois surgiu outros ‘Amarais’ por causa de mim e eu surgi em razão do Amaral da  seleção brasileira.

Como surgiu o Palmeiras na sua vida?

Por meio de um primo meu chamado Osnir, pois ele tinha amizade com o ex-presidente Carlos Facchina, (presidiu o Palmeiras no triênio de 1989 a 1992). Segundo esse meu primo, ele fez um favor para o ex-presidente e pediu em troca um teste para eu fazer no clube, onde o Dr. Facchina me indicou por meio de uma carta escrita de próprio punho. Fui lá, apresentei a manuscrito dele, fiz o teste em 1992, fui aprovado e me tornei jogador profissional pela Sociedade Esportiva Palmeiras.

O Amaral sempre foi um jogador operário e que todo treinador gostaria de ter em seu time. Mas de todos eles, na sua opinião, qual foi o melhor com quem você trabalhou?

É verdade, eu sempre me dei bem com os treinadores, porque segundo eles, eu era operário mesmo. Mas teve um que eu gostei muito de ter trabalhado e que me ajudou bastante quando estava no Benfica-POR, onde ele fez eu resgatar o meu trabalho, e chama-se Paulo Autuori. Eu lembro que cheguei do Parma-ITA desacreditado no Benfica-POR, fiz um campeonato magnífico e os torcedores queriam que eu ficasse, mas o clube não tinha dinheiro para me comprar. Então, reafirmo que adorei ter trabalhado com ele, era um treinador sereno, manso, que sabia se expressar na hora certa, deixava o jogador à vontade e dava confiança, o que é o mais importante na carreira de um atleta.

O Amaral teve ou tem algum ídolo no futebol?

Eu vou na contramão daqueles que dizem ter esse ou aquele jogador como ídolo, me desculpe. Sempre fui um cara que nunca tive um ídolo, minto, tenho um sim: Jesus! Esse é o meu verdadeiro ídolo. Mas no futebol eu nunca admirei ninguém e sempre olhei para dentro de mim mesmo e acho que o meu ídolo é Jesus. Mas se for para escolher um jogador, por tudo que passou, pelos obstáculos que enfrentou para chegar onde chegou, esse jogador seria Amaral, ou seja, eu mesmo. Não sou um craque, sei disso, sou um jogador normal como tantos outros e graças a minha simplicidade e humildade, sempre joguei com os melhores e em muitos jogos, no fim das partidas, fui considerado o melhor entre os melhores pela minha vontade de vencer e aplicação.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Triste como todo mundo. Nesses dias estranhos e tão difíceis, não só para mim mas para todo mundo, a gente não queria estar nessa situação, mas Deus sabe de todas as coisas. O importante é ter arroz e feijão em nossas mesas e sabemos que existem pessoas que não têm condições de ter isso. Mas hoje, minha renda vem dos eventos e todos foram cancelados. Mas o mais importante é estar vivo, com saúde e esperar o tempo determinado por Deus para as coisas voltarem ao normal, pois isso ocorrendo, voltaremos a alegrar as pessoas com nosso trabalho.

Qual o momento inesquecível para você na carreira?

Tenho alguns e gosto de lembrar deles, mas os especiais foram quando assinei meu primeiro contrato no Palmeiras, o primeiro título de juniores em 1989, conquista que o clube não ganhava desde 1963, ou seja, há 26 anos, e o campeonato paulista de 1993, já no profissional, o Verdão não conquistava desde 1976. Esses foram os melhores momentos que passei na minha vida de jogador no Palmeiras.

E o momento a ser esquecido?

Difícil cara. Mas os Jogos Olímpicos de 96, em Atlanta. É, foi o momento mais triste, pois tínhamos condições de ganhar uma medalha de ouro e ficamos com a de bronze, onde muitos jogadores falam:”Pô, você ganhar uma medalha numa Olimpíada é gratificante”, mas não temos costume de ganhar o terceiro lugar e sim o primeiro. Mas foi um momento que marcou de verdade e todo mundo fala da Nigéria, a campeã, uma equipe magnífica e que se a gente ganhasse deles, a final seria histórica contra a Argentina. Vale relembrar que havíamos conquistado o Torneio Pré-Olímpico sul-americano de futebol, ao empatar em 2 a 2 com a Argentina, em Mar del Plata, e se o ouro fosse nosso ali, ia ser uma coisa muito legal, já que a seleção de 96, seria a base do Brasil na Copa do Mundo da França, em 98. Mas como não fomos campeões em 96, alguns jogadores como Roberto Carlos, Rivaldo, Bebeto e Ronaldo permaneceram, e os demais, acabaram sendo trocados.


Sabemos que no meio do futebol existe muita trairagem. Mas quem é o seu melhor amigo?

Sinceramente falando, eu não tenho um inimigo no futebol e até os jogadores com quem eu não joguei, se tornaram meus melhores amigos. Por isso, é difícil falar um nome e todos os jogadores brasileiros com quem eu joguei na minha época são os melhores amigos. Tenho por todos uma grande amizade. Mas não vou falar um e sim alguns, como Marcos Assunção e o Éverton, que eu joguei pouco com ele, são dois caras que me ajudaram muito. Teve o Edmilson, Denílson, Neto, Rivaldo, Marcelinho Carioca, Edmundo, Roberto Carlos, Ronaldo Fenômeno, Romário, Flávio Conceição, Sérgio, Marcos, Veloso, Odvan, Paulo Miranda, Tinga… e por aí vai.

O Dia Nacional do Futebol foi comemorado no dia 19 de julho. O que esse esporte representou na sua vida?

Eu nem sabia que o 19 de julho foi o Dia Nacional do Futebol, mas esse esporte representou muitas coisas na minha vida. Por causa do futebol, graças a Deus não passo fome, estou podendo dar essa entrevista para vocês do Museu da Pelada, sou convidado a ir em vários programas de televisão, fui convidado para fazer A Fazenda 8 em 2015, fazer o filme Os Parças 2, em 2017 e fazer o Dancing Brasil, reality show comandado por Xuxa na Record, em 2018. Então, agradeço a Deus em primeiro lugar, depois a dona Rosária, minha mãe, hoje com 66 anos, por ter me colocado no mundo e ao futebol que abriu as portas para eu conhecer o mundo.

Você acha que aquele drible que o Romário deu em você em um Corinthians x Flamengo, no Pacaembu, te marcou e o fez ser reconhecido?

Não, muito pelo contrário. Eu acho que fiquei famoso no futebol pela minha garra, minha aplicação em campo, minha vontade de vencer… mas é claro que você levar um drible te deixa marcado. Quando eu levei o elástico do Romário, eu já era conhecido, e fiquei mais conhecido ainda (risos), mas já havia chegado à seleção brasileira, era campeão brasileiro e paulista e com uma bagagem na Europa. Mas esse lance ficou marcado onde as pessoas lembram bastante do Romário pelo elástico que ele deu em cima de mim sim, sem dúvida. E na boa, te confesso: sou grato ao baixinho por ter me dado esse drible, porque os anos passam e as pessoas não esquecem, além é claro, de tomar um drible marcante de um gênio como Romário, para mim é, do fundo do meu coração, motivo de orgulho.

O racismo machuca e é um assunto recorrente no esporte. Você viveu episódios marcantes, não foi?

Já sofri muito por causa disso. No Pogoń Szczecin, time da Polônia onde joguei entre 2006 e 2007, era frequente, mas passei também em Porto Alegre. Mas antigamente, nós jogadores, ignorávamos muito. Tem uma frase de um autor desconhecido que ilustra muito isso que é “O silêncio é a única resposta que deves dar aos tolos. Porque onde a ignorância fala, a inteligência não dá palpites”, então, eu nunca me importei com as pessoas me chamando de macaco e nem jogando banana no campo, pois quando jogavam, eu ia pegando as bananas e comendo e quando estava aguada eu reclamava que poderiam jogar uma banana mais doce. Essa era a forma que eu encontrava para essas situações e sempre ignorei isso aí. Nunca dei muito valor aos ignorantes que se acham no direito de nos comparar com um macaco.

Quem foi o jogador mais difícil que você marcou?

Na verdade foram dois, que tive muita dificuldade em marcar: o Zidane e o falecido Denner. Com o craque da França, tem um fato até engraçado que em um jogo beneficente, o Amigos do Ronaldo x Amigos do Zidane, na Arena do Grêmio, em 2012, na primeira bola que o Zizou pegou, já dei uma ajuntada nele e ele virou para mim e disse: “Pô, Ama (como era chamado na Itália) isso aqui é um amistoso, não é Fiorentina-ITA e Juventus-ITA” (risos). Aí eu disse:”Vai que tem alguém aqui vendo o jogo na arquibancada e me vê te marcar, já saio daqui contratado?”, (risos). Mas brincadeiras à parte, o Zidane era um grande jogador, um cara que tenho uma enorme admiração por suas conquistas como jogador e treinador. Mas sempre foi muito difícil marcá-lo. Já o Dener foi outro jogador difícil que eu marquei no futebol. Eu tinha muita dificuldade em marcá-lo, e lembro que era minha primeira partida como profissional e me levaram para ver a fita-cassete dele. Eu vi e percebi que não seria fácil. Mas graças a Deus me sai muito bem, mas ele foi o jogador mais difícil de se marcar e o que mais me deu pesadelo na hora de dormir quando eu ia enfrentá-lo. Mais do que o Zidane. O Dener tinha as pernas fininhas e tortas e você não sabia se ele ia cortar para a esquerda ou para a direita e do nada ele ia pelo meio, além de ser muito rápido. Portanto, Zidane e Dener foram os mais difíceis que eu marquei, mas garanto: o Dener foi o mais difícil que eu marquei.

Você vestiu a camisa do Palmeiras em 244 partidas e marcou apenas um gol contra o Grêmio em um jogo na Libertadores. O que acha disso?

Eu fui um jogador que nunca fiz muitos gols na minha carreira, não me preocupava em fazer gols. Meu negócio era marcar e fazer os meias e atacantes jogarem. Às vezes saia um gol e eu ia comemorar e os companheiros falavam:”Pô, Amaral, volta correndo que você não pode nem comemorar, recupera o fôlego indo para o meio de campo”, (risos). E quando eu fiz o gol, não deu para comemorar direito porque os caras me falaram que eu veria esse gol em casa. Eu fiquei muito feliz com esse gol com a camisa do Palmeiras, e foi uma pena a gente não ter conseguido classificar naquele jogo histórico contra o Grêmio, nas quartas de final das Libertadores, em 1995. E foi engraçado que quando cheguei em casa para ver o gol, o Galvão Bueno errou meu nome na narração e me chamou de Paulo Isidoro. Ou seja, Galvão Bueno confundiu, falou Paulo Isidoro (risos).O Galvão Bueno corrigiu a narração do meu gol de Amaral, e eu vibrei no Bem, Amigos. A produção do programa então separou as imagens do lance, que foi narrado corretamente por ele 23 anos depois. Mas brincadeiras à parte, foi um momento magnífico na minha vida e depois daquele gol os times começaram a me enxergar e acabei rodando o mundo.


Você não foi bem em sua primeira passagem na Itália, mas mesmo atuando poucas vezes no Parma, sagrou-se campeão da Copa da UEFA, jogando ao lado de craques como Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Hernán Crespo e Tomas Brolin. Já na segunda…

Minha primeira passagem na Itália foi muito difícil, porque eu nunca tinha saído da minha cidade Capivari e fui para uma cidade totalmente diferente, uma língua que não entendia, comia macarrão todo dia, enquanto no Brasil se come apenas aos domingos, mas o bom foi que fiz várias amizades. Inclusive joguei algumas partidas da Copa UEFA e é legal, como você mencionou na pergunta, que fui campeão da Copa UEFA e como joguei algumas partidas, me considero campeão mesmo e nem sabia que eu tinha esse título (risos). Lembro da amizade com o Canavarro, encontrei um treinador que me ajudou muito que foi o Carlo Ancelotti, só que eu não tive paciência de esperar a minha chance na Itália e como estava no mercado, queria jogar,  não aceitava ficar no banco e acabei pedindo para ir embora do Parma-ITA. Então,  primeira passagem minha não foi muito boa, mas a segunda já foi melhor onde me consagrei campeão da Copa Itália, que é um título que eu carrego com muito orgulho e os italianos até hoje falam comigo, me mandam mensagens pela marca que eu deixei lá na Fiorentina-ITA. Para mim frente foi muito especial, já que eu joguei duas partidas finais, pois não joguei no decorrer do campeonato porque estava me recuperando de uma lesão no ligamento cruzado do joelho, e na hora de partir o bolo, eu joguei e para você ver, Deus às vezes, tem aquela palavra que os humilhados serão exaltados. Passei pela mesma humilhação no Parma-ITA, mas faltou um pouco de paciência comigo em me espera um pouco mais, para eu me adaptar e ao não me adaptar, acabei sendo emprestado, e depois não quis voltar. Mas Deus escreveu certo em linhas tortas e preparou minha volta em ser campeão em cima do Parma-ITA, onde consegui provar o meu valor.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

A minha lembrança como jogador no Maracanã, o palco onde todo atleta sonha um dia jogar, foi a final da Taça Guanabara de 2000, entre Flamengo e Vasco, e o clube vascaíno goleou por 5 a 1 o rubro-negro, onde nesse jogo eu quase fiz um gol de cobertura no Clemer e a bola bateu na trave. Se aquela bola entrasse, seria 6 a 1 e um momento marcante da minha vida.

Nós do Museu da Pelada e seus leitores gostaríamos de saber alguma história engraçada. Pode nos contar?

Infelizmente não. Eu não posso contar mais histórias, pois eu faço shows de stand-up comedy e sou contratado por uma empresa que está me  patrocinando. Mas basta procurar no Google as histórias do Amaralzinho, que vocês do Museu da Pelada e seus leitores  irão ler muita coisa engraçada a meu respeito. Me desculpem, mas vou ficar devendo essa.

Defina Amaral em uma palavra?

Iluminado.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA FALCÃO


Pegar dois ônibus para chegar no treino não era problema para o filho de seu Bento e de dona Azise, que vendia garrafas vazias para pagar suas passagens. 

Quando não conseguia dinheiro, seu Jofre Funchal, treinador da base do Internacional, financiava.

Certo dia, o pai, um caminhoneiro experiente, e a mãe, uma costureira dedicada, quebraram o ‘porquinho’, pegaram as economias guardadas, e compraram sapatos novos para o filho ir para o treino.

Naquele dia, cerca de trezentos meninos aproximadamente passaram pelo vestiário antes e depois do treino para tentar convencer seu Jofre, de que eram craques.

Na ocasião, um deles surrupiou os sapatos do menino, que ao não encontrá-los começou a chorar.

Ao ver as lágrimas do menino, seu Jofre foi numa loja perto do estádio e comprou um par de tênis brancos, para que ele não voltasse descalço para casa. 

Feliz com o presente, mas temeroso ao chegar em casa com medo de levar uma coça, seu Bento e dona Azise perceberam que os tênis eram maiores que os pés do filho, começaram a rir e o menino, acabou rindo junto.

Mas se o menino franzino e bom de bola deu alegria aos pais na infância, Falcão, jogador consagrado, deu ao Internacional três campeonatos brasileiros, em 1975, 1976 e 1979.

Mas o fim se aproximava de forma lenta, porém, suave como a elegância de um cisne de pernas compridas que caminhava no solo verdejante dos campos no Brasil e mundo afora.

Até o dia em que disse: “Chegou a hora de ir!”.

A frase saiu certeira como flecha da boca de Paulo Roberto Falcão, na sala de José Asmuz (1927-2016), presidente do Internacional, e acertou seu peito.

Durante anos, o dirigente colorado  engoliu a seco por ter vendido o maior craque da história do clube em seus 111 anos.

“Chegou a hora dele ir”, dizia à época, sem revelar a razão do negócio.

No entanto, as cinco palavras que construíram a frase que saiu da boca do maior jogador do Sport Clube Internacional, mudou a sua história e o destino do futebol brasileiro.

Sua coragem em meter a mão na maçaneta da porta de entrada para a Europa e abri-la, foi o suficiente para outros jogadores fazerem o mesmo.

Com um futebol elegante, conquistou o campeonato italiano de 1982/83, as copas da Itália nos anos de 1980/81, 1981/82 e 1983/84, e assim como Nero Cláudio César Augusto Germânico, imperador romano, que acendeu fogo em Roma, ele, Falcão, acendeu a paixão no coração do torcedor romanista e pôs fogo no Estádio Olímpico, na cidade que leva o nome do clube que defendeu e onde se tornou Rei.

Fogo intenso que seria apagado com três baldes de água fria jogados pela Itália em 1982, na Copa do Mundo da Espanha, onde foi destaque da equipe de Telê Santana que encantou o planeta.

O craque que fez história com a camisa 5 do Internacional e do Roma, porém, antes de avisar ao presidente José Asmuz que queria sim, se transferir para a Europa, pediu a opinião de Dona Azise, sua mãe. 

“Vai, meu filho! Vai conquistar o mundo”, ouviu como resposta.

Obediente, ele foi.

O Museu da Pelada entrevistou Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma, que contou um pouco da carreira e do desejo em voltar a ser treinador de futebol, na série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Sinceramente, eu não lembro em ter uma grande inspiração, mas talvez o Pelé, pela qualidade como atleta de futebol, pela relação que ele tinha com seus fãs e a forma com que ele tratava essas pessoas, então, seguramente, tenha sido ele a minha inspiração.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Falcão?

Eu acho que na realidade o futebol acontece todos os dias, não só profissionalmente, mas tem futebol todo dia nas escolas, nas escolinhas de futebol, no meio da rua, futebol está para a gente todos os dias do ano. Então, o Dia Nacional do Futebol é sim, os 365 dias do ano.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?


Em casa e lendo, normalmente coisas do futebol, vendo jogos, analisando alguma coisa interessante que possa ter acontecido no jogo, tipo uma falta ensaiada, procurando prestar atenção em jogadores, fazendo isso basicamente, enfim, pois é o que podemos fazer, né?

Quem foi seu melhor treinador?

Quem foi meu melhor treinador? Olha, eu tive vários treinadores, como por exemplo seu Jofre Funchal, na escolinha do Internacional, que me deu muita força; depois o Ernesto Guedes, que me colocou de segundo jogador de meio-campo de meia esquerda para centro médio; depois Dino Sani, que me tirou das categorias de base faltando um ano para chegar ao profissional e me colocou no time principal do Internacional; o Rubens Minelli, que me ajudou muito quando fui para ser segundo homem no meio-campo, além de sua competência; o Ênio Andrade, três vezes campeão brasileiro, pelo Internacional, Grêmio e Coritiba, uma grande figura e com uma capacidade de leitura de jogo impressionante; tive o Nils Liedholm, na Roma-ITA, me ajudou demais, era sueco e como veio antes para Itália, passou pelo mesmo processo que eu de adaptação. Vale ressaltar que o  Nils Liedholm, além de ser uma figura extraordinária e com um carisma enorme, a nível de conhecimento, para os leitores saberem, jogou na seleção sueca e fez o primeiro gol da Suécia contra o Brasil, na Copa do Mundo de 1958 e a seleção brasileira acabou vencendo por 5 a 2. Portanto, esses foram os meus melhores treinadores.

Podemos dizer que você foi pioneiro em ir jogar no mercado italiano. Depois Zico, Toninho Cerezo, Júnior, Casagrande, Renato Gaúcho e outros craques brasileiros da década de 1980 tiveram passagens, mais ou menos vitoriosas, pelo país. Tudo porque um catarinense de Abelardo Cruz resolveu seguir o conselho da mãe e foi para a Europa tentar conquistar o mundo. Na sua opinião, o que você atribui tamanho sucesso?

Realmente, fui o primeiro a ir para a Itália, o mercado estava fechado, e ao abrir, eu fui. Eu sabia que eu tinha que ir bem, eu me preocupava com isso, embora desde no início a saudade fosse forte, mas eu sabia que estava ali com a responsabilidade de abrir mercado para outros brasileiros. O começo sempre é difícil, mas eu fui muito bem recebido pelos jogadores, pelo próprio treinador Nils Liedholm, e isso me ajudou muito na minha adaptação, até porque na época era um estrangeiro só por clube, então era muito mais difícil a adaptação. Na verdade, eu fui para lá sabendo que as coisas não seriam fáceis, e é bom frisar que eu não fui com o corpo e deixei a cabeça no Brasil, como alguns jogadores fazem, ou seja, eu fui inteiro para lá. E tenha certeza, que só assim, do jeito que te falei, eu poderia me adaptar rapidamente, como aconteceu. Mas minha ida para a Itália, tem muito a ver também com a minha idade, tinha 26 para 27 anos, havia feito muita coisa no Brasil, estava com a cabeça feita, e sempre tive uma boa base familiar. Não cheguei na Itália deslumbrado e isso ajudou bastante. As dificuldade que passei na infância, sempre tive o apoio de meus pais e meus irmãos.

Em 30 de agosto de 1980, você estreou pela Roma, em um amistoso contra o Internacional, jogo disputado no Estádio Olímpico de Roma. O jogo terminou empatado em 2 a 2 e quais as lembranças dessa estreia exatamente contra o clube do seu coração?

Foi um jogo festivo e estava dentro do contrato que ocorreria esse jogo. Foi isso, foi uma festividade apenas.

A Roma foi campeã em 1982/83, com duas rodadas de antecedência e quebrou o jejum de 41 anos sem títulos. Para os torcedores romanos, você sucedeu Tarquínio, o Soberbo, comoa oitavo Rei de Roma. É o título mais importante da sua carreira?

Foi uma grande conquista sim, ser campeão com ap Roma-ITA, depois de tanto tempo, 41 anos. Foi um título fantástico, porque era muito difícil ser campeão jogando no contra os times do Juventus, Internacional, Milan, embora o Milan vivesse uma grande dificuldade naquela época, mas havia a Fiorentina que atravessava um bom momento, mas na realidade foram quatro anos maravilhosos, sendo que no primeiro ano, nós já merecíamos ganhar o campeonato. No campeonato de 1980/81, realmente foi um escândalo o gol que anularam, que era o gol praticamente do campeonato. Se você der uma pesquisada aí, você vai ver que faltando três jogos, um ponto atrás do Juventus, na época se jogava por dois pontos e não três como hoje, e com aquela vitória nós passaríamos à frente deles e com dois jogos teoricamente mais tranquilos: um em casa e um outro fora. Então, certamente aquele gol anulado escandalosamente, nós daria o título, já no primeiro ano, em 1980/81. Aquilo ficou em nós, jogadores, um gosto amargo e dez dias depois, no mesmo ano, ganhamos a semifinal da própria Juventus, na Copa da Itália, e depois vencemos o Torino, e fomos campeões.


Você formou um meio de campo memorável na Seleção Brasileira ao lado de Toninho Cerezzo, Sócrates e Zico na Copa do Mundo de 1982. Foi um pecado aquele time não ter conquistado o título?

É, eu joguei com um meio-campo forte, com Cerezo, Sócrates, Zico, era uma seleção muito forte mesmo. Foi um pecado a gente não ter conquistado, não conquistamos o título sabe, mas seguramente conquistamos o título de encantamento, onde o mundo seleção se encantou com aquela seleção. Até hoje, todo mundo pergunta dessa seleção, quer saber dessa time, até mesmo vocês do Museu da Pelada estão me perguntando sobre essa seleção de 1982. Por quê? Porque 82, estamos falando de 38 anos atrás e que ainda se se fala dessa seleção, significa dizer, que essa equipe jogou bem e emocionou. Não ganhou, é verdade,  mas jogar bem e emocionar, mesmo você não ganhando, você fica na história, que é o caso dessa seleção.

Antes de assumir como treinador a Seleção Brasileira em 1991, você comentou, ao lado de João Saldanha, a Copa do Mundo da Itália pela extinta Rede Manchete. Como foi essa experiência?

Minha convivência foi muito boa, infelizmente o João (Saldanha) acabou falecendo lá na Itália, em 1990, e era uma grande figura, muito divertido, uma pessoa que ficou marcado no futebol brasileiro nessa época de comentarista e no período em que foi técnico da seleção brasileira. Mas foi uma experiência muito boa trabalhar na Manchete, e antes da Copa, eu apresentei o programa chamado ‘Itália de Falcão’, onde eu mostrava para as pessoas de modo geral, em especial para os brasileiros que fossem viajar para a Itália, o que eles poderiam fazer além dos jogos da Copa. Então, foi uma experiência muito importante, inclusive ganhando até prêmio esse programa com o (diretor) Nilton Travesso, uma grande série e que me deixou muito realizado em termos de televisão. Mas foi ali que o (ex-presidente da CBF) Ricardo Teixeira pensou em mim como treinador e depois acabei assumindo a seleção brasileira. Acabei não ficando por enes motivos que nem vale citar no caso, pois faz muito tempo.

Você viveu um hiato de 17 anos, entre 1994 e 2011, sem dirigir uma equipe no futebol. Por que ficou longe da bola esse tempo todo?

Na realidade eu resolvi ficar um pouco mais em Porto Alegre, comecei a pensar em voltar para a televisão e fiz televisão na RBS do Rio Grande do Sul e em seguida fui contratado pela Rede Globo, onde fiquei até 2011. Aí, comecei a pensar em voltar a treinar, dirigir uma equipe, me deu saudades da adrenalina, dos treinamentos, dos coletivos, das jogadas ensaiadas, do papo com os jogadores. Foi quando o Internacional me fez o convite e eu acabei aceitando e voltei aos gramados.

O início de sua carreira como treinador, foi após o fiasco na Copa do Mundo de 1990. Na ocasião, você sofreu uma pressão enorme, decorrente de resultados inexpressivos, combinada a uma forte cobrança por parte da imprensa. O que você atribui o fato de não ter permanecido nem um ano à frente da Seleção?

Eu assumi a seleção em 1990, com o objetivo de nos primeiros quatro meses, observar o que o futebol brasileiro tinha para oferecer em termos de jogadores. Felizmente, deu a possibilidade de surgir Cafu, Leonardo, Mauro Silva, Márcio Santos, que acabaram se tornando importantes na conquista da Copa de 1994, nos Estados Unidos. Isso sem falar dos jogadores que não foram usados na seleção, mas que se destacaram muito em seus clubes, como os casos de Cléber, que saiu do Atlético Mineiro para ser multicampeão no Palmeiras, o Adilson Batista, o Luís Henrique, que era do Bahia e foi jogar na Europa, o Mazinho Oliveira, que saiu do Bragantino e foi para a Europa também, ou seja, muitos jogadores se destacaram porque foi dado a eles a oportunidade de vestirem a camisa da seleção brasileira. Ali, eu como treinador, não pensava muito em resultado e não tinha como pensar nisso, para se ter uma ideia no primeiro jogo contra a Espanha, que vinha de uma Copa do Mundo dois meses antes, e no nosso time, ninguém havia viajado para a Europa. Então, nosso objetivo era esse, dar experiência e conhecer os jogadores para que a gente pudesse utilizar depois na Copa do Mundo de 1994, que foi o que o Parreira fez. E inclusive, lembro até que ele disse em uma entrevista quando reconheceu a importância desse nosso trabalho e que o ajudou muito para ele já saber com quais jogadores poderia contar nesse Mundial, que acabou nos dando o título.


Como treinador do América do México, conquistou a Copa Interamericana em 1991 e a Copa dos Campeões da CONCACAF no ano seguinte. Como foram esses dois títulos como treinador?

Como treinador do América-MEX, eu cheguei à final da Concacaf, campeonato que leva para disputar o Mundial de Clubes, mas não fiz a final, saí antes. Lembro que ganhamos a semifinal, aí saí, depois o América-MEX conseguiu ganhar e ser campeão. Foi fantástico, esse título é difícil, como se fosse ganhar uma Libertadores por aqui. Então, foi uma conquista extremamente relevante.

No comando da Seleção Japonesa entre 1994 e 1995, em 9 jogos, você teve 3 vitórias, 4 empates e 2 derrotas. Por que saiu?

Quando eu fui para a seleção japonesa, era um contrato de oito meses e o objetivo de renovação. Lembro que o Japão não havia se classificado para a Copa dos Estados Unidos de 1994 e vivia um grande momento de desilusão. No entanto, nós fomos para lá, eu, Gilberto Tim, preparador físico, o Abelha, treinador de goleiros que já estava lá e fizemos um ótimo trabalho com esse objetivo. Mas existia lá no Japão, uma necessidade de trocar treinador a cada ano e eu nunca entendia o porquê, pois sempre trocava, trocava e trocava, sem razão de ser. Eu, como treinador, cumpri rigorosamente o meu contrato. Deu para lançar alguns jogadores que depois acabaram de destacando na seleção principal.

Você fez um intercâmbio na Fiorentina-ITA e foi um dos fundadores da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol (FBTF). Como foi a experiência no clube italiano e qual o propósito da Federação? Ela ainda existe?

Fui um dos que participei da FBTF (Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol) sim. Achei que poderia se ter um pouco mais de força mas não está tendo a força que eu imaginava, pois existem muitos bloqueios e não se consegue fazer aquilo que seria o ideal para o futebol brasileiro em termos de treinadores, assim como para os clubes também. A entidade surgiu com o intuito de representar os interesses da categoria no Brasil, na busca por profissionalizar, regularizar e organizar a categoria no País.O objetivo da FBTF é que a gente tivesse um respeito maior só profissional e que se pudesse estabelecer algumas regras importantes, evitar essa troca-troca dos treinadores em clubes, por exemplo. Às vezes, um clube demite quatro, cinco técnicos por ano e às vezes algum deles ficam sem receber desse determinado clube. Quando você caracteriza que não pode mexer em mais do que dois treinadores no ano, você dá ao clube a opção dele escolher melhor o seu profissional. Isso tem que ser uma relação saudável, de federação, clube e os próprios CEO’s, que são os gestores do futebol. Bom, sobre o intercâmbio, eu sempre fiz essas viagens para conversar com treinadores, tive na Fiorentina-ITA, tive no Centro Técnico de Coverciano, na Itália, e isso é bom, pois você conversa com profissionais de outros países, para se ter esse intercâmbio de diálogos, onde se troca ideias e eles gostam muito do futebol o. Nessas viagens, falei com Vincenzo Montella, treinador da Fiorentina-ITA, com Luciano Spalletti, treinador da Roma-ITA, José Mourinho, atualmente treinador do Tottenham-ING, Carlo Ancelloti, ex-treinador da seleção italiana, Cesare Prandelli, atual treinador do Genoa-ITA… enfim, com vários profissionais do futebol e isso sempre nos enriquece também.

Desde novembro do ano passado, as marcas de seus pés estão na calçada em Mônaco, após ser eleito como Lenda do Esporte Mundial durante a 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Você imaginou que o filho de Dona Azise, chegaria tão longe?

Foi um outro grande momento ser colocado como lenda do esporte em sua 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Para ser sincero, nunca havia pensado nisso e já haviam me convidado algumas vezes, por meio do Antônio Calino, que é o organizador disso lá em Monte Carlo, em Mônaco, na França, mas nunca dava para ir, ou estava treinando, e a impossibidade por outros motivos e tal, mas resolvi ir nesse e fui muito legal. Na ocasião, o Luka Modrić, jogador do Real Madrid estava lá, e foi muito legal, sem falar que o prêmio é muito importante, pois colocar o pé nessa ‘Calçada da Fama’, foi inesquecível.


Você virou tema de uma exposição na Embaixada do Brasil na capital italiana, ano passado. Amostra “Falcão, Ottavo Re” (em português, “Falcão, Oitavo Rei”), exibiu uniformes históricos usados por você, como um par de chuteiras e mais de 50 fotos e um painel biográfico. Você tem a dimensão do que Paulo Roberto Falcão representa para a Roma?

Foi muito legal, muito legal mesmo, foi mais um momento de satisfação profissional e de muita felicidade. Mas fiquei mesmo impressionado com o número de visitantes em que a exposição ficou lá em Roma. Essas homenagens são mais importantes que um título, que um gol, sabe. O fato do reconhecimento em vida é uma coisa que deveria ser feita com todos os profissionais que assim merecem. Já sobre ser Rei, não sei, eu acho que, ser considerado o Rei é uma brincadeira (risos) que eles fazem, mas eu nunca me considerei Rei, longe disso, apenas é uma maneira muito, muito, vamos dizer muito graciosa que os romanos tinham para dar carinho aos seus jogadores, nesse caso específico, dar carinho ao Falcão.

 Faltou algo na sua carreira?

Sempre falta alguma coisa, mas como treinador, eu posso te assegurar que gostaria de montar um time para poder trabalhar. Eu sempre lembro de uma entrevista do Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, que disse: “Sinceramente, eu não entendo como os treinadores brasileiros conseguem montar times, porque são demitidos a cada dois ou três meses, por causa de dois ou três resultados negativos, quando eu, em um ano de trabalho, não consigo montar”, então,  você tem que ter paciência, tem que ter um bom grupo de jogadores com qualidade e enfim… montar um time não é fácil mas também não é muito difícil se você tiver as condições para isso.

Defina Falcão em uma única palavra?

Essa definição eu deixo para você, para os leitores do Museu da Pelada, e para quem for ler a entrevista.

O CISNE DE UTRECHT

por Marcos Vinicius Cabral


Amigos de infância, Marco e Jopie eram inseparáveis.

Viviam na província de Utrecht e costumavam patinar nos rios congelados da circunvizinha Maarssen, pequena cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, situada na parte baixa da Holanda.

Numa tarde, ao não percebe um buraco no gelo da espessa neve, Jopie caiu para desespero do amigo Marco, que tentou salvá-lo.

Foi em vão.

O amigo morreria congelado e afogado minutos depois, enquanto Marco se aprisionaria por um bom tempo nas lembranças daquele dia.

O tempo passou e o futebol ia sendo apresentado aos poucos ao menino de seis anos de idade pela família van Basten em doses homeopáticas, afim de cicatrizar a ferida aberta pelo infortúnio ocorrido meses antes.

Perdas e danos seriam tão normais em sua vida como (des) amarrar os cadarços das chuteiras.

Passou então a ser incentivado por sua mãe Leny a acompanhar Joop, que além de bom marido e excelente pai, era um zagueiro respeitável nos campos amadores de futebol da cidade holandesa.

Assim o menino não se fez de rogado e mesmo enlutado pela perda do amigo Jopie, seguiu os conselhos de sua genitora.

Não queria – apesar de boa estatura – ser como o velho pai e com seu talento natural, virou o paradoxo do que fora milimetricamente planejado: em vez de defender, ele queria atacar.

Na verdade, na verdade, vos digo: fazer gols mexia com o menino.

Aos sete anos, de mãos dadas com o pai, entrou nos portões do UVV, pequena equipe amadora de Utrecht, cidade onde nascera, e nos treinamentos, encantou a todos pela habilidade.

Por ser mais alto que a maioria dos meninos de sua idade, era impossível não notá-lo: Marco chamava a atenção.

Contudo, dores infernais incomodavam seus tornozelos e numa consulta despretenciosa com o ortopedista do clube, Drº Rein Strikwerda (1930-2006), foi constatado que era necessário parar de jogar ou viver pelos próximos anos confinado numa cadeira de rodas.

Palavras duras demais para uma criança que tinha uma (talentosa) carreira pela frente.


Pai e filho não lhe deram ouvidos e Strikwerda – que ganhou projeção internacional ao descrever a lesão no menisco que muitos atletas sofriam para tratá-la – lavou as mãos.

Ali, na antessala do consultório do médico, Marco van Basten e o pai Joop, se abraçaram, e decidiam que aquele ciclo de três anos havia chegado ao fim.

Foram para o Elinkwijk, outro modesto clube amador e aos dez anos, continuava a ser o mesmo garoto de sempre: habilidoso, goleador, bom driblador e acima de tudo frio, muito frio nas finalizações das jogadas que resultavam na maioria delas, em gols.

Mas o futebol ainda não era o que fazia seus olhos brilharem, o que ocorreria cinco anos mais tarde, quando aos quinze, recém-saído da infância e recém-chegado à adolescência, se apaixonou verdadeiramente pelo esporte e passou a desenhar como passatempo.

Desenhando – não era craque como o cartunista argentino Guillermo Mordillo (1933-2019) – e poucas não foram às vezes que Joop e Leny, ficavam observando o pequeno Marco, sentado no chão e riscando em folhas Moulin du Roy, escudos, uniformes, jogadas, assistências, gols, e tudo que mencionassem dois de seus maiores ídolos: o francês Didier Six e o compatriota Johan Cruyff (1947-2016).

O tempo passava e cada vez mais retraído, os acontecimentos iam arrefecendo seus sentimentos até ser visto por Aad de Mos, então técnico do Ajax, que percebeu no garoto de dezessete anos, um craque na acepção da palavra.

Era 3 de abril de 1981.

Um ano depois, na primeira partida como profissional, em 1982, contra o NEC, foi inesquecível para os ‘Filhos dos Deuses’, que em frenesi, viram seu primeiro gol com a camisa do Ajax, após ter entrado em campo substituindo Johan Cruyff, que prestes a pendurar as chuteiras, dava seus últimos suspiros na carreira, voltando ao time que o consagrou.

Consagração que o atacante de 1,88m com incrível poder de conclusão, alcançaria muito em breve, para ser mais exato em 1983, na estreia na seleção holandesa (e no mesmo ano, na presença no Mundial sub-20).

Cirúrgico em definir jogadas como pouco se viu no futebol, dois anos depois, foi eleito o melhor jogador do ano na Holanda, e em seguida, a Chuteira de Ouro europeia, na temporada 1985/86 parariam em suas mãos, após usar os pés para marcar 37 gols em 26 jogos disputados.


Tudo ia bem, até sua mãe Leny van Basten, sofrer um AVC e em seguida, catorze dias depois, um infarto, no qual fez com que o marido Joop, então incentivador presente da carreira do filho, tivesse que assisti-lá até sua morte.

Sozinho e sem a figura paterna por perto, teve que deixar a casa dos pais, indo viver com Liesbeth van Capelleveen, então namorada, e há vinte e um ano esposa e mãe de seus três filhos.

No fim do mesmo ano, lesionaria pela primeira vez o tornozelo direito, tamanha a vontade que os adversários no Campeonato Holandês chegavam para marcá-lo.

“Se você não jogar e vencer, eu destruo você”, ouviu certa vez do treinador Cruijff – o ídolo que era desenhado por ele quando criança – enquanto fazia tratamento no Departamento Médico, semanas antes da decisão da Recopa contra o Lokomotive Leipzig, no Estádio Olímpico de Atenas, na Grécia.

Levando ou não a sério as palavras do técnico e maior jogador do futebol holandês, van Basten usou a cabeça para lembrar da ameaça quando fazia tratamento para recuperar da lesão no tornozelo direito e com ela marcou aos 21 minutos do primeiro tempo, o único gol da partida, garantindo o título.

Em 172 jogos pelo Gigante de Amsterdã, estufou 152 vezes as redes adversárias e chamou a atenção de Silvio Berlusconi, do Milan, do calcio, o ‘Eldorado’ da bola.

Contratado, em sua primeira temporada, foi comandado pelo então ‘novato’ Arrigo Sacchi e contava com Baresi, Maldini, além dos holandeses Gullit e Rijkaard.

Apesar de conquistar o scudetto com o Milan, o camisa 9 sofreu um bocado com as lesões e participou de apenas 19 jogos, marcando ínfimos oito gols.

A desconfiança, porém, foi deixada de lado logo ao final daquela temporada, quando o matador foi o grande craque da Eurocopa de 1988, disputada na Alemanha Ocidental.

Artilheiro com cinco gols e melhor jogador da competição, van Basten foi essencial para o título holandês, único conquistado pelos holandeses até hoje, marcando inclusive um dos gols mais bonitos da história do futebol na final diante da União Soviética, do lendário Rinat Dasayev.

Ajudou o Milan a conquistar o bicampeonato da Copa dos Campeões em 1988/89 e 1989/90, sobre o Steaua Bucareste e Benfica, e com 32 gols marcados na temporada (19 na Série A e 9 na Copa dos Campeões), se tornou artilheiro no Campeonato Italiano, desbancando o Napoli de Alemão, Careca e Maradona.

Enquanto a equipe do Milan recebia o apelido de L’Invincibile, pela conquista dos dois troféus, ‘San Marco’ chegava ao nível de reconhecimento fora da Holanda inimaginável: era vencedor da Bola de Ouro, da revista France Football, por duas vezes consecutivas.

Obsessivo, continuava mortal e cada vez mais artiheiro – como nos 4 gols marcados contra o Napoli, em pleno San Paolo, e outros 4 contra o IFK Gotemburgo, na já renomeada Liga dos Campeões – o ‘Cisne Holandês’ atravessava excelente fase, a ponto de ser eleito novamente melhor jogador do mundo em 1992 – desta vez pela Fifa e também pela France Football, fato alcançado apenas pelo holandês Cruyff em 1971, 1973 e 1974 e pelo francês Michel Platini em 1983,1984 e 1985 àquela altura.

Mas se o segundo maior jogador do futebol holandês vivia grande fase, na semana em que recebia o prêmio em Kongresshaus em Zurique, na Suiça, o destino lhe sorriria de forma sarcástica, ao sofrer entrada em seu tornozelo direito, quando o Milan enfrentava o Ancona, em 13 de dezembro de 1992, pelo Italiano.

Nunca mais seria o mesmo.

Operado em 21 de dezembro de 1992, pelo Dr. René Marti (1939-2018), teve retirado pedaços da cartilagem e de ossos do tornozelo, e a partir dali, recebeu um prognóstico pessimista: não poderia mais jogar futebol.

No primeiro semestre de 1993, o ‘Gazela’ esteve em apenas três jogos, incluindo atuação apagada na final da Liga dos Campeões e meses depois, passaria pelas mãos do médico belga Marc Martens, em mais uma operação.

Não havia mais o que fazer e a carreira de um dos jogadores mais brilhantes do século XX, chegava ao fim.

Fãs inconformados não aceitavam aquilo naturalmente e o desespero era tanto, que um deles, torcedor do Milan, numa atitude intempestiva, se ofereceu para doar a própria cartilagem de seu tornozelo ao craque, numa cirurgia impossível. 

“Eu não melhorei. Só de ficar em pé o tornozelo já dói, só com uma partidinha de tênis. E não sei se os doutores sempre me ajudaram, já que de 1992 para frente a situação só piorou”, disse recentemente, lamentando não ter jogado a Copa do Mundo de 1994, após o fiasco na de 1990.


Em 18 de agosto de 1995, sem poder sequer fazer um jogo de despedida, Marco van Basten se despediu do futebol aos 32 anos.

O Estádio San Siro, com mais 70 mil pessoas, viu o fim de uma carreira curta, mas simplesmente extraordinária.

As dores físicas com que conviveu durante os treze anos como jogador profissional, só passariam em 1996, quando fixou os ossos do tornozelo com parafusos numa operação.

Mas as emocionais, como a perda do amigo Jopie, as palavras duras do Drº Strikwerda, a perda da mãe Leny em 1985 e, recentemente, do pai Joop em 2014, até hoje ressoam na memória perpassando pelos pés, até os 1,88m de altura da cabeça, onde até hoje carrega com si toda sua brilhante, mas trágica trajetória esportiva, de quem foi um dos maiores atacantes de todos os tempos.

Em 2004, quando defendia o Juventus, Ibrahimovic, aos 23 anos, recebeu um conselho do treinador Fabio Capello: buscar inspiração nos gols de Marco van Basten.

“Estávamos no Juventus e ele um dia me mostrou um vídeo dos melhores gols de van Basten e disse: “Você precisa fazer que nem ele”. Eu era jovem e aprendi muito com esse antológico jogador. Daquele dia em diante, eu comecei a marcar como os grandes”, afirmou o sueco à época.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZICO


Todos buscavam algo, além da Lagoa na época pré-túnel Rebouças, com poucas casas às suas margens, onde se podia ouvir o galope dos cavalos que montados por amazonas e cavaleiros da Sociedade Hípica Brasileira, cavalgavam pelo matagal que se estendia da Curva do Calombo até a finada favela da Praia do Pinto.

Em frente ao Estádio de Remo, dominando tudo a sua volta com seu monumental lance de arquibancadas, a imponente sede do Flamengo abria os braços querendo abraçar aquele menino loirinho, magrinho, ainda pequeno para seus 14 anos.

Pela primeira vez na vida saía de Quintino, zona norte do Rio de Janeiro, para colocar os seus pés sagrados no não menos sagrado chão da Gávea.

Naquela quinta-feira, 28 de setembro de 1967, trazido pela mão pelo radialista Celso Garcia, Zico – apelido dado pela falecida prima Ermelinda – treinou pela primeira vez no Flamengo.

No entanto, antes de mostrar seu talento em campo, Zico precisou que Celso Garcia, convencesse Modesto Bria, treinador do juvenil do Flamengo e imortal craque do primeiro tricampeonato em 1942/43/44, a lhe dar uma chance.

“O que me movia era a coisa de Flamengo, de entrar para o meu clube de coração, que era o que eu mais desejava. Mas o primeiro momento foi de decepção, pois a escolinha tinha duas categorias, e apareci no dia do treino dos garotos mais velhos. O Bria não queria me aproveitar. Assim mesmo, o Celso criou toda uma situação, para não desperdiçar a nossa viagem, e acabei entrando. Não foi nada demais, só deu pra fazer umas gracinhas, aquela não era a minha praia. Eu realmente fiquei assustado quando cheguei à Gávea, naquele primeiro dia; os caras eram bem maiores do que eu. O fato é que me mandaram voltar no dia seguinte, uma sexta-feira, para me apresentar para a partida de domingo, contra o Everest. Eu me apresentei aos responsáveis pelo meu núcleo, o Célio de Souza e o José Nogueira. Joguei e fiz dois gols na vitória de 4 a 3. Mas não me lembro de quase nada. Só quando pego alguma foto da época. De qualquer jeito, foi ali que o meu sonho começou a se tornar realidade. Eu tinha sido aceito na escolinha do Flamengo”, disse a Roberto Assaf e Roger Garcia, autores de sua autobiografia, ‘Zico 50 Anos de Futebol’.

Se o Natal rubro-negro é 3 de março, podemos afirmar indiscutivelmente que o Ano Novo é 28 de setembro, data em que mostrou todo o seu futebol de um menino que viria, anos mais tarde, ser o maior ídolo do clube.  

Porém, antes de sê-lo e obter tamanho êxito, cresceu dezessete centímetros chegando a 1,72 metro, ganhou vinte e nove quilos encorporando para  66 em massa muscular e sendo preparado pelo médicos do clube para receber entradas duras e desleiais de seus marcadores, como a de Márcio Nunes, naquela noite infeliz de agosto de 1985, pelo Campeonato Carioca.

Recentemente, viveu confinado em sua casa onde esteve há mais de cem dias, o ‘White Pelé’ (Pelé branco) como o Galinho de Quintino é conhecido no exterior, e aceitou conversar com o Museu da Pelada para fazer parte da série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

De onde vem o apelido Galinho?


Vem do Valdir Amaral, radialista da Rádio Globo. Quando estreei, estava jogando de centroavante, corria bem e lutava muito e como era cabeludo, recebi esse apelido de Galinho, e lógico,  Quintino, por ser do bairro onde eu morava e fui criado. Então, pegou e hoje todo mundo me chama de Galo ou Galinho.

Quem foi sua inspiração no futebol?

Eu tive grandes inspirações, a começar pelo Dida, que era o grande ídolo do Flamengo e da minha família inteira. Meus pais diziam que depois de pai e mãe uma das primeiras frases que falei foi ‘Dida’. E lógico, depois dos meus irmãos, Edu e Antunes, onde eles jogavam, eu ia assistir, e aprendi muito com eles. E uma grande Seleção, com excelentes  jogadores também me inspirou muito, porque era um ataque que todo mundo era camisa 10 em seus clubes, que foi a Seleção Brasileira de 1970. Nessa época, eu estava no juvenil e sabendo mais ou menos o que queria como jogador de futebol, olhava muito aqueles jogadores e aprendi muito com eles.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Sinceramente, não sinto saudades da minha carreira. Pô, foram muitos anos jogando no Brasil, na Itália, no Japão, então, não sinto saudades de nada. Ainda jogo minhas peladas, então, seria muito egoísmo da minha parte sentir saudade de alguma coisa.

Você marcou 826 gols na carreira. Se não fossem os graves  problemas no joelho, você acha que chegaria aos mil?

Bom, eu nunca me preocupei com essa coisa de bater recorde não, de numeração e tal. A gente com o decorrer do final da carreira que você começa a achar números. Eu terminei minha carreira com 831 gols e 1.174 jogos. Agora, tem muitos jogos que muita gente não conta que é a questão dos jogos que são amistosos ou não, jogos beneficentes e jogos de despedidas. Quando eu era profissional, eu anotava tudo e lógico, que se talvez eu tivesse pensando na questão de bater recordes, talvez pudesse ter chegado a isso, mas minha função não era essa. Eu acredito que como jogador profissional, eu tenha feito uns seiscentos e poucos gols, juntando Flamengo, Seleção Brasileira, Kashima, Udinese, aí chegue a uns setecentos e poucos talvez. Para um jogador de meio de campo está bom demais e talvez eu seja um meio-campista que tenha feito mais gols no futebol mundial. Acho que sempre gostei de fazer gols mas jamais deixei de dar um passe para um companheiro melhor colocado para fazer gols e ser artilheiro. Então, isso nunca passou pela minha cabeça, porque eu sempre fui ‘nós’ e não ‘eu’.

De acordo com o jornalista Celso Unzelte, você fez 334 gols. O que representa o Maracanã na sua vida de torcedor e de jogador?

Desses 334 gols, estão contando também a parte de amador. Com isso, daria 442 jogos, e se for tirar a parte de amador, seriam 418 jogos e acho que  316 gols. O Maracanã ficou como se fosse a minha casa e como torcedor tive momentos maravilhosos de poder assistir grandes jogos e grandes decisões. Quando moleque,  aquele Fla-Flu de 63, que foi o maior recorde de público pagante, com mais de 177 mil torcedores, sendo o Flamengo campeão naquele ano ao empatar em 0 a 0 com o Fluminense. É lógico, como jogador, ali foi a minha história, pois o Flamengo mandava jogos lá, a possibilidade de fazer gols era maior e eu largava na frente dos outros. O Maracanã está ligado à minha vida.

Alguns jornalistas esportivos e muitos torcedores acham que ganhar uma Copa do Mundo é o ponto alto na carreira do jogador profissional. Você disputou os mundiais de 1978, 1982 e 1986. O que faltou, na sua opinião, para esse título?

Eu acho que uma carreira não é pautada só por títulos, conquistas, perdas. Então, nunca me preocupei com isso, essa questão de ganhar ou não uma Copa do Mundo. Seria bom, pois lutei para isso, a gente quando está disputando alguma coisa você quer sempre ganhar e trabalha para isso. Se não foi possível,  paciência! Grandes nomes da história do futebol não tiveram também essa possibilidade e outros que não representaram muito conseguiram estar num grupo que foram vencedores. Eu acho que o que dignifica a sua carreira é o teu comportamento, tua postura, teu modo de ser, o seu profissionalismo, eu acho que nesses pontos eu fui impecável. Então, para mim, não faltou nada e acho até que ganhei mais do que merecesse. A Seleção de 82 era uma seleção muito boa, todos os jogadores daquele time tiveram sucesso em suas carreiras individualmente, mas infelizmente não foi possível e no dia em que a gente não esteve bem acabou sendo eliminado. Naquele jogo erramos mais que o tanto no coletivo quanto no individual e diante de uma grande equipe como era a da Itália, eles não perdoaram a gente. Para você ver que o futebol é tão esquisito, que aquela partida foi a única oficial que eu perdi na Seleção Brasileira, juntando eliminatórias e Copas do Mundo. Disputei três Copas do Mundo: em 78, não perdermos, em 86 também não,  saímos nos pênaltis após empatar em 1 a 1 no tempo normal e eliminatórias também não. Então,  nem tive a felicidade de disputar uma final  e muitos outros jogadores perderam e foram campeões do mundo. No mais, essas coisas acontecem no futebol, não deixo de colocar minha cabeça no travesseiro e dormir. Fiz o que era possível fazer, mas Deus não quis, só me resta entregar nas mãos D’Ele e paciência. Mas minha carreira está aí para todo mundo ver, o quanto eu trabalhei, me dediquei na Seleção e nos times que joguei.


Arthur Antunes Coimbra, torcedor, nunca viu o Flamengo ganhar do Botafogo. Quando virou Zico, colocou dez jogos de vantagem nos confrontos, porém, em 1989, perdeu a final para o alvinegro. Afinal, o Glorioso foi ou não uma pedra na sua chuteira?

Não, o Glorioso não foi uma pedra na minha chuteira. Foi sim, muito importante e deu muitas glórias ao futebol brasileiro com times maravilhosos. Para se ter uma ideia, eu como torcedor, em 1962, vi o Botafogo ganhar a final contra o Flamengo com três gols do Garrincha e não saí chateado do Maracanã, pois o ‘Anjo das Pernas Tortas’ era a alegria do povo e era um cara que todo mundo gostava. O problema meu, em especial, era que o (goleiro) Manga, mexia muito com o torcedor do Flamengo e dizia que gastava a gratificação antes do jogo, pois tinha um time bom, então, ele passava no mercado antes dos jogos e fazias as compras. Na verdade, isso irritava um pouco a gente, torcedor, e aí,  talvez, tenha me deixado mais chateado. Tanto que quando comecei a jogar tinha mais gana de vencer o Botafogo do que qualquer outro time por causa dessa provocação, sempre que eu lembrava das palavras do Manga. O Flamengo era o único time que tinha menos vitória que o Botafogo e depois a gente equilibrou e botamos dez vitórias à frente. Hoje, o Flamengo está com uma boa vantagem em relação ao Botafogo. Sobre 89, o fato de perder ou ganhar uma final não tem nada a ver, não muda nada, o Botafogo não foi pedra na minha chuteira não. Tive mais alegrias do que tristezas jogando contra eles.

O que vem à sua cabeça quando você fecha os olhos e lembra o 6 de fevereiro de 1990, quando fez sua despedida oficial dos gramados no Maracanã?

O que vem à minha cabeça é o orgulho de ter representado bem o Flamengo em primeiro lugar, que foi quem me abriu às  portas para o futebol profissional. Depois, por onde eu passei, eu acho que o profissionalismo e a determinação com que encarei isso. Na verdade, eu já estava com a minha cabeça preparada para essa despedida. Chegou uma hora que meu corpo já não aceitava mais aquilo que eu comandava com a cabeça, e lógico, sempre há uma expectativa muito grande quando você atinge um alto nível na carreira. Mas havia chegado a hora de parar. Comecei a ter muitas contusões, a ser impedido de fazer uma das coisas que eu mais gostava, que eram os treinamentos. Mas foi uma despedida digna e um agradecimento especial à torcida que esteve lá presente no dia e muita gente se emocionou. Vi que tudo aquilo que aconteceu, acabou mostrando que minha carreira durante todos esses anos, valeu a pena em cada suor desprendido em minha trajetória no futebol.

Qual o gol mais bonito que você fez na carreira e o mais importante?

O gol mais bonito para mim foi o que eu fiz lá no Japão, que é chamado o ‘Gol de Escorpião’, pelo Kashima. Foi um gol de calcanhar ao contrário, difícil, e bonito pela plasticidade, onde deu tudo certo numa jogada entre eu, o Alcindo e o Carlos Alberto, quando ele deu o passe, eu já havia passado da bola, mas consegui dar um mergulho e puxar a bola com o calcanhar. Aí, o goleiro vinha saindo, então, a beleza foi na dificuldade. Dificilmente, você vê um jogador fazer gol igual a ele. Então, para mim, foi o gol mais bonito. E o mais importante, foi o de falta contra o Cobreloa, o segundo, na final da Libertadores de 81 e que selou ali o título. Eu sempre digo que todos os treinamentos que fiz de falta durante a minha carreira inteira, se eu tivesse só feito aquele gol, já teria valido a pena, ter desprendido o suor que eu desprendi para poder fazer aquele gol, que até aquele momento havia sido o título mais importante da história do Flamengo.


No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Zico?

Parabéns ao futebol por esse dia, mas o futebol é comemorado todo dia e não só no 19 de julho. Eu acho que o futebol representou tudo na minha vida, o que eu tenho, eu devo ao futebol. Não sei o que faria se não tivesse o futebol, é lógico, estudei para poder ter condições de se não desse certo fazer outras coisas, mas apareceu o futebol muito cedo. Então, o futebol representou tudo na minha vida.

Você já foi diretor do Flamengo em 2010. Pensa algum dia em ser presidente?

O período em que fui diretor do Flamengo em 2010 só serviu para fortalecer que eu não deva assumir nenhum cargo no Flamengo. E presidente, nem pensar!

O Flamengo levou 38 anos para ganhar uma Libertadores. O que você atribuí ao fato e qual o grande mérito deste Flamengo de Jorge Jesus?

Acho que o Flamengo teve times em condições de ter conquistado uma Libertadores, e se não conseguiu, no momento em que poderia se estruturar melhor, acabou não dando importância para isso. Quando se estruturou financeiramente, em termos de equilíbrio econômico, a parte de infraestrutura, aí, lógico que pôde fazer com que jogadores de grande nível pudessem vir jogar no Flamengo e num local de treinamento que não falta nada. Toda parte de tecnologia e condições de trabalho dos profissionais fez com que muita gente  tivesse gosto em voltar a jogar no Flamengo. E o Jorge Jesus, com a chegada dele, conseguiu mostrar aos jogadores, a  importância do que representa o Flamengo, do que é  jogar no Flamengo. Então, é lógico, que além disso tudo, mostrou um trabalho de campo excelente, com intensidade e com uma forma de jogar que conseguiu encaixar todos os jogadores. Uma coisa que facilitou foi que do time titular, oito jogadores passaram pela europa e já estavam habituados com os métodos de treinamentos e forma de jogar. Eu acho que você não pode numa resposta dizer todos os pontos mas eu acho que esses foram relevantes para que isso tudo acontecesse e o título da Libertadores voltasse ao Flamengo assim como poderia ter voltado o do Mundial também.

Na sua opinião, quem foi melhor: o Flamengo de 81 ou a Seleção Brasileira de 82?

Eu acho que o Flamengo de 81, porque era um time que treinava todo dia, já a Seleção de 82 se reunia de vez em quando, ficava três dias e tal, mas é diferente. O conjunto que o Flamengo de 81 tinha, lógico, muito melhor, e muitos daquele time poderiam estar naquela Seleção de 82, pois aquele time era uma verdadeira seleção. O único jogador do Flamengo de 81 que não foi para a Seleção foi o Lico, que jogava um futebol tão bom quanto os que foram. Eu acho que você não pode comparar um time que treina todo dia com uma Seleção que se encontra apenas de vez em quando. É lógico que, além da qualidade técnica, tinha um entrosamento que a Seleção de 82 não conseguiu.

Faltando ainda dois anos para a próxima Copa do Mundo você coloca o Brasil como favorito?*

Eu acho que antes de chegar numa Copa do Mundo, o Brasil tem que passar das eliminatórias, né? Hoje, há um equilíbrio muito grande e a Seleção Brasileira ainda está muito instável. Se o Brasil for para a Copa do Mundo, aí sim, poderá ser um dos favoritos como sempre acontece pela qualidade e pelo nível de seu futebol.

Os campos melhoraram, os materiais como chuteiras, caneleiras, meiões e camisas se desenvolveram. Tudo evoluiu para o jogador de futebol praticar o esporte, não é mesmo?

Nós não tivemos a infraestrutura que jogadores de hoje em dia têm, os campos maravilhosos, onde você não perde tempo para dominar uma bola, não precisa adivinhar se a bola vai para esquerda, para direita, se vai subir, se vai vir rasteira. Naquela época para jogar você precisava ser peladeiro mesmo, acostumado a jogar na terra, no paralelepípedo, tabelar com muro, com o meio-fio, quem não sabia fazer isso se complicava. Os jogadores de hoje são bons, têm muita qualidade, mas jogam de acordo com o que o futebol exige hoje para eles. Meu material na época, se chovesse, você saía do campo com 3 kg a mais de peso, ele encharcava. Até chuteira, era impossível qualquer jogador pegar uma chuteira nova e ir para o treino, para o jogo, você tinha que mandar alguém amaciar, geralmente a gente pedia para a garotada fazer isso. Hoje, não, você pega uma chuteira nova e já bota para jogar. Então, como você vai comparar essas épocas, com toda essa diferença? Não dá.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Covid-19?

Bom, eu tenho aproveitado minha casa, afinal de contas, foram mais de cinquenta anos de trabalho e construí um bom patrimônio. Pela primeira vez, estou há quatro meses sem sair de casa com a (esposa) Sandra, meus filhos, netos, e estou aproveitando esse momento família. Tenho feito minhas caminhadas no campinho aqui em casa, corrida na piscina, utilizando meu spa e a gente constrói um patrimônio e em virtude do trabalho,  acaba não aproveitando isso. Portanto, nesse período de pandemia, estou aproveitando minha casa, cuidando das minhas plantas, brincando com meus cachorros, olhando tudo, fazendo as mudanças que tenho que fazer e não sinto vontade nenhuma de sair de casa.


Como surgiu a ideia do canal no YouTube, o ‘CanalZico10’, que já conta com um milhão e duzentos mil inscritos?

A ideia do canal surgiu do fato de eu ter feito uma linda carreira e grandes amizades ao longo desses anos no futebol. Se você não tiver conteúdo, não adianta ter nome. Então, o importante foi que aquilo que eu consegui no futebol, com a possibilidade de fazer bons conteúdos, e lógico, um papo sempre gostoso, divertido, sem polêmica, onde os convidados falam de suas histórias e contam coisas engraçadas. A produção do canal criou uns quadros bacanas onde todos se divertem, então, se o convidado quiser falar o que quiser, ele fala, e não é induzido a nada e nem em polêmicas. Estamos satisfeitos, é muito trabalho que dá, mas tem sido muito legal e o mais importante é que as pessoas que têm sido convidadas tem esse prazer em bater esse papo com a gente. Então, conseguimos bons parceiros e procuramos sempre valorizar isso levando grandes convidados que têm histórias, principalmente dentro do futebol. Mas a gente leva de outras áreas também, pessoas que às vezes têm ligação com o futebol. Estamos felizes e tivemos oportunidade nesse tempo de quarentena conversar com muita gente que seria muito difícil devido ao fato do trabalho. Mas como estavam em casa, a gente conseguiu uma galera muito legal para conversar e participar lá no canal.

Faltou algo em sua carreira?

Bom, na minha opinião não faltou nada para minha carreira. Tudo o que eu recebi, está bom demais e eu não fico lamentando o que deixou de acontecer. Hoje, curto e aproveito tudo aquilo que me foi dado.

E para terminar: Defina Zico em uma única palavra?

Uma palavra que me define é determinação.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA EDINHO


Os pés de Edino Nazareth Filho, o Edinho, hoje com 65 anos; a bola e as areias das praias da Zona Sul do Rio viveram um ‘triângulo amoroso’ que começou na infância, aos 11 anos, quando os pais dele se mudaram da Zona Oeste do Rio para a Praia do Leme, um dos cartões postais da cidade.

Foi ali que o trio amoroso conviveu quase que diariamente, até 1969, quando Edinho (levado pelos pés dele) com 13 anos, ‘traiu’ a areia da praia num encontro com o gramado das Laranjeiras, onde junto com a bola, foi fazer um teste para a base do Fluminense.

Foi um novo ‘trio amoroso’ que se formou, uma paixão que os três viveram até 1989, quando os pés de Edinho e a bola tiveram uma recaída pela antiga paixão, e num ‘divórcio amigável’, abandonaram a grama dos campos, e voltaram para os braços da grande paixão da adolescência, a areia, onde o craque se tornou um dos grandes ídolos do futebol de praia do Brasil, nos anos 90.

“Era domingo, estava sem fazer nada em companhia de dois amigos, quando li no jornal sobre uma experiência no Fluminense. Nem meião eu tinha, o meu negócio era jogar descalço na praia. Consegui uma chuteira e fui. Cheguei lá e tinha mais de 200 garotos, com idade entre 13 e 15 anos. Apresentei-me como meio de campo. Fui escolhido de cara e me colocaram no treino dos efetivos do time na quarta-feira. Logo virei titular”, relembra o hoje coordenador de futebol do Tombense, de Minas, em entrevista para a série ‘Vozes da Bola’, do Museu da Pelada com a serenidade de quem fez 65 anos há três meses.

Com a camisa tricolor, a titularidade atravessou os anos e se estendeu aos profissionais em 1973, quando fez sua estreia, mas foi dois anos depois, num sábado de Carnaval, no dia 8 de fevereiro de 1975, que ao ritmo da bateria da Mangueira, a torcida do Fluminense invadiu o Maracanã para assistir a estreia de Rivellino, justamente contra seu ex-clube, o Corinthians, com um passeio de 4 a 1, com direito a hat-trick (3 gols) do camisa 10 tricolor.

Nascia ali, um jovem zagueiro que se tornaria símbolo e peça importante na engrenagem funcional daquele time, que um ano depois, seria batizado de ‘Máquina Tricolor’.

‘Máquina’ que de cara faturaria o bicampeonato carioca em 75 e 76, conquistaria ainda torneios amistosos fora do país e ficaria marcada por vencer o Bayern de Munique, base da seleção alemã campeã do mundo em 74, por 1 a 0 no Maracanã, com gol contra de Gerd Muller.

Fã de Gérson, o ‘Canhotinha de Ouro’, a quem confessa ter se inspirado no fino trato à bola e treinado exaustivamente para bater de esquerda quando necessário fosse, Edinho foi aos poucos consolidando seu futebol.

De atacante na areia, passou a treinar no meio campo da  bases tricolor, e depois, ainda no juvenil recuou para a zaga, onde se tornou um dos maiores da sua posição. Com um estilo clássico, parecia que ‘jogava de terno’, mas sempre mostrou garra e raça pelos estádios do Brasil e do mundo afora.

Maior que seu gol na decisão do campeonato carioca de 1980, contra o Vasco, foi o reconhecimento conquistado e a admiração de tricolores ilustres, como o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980); o jornalista Pedro Bial; o humorista Jô Soares e o músico Chico Buarque, fãs confessos do craque.

Das três Copas do Mundo que disputou, em uma delas, na de 86 no México, nas oitavas de final, marcou um golaço na goleada de 4 a 0 contra a Polônia, e teve uma atuação à ‘la Ruud Krol’, líbero holandês, em quem se espelhava.

“Me inspirei nele e gostava muito de vê-lo jogar. Era só um pouco mais velho, mas muito bom. Assim como um bom vinho italiano”, diria.

E como um ‘bom vinho nacional’, aos 32 anos, conquistou o título da Copa União de 87, pelo arquirrival Flamengo, já que fora desprezado pelo clube de coração que até hoje continua amando.

Venceu ainda a primeira edição da Copa do Brasil, disputada em 1989, por um outro tricolor, o Grêmio. Em 1990, após uma passagem de seis meses por um time amador, do Canadá, trocou os campos novamente pela areia, para defender a Seleção Brasileira de Beach Soccer.

O Museu da Pelada tem o prazer de entrevistar Edinho, um dos maiores ídolos tricolores de todos os tempos para a série ‘Vozes da Bola’.

Por Marcos Vinicius Cabral

Como foi sua chegada à base do Fluminense em 1969, com 13 anos?

Foi igual a de muitos garotos da minha idade. Aos 13 anos fui fazer uma peneira no clube e no primeiro treino passei. Daí, comecei a fazer parte do dente de leite, depois disso, cheguei até o profissional.


Cinco anos depois, aos 18, já estreava no time principal, fazendo parte do time que ganhou a alcunha de ‘Máquina Tricolor’ nos anos de 1970. Como era jogar entre tantas feras?

Uma experiência incrível. Foi muito bacana jogar num time de muitos craques, de muita experiência, e é claro, muitos jogadores campeões do mundo em 1970. No Fluminense tínhamos o (goleiro) Félix e o (lateral -esquerdo) Marco Antônio, e depois chegaram Paulo Cezar Caju, Carlos Alberto Torres, Rivellino, ou seja, um jogador jovem como eu era e tendo essa experiência na carreira em jogar com esses jogadores importantes no cenário do futebol, foi recompensador.

Com a camisa tricolor você foi campeão estadual em 1975, 1976 e 1980. Qual desses foi o mais difícil?

Ganhar título é sempre muito importante, mas não é fácil não, é muito difícil. Acho que título sempre tem uma importância na nossa carreira, na vida. Posso afirmar que todos os títulos foram importantes, mas o (Campeonato Estadual) de 1980, talvez tenha sido o mais significativo em função de ter sido o autor do gol do título. Se tiver que escolher um, é esse aí.

Medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos de 1975, no México, improvisado como lateral-esquerdo na Copa de 1978, na Argentina, reserva na de 1982, na Espanha, e capitão e autor de um golaço nas oitavas de final contra a Polônia, na de 1986, no México. O que faltou ao Edinho com a camisa da seleção brasileira?

Ganhamos a medalha de ouro no Pan-Americano em 1975 e 4° lugar nas Olimpíadas de Montreal, no Canadá, em 1976. Em seguida fui convocado para disputar as eliminatórias em 1978, jogando na minha posição, pelo Osvaldo Brandão. Mas, depois mudou o treinador (Cláudio Coutinho), e na convocação para a Copa do Mundo ele me chamou como lateral-esquerdo, o que acabou sendo uma novidade para mim, pois havia feito poucos jogos improvisado nessa posição. Mesmo tendo jogado bem, não era a minha posição e ele me convocou como titular da lateral-esquerda, na Argentina. É claro que foi muito difícil, ainda mais jogando uma Copa do Mundo, em uma posição que não é a sua, tendo outros jogadores da posição. Portanto, foi extremamente difícil, muitas críticas, as pessoas tentavam criticar o treinador e nominalmente me criticavam, mas eu entendi perfeitamente o quão difícil foi aquele processo. Em 1982, fui convocado como zagueiro, fui reserva do Luizinho, do Atlético Mineiro, e em 1986 fui capitão da equipe no México. Então confesso que foi muito bacana ter participado de três Copas do Mundo e vivido essas situações, em que eu poderia ter saído queimado em 78, aí fui convocado outra vez em 82, mesmo na reserva, e em 86, virei capitão da equipe, o que mostra o respeito ao profissional que fui. É lógico, também, que não dá para se ganhar sempre uma Copa do Mundo. O que faltou? Acho que esse título da Copa do Mundo, pois não é toda hora que a gente pode ganhar, mas foi recompensador jogar três Copas do Mundo, o que não é qualquer jogador, ainda mais em um país como o Brasil, onde muitos jogadores a toda hora despontam.

Em 359 partidas pelo Fluminense, você assinalou 34 gols. Tem algum que tenha sido marcante para você?

Fiz 359 partidas pelo Fluminense, fora os amistosos, e fiquei de fora de muitos jogos jogando pelas seleções, principalmente na principal, quando a gente concentrava muito tempo antes e ficava muitos dias afastados do nosso clube. Tanto que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), pagava o salário do jogador convocado. Sempre fui um jogador que fiz muitos gols, mesmo sendo zagueiro, pois me aprimorei nas batidas de faltas, no cabeceio, nas cobranças de pênalti e chutes de longa distância. Mas, posso selecionar como marcantes, o de 80, na decisão do campeonato carioca, quando ganhamos por 1 a 0, gol de falta; pelo Fluminense teve um contra o América, marcante também, e contra o Flamengo, de cabeça, ou seja, gols interessantes. Mas sem sombra de dúvidas, o de 80 foi o mais importante.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas lembranças como jogador no estádio?

Todo grande jogador prestou uma bela homenagem ao Maracanã, fazendo belíssimos jogos no estádio que fez 70 anos recentemente. Eu fico honrado em ter sido escolhido entre os 50 maiores que jogaram nesse Templo do Futebol. Isso não é para qualquer um não.

Em 1982 você se transferiu para a Udinese, da Itália, atuando ao lado de Zico, que chegou um ano depois. Por que aceitou jogar em um time considerado médio no futebol italiano?

Aceitei jogar na Udinese-ITA mais em função da situação em que me encontrava no Fluminense, né? O clube vivia um momento financeiro delicado e eu achava que o meu futebol poderia se dar melhor na Europa. Foi a primeira oportunidade que apareceu, ou melhor, na verdade, a segunda, pois a primeira foi o Olympique de Marseille-FRA, mas o Fluminense não quis me vender na época. A gente, o jogador, ficava preso sob a Lei do Passe, e éramos presos aos clubes. Com isso a possibilidade de ser vendido, ainda mais sendo um jogador ídolo como eu era no Fluminense, era pequena. Com isso, tive que montar uma estratégia e incluí no contrato uma cláusula em que eu pudesse me transferir para um clube por uma certa quantia no final do vínculo. Assim foi feito e acabei indo jogar em Udine, na Itália.


Quem foi seu melhor treinador?

O meu melhor treinador foi aquele que me ensinou muitas coisas, como fez o falecido Pinheiro, quando cheguei às Laranjeiras, nas categorias de base do Fluminense. Depois, sinceramente (pausa para pensar), encontrei muitos treinadores, mas treinador realmente, que a gente pode encher a boca e dizer que era treinador de verdade, aprendi muito pouco com eles. O Pinheiro foi exceção, o que me formou, aprendi muito com ele. Outro também foi o Enzo Ferrari, técnico da Udinese-ITA, e que o Zico também gosta muito, e que foi o nosso primeiro treinador na Itália. Esses dois, posso dizer que foram os meus melhores treinadores e com quem gostei muito de ter trabalhado.

Retornando da Itália para o Brasil, por que escolheu o Flamengo?

A ideia sempre foi voltar para o Fluminense, mas só que o Fábio Egypto, presidente do clube à época, não me aceitou de volta. Sabendo disso, o Flamengo me fez uma proposta, eu aceitei, e joguei no clube. Foi uma experiência muito legal. Fomos campeões da Copa União em 1987, num grupo muito coeso, ambiente maravilhoso e só craques no elenco. Tive a oportunidade de entrar em uma equipe altamente qualificada.

Tão qualificada que você formou uma zaga de respeito com Leandro. Como era jogar com ele?

O Leandro não era zagueiro de ofício, era lateral, mas era um craque de bola. O Leandro era um jogador que onde fosse escalado, ele jogava, e jogava bem. Jogar com ele na zaga foi muito legal e acredito que para ele também tenha sido uma experiência boa em ter jogado comigo, porque ele pode também se olhar bastante e ter esse entendimento como era jogar como zagueiro central comigo ao seu lado.

Ainda sobre 87 e seu período no Flamengo, você sempre foi considerado um jogador que marcava duro, mas sem ser desleal. O que realmente aconteceu entre você e Geovani naquele Flamengo e Vasco pela Copa União, em 1987?

Foi o seguinte: eu voltara há pouco da Itália e o futebol brasileiro vivia um pouco confuso, conturbado, muita desorganização. Até para o campeonato brasileiro foi difícil e a Copa União foi feita pelos clubes na marra… Então, não havia muita disciplina, e isso me marcou bastante, porque, a falta de punição, impunidade e tudo mais. Com o Geovani, foi um lance normal dentro de campo, onde eu caí, existia uma rivalidade muito grande entre Flamengo e Vasco, e eu caído no chão, ele me deu um soco no rosto, onde tive afundamento de malar. Passei por uma cirurgia e fiquei um mês parado, sem jogar futebol. Mas não tem nenhum tipo de problema entre nós, não!

O título da Copa União até hoje gera polêmica. Edinho é, assim como o Flamengo, campeão brasileiro de 1987?

Isso já foi decidido nos tribunais e se já foi decidido não é polêmica, se cria polêmica em torno de uma decisão. Independente de qualquer decisão judicial, todos nós, jogadores do Flamengo e que jogamos aquela competição, nos consideramos campeões. Nosso título foi conquistado com muita determinação, jogando contra grandes equipes da época e nada nos tira isso, ou seja, ganhamos dentro de campo e não fora dele. Espero ter respondido essa pergunta.

Quem foi sua grande inspiração dentro das quatro linhas?

Como jogador eu gostava muito do Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’, principalmente naquela fase no Botafogo. Lembro que eu gostava de imitá-lo e aprendi a chutar de canhota em função dele, porque nessa de tentar ser igual a ele, aprimorei muito em bater de perna esquerda. O Gerson foi um jogador em quem me inspirei bastante, não o seu jogo em si, até porque minha posição era outra, mas como jogador mesmo.

No Grêmio, onde foi capitão e ergueu a taça do título da primeira edição da Copa do Brasil de 1989, você jogou pouco tempo. O que houve?

Depois de passagens por Flamengo e Fluminense, cheguei no Grêmio, onde fomos campeões Gaúcho, sendo eu o capitão da equipe. Levantei a primeira taça da Copa do Brasil em 1989, e isso foi muito importante, pois o meu nome está marcado na história do clube, em uma competição que se tornou muito disputada, além do grande valor no calendário de competições do futebol nacional. Mas na verdade, no Grêmio eu joguei muito pouco, até porque a ideia inicial era ficar um ano apenas, aí eles queriam renovar meu contrato, não aceitei e retornei ao Rio de Janeiro.

Pela sua representatividade no futebol, principalmente no Fluminense, por que  pendurou as chuteiras em 1990, em um time amador de Toronto, no Canadá?

Porque surgiu a oportunidade – muito bacana por sinal -, depois que encerrei a carreira. O Toronto é um time amador, semiprofissional, e foi uma experiência inesquecível. Ali, fui jogador e um pouco treinador, onde ajudava o técnico da equipe em todos os sentidos. Foi bacana fazer essa transição de jogador para treinador, e em 91, eu já voltei para o Fluminense como treinador da equipe principal. Mas foi uma experiência muito legal mesmo, onde fiz um contrato de três anos e fiquei seis meses na equipe.

O que o futebol representou para o Edinho?

O futebol foi a minha vida, ou melhor, continua sendo a minha vida. Representou não, representa isso ainda, o futebol é meu dia a dia, onde desde meus 13 anos de idade, quando entrei no Fluminense, respirava 24 horas futebol. Hoje, na função de coordenador técnico, a minha vida continua firme em torno do futebol.


Você não renovou com a SporTV e está voltando a se envolver novamente com futebol. Depois de algum tempo, por que retomar a carreira de coordenador?

Eu fiquei durante sete anos como comentarista do SporTV, onde as coisas não funcionaram como eu achei que poderiam funcionar, e fiquei desmotivado na hora da renovação. Mas bem antes disso ocorrer, eu já começava a projetar a minha volta para uma função dentro de um clube. Te confesso que é o que sei fazer e o que gosto de fazer. Me preparei, fiz o aperfeiçoamento teórico-prático no Curso Licença A da CBF, promovido entre os dias 4 a 21 de maio do ano passado, em Águas de Lindóia, no CT Oscar Inn, e me coloquei no mercado de novo. Vim para o Tombense-MG não como técnico, mas para ser coordenador, o que eu acho, particularmente falando, uma situação interessante. A propósito, já desempenhei essa função no Athlético-PR e no Vitória-BA. Então, acho que está tudo dentro da minha expectativa, do que eu sei fazer, o que eu posso fazer, e estou aqui tentando colaborar ao máximo com meu conhecimento e experiência que tenho no futebol, para viver esse novo momento na minha carreira.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou morando aqui em Carangola, uma cidade na zona da mata, no interior de Minas Gerais. Aqui teve confinamento e toda aquela preocupação com o coronavírus. Mas na cidade, pessoas não ficaram trancadas e nem os comércios aqui, talvez, tenham ficado uma semana fechado no máximo. As coisas funcionam, mas com as devidas precauções e importância que têm que ter com esse vírus. Já fizemos testes, além de pouquíssimos casos registrados aqui na cidade e todos assintomáticos.

Recentemente, no aniversário de 118 anos do Fluminense, numa eleição com 100 jornalistas esportivos, que Fred foi apontado como o 2º maior ídolo do clube, só atrás de Castilho. Você ficou em 12° lugar. Te surpreendeu o resultado?

Esse resultado aí, nessa eleição de 100 jornalistas, não me surpreendeu mesmo. Por quê? Porque são gerações diferentes e o meu tempo passou e muitos deles que votaram, não me viram jogar, tem a cabeça mais fresca com as coisas da atualidade. Mas as pessoas da época, os mais antigos, certamente, se tivessem que votar, votariam em mim. No Fluminense, ídolo mesmo, jogador feito em casa, criado e chegado lá com 13 anos de idade, ter jogado em um dos maiores times de todos os tempos do clube, que foi a ‘Máquina Tricolor’, ser cria das Laranjeiras, isso aí é muito difícil de ser alcançado. Então, sei da minha representatividade nas Laranjeiras, representei muito bem as cores dentro de campo, me orgulhava de representar os torcedores, ou seja, é natural, até muito bacana terem me escolhido como 12° com 100 jornalistas votantes. Bacana mesmo, as pessoas lembrarem de mim, mas tenho a consciência de que o que vale mesmo, é a memória e a história. No Brasil e em alguns clubes também, o Fluminense não seria diferente, poucos reconhecem seus antigos ídolos. Então, achei legal.

Ainda sente saudades da época de jogador?

Na verdade, depois que parei de jogar futebol profissional, nunca senti saudades de nada. Nunca pensei em voltar no tempo, tipo “poxa, se eu estivesse aqui jogando!”, não, isso é passado e as coisas passaram. Estou vivendo um outro momento e sei o quanto foi bacana a minha época de jogador. No mais, ao encerrar a carreira, acabou, acabou mesmo… e não sinto saudades de absolutamente nada. Hoje, nem gostar de jogar futebol eu gosto, nem pelada eu bato mais. Então quer dizer, dentro de campo, o futebol não me faz falta.