Acontece que Carlos Alberto Araújo Prestes nasceu em Curitiba.
E, naquele 17 de março de 1961, ao lhe exporem à vida, levou o primeiro tapa na bunda, e chorou.
Uns dizem que as lágrimas eram Coloradas e Tricolores.
Mas naquele instante do seu nascimento o sistema falava como um esforçado lateral-direito: “Bem vindo ao meu mundo, menino talentoso. Aqui quem manda sou eu”.
Mundo insensível esse que expôs às vísceras naquele seu choro.
Foi naquele dia que começou a sua diferença com ele.
O fato é que o tempo foi passando e o menino Carlinhos foi crescendo e quase tudo já estava pronto, menos o seu destino.
Virou Tato, um dos cinco sentidos, mas, diferentemente dos outros quatro, ele não é encontrado em uma região específica do corpo, e sim em todas as regiões da pele.
Sua pele já ia se revestindo de três cores, as mesmas que traduzem tradição.
Mas antes, muito antes, numa infância e adolescência analógicas, haviam no máximo, o controle remoto da televisão, ver seu pai jogar era raro, mas gostava de ouvir os elogios que seu velho recebia.
Mas os seus sonhos eram reais.
Mesmo com essa impossibilidade, era a dificuldade lá e ele cá.
Quando ele e a dificuldade se esbarravam no jogo da vida, o duelo prometia.
E foi assim a carreira toda.
Nada foi fácil para Tato, que driblou diversas vezes as dificuldades na trajetória e mesmo assim elas continuavam lhe dando porradas, chegando em cima, fungando no cangote ou acertando o tornozelo.
Elas lhe faziam desistir, e o troco era sua insistência.
A derrota para ele era iminente mas saber que nenhuma força maior seria capaz de pará-lo, prosseguiu.
Tato era inadministrável, imarcável, imparável.
Contudo, Tato foi o resultado do insulto daquele tapa na bunda (des)necessário, desferido no dia em que eu nasceu.
Começou no Internacional em 79, passou pelo Goiânia antes de chegar no Fluminense onde fez história com a camisa 11, passou no Vasco, Sport e o Santos.
Embora tenha vivido um excelente momento no Fluminense nos anos 80, Tato não conseguiu ter muitas oportunidades de vestir a camisa da Seleção Brasileira.
Se não fossem os olhares argutos de Edu Coimbra e Telê Santana, teria passado em branco com a amarelinha.
Mas Tato jogou, convenceu, venceu e se tornou inesquecível para os amantes da bola, principalmente os Tricolores que conjugam em prosa e verso o time tricampeão carioca em 83/84/85 e Brasileiro de 84.
Mas tudo isso que este belíssimo ponta-esquerda do futebol brasileiro viveu foi por causa de um simples tapa na bunda.
O Museu da Pelada chegou junto, marcou em cima e fez uma entrevista com o ensaboado Tato para a série Vozes da Bola da semana.
Por Marcos Vinicius Cabral
Queria que nos contasse como foi o seu início de carreira?
Faz tempo, viu! Foi no século passado, lá em 1979, quando fui revelado na base do Internacional, clube em que fiquei uns 3 ou 4 anos mais ou menos e logo em seguida fui emprestado para o Goiânia ainda como juvenil e depois, finalmente cheguei no Fluminense.
Como veio parar no Fluminense?
Fui indicado na época pelo Jandir, que jogou comigo na base do Internacional e que estava no Fluminense fazendo um certo sucesso, e também pelo Machado, que hoje é empresário de futebol.
Quem foi o melhor treinador com quem você trabalhou?
Carlos Alberto Parreira. Foi sem dúvida alguma o melhor treinador que eu tive e que passou no Fluminense. Foi ele que conseguiu ajustar o time de uma forma que se tornasse super competitivo a ponto de conquistar o que foi conquistado naquela época, que foi o Brasileiro de 1984, até então, antes de ser homologado os outros títulos lá de trás nunca tinha sido campeão, no Rio só o Vasco em 74 e o Flamengo em 80. Nós conquistamos o título do Brasileiro de 84, graças e muito ao professor Parreira.
Você enfrentou grandes laterais no futebol carioca como Leandro e Jorginho, ambos do Flamengo, Josimar do Botafogo e Paulo Roberto do Vasco, e que eram bons marcadores também. Qual deles era osso duro de roer?
Desses laterais que você citou na pergunta, todos foram grandiosos jogadores e a nível de seleção brasileira. O Leandro foi o melhor lateral-direito que o Brasil já teve e um dos maiores do mundo, já Jorginho, tetracampeão em 94, outro craque, Paulo Roberto, um excelente jogador, mas o mais encardido para enfrentar era o Josimar, muito complicado mesmo.
Sendo curitibano, você fez história no Fluminense. Qual é o sentimento, em saber que você é incontestável ídolo tricolor?
Bom, sem duvida alguma, ser ídolo tricolor é uma coisa que me enche de orgulho, que traz muita satisfação em minha vida e ficar marcado para torcida, como fiquei no Fluminense, isso é um motivo de alegria não só para mim, mas para os meus familiares, meus filhos, amigos, e esse reconhecimento é uma coisa que eu vou levar para o resto da minha vida.
No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o esporte representou para o Tato?
O esporte sempre esteve marcado em minha vida desde criança, então, representa muita coisa. Ele me trouxe prazer, me proporcionou alegrias, além de ser importante para todas as pessoas que praticam pensando em bem estar e saúde. No meu caso o futebol foi mais importante ainda já que fui atleta profissional e tive a alegria imensa de poder, por meio dessa modalidade esportiva, de ser viitorioso.
Esse ano o Maracanã completou 70 anos. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?
Sem dúvida, ainda mais para alguém que sempre sonhou em ser jogador de futebol e querer jogar em estádios cheios, o Maracanã foi o templo do futebol brasileiro e mundial. Para mim desde criança sempre foi um sonho poder atuar no Maracanã e eu tive a felicidade de ter ido jogar no Fluminense e tudo a oportunidade de jogar por inúmeras partidas com o estádio lotado com mais de 150 mil pessoas e às vezes, o que era raro, vazio. No entanto, sem dúvida alguma, foi marcante para mim ter fotos, vídeos jogando naquele maravilhoso lugar que na época era considerado o maior do mundo.
Seu pai foi zagueiro do Internacional e depois teve uma pequena passagem pelo Fluminense. Você seguiu o mesmo caminho, passou no Colorado e chegou no Tricolor. Seu irmão, o lateral Paulo Roberto Prestes, marcou o Atlético Mineiro. De uma família de craques, quem foi o melhor?
Difícil te responder isso. Meu pai foi um excelente zagueiro, muito técnico e com muitas qualidades. Te confesso que vi pouco ele jogando, no entanto, as pessoas comentam que na época dele foi um grande jogador, já o meu irmão foi um excelente lateral-esquerdo e ficou muitos anos no Atlético Mineiro, chegando a ser até capitão da equipe, e eu na ponta-esquerda no Fluminense, acredito ter feito história no clube com conquistas, títulos, atuações… enfim, eu acho que cada um na sua posição e daquilo que jogou, teve seus méritos e desempenharam muito bem o papel de jogador de futebol.
Por falar em pandemia, como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?
Trabalhando. Trabalho em um grupo da Unimed todo dia e tomando as precauções devidas que são o afastamento social, usando máscara, evitando aglomerações e essas coisas todas recomendadas. No mais, esperamos que isso passe logo não só para mim mas para toda a humanidade, já que estamos vivendo um momento difícil em que eu nunca pensei que ia passar por um momento desse em minha vida. Mas vamos lá, com fé em Deus, que a gente vai superar tudo isso em breve.
Recentemente você disse numa entrevista concedida à FluTV, que uma das principais virtudes daquele time tricampeão carioca em 83/84/85 e campeão brasileiro em 1984, era a lealdade na briga pela titularidade. Como era essa ‘briga’ entre vocês?
Normal. A briga pela titularidade sempre foi normal em qualquer grande equipe e naquela época não era diferente. Mas todos se respeitavam e procuravam dentro dos treinamentos e dos jogos fazer o melhor para se manter como titular, mas o importante daquele grupo era a união, tanto titulares quanto reservas, a gente se dava muito bem e isso que fez com que a gente conseguisse conquistar o que foi conquistado com a camisa do Fluminense.
O Fluminense, multicampeão, era um grande time e barato, se compararmos ao Flamengo, por exemplo. Quem custou um pouco mais foi Assis e Washington, o saudoso Casal 20 e Romerito. Seja sincero: havia como aquele time dar errado?
Realmente se for comparar aquele time com hoje em dia, foi muito barato mesmo. Por exemplo, eu fui para o Fluminense praticamente de graça, o Jandir idem, o Ricardo Gomes saiu da base e o Branco também, o Aldo e Duílio já estavam no clube e chegou o Romerito, e como você mesmo falou o Assis e o Washington que vieram do Athletico Paranaense que não era o clube que é hoje. Mas sinceramente, tinha tudo para dar certo porque além de serem grandes jogadores a cumplicidade e a vontade de vencer eram enormes e nas mãos certas, acabou a coisa seguindo em frente e conquistamos os títulos que ficaram marcados no clube.
Você chegou no Fluminense e encontrou Paulinho Carioca, também hábil e talentoso ponta esquerda como você. Nessa disputa pela camisa 11, quem ganhou e quem perdeu?
O Paulinho foi um grande jogador, um ponta rápido, extremamente habilidoso que ia para o confronto mesmo e levava para cima. Falar do Paulinho é relembrar da nossa convivência, que aliás era muito boa, e ele acabou sendo importante na minha carreira, pois eu tinha que jogar bola, do contrário, ele poderia tomar meu lugar no time. Mas sou amigo dele até hoje e de vez em quando conversamos pelo Facebook, no entanto, o mais importante é que quem ganhou com tudo isso fui eu, foi o Paulinho, e principalmente o Fluminense.
Mesmo sendo um jogador habilidoso com a perna esquerda, o gol mais importante que fez na carreira foi com pé direito, na vitória por 2 a 0, contra o Corinthians de Carlos, Wladimir, Biro-Biro, Sócrates, Zenon e Casagrande, no primeiro jogo das semifinais do Brasileiro de 1984, no Morumbi. Como foi esse gol?
É, são coisas da vida, né? Sendo canhoto e usando a perna direita apenas para subir em ônibus, acabei fazendo o gol mais importante da minha carreira com o pé direito. Mas foi a única forma que eu tinha ali porque se eu fosse com o pé esquerdo eu não conseguiria fazer o gol. No entanto, aquela grande vitória contra o Corinthians no Morumbi com 100 mil pessoas, que era um grande time e vinha de uma goleada contra o Flamengo por 4 a 1, se não me engano, nos deu uma moral, força e confiança, atributos importantes que um time tem que levar para uma final para enfrentar o Vasco, que era um equipe muito boa. Mas graças a Deus, felizmente, a coisa acabou dando certo.
Quando você fecha os olhos sente muitas saudades da torcida do Fluminense?
Toda hora. Penso em tudo que a gente viveu nas Laranjeiras, pois foi um período vitorioso em seis anos, no qual conviví com os meus companheiros e que se tornaram uma grande família. A saudade bate e lembro de todos, acho que a grande coisa que ficou marcada daquela equipe do Fluminense em qual eu participei foi o legado que a gente deixou com títulos para a grande e imensa torcida tricolor.
Poucos se lembram, mas você teve uma passagem pelo Vasco da Gama, em 1989, onde participou da vitoriosa campanha no Campeonato Brasileiro, ainda que nunca tenha conseguido se firmar como titular em uma super equipe e que contava com inúmeros jogadores de Seleção Brasileira como Acácio, Bebeto, Mazinho, Bismarck, Andrade, Luiz Carlos Winck, entre outros. Como foi essa sua ida para o Gigante da Colina e como lidou com a reserva?
Naquele time do Vasco de 1989, realmente era uma seleção, pois se você pegar todos os jogadores, praticamente jogavam ou jogaram na seleção brasileira. Então é como hoje em dia, você pega aí times que têm um grande elenco e de repente você vê um grande jogador no banco de reservas, como o Flamengo de hoje em dia com o Diego Ribas na reserva, o Everton Ribeiro de vez em quando sai, o Arrascaeta não entra, coisas normais. Assim, é normal você estar no meio de um plantel com grandes jogadores, não pesa tanto, mas claro que você quer jogar, como aconteceu muitas vezes de eu ser titular naquele time do Vasco. Mas o mais importante, eu acho, que fica marcado é ter participado de um grupo como aquele e ter sido campeão, é claro!
Mesmo sendo um ponta muito habilidoso e tendo vivido uma excelente fase no Fluminense, na sua opinião, por que você teve poucas oportunidades na Seleção?
Sinceramente, não sei, pois isso vai de treinador para treinador e se eu fosse contar toda minha história ia demorar para caramba. Mas naquela época no país, poucos jogadores iam para fora do país, então, a competição era enorme. Para se ter uma ideia, a Seleção Brasileira podia ser formada por duas, três grandes equipes, dependendo do treinador. Atualmente cada um tem sua preferência, mas o mais importante é que eu cheguei lá, vesti a camisa e joguei na Seleção e isso fica marcado na minha história e na minha vida.
Quem foi seu ídolo no futebol?
Tive vários ídolos que quando eu era adolescente eu gostava de ver jogar. Me lembro do Rivellino, do Mário Sérgio, todos canhotos como eu e do nosso Rei Pelé, que nem se fala, né? Mas o meu grande ídolo, sem dúvida alguma foi meu pai, pelo grande jogador que foi, o grande ser humano, grande chefe de família e que que inspirou muito, me deu forças no começo da minha carreira, me incentivou a continuar e a não desistir e seguir em frente.
Como vê o Fluminense atualmente?
Com bons olhos, pois o Fluminense tem um bom time, bem treinado, um bom elenco e vem numa luta grande para conquistar algo nesse Campeonato Brasileiro. Eu estou torcendo muito para que tudo dê certo e o nosso Tricolor consiga fazer uma grande campanha.
Defina Tato em uma única palavra?
Em uma única palavra? Do bem. Tato é uma pessoa do bem.
A imensa torcida tricolor quer saber: O que o Tato tem feito da vida? Continua trabalhando com futebol?
Não, eu não trabalho com futebol. Eu trabalho com o grupo Vital, que é Unimed, que é um grupo de saúde e estou muito feliz com o que faço, com as pessoas com quem convivo lá na empresa, e isso é motivo de alegria, de felicidade, de sonhos e esperanças e sem dúvida alguma, realizações. Desde já, um forte abraço a todos do Museu da Pelada e a grande torcida tricolor do nosso querido Fluminense, um abraço!