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Marcos Vinicius Cabral

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA TATO


Acontece que Carlos Alberto Araújo Prestes nasceu em Curitiba.

E, naquele 17 de março de 1961, ao lhe exporem à vida, levou o primeiro tapa na bunda, e chorou.

Uns dizem que as lágrimas eram Coloradas e Tricolores.

Mas naquele instante do seu nascimento o sistema falava como um esforçado lateral-direito: “Bem vindo ao meu mundo, menino talentoso. Aqui quem manda sou eu”.

Mundo insensível esse que expôs às vísceras naquele seu choro.

Foi naquele dia que começou a sua diferença com ele.

O fato é que o tempo foi passando e o menino Carlinhos foi crescendo e quase tudo já estava pronto, menos o seu destino.

Virou Tato, um dos cinco sentidos, mas, diferentemente dos outros quatro, ele não é encontrado em uma região específica do corpo, e sim em todas as regiões da pele.

Sua pele já ia se revestindo de três cores, as mesmas que traduzem tradição.

Mas antes, muito antes, numa infância e adolescência analógicas, haviam no máximo, o controle remoto da televisão, ver seu pai jogar era raro, mas gostava de ouvir os elogios que seu velho recebia.

Mas os seus sonhos eram reais.

Mesmo com essa impossibilidade, era a dificuldade lá e ele cá.

Quando ele e a dificuldade se esbarravam no jogo da vida, o duelo prometia.

E foi assim a carreira toda.

Nada foi fácil para Tato, que driblou diversas vezes as dificuldades na trajetória e mesmo assim elas continuavam lhe dando porradas, chegando em cima, fungando no cangote ou acertando o tornozelo.

Elas lhe faziam desistir, e o troco era sua insistência.

A derrota para ele era iminente mas saber que nenhuma força maior seria capaz de pará-lo, prosseguiu.

Tato era inadministrável, imarcável, imparável.

Contudo, Tato foi o resultado do insulto daquele tapa na bunda (des)necessário, desferido no dia em que eu nasceu.

Começou no Internacional em 79, passou pelo Goiânia antes de chegar no Fluminense onde fez história com a camisa 11, passou no Vasco, Sport e o Santos.

Embora tenha vivido um excelente momento no Fluminense nos anos 80, Tato não conseguiu ter muitas oportunidades de vestir a camisa da Seleção Brasileira.

Se não fossem os olhares argutos de Edu Coimbra e Telê Santana, teria passado em branco com a amarelinha.

Mas Tato jogou, convenceu, venceu e se tornou inesquecível para os amantes da bola, principalmente os Tricolores que conjugam em prosa e verso o time tricampeão carioca em 83/84/85 e Brasileiro de 84.

Mas tudo isso que este belíssimo ponta-esquerda do futebol brasileiro viveu foi por causa de um simples tapa na bunda.

O Museu da Pelada chegou junto, marcou em cima e fez uma entrevista com o ensaboado Tato para a série Vozes da Bola da semana.

Por Marcos Vinicius Cabral

Queria que nos contasse como foi o seu início de carreira?

Faz tempo, viu! Foi no século passado, lá em 1979, quando fui revelado na base do Internacional, clube em que fiquei uns 3 ou 4 anos mais ou menos e logo em seguida fui emprestado para o Goiânia ainda como juvenil e depois, finalmente cheguei no Fluminense.

Como veio parar no Fluminense?

Fui indicado na época pelo Jandir, que jogou comigo na base do Internacional e que estava no Fluminense fazendo um certo sucesso, e também pelo Machado, que hoje é empresário de futebol.

Quem foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Carlos Alberto Parreira. Foi sem dúvida alguma o melhor treinador que eu tive e que passou no Fluminense. Foi ele que conseguiu ajustar o time de uma forma que se tornasse super competitivo a ponto de conquistar o que foi conquistado naquela época, que foi o Brasileiro de 1984, até então, antes de ser homologado os outros títulos lá de trás nunca tinha sido campeão, no Rio só o Vasco em 74 e o Flamengo em 80. Nós conquistamos o título do Brasileiro de 84, graças e muito ao professor Parreira.

Você enfrentou grandes laterais no futebol carioca como Leandro e Jorginho, ambos do Flamengo, Josimar do Botafogo e Paulo Roberto do Vasco, e que eram bons marcadores também. Qual deles era osso duro de roer?

Desses laterais que você citou na pergunta, todos foram grandiosos jogadores e a nível de seleção brasileira. O Leandro foi o melhor lateral-direito que o Brasil já teve e um dos maiores do mundo, já Jorginho, tetracampeão em 94, outro craque, Paulo Roberto, um excelente jogador, mas o mais encardido para enfrentar era o Josimar, muito complicado mesmo.

Sendo curitibano, você fez história no Fluminense. Qual é o sentimento, em saber que você é incontestável ídolo tricolor?

Bom, sem duvida alguma, ser ídolo tricolor é uma coisa que me enche de orgulho, que traz muita satisfação em minha vida e ficar marcado para torcida, como fiquei no Fluminense, isso é um motivo de alegria não só para mim, mas para os meus familiares, meus filhos, amigos, e esse reconhecimento é uma coisa que eu vou levar para o resto da minha vida.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o esporte representou para o Tato?

O esporte sempre esteve marcado em minha vida desde criança, então, representa muita coisa. Ele me trouxe prazer, me proporcionou alegrias, além de ser importante para todas as pessoas que praticam pensando em bem estar e saúde. No meu caso o futebol foi mais importante ainda já que fui atleta profissional e tive a alegria imensa de poder, por meio dessa modalidade esportiva, de ser viitorioso.


Esse ano o Maracanã completou 70 anos. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

Sem dúvida, ainda mais para alguém que sempre sonhou em ser jogador de futebol e querer jogar em estádios cheios, o Maracanã foi o templo do futebol brasileiro e mundial. Para mim desde criança sempre foi um sonho poder atuar no Maracanã e eu tive a felicidade de ter ido jogar no Fluminense e tudo a oportunidade de jogar por inúmeras partidas com o estádio lotado com mais de 150 mil pessoas e às vezes, o que era raro, vazio. No entanto, sem dúvida alguma, foi marcante para mim ter fotos, vídeos jogando naquele maravilhoso lugar que na época era considerado o maior do mundo.

Seu pai foi zagueiro do Internacional e depois teve uma pequena passagem pelo Fluminense. Você seguiu o mesmo caminho, passou no Colorado e chegou no Tricolor. Seu irmão, o lateral Paulo Roberto Prestes, marcou o Atlético Mineiro. De uma família de craques, quem foi o melhor?

Difícil te responder isso. Meu pai foi um excelente zagueiro, muito técnico e com muitas qualidades. Te confesso que vi pouco ele jogando, no entanto, as pessoas comentam que na época dele foi um grande jogador, já o meu irmão foi um excelente lateral-esquerdo e ficou muitos anos no Atlético Mineiro, chegando a ser até capitão da equipe, e eu na ponta-esquerda no Fluminense, acredito ter feito história no clube com conquistas, títulos, atuações… enfim, eu acho que cada um na sua posição e daquilo que jogou, teve seus méritos e desempenharam muito bem o papel de jogador de futebol.

Por falar em pandemia, como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

Trabalhando. Trabalho em um grupo da Unimed todo dia e tomando as precauções devidas que são o afastamento social, usando máscara, evitando aglomerações e essas coisas todas recomendadas. No mais, esperamos que isso passe logo não só para mim mas para toda a humanidade, já que estamos vivendo um momento difícil em que eu nunca pensei que ia passar por um momento desse em minha vida. Mas vamos lá, com fé em Deus, que a gente vai superar tudo isso em breve.

Recentemente você disse numa entrevista concedida à FluTV, que uma das principais virtudes daquele time tricampeão carioca em 83/84/85 e campeão brasileiro em 1984, era a lealdade na briga pela titularidade. Como era essa ‘briga’ entre vocês?

Normal. A briga pela titularidade sempre foi normal em qualquer grande equipe e naquela época não era diferente. Mas todos se respeitavam e procuravam dentro dos treinamentos e dos jogos fazer o melhor para se manter como titular, mas o importante daquele grupo era a união, tanto titulares quanto reservas, a gente se dava muito bem e isso que fez com que a gente conseguisse conquistar o que foi conquistado com a camisa do Fluminense.

O Fluminense, multicampeão, era um grande time e barato, se compararmos ao Flamengo, por exemplo. Quem custou um pouco mais foi Assis e Washington, o saudoso Casal 20 e Romerito. Seja sincero: havia como aquele time dar errado?

Realmente se for comparar aquele time com hoje em dia, foi muito barato mesmo. Por exemplo, eu fui para o Fluminense praticamente de graça, o Jandir idem, o Ricardo Gomes saiu da base e o Branco também, o Aldo e Duílio já estavam no clube e chegou o Romerito, e  como você mesmo falou o Assis e o Washington que vieram do Athletico Paranaense que não era o clube que é hoje. Mas sinceramente, tinha tudo para dar certo porque além de serem grandes jogadores a cumplicidade e a vontade de vencer eram enormes e nas mãos certas, acabou a coisa seguindo em frente e conquistamos os títulos que ficaram marcados no clube.

Você chegou no Fluminense e encontrou Paulinho Carioca, também hábil e talentoso ponta esquerda como você. Nessa disputa pela camisa 11, quem ganhou e quem perdeu?

O Paulinho foi um grande jogador, um ponta rápido, extremamente habilidoso que ia para o confronto mesmo e levava para cima. Falar do Paulinho é relembrar da nossa convivência, que aliás era muito boa, e ele acabou sendo importante na minha carreira, pois eu tinha que jogar bola, do contrário, ele poderia tomar meu lugar no time. Mas sou amigo dele até hoje e de vez em quando conversamos pelo Facebook, no entanto, o mais importante é que quem ganhou com tudo isso fui eu, foi o Paulinho, e principalmente o Fluminense.

Mesmo sendo um jogador habilidoso com a perna esquerda, o gol mais importante que fez na carreira foi com pé direito, na vitória por 2 a 0, contra o Corinthians de Carlos, Wladimir, Biro-Biro, Sócrates, Zenon e Casagrande, no primeiro jogo das semifinais do Brasileiro de 1984, no Morumbi. Como foi esse gol?

É, são coisas da vida, né? Sendo canhoto e usando a perna direita apenas para subir em ônibus, acabei fazendo o gol mais importante da minha carreira com o pé direito. Mas foi a única forma que eu tinha ali porque se eu fosse com o pé esquerdo eu não conseguiria fazer o gol. No entanto, aquela grande vitória contra o Corinthians no Morumbi com 100 mil pessoas, que era um grande time e vinha de uma goleada contra o Flamengo por 4 a 1, se não me engano, nos deu uma moral, força e confiança, atributos importantes que um time tem que levar para uma final para enfrentar o Vasco, que era um equipe muito boa. Mas graças a Deus, felizmente, a coisa acabou dando certo.

Quando você fecha os olhos sente muitas saudades da torcida do Fluminense?

Toda hora. Penso em tudo que a gente viveu nas Laranjeiras, pois foi um período vitorioso em seis anos, no qual conviví com os meus companheiros e que se tornaram uma grande família. A saudade bate e lembro de todos, acho que a grande coisa que ficou marcada daquela equipe do Fluminense em qual eu participei foi o legado que a gente deixou com títulos para a grande e imensa torcida tricolor.

Poucos se lembram, mas você teve uma passagem pelo Vasco da Gama, em 1989, onde participou da vitoriosa campanha no Campeonato Brasileiro, ainda que nunca tenha conseguido se firmar como titular em uma super equipe e que contava com inúmeros jogadores de Seleção Brasileira como Acácio, Bebeto, Mazinho, Bismarck, Andrade, Luiz Carlos Winck, entre outros. Como foi essa sua ida para o Gigante da Colina e como lidou com a reserva?

Naquele time do Vasco de 1989, realmente era uma seleção, pois se você pegar todos os jogadores, praticamente jogavam ou jogaram na seleção brasileira. Então é como hoje em dia, você pega aí times que têm um grande elenco e de repente você vê um grande jogador no banco de reservas, como o Flamengo de hoje em dia com o Diego Ribas na reserva, o Everton Ribeiro de vez em quando sai, o Arrascaeta não entra, coisas normais. Assim, é normal você estar no meio de um plantel com grandes jogadores, não pesa tanto, mas claro que você quer jogar, como  aconteceu muitas vezes de eu ser titular naquele time do Vasco. Mas o mais importante, eu acho, que fica marcado é ter participado de um grupo como aquele e ter sido campeão, é claro!

Mesmo sendo um ponta muito habilidoso e tendo vivido uma excelente fase no Fluminense, na sua opinião, por que você teve poucas oportunidades na Seleção?

Sinceramente, não sei, pois isso vai de treinador para treinador e se eu fosse contar toda minha história ia demorar para caramba. Mas naquela época no país, poucos jogadores iam para fora do país, então, a competição era enorme. Para se ter uma ideia, a Seleção Brasileira podia ser formada por duas, três grandes equipes, dependendo do treinador. Atualmente cada um tem sua preferência, mas o mais importante é que eu cheguei lá, vesti a camisa e joguei na Seleção e isso fica marcado na minha história e na minha vida.

Quem foi seu ídolo no futebol?

Tive vários ídolos que quando eu era adolescente eu gostava de ver jogar. Me lembro do Rivellino, do Mário Sérgio, todos canhotos como eu e do nosso Rei Pelé, que nem se fala, né? Mas o meu grande ídolo, sem dúvida alguma foi meu pai, pelo grande jogador que foi, o grande ser humano, grande chefe de família e que que inspirou muito, me deu forças no começo da minha carreira, me incentivou a continuar e a não desistir e seguir em frente.

Como vê o Fluminense atualmente?


Com bons olhos, pois o Fluminense tem um bom time, bem treinado, um bom elenco e vem numa luta grande para conquistar algo nesse Campeonato Brasileiro. Eu estou torcendo muito para que tudo dê certo e o nosso Tricolor consiga fazer uma grande campanha.

Defina Tato em uma única palavra?

Em uma única palavra? Do bem. Tato é uma pessoa do bem. 

A imensa torcida tricolor quer saber: O que o Tato tem feito da vida? Continua trabalhando com futebol?

Não, eu não trabalho com futebol. Eu trabalho com o grupo Vital, que é Unimed, que é um grupo de saúde e estou muito feliz com o que faço, com as pessoas com quem convivo lá na empresa, e isso é motivo de alegria, de felicidade, de sonhos e esperanças e sem dúvida alguma, realizações. Desde já, um forte abraço a todos do Museu da Pelada e a grande torcida tricolor do nosso querido Fluminense, um abraço!

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ALEMÃO


Muito antes de receber o apelido de ‘Alemão’ e se consagrar no futebol mundial, o menino Ricardo Rogério de Brito, veio ao mundo naquele 22 de novembro de 1961, para lutar bravamente pela sobrevivência.

De família humilde e quase beirando a pobreza, dividia o casebre com mais quatros irmãos, que se viravam como podiam para ajudar o pai nas despesas de casa.

Muito antes de ser exímio marcador no meio de campo com as camisas do Botafogo, Atlético de Madrid, Napoli e São Paulo, o tradicional ‘carregador de pianos’ foi ajudante de pintor, e explorado, buscou pintar em cores as paredes de um mundo em preto e branco no qual vivia.

A vida era dura mas o pequeno Ricardo não era mole.

Virou engraxate e por muitas vezes chegava em casa com o dinheirinho do pão com o suor de seu rosto.

Resiliente, passou uma fase da vida sendo garçom e servindo em bandeja bebidas e comidas que matavam a fome e a sede de muita gente.

Eram muitos em um e seu destino seria outro quando arrumou suas coisas e partiu.

“Minha mãe, estou indo para o Rio de Janeiro jogar bola, ganhar dinheiro e comprar uma casa para a senhora”, disse ao pegar suas coisas e ir tentar a sorte no Botafogo já como Alemão, apelidado dado pelo pai.

A bola, ah, sempre ela, seria a tentativa para aquele sujeitinho de fala mansa chegar a Marechal Hermes e ficar por lá durante quinze dias treinando.

Era hora de pôr em prática tudo o que aprendera na cidade de Lavras, em Minas Gerais, ou seja, fazer jogadas consideradas pinturas, dar um brilho na bola como fazia nas ruas da cidade mineira em vários sapatos dos lavrenses e servindo como garçom com passes para os atacantes saciarem a fome e a sede por gols.

Se viveu os infortúnios no Botafogo antes da profissionalização, a glória maior foi estrear em 1981 em um amistoso contra o Fluminense de Feira de Santana, substituindo o habilidoso Mendonça, estrela maior da constelação que levava no peito uma estrela, a Estrela Solitária.

Com um futebol eficiente e produtivo, se tornou o preferido de um conterrâneo exigente e não menos famoso chamado Telê Santana (1931-2006), com quem jogou a Copa do Mundo em 1986, no México e no São Paulo, em 1994.

Evangélico, há 26 anos, mantém em sua terra natal um trabalho social importante chamado ‘Casa de Transformação Betânia’, que atende dependentes químicos em seu sítio.

O Museu da Pelada entrevistou Alemão, nosso personagem da semana na série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

Pobres, você e seus quatro irmãos, ajudavam a família da forma que podiam. Você, por exemplo, foi engraxate, garçom, além de pintor. Como surgiu o futebol na sua vida?

O futebol entrou na minha vida por acaso. Eu não sonhava em ser um jogador de futebol, porque eu não pensava que isso poderia acontecer. Eu jogava em um time que na época ainda era amador, chamado Fabril Esporte Clube e não almejava realmente ter essa carreira no futebol. Mas acabou que aconteceu, foi um convite de um amigo que jogava no Botafogo nessa época e ele era conhecido aqui em Lavras-MG, pelo apelido de Mulato. Já no Botafogo, ele era chamado de Alemão, porque era namorado de uma menina suíça e em virtude disso era chamado por esse apelido. Coincidentemente, eu já tinha esse apelido também e assim ele me convidou e eu fui fazer um teste de vinte dias. Foi dessa forma que o futebol entrou e a partir desse teste, fez parte da minha vida.

Você foi revelado pelo Fabril, time de Lavras, em Minas Gerais, sua cidade natal. Como foi esse começo de carreira?

Muito complicado. Eu nunca havia saído da minha cidade para tão longe. E numa quinta-feira após o carnaval, acabei indo e conheci um Rio de Janeiro muito legal com aquela festa toda. Mas na segunda-feira me apresentei em Marechal Hermes, onde já dava início aos treinamentos para poder ser aprovado nesse teste. Dedicado, lembro que foram quinze dias de muitas lutas, muitas dificuldades e não existia uma boa estrutura naquela época no Botafogo. Então, posso afirmar que a fase de juniores foi uma das melhores que vivi no clube, sem dúvida nenhuma.

De onde vem o apelido Alemão?

Esse apelido foi colocado por meu pai quando eu tinha 5 anos de idade. Ele era ferroviário e vieram uns alemães e montaram algumas máquinas aqui na cidade de Lavras-MG e eles tinham o cabelo bem loiro, assim como o meu quando criança. E certo dia, meu pai chegou em casa e me chamou de Alemão, aí o apelido ficou e poucas pessoas hoje me chamam pelo meu verdadeiro nome.

Você foi tesoureiro dos Atletas de Cristo, grupo de jogadores evangélicos que fez sucesso no Brasil durante a década de 1980 e 1990. Como foi essa fase?

Essa informação de tesoureiro não procede, pois eu apenas fazia parte do grupo dos Atletas de Cristo, já que eu tive um encontro com o Senhor e a partir desse momento, passei a frequentar o grupo dos atletas cristãos.

Na sua passagem pelo Botafogo, faltou título. O que você atribui a isso?

Nessa época o Botafogo vivia um momento financeiro muito difícil. Havia perdido os direitos de continuar em General Severiano e estava se transferindo para Marechal Hermes e as coisas eram complicadas. A questão do título está ligada à questão econômica, e acho que o Botafogo tentava montar grandes times, porém, faltavam recursos para isso. Mas naquela época, o Rio de Janeiro tinha o melhor futebol do país com Flamengo, Vasco e Fluminense, em evidência, enquanto o Botafogo vinha em quarto lutando para sobreviver. Mas não foi uma fase fácil, foi uma período onde a gente enfrentava excelentes times com grandes jogadores e vencê-los era difícil.

Em 1985, a Bola de Prata, prêmio concedido pela revista Placar, foi parar em suas mãos como o melhor volante do Campeonato Brasileiro daquele ano. Qual foi a emoção em receber um prêmio como esse?

Olha, na verdade, foi um dos momentos mais inesquecíveis e emocionantes da minha carreira. Ganhar uma Bola de Prata no futebol carioca, jogando pelo Botafogo, que estava passando por dificuldades financeiras como falei anteriormente, naquela época e sem conquistar um título há muito tempo, não era tão simples assim. Tínhamos grandes jogadores na posição, tanto no Fluminense, no Vasco e no Flamengo, e eu fui premiado com a Bola de Prata. Até hoje eu tenho ela aqui em casa e é uma recordação muito especial para mim.


Qual derrota em Copas do Mundo doeu mais no Alemão: a de 1986, para a França de Michael Platini ou a de 1990 para a Argentina de Diego Maradona?

Sem dúvidas, que a derrota mais dolorida foi na Copa do Mundo do México em 1986, nos pênaltis contra a França. E o motivo é simples: em 1990, nós éramos uma seleção totalmente desorganizada, bagunçada, sem nenhum tipo de recurso e uma falta de liderança absurda! Então, em 1990, nós lutávamos para chegar longe naquela Copa do Mundo, mas era tanta confusão, tanto problema, que aquilo para quem jogava há um bom tempo, e no meu caso, eu já havia disputado um Mundial, e vi como foi bacana essa experiência. Mas na verdade, nada daquilo estava acontecendo lá em 1990, e mais cedo ou mais tarde, aconteceria a eliminação. Eu acho que a organização faz parte de um planejamento para se conquistar um título e se você não for organizado ou preparado, suas chances diminuem. E foi o que aconteceu conosco!

No Atlético de Madrid, da Espanha, você fez uma temporada de estreia tão boa que ganhou o prêmio Don Balón de melhor estrangeiro do campeonato e ainda convenceu os colchoneros a contratarem seu compatriota Baltazar, ex-parceiro no Botafogo, que vinha se destacando pelo Celta de Vigo. Mesmo com moral, por que não renovaram com você?

Como você mesmo disse na pergunta, no Atlético de Madrid, da Espanha, talvez tenha sido o melhor momento da minha carreira, tecnicamente falando. Ganhei o prêmio de melhor estrangeiro realmente, algo sensacional, mas o clube vivia um momento político conturbado. Para se ter uma ideia, o presidente eleito na época, não queria nenhum estrangeiro e não me queria por esse motivo, não foi nada pessoal. No entanto, ele teve bastante dificuldade para me vender, pois mesmo ele tendo contratado Paulo Futre, a maior transferência do futebol português à época, eu fui o melhor jogador estrangeiro e isso dificultava me vender. Todavia, o Napoli apareceu e a gente decidiu em conjunto, que era a hora de sair. Eu entendo que era uma opção política dele, tanto que depois disso estivemos juntos e nos encontramos algumas vezes e mantivemos um bom relacionamento. Na verdade, foi bom também, porque eu acabei indo para um grande clube e o Baltazar veio para o meu lugar como estrangeiro.

Em 1988, você foi contratado pelo ambicioso Napoli-ITA do presidente Corrado Ferlaino e do diretor geral Luciano Moggi. Foi o maior desafio na sua vida como atleta profissional?

É verdade, foi o maior desafio, porque eu estava indo para um clube que almejava realmente conquistar títulos importantes e jogar com o maior jogador do mundo, no caso o Maradona, eu teria que manter um nível de excelência que não seria fácil. E, para complicar mais ainda, logo na minha chegada, eu peguei uma hepatite B, no qual acabei ficando cinco meses parado. Em virtude dessa doença, as coisas ficaram difíceis, perdi 10 kg e para recuperar não foi fácil, no entanto, com muita luta e força de vontade, recuperei em 30 dias e voltei em uma Copa UEFA, fazendo grandes partidas e podendo dar continuidade nesse desafio.

E o gol na final da Copa Uefa de 1989, contra o Stuttgart-ALE. Quais são suas recordações daquele jogo no belíssimo Estádio de  Niedersachsenstadion, em Hannover, na Alemanha, tomado por 67 mil pessoas?

Realmente, esse jogo foi marcante na minha carreira, porque era um título muito importante para mim. Lembro que eu tinha acabado de me lesionar alguns minutos, tipo um ou dois minutos antes, e aquela jogada foi o último esforço que eu poderia fazer na partida. Então, foi naquela arrancada que acabei chegando até o gol, bati na bola, ela pegou um efeito, bateu no goleiro e acabou entrando. Posso afirmar que foi um gol importante no qual nós acabamos saindo na frente e isso aumentou consideravelmente a chance de vitória. Esse gol na verdade foi muito, mas muito importante mesmo.


Como foi jogar com Careca e Maradona? Eram realmente jogadores diferenciados?

Sem dúvida. Tive a felicidade de jogar com dois fenômenos do futebol mundial: Maradona e Careca. A velocidade de raciocínio dos dois era uma coisa absurda e para nós, que jogávamos atrás, era divertido vê-los trocando passes, fazendo jogadas maravilhosas e gols espetaculares. Foi um privilégio enorme para mim e ter jogado com eles foi algo sensacional. Mas era uma época de grandíssimos jogadores, como Van Basten, atacante do Milan-ITA e que era um fenômeno também.

Em quatro anos pelo Napoli, você fez 93 jogos e 9 gols pela Série A, e entrou para a história com a conquista do segundo campeonato italiano azzurro (1990). Foi a melhor fase que você viveu em quinze anos como jogador?

Foi sim. Foi uma fase de realizações, onde estava realizando o sonho de conquistar campeonatos e jogar num nível muito alto, jogando na Champions League e Copa UEFA, por exemplo. Realmente foi uma fase maravilhosa e acho que qualquer jogador que não jogou ou conquistou tais competições, gostaria de ter vivido tudo isso aí que eu vivi.

Maradona foi um divisor de águas na sua carreira: com ele, você conheceu o céu em títulos conquistados no Napoli-ITA e viu o inferno de perto ao ser considerado um dos principais culpados da derrota brasileira para a Argentina, na Copa do Mundo de 1990. O que tem a dizer sobre isso?

Na verdade, eu não me sinto nem um pouco culpado pela derrota da seleção. Quem assistiu aquele jogo e que seja uma pessoa séria e sensata, vai fazer a mesma análise que eu faço, que é dizer que eu tomei o drible do Maradona no meio de campo e depois disso ele passou por mais quatro ou cinco jogadores, ou seja, são jogadas normais de um gênio que conquistou um espaço e acabou na finalização do Caniggia. Aquela Copa do Mundo, na verdade, estava complicada, porém, antes daquele jogo, já estava comprometida e ali, naquele lance específico, foi uma gota d’água em um oceano de problemas a seleção. Mas vale frisar, que me sinto honrado em ter participado daquele mundial, porque foram duas Copas do Mundo no qual fui agraciado por Deus, não é simples e nem para qualquer um, jogar duas Copas do Mundo como titular. Na verdade, é um feito bem difícil.

Ainda sobre 1990, sua última partida pela Seleção Brasileira foi na Copa do Mundo da Itália, no qual a Argentina venceu por 1 a 0, gol de Caniggia. Você fez parte de um time que ficou marcado como a ‘Era Dunga’. Alguns deram a volta por cima em 1994, sendo campeões mundiais, como Taffarel, Jorginho, Branco, Muller e o próprio Dunga. Por que o Alemão não fez parte do time tetracampeão?

Aquela Copa do Mundo de 1990, na Itália, foi um mundial que marcou a vida de muita gente, inclusive a minha. Disputar um torneio da relevância de uma Copa do Mundo é o auge na carreira de qualquer atleta de futebol e comigo não seria diferente, já que eu estava esperando muito por aquela Copa e ela acabou sendo desorganizada e complicada para nós. Digo isso em todos os sentidos e obviamente, o final da seleção não poderia ser diferente, ou seja, nós saímos da maneira que saímos, jogando um futebol muito melhor que a Argentina e perdendo de 1 a 0, numa partida que merecíamos ganhar de 3 ou 4. Infelizmente, foi uma decepção para todo mundo e a CBF deveria fazer mudanças, que pediam atitude, liderança e foi o que ela fez trazendo Carlos Alberto Parreira como técnico e escolhendo outros jogadores para poder fazer parte do mundial seguinte, o de 1994. Ali, seria a grande mudança no futebol brasileiro, seria a reviravolta de tudo de errado, pois há mais de 20 anos que o Brasil não ganhava. Eu acho inclusive, de verdade, que o ciclo do Alemão terminou em 1990, confesso que houve desgaste, já que eu mesmo tive um pequeno problema com o presidente da CBF, e enfim, não dava mesmo para prosseguir. Acho que assim como eu, outros jogadores tinham condições de estar em 1994 nos Estados Unidos e não foram chamados, no entanto, acho que foi uma experiência bacana ter jogado duas Copas do Mundo.Sem demagogia, sou muito feliz por isso.

Em 1992, você foi vendido ao Atalanta-ITA, na qual jogou por dois anos. Por qual razão o Napoli-ITA te vendeu?

O meu contrato havia terminado e eu acabei sendo contratado pelo Atalanta-ITA, no qual passei dois anos bem diferentes da experiência em Nápoles em tudo, cidade, torcedor, time, e joguei em uma equipe bem modesta. Hoje é uma equipe com uma força incrível, mas na época, não era assim. Mas foram dois anos de experiência e mesmo sem títulos, foi importante na carreira.

No meio do ano foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que esse esporte representou para o Alemão?

Na minha vida profissional o futebol representou absolutamente tudo. Foi um esporte que me levou a um lugar que eu jamais chegaria se não tivesse sido jogador. Foi sacrificante? Claro que foi, pois nada é fácil na vida, mas o sacrifício valeu a pena, porque eu joguei em lugares especiais na carreira, como no Fabril, Botafogo, Atlético de Madrid, Seleção Brasileira, Napoli, Atalanta, São Paulo e Volta Redonda, onde todos os jogadores gostariam de ter jogado. Então, eu acho que o futebol foi realmente muito importante na minha vida.

Você voltou ao Brasil em 1994, então com 33 anos, e passou duas temporadas pelo São Paulo, que tinha Telê Santana como técnico. Por que o São Paulo e por que Telê Santana?

Sempre tive um excelente relacionamento com Tele Santana. Na Copa do Mundo de 1986, ele optou por mim, como titular, dez dias antes de começar o mundial, já que eu vinha fazendo uma pré-temporada excelente, tanto na questão física como na tática e do esquema que ele queria implantar na seleção. A gente estabeleceu ali, naquela competição, um relacionamento de profissionalismo que foi muito bom e criamos um laço de amizade. Quando eu estava para voltar ao Brasil, ele era treinador no São Paulo, acabei sendo convidado para jogar no time comandado por ele. Foi uma experiência muito boa, em um time organizado, com profissionais do mais alto gabarito.

Quem foi seu ídolo do futebol?


Difícil responder essa pergunta e mais difícil ainda é falar de um ídolo apenas. Muito difícil. Eu joguei com jogadores que passaram a ser meus ídolos devido as experiências que tivemos juntos, devido ao tempo que vivemos juntos, mas o que eu presenciei tanto como caráter e como jogador foi o Zico. Ele foi um um ídolo incomparável, sem dúvida! Mas antes dele, eu conheci o Mendonça, que também foi um cara sensacional e um cracaço de bola. Ah, não posso deixar de falar de outros, que foram o Júnior na seleção brasileira, o Maradona e Careca, ambos no Napoli, e o Platini. Então, não dá para falar de um apenas. Talvez o Zico seria ao lado de Maradona, os meus maiores ídolos, porque eu me relacionei com eles e conheci o Zico, um cara que aprendi a gostar não só pelo jogador que foi mas pelo caráter, pelo homem, pelo ser humano e amigo de todos, uma pessoa séria e um profissional dedicado. Falar dele é difícil, pois era uma pessoa de bem e a gente se tornou amigos e hoje posso te assegurar que fui privilegiado em ter o Zico, Júnior, Maradona, Platini e Careca, como amigos. São esses que marcaram minha carreira e se tornaram meus ídolos de verdade.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

Eu moro na cidade de Lavras, em Minas Gerais, que tem uma população estimada em 110 mil habitantes, onde tenho um trabalho social em um sítio a 7 km próximo do Centro da cidade. Ultimamente minha vida tem sido de casa para o trabalho e do trabalho para casa e é claro, saio para fazer algumas coisas, mas com o devido controle. Mas graças a Deus eu tenho muito cuidado e não tem sido fácil enfrentar essa pandemia que não é agradável. Mas ter que ficar a maior parte do tempo em casa não é muito agradável, mas é um momento e a gente vai superar isso. Acredito que vamos sair dessa e se Deus quiser, em breve vai sair essa vacina.

Você pendurou as chuteiras em 1996, pelo modesto Volta  Redonda, não foi?

O término da minha carreira aconteceu inesperadamente. Lembro que eu havia terminado um contrato com São Paulo, na verdade nem terminou, pois a gente rescindiu antes e eu fiquei aguardando o contato por parte de alguns clubes, pois a intenção era poder jogar um ou dois anos. Mas esse clube não apareceu e surgiu na minha vida a oportunidade de conhecer o ex-prefeito Neto, à época, ligado ao futebol do Volta Redonda. Fui convidado para jogar o campeonato carioca de 1996, aceitei e foi uma experiência maravilhosa, no qual conheci amigos maravilhosos e uma cidade encantadora.

Defina Alemão em uma única palavra?

O Alemão é uma pessoa que procura viver uma vida simples, tranquila e não tem ligação com a fama. Confesso, que nunca me relacionei bem com essa questão de ser um cara conhecido e procuro viver dentro das minhas raízes. Valorizo pessoas que são meus amigos de infância, as que conheço desde pequeno e sei quem são. Gosto de assistir futebol, apesar de ter pouco tempo para ver, jogo um tênis de vez em quando, e tenho alguns objetivos e um deles é esse trabalho que venho fazendo há 26 anos, que é tentar ajudar pessoas com problemas de dependência química. É isso, sou uma pessoa bem normal e isso me define, acho eu, bem.

Que legal! Nos conte um pouco desse seu trabalho social. Onde funciona e qual o propósito dele?

Esse trabalho social existe há 26 anos e foi iniciado quando eu jogava no São Paulo, em 1994. Na verdade, começou nas marquises debaixo dos viadutos da cidade paulista e foi estendido para Lavras, em Minas Gerais, onde eu tinha um sítio que recebia pessoas para serem cuidadas com a finalidade de deixarem o vício da dependência química. Desde então, são 26 anos em que trabalhamos na vida das pessoas pregando a palavra do Senhor para que eles possam ter um encontro pessoal e verdadeiro com Deus, libertando-os desse vício terrível da dependência química. Eu tenho um prazer enorme em fazer isso, é uma coisa que eu gosto muito, me envolve bastante e dedico a maior parte do meu tempo fazendo esse trabalho. Na ‘Casa de Transformação Betânia’, eu conto com pessoas maravilhosas que me ajudam, como a Socorro, que é a minha parceira desde a época da fundação, assim como os outros parceiros como o Dr. Ranieli, que é o cirurgião dentista que nos dá uma mão muito grande, o Dr. Acácio, Dr. Rubens e o Dr. Sebastião, outros que nos dão uma força enorme e se juntam a nós, para ajudar pessoas necessitadas de apoio e que estão próximas da morte. Vale ressaltar que a gente passa o dia praticamente todo lá, conversando, aconselhando, orando e pregando, para que eles possam ter essa chance de mudar.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CLÁUDIO ADÃO


Nenhum outro jogador vestiu mais camisas de clubes de futebol que Cláudio Adalberto Adão, atualmente com 65 anos.

Ninguém encantou mais os torcedores e extraiu de suas gargantas o grito expandido de goooooooool no ar ao desencantar as redes adversárias mais do que o filho de dona Ilma e seu Paulo, nos vinte e sete clubes pelos quais passou.

Cláudio Adão respirou e transpirou por cada um deles, foi profissional, foi atleta e o melhor de tudo: foi goleador!

Poucos, bem poucos, a ponto de contar nos dedos de uma das mãos, deram tantas alegrias a uma gente tão sofrida como são esses seres apaixonados que estacionam suas nádegas nas arquibancadas, fazem o coração bater mais forte e recebem a alcunha de torcedor de futebol.

Nascido na ‘Cidade do Aço’, como é conhecida Volta Redonda, naquele 2 de julho de 1955, quis o destino (alguns dizem que essa providência divina pelas leis naturais têm nome e se chama Oliveira, primo que o convidara para passar férias escolares em sua casa, em Cubatão), que num teste despretensioso na Portuguesa Santista, fosse aprovado com sobras.

Megalômano, logo em sua primeira experiência com a bola em um torneio amistoso com as participações das equipes do Santos e do Jabaquara, fez 8 gols, dois a menos que o 10 de sua camisa.

Convidado a treinar no time pelo qual Pelé se notabilizou, acabou sendo autorizado pelo pai a morar no alojamento do Estádio Urbano Caldeira e pelo treinador Chico Formiga a trocar o 10 de meio campo pela 9 de centroavante.

Adâmico naquele  paraíso de terreno  plano e verde, conheceu e se apaixonou por sua ‘Eva’, simbolizada na figura redonda de uma bola, mas não ouviu a voz do ‘Deus’ Pelé para não entrar em divididas.

No entanto, caiu na tentação e mesmo mordendo a maçã do pecado por amor a sua ‘Eva’, vestiu literalmente a camisa do Santos numa partida vadia no ‘Caldeirão do Diabo’, como era conhecido o Estádio Mário Alves de Mendonça (demolido anos depois para a construção de um grande supermercado), fraturou a patela e os ligamentos do joelho num choque involuntário com Luís Antônio, goleiro do América de São José do Rio Preto.

Na contusão, o vermelho do sangue de sua perna se misturaria ao preto de sua pele, e naquele 2 de maio de 1976, o pedido de sua mãe Ilma – para não entrar em campo – às vésperas do fatídico jogo, varreria à mente e se manifestaria de forma intensa na sua vida: o Flamengo seria sua redenção.

E foi.

Após presenciar o choro incontido dos seus pés com saudades da bola nesses 418 dias em que passou por um rígido tratamento de recuperação, seja na Escola de Educação Física do Exército no Rio de Janeiro, ou nas atividades físicas individuais, tão importante quanto foram o incentivo e o enxugamento de cada gota de suor de seu rosto, feito à época pela noiva Paula (com quem é casado há 43 anos).

Dois Fla-Flus foram o suficiente para ele dizer ao futebol: ESTOU CURADO! 

Um em 1977, na vitória por 2 a 1, dois gols de Tita, que marcaria sua estreia de forma modesta pelo Flamengo e um outro no mesmo ano, no qual o camisa 9 marcou dois gols – sendo o segundo um golaço no ângulo – na vitória contra o Tricolor por 2 a 0.

Ali, naqueles 90 minutos, Cláudio Adão choraria em introspecção e mataria dos seus pés a saudade que estavam da bola.

Mas Adão estava curado e pôde desfrutar das coisas boas que o futebol lhe proporcionaria dali por diante, como a energia da torcida em cada gol marcado, independente das vinte e sete camisas que vestiu nesses vinte e poucos anos como jogador profissional.

Sim, pôde buscar pelas vitórias e títulos conquistados ao lado de Zico & Cia. no time da Gávea.

Sem dúvida, pôde jogar partidas gloriosas pelo Glorioso com o número 6 de Nilton Santos de cabeça para baixo às costas.

Definitivamente, tabelaria com Robertinho e Zezé no ataque Tricolor, clube paixão mor do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).

E jogou, venceu e nunca perdeu ao lado de Roberto Dinamite, jogando em São Januário com a Cruz de Malta no peito.

Segundo seus próprios cálculos, 862 gols foram marcados, para outras fontes, 591 tentos, mas isso pouco importa.

Na verdade, trata-se certamente de ser um digno representante de qualquer lista dos maiores goleadores da história do futebol brasileiro e que infelizmente, não vestiu uma única vez a camisa da seleção brasileira, para sua maior (e porquê não dizer nossa também) tristeza.

Conviveu com a difícil missão de ser goleador por onde passou, enfrentou uma grave contusão e o racismo quando era auxiliar de Evaristo de Macedo no Flamengo, mas jura de pés juntos, ter tirado de letra.

Não bastasse tanto, ainda foi herói ao salvar a vida do irreverente ponta-direita Marinho (1957-2020), que se afogou ao tentar tirar ‘onda’ surfando numa madeira nas ondas revoltas na Praia da Barra, em 1985, quando foram companheiros no Bangu.

O Museu da Pelada conversou com Cláudio Adão, o nômade do futebol brasileiro para a série Vozes da Bola desta semana.

Por Marcos Vinicius Cabral

O que levou um menino de 13 anos, viajar 380,7 km de Volta Redonda a Cubatão, jogar na equipe amadora do Unidos do Parque Fernando Jorge, passar pelos juvenis da Portuguesa Santista e chegar no Santos, onde começou a carreira, em 1972?

Um sonho. Eu tinha um primo chamado Oliveira, que morava em Cubatão e meu desejo era jogar no Santos de Pelé. No entanto, para chegar lá, passei pelo Unidos do Parque Fernando Jorge e depois pela Portuguesa Santista, onde depois de um torneio contra o Santos e o Jabaquara, joguei muito bem. Foi aí que o seu Olavo, das divisões de base do clube, me convidou para fazer um teste no Peixe. Fiz, passei e iniciei minha vida no futebol.

É verdade, que você era meio campista e por sugestão do treinador, passou a ser centroavante, chegando a marcar 80 gols pelas equipes de base?

Verdade. Eu realmente comecei como camisa 10, e quem me orientou para virar centroavante foi o próprio seu Olavo e o Chico Formiga, ambos treinadores das categorias de base que diziam que eu teria mais oportunidade de subir para o time profissional como 9, porque o 10 era do Pelé.

Em seu primeiro ano de profissional no Santos, em 1972, você chegou a jogar com Pelé, antes dele ir para os EUA. Como foi jogar com o ‘Atleta do Século’ e conviver um pouco com ele?

Foi a realização do meu sonho de menino. Ele me dava muitos conselhos, mas ao mesmo tempo metia medo nos mais jovens. Mas foi o (ponta) Edu, que conversou bastante comigo e me aconselhou demais sobre como me comportar dentro e fora de campo. Aprendi muito com os conselhos do Edu e observando os movimentos e a colocação em campo do Rei Pelé.

Foi em um Santos x América, em São José do Rio Preto, no Estádio Mário Alves de Mendonça, que você fraturou a tíbia e o perônio. A contusão foi tão séria que o médico do clube, Dr. Daló Salerno, viu a fratura exposta e achou que você não jogaria mais. O que de fato aconteceu, isso atrapalhou sua carreira e como se recuperou?


Na verdade o médico que me operou e me acompanhou todo o tempo foi o Dr. Ítalo Consentino. Mas realmente, as fraturas foram muito graves, fiquei parado quase dois anos e com muita dedicação consegui voltar. Tive que me adaptar a uma nova maneira de jogar, porque perdi muita velocidade. É claro que esse acontecimento atrapalhou muito a minha carreira, pois logo de cara, perdi a Olimpíada de Montreal, da qual eu era capitão e maior nome da seleção na época.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Acordo todos os dias, faço meus exercícios com minha mulher, estou aproveitando para ler muitos livros e passo muito tempo com meus netos Flora e Joaquim, com os quais estou em quarentena desde março.

O Flamengo acreditou em você quando ficou dois anos parado, sendo inclusive peça-chave na conquista do tricampeonato carioca, em 1978 e 1979 e 1979 (especial). O sucesso foi tanto que virou até música, na voz de João Nogueira, que adaptou um samba de Wilson Batista: “O Mais Querido/Tem Zico, Adílio e Adão/Eu já rezei pra São Jorge/Pro Mengo ser campeão”. Por que resolveu sair e jogar no Botafogo?

Meu contrato venceu e a oferta do Flamengo não me valorizava como eu esperava. Aí, o Botafogo me fez uma proposta muito melhor.

A imprensa afirmou na época, que no Botafogo, seu salário era três vezes maior do que no Flamengo. Nada mal para quem na juventude, crescera idolatrando Didi, Garrincha, Zagallo e Nilton Santos. Por que ficou pouco tempo nessa sua primeira (de três) passagem pelo Glorioso?

Fiquei pouco tempo porque recebi uma proposta do Áustria Viena irrecusável, muito boa financeiramente falando, que acabou não dando certo por causa de exames médicos, que identificaram no meu coração uma onda T invertida.

E mesmo tendo sido identificado problemas no coração, continuou jogando sem problemas?

Na verdade, só tive conhecimento dessa onda T invertida nos exames médicos lá na Àustria. Lembro que liguei de lá mesmo para o cardiologista do Flamengo, Dr. Serafim, que me tranquilizou imediatamente e me disse que isso não representava nenhum perigo para a continuidade da minha carreira como jogador profissional de futebol.


Reprovado na Áustria por problemas médicos voltou ao Brasil para jogar em que clube?

No Fluminense, em 1980. 

Falando em Fluminense, o tetracampeonato carioca pelo tricolor foi uma façanha para não ser esquecida. Mas é verdade, que você chegava a se arrepiar quando entrava em campo e ouvia os tricolores cantarem a música feita para o papa João Paulo II. “A benção, João de Deus…”.?

Olha, fui muito feliz no Fluminense e sou o recordista de gols do campeonato carioca até hoje pelo clube. E olha que passaram por lá, grande atacantes como: Romerito, Assis,  Whashington, Ézio, Romário, Fred e tantos outros. Como sou católico, a música do João de Deus, realmente me emocionava e motivava muito.

No Vasco, mais uma vez campeão carioca, você carregou consigo uma história vencedora na principal casa de um clube de futebol, que é São Januário. Jogando no místico estádio, com a Cruz de Malta no peito, você não perdeu uma única partida sequer, não é mesmo?

Essa sempre foi uma característica minha como jogador ao longo de toda carreira. Depois dessa contusão grave no Santos, raramente, eu voltei a me machucar. Por todos os clubes que passei, sempre fui o jogador que mais atuava e no Vasco, não podia ser diferente. Sempre me cuidei muito e sempre gostei de treinar muito.

Entre tantos zagueiros que enfrentou, qual foi na sua opinião, o mais difícil? Por quê?

Os mais difíceis sempre foram os zagueiros que jogavam limpo, e desses, eu posso citar dois: o Amaral e o Luiz Pereira.

Quem foi o seu melhor treinador?

Vou citar alguns: seu Chico Formiga e seu Olavo na base do Santos, Zizinho na base da seleção brasileira, Didi no Botafogo, Tim e Pepe, ambos no Santos, e Cláudio Coutinho no Flamengo.

Por mais de duas décadas, você mostrou faro de gols apurado com as 27 camisas que vestiu, marcando 862 vezes. No entanto, não ter jogado uma Copa do Mundo, certamente deve ter te desapontado. Mas na verdade, foi Cláudio Coutinho, que não te levou em 1978 ou Telê Santana em 1982, o responsável da maior tristeza do jogador Cláudio Adão?

A maior tristeza foi eu não ter jogado pelo menos um jogo na seleção brasileira, nem sequer em amistosos. Cláudio Coutinho não me levou em 1978, mesmo sendo meu treinador no Flamengo e levou o Reinaldo machucado, algo surreal. Depois em 1987, eu jogando pelo Cruzeiro e o Telê, como técnico do Atlético Mineiro, me ligou e me confessou que me convocou em 1982, mas que a CBF pressionou e o obrigou a chamar Roberto Dinamite para o lugar do Careca, que havia se machucado. Acreditei nele, porque o Tele não escalou o Roberto para o banco de reservas em nenhuma partida nessa Copa do Mundo.

Sobre o Roberto ter ido por imposição da CBF em 1982, na Copa do Mundo da Espanha em seu lugar, o que será que o Roberto acha disso?

Nunca conversei com ele a esse respeito. 

Nunca?


Não, nunca. Imagino que ele ficaria muito constrangido e seria uma situação desnecessária, já que não podemos voltar no tempo.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Cláudio Adão?

O futebol representa tudo na minha vida. As maiores alegrias, as maiores tristezas, o encontro com minha mulher, com quem estou casado há 43 anos, enfim, a realização de todos os meus sonhos, eu devo ao futebol.

Certa vez, você falou que pelas suas contas, ficou faltando apenas 138 gols para o milésimo gol. Se não tivesse ficado 418 dias sem jogar em virtude da grave contusão que teve antes de se transferir para o Flamengo, acha que chegaria lá?

Mole, mole, modéstia à parte. Hoje em dia, um atacante fica meses e até anos sem fazer um gol, coisa surreal. Muito diferente da minha época, no qual não podíamos ficar sem fazer gols por duas partidas.

Em 1989, pelo Corinthians, você marcou um gol de calcanhar contra o Palmeiras no Campeonato Brasileiro daquele ano. Por ter jogado nos maiores clubes do Brasil, qual foi, na sua opinião, o clássico que você disputou que é a maior rivalidade do futebol nacional?

Eu tive a felicidade de jogar praticamente todos os clássicos que representam as maiores rivalidades do futebol brasileiro: Fla-Flu, Flamengo x Vasco, Corinthians x Palmeiras, Cruzeiro x Atlético Mineiro, Ba-Vi, Ceará x Fortaleza, Santa Cruz x Sport e Santa Cruz X Náutico. De todos esses que eu joguei, acho que a maior rivalidade é Corinthians e Palmeiras.

Em entrevista ao UOL Esporte ano passado, você disse aos repórteres Diego Salgado e Vanderlei Lima, que o racismo atrapalhou seus planos em se tornar técnico de futebol. Como jogador ou cidadão comum, sofreu algum tipo de  preconceito? O que pensa sobre o racismo?

Sofri vários episódios de racismo como jogador, como ser humano e como técnico. O racismo é inaceitável numa sociedade justa. Mas enquanto os brancos não saírem do seu lugar privilegiado e pararem de dizer que não são racistas e passarem a ser antirracistas, essa situação não mudará. Infelizmente.

Você disse que sofreu episódios de racismo, e qual foi o que mais te deixou magoado?

Foi quando eu era assistente do Evaristo de Macedo, no Flamengo, em 2002. Uma vez, chegando ao treino, escutei uma pessoa dizer numa roda de diretores, que conversavam sobre uma possível saída do Evaristo, que negro só servia para jogar, e não para comandar. Na época, fiquei super decepcionado, porque essa pessoa era meu amigo e o neto dele estudava com meu filho e os dois eram os melhores amigos. Fiquei decepcionado e nunca imaginei que ele era racista.

Dos clubes que você jogou no exterior, qual deles você enriqueceu mais, culturalmente falando?

Sem dúvida nenhuma no Al Ain, nos Emirados Árabes, em 1982. Foi a oportunidade de conhecer mais a cultura muçulmana e entender as diferenças gigantes entre a nossa cultura e a deles. Até hoje, conservo a amizade com companheiros e alguns sheiks com quem convivi nessa época.

Se Nilton Santos foi a ‘Enciclopédia do Futebol’ para os laterais, podemos dizer que você foi um livro de ‘Auto-Ajuda’ para os centroavantes?

Deixando a modéstia de lado, acho que sim. Penso que hoje faz muita falta para os atacantes ter a presença de ex-jogadores de futebol nas comissões técnicas, passando seus conhecimentos e experiências próprias.

Você tinha uma maneira de cobrar pênalti inigualável, se posicionando ao lado da bola e sem tomar distância. Como criou esse cobrança e depois de você, não vimos mais jogadores te imitando. Por quê?


Eu comecei a analisar que, quando eu caminhava para bater o penalti, eu me deslocava e às vezes, dava uma pequena vantagem ao goleiro. Foi dai que comecei a treinar batendo parado e me adaptei bem. Quando joguei no Sport Boys do Peru, formaram uma comissão de árbitros que analisaram a minha maneira de bater parado para ver se era ou não uma paradinha, à época proibida pela FIFA. Mas é lógico que concluiram que se eu já estava parado ao lado da bola, não podia estar efetuando a paradinha. Sobre outros jogadores baterem igual, não sei porque nenhum tentou cobrar dessa forma, mas ao mesmo tempo, considero que essa forma de cobrar pênaltis é bem difícil e requer mais força e precisão do que em uma cobrança normal.

Defina Cláudio Adão em uma única palavra?

Humildade.

Você é conhecido no futebol carioca por ter sido um dos poucos jogadores que defendeu os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Afinal de contas, o Museu da Pelada quer saber: qual é o seu time de coração?

Santos (risos).

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA JÚNIOR


Júnior não chegou à Gávea craque em 1973, mas foi sendo preparado para sê-lo.

Ao ingressar no clube à beira da lagoa, adentrou como uma pedra bruta pelos portões imponentes e teve a sorte de ter bons lapidários dentro e fora das quatro linhas: Modesto Bria foi um deles, Jayme Valente e Pavão outros, apenas para citar alguns.

Foi ganhando forma, se aperfeiçoando com tamanha habilidade, fascinando com sua beleza – ainda que precocemente – e foi se transformando em um diamante, sendo desnudado e tendo seu brilho mostrado.

Talento e sorte caminham de mãos dadas – e que mal há nisso? – pois foi necessário muito trabalho.

Vaidoso com a aparência ao extremo, fez o seu jogo se transformar e agradável aos olhos daqueles que torciam o nariz ao saber que com o nome de Leovegildo, poderia ser qualquer coisa, menos jogador de futebol.

Foi aos poucos aprendendo a desvendar os mistérios da bola e a se arriscar, como aves marinhas costeiras ou oceânicas – essas que mergulham em alto mar à procura de alimento para sobrevivência e emergem com o peixe agonizando em seus bicos.

O futebol leva ao céu mas também enterra a sete palmos do chão e faz a carreira de qualquer neófito morrer.

Ele corria esse risco.

Entretanto, sua maneira de sobreviver num esporte tão inóspito, foi por meio de muita dedicação, do amor infinito aos treinos exaustivos até tarde, onde apenas a lua e as estrelas presenciavam todo o seu esforço.

Se privou de muita coisa enquanto suor e lágrima confundiam-se no rosto áspero daquele paraibano que ainda não tinha o famoso bigode, sua marca registrada – além do número 5, é claro! – até hoje.

Foi nas areias das praias cariocas, sua fiel companheira – além é bom que se diga, de dona Helô, mandatária do seu coração há 37 anos – que ia se reabastecendo para enfrentar os tantos desafios.

Porquanto a praia foi local de hibernação de Leovegildo nas folgas, o campo, redenção de quem queria que o Júnior se transformasse em alguém na vida.

Batalhou, lutou, conquistou e se tornou verbo obrigatório terminados em ‘ar’ de amar, lutar e conquistar, que todos os flamenguistas conjugavam em uma só voz nas arquibancadas e nas gerais do Maracanã.

E não há de esquecer que Deus escreveu cada capítulo especial nas páginas de sua vida profissional dentro do Clube de Regatas do Flamengo.

Um exemplo?

Como explicar ele lateral-direito em começo de carreira (lembram do gol contra o América/RJ na final do Carioca em 1974 do meio campo?), não ter que disputar posição com Leandro, recém chegado de Cabo Frio (e aprovado logo no primeiro treino) em 1978 como lateral-esquerdo por Américo Faria?


Deus foi generoso por não pô-los para disputar posição no mesmo Flamengo que ganhou tudo a partir de 1980.

Ora bolas, o mundo da bola tem dessas coisas.

Reconhecido como jogador e campeão em tudo pelo Flamengo, deixou escapar pelas mãos e escorrer pelos dedos o título da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, quando Paolo Rossi abriu a gaiola do Estádio Sarriá e mandou o ‘Voa, Canarinho’ de volta ao Brasil, que chorava enlutado.

Plural como jogador no Calcio italiano nos anos de 1984 a 1989, viveu por cinco anos regendo o meio-campo do Torino-ITA e depois do Pescara-ITA.

Não bastassem os títulos e o carinho dos rubro-negros, foi imortalizado em 1° de dezembro de 2018, na escultura de bronze do artista Luiz Eduardo dos Santos, no Ninho do Urubu, espaço que hoje abriga o CT comprado em 1984 por George Helal, então presidente rubro-negro, com o dinheiro da venda de Júnior para o Torino-ITA.

“Uma honra ter meu busto na fábrica de craques do Flamengo, que é o Ninho do Urubu! Ainda mais que o terreno do Ninho foi comprado pelo Helal com a minha venda pro Torino”, afirmou.

O Museu da Pelada apresenta Júnior nesta semana como décimo quinto personagem da série Vozes da Bola.

Texto e ilustrações: Marcos Vinicius Cabral

Como foi sua chegada ao Rio, já que você é paraibano?

Eu cheguei no Rio de Janeiro no final de 1959, quando minha família se transferiu para cá, vindo de João Pessoa, na Paraíba. Ao chegar em Copacabana, morei com minha avó materna e com meu irmão mais velho Lino, que já estava aqui. Em seguida, veio o Luiz Eduardo e depois o caçula Leonardo, que aliás é o único carioca da família.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Na verdade, acredito que as grandes inspirações, não só para mim, mas para os meus contemporâneos, tenham sido Pelé e Garrincha. Os dois jogadores que inspiraram toda minha geração, mesmo não tendo muitos aparelhos de TV’s naquela época, mas eu tive a sorte em ter um tio, chamado Aloísio, irmão da minha avó, apaixonado por futebol e que levava eu e meus irmãos para o Maracanã. Inclusive, todas às vezes que o Santos vinha jogar no Rio de Janeiro, ele levava a gente e sempre íamos também ver os jogos do Botafogo, por causa do Garrincha. Acho que esses dois, foram os caras que mais trouxeram inspiração para mim.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou em casa desde 16 de março e quando completei quatro meses de isolamento social, saí apenas duas vezes: uma para ir ao dentista e outra para pegar um documento para o meu Imposto de Renda. O resto fiquei em casa, mantendo a forma na minha pequena academia, vendo filmes, participando de lives para poder passar o tempo e ouvindo música, já que eu adoro. É dessa forma que tenho enfrentado esse momento que ainda não acabou e até o fim do ano esperamos que a coisa possa dar uma melhorada. Na verdade, não voltar à normalidade mas melhorar um pouco para que a gente possa voltar à vida que a gente levava antes.

Há uma curiosidade que pouca gente conhece, envolvendo você e o Leandro. Quando você chegou ao Flamengo em 1973, você era lateral-direito e acabou sendo deslocado para à esquerda, e o Leandro, ao chegar em 1976, era lateral-esquerdo e foi deslocado à direita. Se tivessem que disputar a titularidade de uma lateral, tanto na esquerda ou na direita, pela qualidade dos dois, na sua opinião, quem jogaria?

Eu cheguei no Flamengo em 1973, quando fui jogar de meio-campo, indicado por Seu Napoleão, que era amigo do meu tio Aloísio. Foi ele que me levou para treinar, já que era amigo e vizinho do (técnico) Modesto Bria. Eu joguei praticamente todo o campeonato daquele ano como meio-campo, até que no segundo turno, em um jogo contra o Madureira, Garrido, nosso lateral-direito, acabou sendo expulso e eu fui jogar naquela posição. Pouco tempo depois, fui convencido pela comissão técnica na época, que a possibilidade para subir ao profissional como lateral era maior do que jogando no meio-campo, já que a concorrência era muito grande, inclusive com Geraldo, o assoviador, que nos deixou prematuramente em 76 e que era a grande revelação do Flamengo naquela posição. Naturalmente, eu tive essa oportunidade com o Joubert e fiquei dois anos jogando na lateral-direita, até acontecer o troca-troca entre Flamengo e Fluminense, quando (o goleiro) Renato, Rodrigues Neto e Doval foram para as Laranjeiras e (o goleiro) Roberto, Toninho Baiano e Zé Roberto vieram para a Gávea, e acabei sendo deslocado para a lateral-esquerda pelo treinador Carlos Fromer e fiquei por quase oito anos atuando ali, inclusive, jogando a Copa do Mundo de 82. Sobre o Leandro, eu não sei se teria problema, porque, ou ele seria deslocado, ou então, eu teria que ser. Realmente, jamais passou pela minha cabeça ter que disputar posição com ele, até porque, o Leandro, talvez, tenha sido o maior lateral-direito que a gente tenha visto, com todo respeito ao Carlos Alberto Torres. Eu acho que o Leandro foi mais completo, enquanto o nosso saudoso Carlão, no qual tive o privilégio de jogar ao seu lado em 1977, quando ele veio para o Flamengo, não com lateral, mas como beque central. Mas o Leandro sem dúvida, foi o maior jogador da sua posição e da história do futebol brasileiro.

Quem foi seu melhor treinador?

Não dá para escolher o melhor treinador. Eu tive vários treinadores, como o Joubert, que talvez tenha dado, não só para mim, mas toda a geração do Zico – que subiu um ano mais cedo do que eu para o profissional – a oportunidade de trabalhar muitos fundamentos e nos colocar em melhores condições técnicas, vamos dizer assim, pelos treinamentos que ele nos dava. Um outro treinador importantíssimo na minha carreira, foi o Cláudio Coutinho, que tinha uma visão muito à frente de sua época, vale lembrar o que ele fez com a formação da nossa equipe de 76 a 80, quando deslanchamos e começamos a ganhar todos os títulos possíveis no futebol brasileiro, e para completar ainda tive o Telê, que na seleção brasileira, foi um treinador que conseguiu extrair, o que eu tinha de melhor, seja pela liberdade que dava a cada um de nós atletas, em fazer o nosso melhor dentro das nossas características e pela sua visão de futebol.

Quando entrevistamos o Zico, ele falou que o Botafogo era um time que ele sempre gostava de ganhar em razão das provocações do ex-goleiro Manga, na década de 1960. Quando jogava tinha algum time que gostava de enfrentar?

O Botafogo passou por muito anos, em função dos grandes times que teve na década de 1960, a massacrar o Flamengo. Havia uma faixa que eles levavam, que era na verdade um pano branco, no qual estava escrito: ‘VO6’, numa clara alusão à goleada que o Botafogo deu no Flamengo, no dia 15 de novembro de 1972, no 77° aniversário do clube, um verdadeiro presente de grego. Não bastasse isso, ainda vinha o (goleiro) Manga e aquelas brincadeiras de que comprava a feira antecipada na sexta-feira, porque no domingo ia jogar contra o Flamengo. É lógico, que isso era uma forma de motivação para eles e para nós e quando tivemos a oportunidade de devolver essa goleada, nós devolvemos. A partir daquele ano de 81, aquele pano branco escrito ‘VO6’ sumiu e depois, em 85, o Flamengo deu outra goleada por 6 a 1, mas eu já não estava mais e jogava na Itália. Mas na minha opinião, a grande rivalidade era com o Vasco nessa época e não o Botafogo, até porque o Glorioso não tinha grandes times, tanto que ficou um bom tempo sem ganhar um campeonato carioca e foi onde o Flamengo reinou.

Grandes jogadores do futebol nacional e internacional sofreram com contusões ao longo da carreira. Aqui tivemos como exemplo, Leandro e Zico, seus companheiros de Flamengo, que sofreram muito com cirurgias em seus joelhos e lá fora, o holandês Van Basten, com seus tornozelos. O que você atribui não ter passado por isso em 20 anos como atleta profissional?

A minha grande vantagem em relação aos meus companheiros de profissão, foi ter jogado sem apresentar contusões sérias. Tive uma torçãozinha aqui, uma pancada ali e isso, acredito eu, foi por ter tido uma formação física nas areias, onde comecei jogando com oito anos de idade. Então, meus joelhos, tornozelos, articulações, devem ter se fortalecido, e teve até um estudo feito pelo Dr. Giuseppe Taranto na época, no qual foram fazer uma reportagem sobre a minha carreira e os repórteres queriam saber sobre o fato em ter jogado tantos anos sem contusões, e o Dr.Taranto tinha a certeza que foi em função de ter jogado futebol de areia desde pequeno. E graças a Deus, isso me ajudou a jogar profissionalmente. 

Segundo o ‘Almanaque do Flamengo’, de Clóvis Martins e Roberto Assaf, foram 857 jogos, 492 vitórias, 210 empates e 155 derrotas, com 73 gols marcados. São números expressivos, não é mesmo?

Verdade. É, sou recordista de jogos do Flamengo, né? Uns dizem que são 857, outros afirmam que são 876, mas o mais importante é saber que dificilmente essa marca vai ser batida, porque a minha vida toda foi dentro do clube. Infelizmente, hoje é difícil isso acontecer, pois os jogadores trocam de clube a toda hora e na nossa época não existia muito disso.

Qual foi o título inesquecível e o jogo mais importante nessa sua trajetória no Mais Querido?

São muitos títulos e jogos disputados com a camisa do Flamengo, porém, a decisão do Mundial Interclubes contra o Liverpool em 1981 e o primeiro jogo da decisão do Campeonato Brasileiro em 1992 contra o Botafogo, vencido por nós por 3 a 0, foram os mais importantes e que eu, particularmente, tenho um carinho especial por eles.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que esse esporte representou para o Júnior?

O 19 de julho para a gente foi e sempre será um dia de comemoração. E esse esporte é a minha vida, onde eu entrei com 17, 18 anos e fui até meus 39 jogando profissionalmente.

E o Beach Soccer?

Tive a oportunidade, o prazer e o privilégio de jogar na areia, no Beach Soccer de 1993 a 2001. Foram oito anos se divertindo, em um esporte que estava começando e a gente conseguiu dar um impulso grande. Particularmente falando, tenho o maior orgulho em ter começado aqui no país esse esporte que se tornou profissional. 

Ser campeão do mundo com a camisa da seleção, seria a cereja do bolo numa carreira tão vitoriosa como a sua?

É lógico, que uma Copa do Mundo é importante na carreira de todo jogador de futebol. Infelizmente, a gente não teve essa sorte, mas acho que a minha geração deixou um legado dentro do futebol brasileiro. Eu por exemplo, fui comprado pelo Torino-ITA, exatamente pelas minhas atuações dentro da seleção brasileira no Mundial de 1982, na Espanha. Se tivesse vencido, é lógico, seria a cereja do bolo de uma carreira em que, afirmo, não posso me lamentar por tudo aquilo que aconteceu em mais de vinte anos como profissional.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Saudades mesmo eu sinto do clima, da atmosfera, do ambiente do futebol. Foram muitos amigos, vitórias, conquistas, e tudo vivido no Flamengo dos anos 80 e depois em 1992 com a garotada extremamente talentosa, como Marcelinho, Júnior Baiano, Marquinhos, Rogério, Nélio, Piá. Foi essa rapaziada toda que me deu uma sustentação muito boa para que eu pudesse prolongar minha carreira. Para você ver, eu voltei com a intenção de jogar um ano, e joguei por mais cinco, voltando inclusive à seleção. Sou muito grato a essa molecada!

Ter retornado ao Brasil, mais uma vez para vestir a camisa do Flamengo, em 1989, foi uma decisão tomada para realizar o sonho do seu filho Rodrigo ou realmente era hora de voltar?

Quando eu voltei em 1989, foi muito mais em função do pedido do meu filho Rodrigo,  que vendo um vídeo cassete que o Zico me deu de presente com os gols dele me perguntou: “Pai, quando eu vou te ver jogando no Maracanã?”. Então,  desde 84 na Itália, achei que era o momento de voltar, apesar de ter um convite para continuar no futebol italiano. Acho que foi uma das coisas, ou melhor, um dos grandes acertos que fiz no que se refere ao tomar uma decisão. Na verdade, não somente pude dar essa possibilidade dele me ver jogar no Maracanã, mas com conquistas importantes como a Copa do Brasil em 1990, Campeonato Carioca em 91 e o Brasileiro em 92, inclusive voltando para a seleção brasileira, aos 38 anos. 


Você comandou o jovem time da Gávea, que tinha Júnior Baiano, Nélio, Marquinhos, Fabinho, Paulo Nunes, Marcelinho, entre outros, no título Brasileiro de 1992. À época, você era o meio-campista da equipe comandada pelo técnico Carlinhos e que derrotou o Botafogo nas finais. Como foi ser o único remanescente do Flamengo de 81 e conviver com aquela garotada?

Essa foi uma conquista das mais importantes na minha carreira, tendo Carlinhos como treinador, no Campeonato Brasileiro de 1992. Vale ressaltar, que aquele grupo conseguiu superar uma série de problemas. Aquela garotada foi como um elixir da juventude, porque eu pude conviver com eles por quatro anos e eles me dando muitas forças, ouvindo meus conselhos, no qual ia contando muitas histórias do que vivi e do que eles estavam por viver em suas carreiras. Foi muito legal e um momento muito especial de verdade, não só para mim, mas para eles também, acredito. 

Você já foi diretor de futebol do Flamengo em 2004. Pensa em algum dia em se tornar presidente do clube?

Quando se é pelo Flamengo nunca se é convidado e sim convocado, e na verdade, eu não queria ser treinador. A minha ideia sempre era fazer um trabalho da direção do futebol como aconteceu em 2004, em um período difícil em relação a recursos financeiros, pois o Flamengo passava um momento muito difícil. Mas independente disso tudo, a gente conseguiu ser campeão Carioca tendo o Abel como treinador, chegamos à final da Copa do Brasil, mas infelizmente perdendo em casa para o Santo André. No entanto, conseguimos permanecer na primeira divisão do Brasileiro, que era o nosso desafio. E mesmo com tudo desfavorável, conseguimos, repito, ter um ano satisfatório, apesar dos poucos recursos.  

Primeiro você foi chamado de Capacete e anos depois de Maestro. Como surgiram esses apelidos?

Quem me colocou o apelido de Capacete, foi o Reinaldo, aquele ponta-direita que veio do América para o Flamengo. Em função do meu cabelo, ele dizia que parecia um Capacete, mas não era pejorativo e sim um apelido carinhoso. Inclusive, é bom que se diga, eu jamais fiquei na bronca com isso e brinco sempre no que se refere a apelidos, de quem tem o nome de Leovegildo, não sofre nenhum problema com isso. Posteriormente, já no final de carreira, o (radialista) garotinho José Carlos Araújo, me chamou de Maestro, dizendo que eu regia o meio-campo e ficou esse apelido. E quem mais fez solidificar esse apelido Maestro foi o meu amigo e narrador Luís Roberto, que durante as transmissões começou a me chamar de Maestro e hoje, isso foi aclopado, vamos dizer assim, ao meu nome. 

Jorge Jesus saiu do Flamengo com números extraordinários, títulos, recordes quebrados e deu ao clube uma Libertadores que há 38 anos o torcedor rubro-negro não comemorava. Na sua opinião, quais foram os méritos do treinador português à frente do ‘Mais Querido’?

Jesus conseguiu fazer um trabalho excepcional em todos os sentidos. Primeiro, pela questão do tempo, porque o que ele conseguiu em seis meses, dificilmente vai acontecer com outro treinador, um trabalho tão vitorioso e jogando um futebol em que até os próprios adversários admiravam. Portanto, de junho de 2019 a dezembro do mesmo ano, o Flamengo jogou um futebol encantador a ponto de conquistar uma Libertadores e fazer uma partida de igual para igual contra o Liverpool na decisão do Mundial. O legado de Jorge Jesus foi para o futebol brasileiro e não apenas para o Flamengo, que fez com que os outros treinadores revissem seus conceitos em termos de futebol. Sinceramente falando, dificilmente vai acontecer com um outro treinador conseguir fazer um trabalho assim tão bom em tão pouco tempo como ele conseguiu.  

Quem foi melhor na sua opinião: o Flamengo de 1981 ou o de 2019?

Acho que não dá para comparar. O time de 1981, reinou por anos e conquistou muitos títulos, como três Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial. Mas admito que o time de 2019 jogou um futebol parecido com aquele nosso, mas o time de 1981, ganhou tudo e por muito tempo. Acho que essa é a diferença entre essas duas equipes.

Você recentemente se tornou vovô do pequeno João. Já começou a contar suas histórias para contar para o netinho?

Ele ainda é pequeno ainda, João Henrique tem somente 2 anos, mas a gente já começa a contar as histórias da carreira e de tudo isso que aconteceu. Quando ele estiver maiorzinho, ele vai gostar mais ainda (risos).

Faltou algo na sua carreira?

De forma alguma. Muito pelo contrário, só tenho a agradecer, porque joguei por mais de vinte anos, com grandes conquistas, com grandes experiências no Flamengo, Seleção Brasileira, Torino-ITA, Pescara-ITA, e não posso reclamar. Apenas agradeço por tudo o que aconteceu na minha carreira.


Sabemos que você tem duas paixões: o seu projeto social ‘Samba da Sopa’, que em virtude desse isolamento social está parado, e caricaturas. Queria que falasse um pouco delas.

Verdade. Esse projeto social O Samba da Sopa, no qual a gente consegue se divertir numa roda de samba, mas também ajudando com cestas básicas para várias instituições que precisam. Em agosto agora, completou treze anos desse projeto e temos conseguido fazer coisas legais e arrecadar bastante coisa. Espero que esse projeto não pare nunca, pois é uma satisfação muito grande você ajudar pessoas que precisam de verdade. Já sobre as caricaturas, elas são uma outra paixão, que vem desde pequeno. Sempre gostei de fotos, mas as caricaturas me encantam, porque eu vejo uma arte naqueles que conseguem fazer esses desenhos e que é realmente uma coisa excepcional. A caricatura traduz exatamente a arte dessas pessoas que têm essa capacidade. Amo caricaturas e tenho várias, tem uma inclusive, de um amigo de Torino, que fez na época em que eu estava lá, caricaturando todos os jogadores e a minha que ele retratou foi quase uma fotocópia. Eu adoro, adoro caricatura realmente!

Defina Júnior em uma única palavra?

Eu acho que sou um parceiro, sou um cara que gosto de amizade e de ter meus amigos sempre por perto. Mas se realmente for para me definir em uma única palavra, diria que sou um parceiro.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA GEOVANI


Muitos apaixonados por futebol dizem que ninguém no futebol brasileiro foi capaz de lançar como Gérson, o Canhotinha de Ouro.

E vão além corroborando com a declaração dada pelo tricampeão mundial em 1970, em um canal de televisão: “A medalhinha que o negão (Pelé) carregava no pescoço nos gramados mexicanos, ficava marcada em seu peito. E o responsável por aquela marca fui eu”, diz referindo-se aos milimétricos lançamentos que fazia para o peito do camisa 10 daquela seleção fantástica.

Mas se algum jogador chegou perto nesse quesito entre tantos craques surgidos nos anos de 1980, um deles, pequeno em estatura, exímio cobrador de faltas e pênaltis, habilidoso e dono de uma visão privilegiada dentro das quatro linhas, merece que se estenda um tapete vermelho para que os passos de Geovani Faria da Silva, atualmente com 56 anos, continuem eternizados.

Capixaba, o garoto de 16 anos se destacou tanto no Desportiva Ferroviária-ES que acabou se tornando ídolo da Tiva.

Chegado ao Rio de Janeiro em 1982, viveu os melhores momentos da carreira com a Cruz de Malta no peito e com ela, conseguiu realizar seu maior sonho: vestir a amarelinha da seleção brasileira, onde foi campeão mundial de juniores, em 1983, no Estádio Azteca, no México, e medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul cinco anos depois.

Conhecido carinhosamente como ‘Pequeno Príncipe’, apelido dado pela finada Dulce Rosalina em 1983, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, foi bicampeão carioca em 1987/88, antes de arrumar as malas e buscar a independência financeira no Bologna/ITA e Karlsruher/ALE.

Pequeno, genioso e talentoso com a bola nos pés, sem ela, se transformava a ponto de se agigantar e explodir como fez com experiente zagueiro Edinho, na Copa União em 1987, quando desferiu-lhe socos fazendo com que o eterno ídolo tricolor passasse à noite no hospital e não em casa.

Episódio isolado que não apagaria a brilhante carreira que teve e cheia – com exceção da não ida à Copa do Mundo de 1990 na Itália – de alegrias.

Respeitado e vencedor dentro das quatro linhas, fora delas se tornou exemplo ao vencer a polineuropatia – doença que ataca os nervos e músculos das pernas – em 2012, após ter convivido com a doença por seis anos.

O Museu da Pelada traz como personagem da semana no Vozes da Bola, Geovani, um dos maiores camisa 8 do futebol brasileiro.

por Fabio Lacerda e Marcos Vinicius Cabral

Como começou a carreira?

Eu despontei para o futebol jogando no Desportiva Ferroviária-ES em 1980, onde conquistei ao lado de meus companheiros o bicampeonato capixaba. Graças a Deus, com muito trabalho, fui um dos destaques da equipe e vencemos no mesmo ano os estaduais das categorias juvenil, júnior e profissional. Ainda em 1980, realizamos a melhor participação da história de um clube do Espírito Santo no campeonato brasileiro, ficando entre os 16 melhores times da competição. Após esse ano maravilhoso, menos de dois anos depois, cheguei ao Clube de Regatas Vasco da Gama, quando eu estava com 18 anos. Foi aí que começou a minha história no futebol.

Quem foi a inspiração no futebol para o menino Geovani Faria da Silva?

A grande inspiração que eu tive quando menino foi vendo o futebol capixaba. Foi ali que passei a querer ser jogador de futebol e mais tarde vendo jogos da seleção brasileira na televisão. No entanto, a inspiração me ajudou a ser jogador de futebol profissional, jogador do Vasco e da seleção. Fui movido por essa inspiração e comecei vendo alguns craques jogando, mas foi o Eli, que jogou no Rio Branco-AC, a primeira grande inspiração que tive. Depois, veio a inspiração em querer jogar na seleção brasileira, que era o meu objetivo. Sinceramente falando, eu não tinha nem o desejo de ser jogador em um clube, mas em um dia poder vestir da seleção brasileira, sei que talvez possa parecer muita pretensão falar isso, mas vestir a amarelinha sempre foi o meu objetivo.

Como você encarou a barração do Antônio Lopes para o jogo decisivo contra o Flamengo na final do Campeonato Carioca quando o técnico modificou 50% do time e sagrou-se campeão? Como analisaria a atuação do Ernane no seu lugar?

Ficar chateado a gente fica com a barração, pois eu era titular. O problema é que nós jogamos um jogo contra o Flamengo que não valia nada e o Lopes aproveitou isso e mudou o time quase todo. Eu lembro que o Vasco estava se preparando para a final do campeonato carioca de 82 e eu e vários outros jogadores estávamos como titular. Só que ele (Antônio Lopes) botou um time misto e descansou vários jogador, inclusive eu. O jogo contra o Flamengo seria a fase final que havia ainda o América, e o Lopes colocou um outro time, no qual os caras entraram e jogaram para caramba, inclusive o Ernani por exemplo, entrou e fez gol, jogou uma partidaça e se não estiver enganado foi 3 a 0 ou 3 a 1o resultado dessa partida contra o Flamengo. Então assim, o Lopes não acreditou na atuação daquele time misto entre parênteses, e ia fazer o quê? Acho que ali o nosso treinador usou o bom senso, onde os caras foram bem, se apresentaram bem, jogaram bem, e o Lopes manteve aquele time e ajustou uma peça aqui, outra ali e continuou aquele time para o restante da competição, onde o Vasco acabou sagrando-se campeão. Chateado eu fiquei muito, confesso, mas o time sendo campeão ali, apagou a chateação e ficou tudo bem. Mas que a gente fica chateado em ser barrado, a gente fica, mas não foi o fim do mundo. O Vasco ganhando título era o mais importante.

De onde vem o apelido Pequeno Príncipe?

Vem da vascaína Dulce Rosalina, falecida em 2004, que foi presidente da Torcida Organizada Vascaíno (TOV) e da Pequenos Vascaínos, que ao me ver desembarcar no aeroporto do Rio, lotado de torcedores e da imprensa que aguardavam os campeões mundiais de 83, ela me abraçou, me parabenizou pelos meus seis gols marcados na competição e por ter sido escolhido o melhor jogador, e a Dulce, na euforia, me chamou de ‘Meu Pequeno Príncipe’, na frente de todo mundo. Eu sorri, agradeci o carinho, abracei a causa e gostei, pois pequeno eu sei que sou, agora príncipe foi ela que me intitulou.

O Museu da Pelada gostaria de saber: quem foi seu melhor treinador?

Museu da Pelada, então, vou responder: eu não tive o melhor, eu tive os melhores, como Antônio Lopes que me lançou no profissional do Vasco, o professor Alcir Rodrigues, o Beto Pret que me lançou no profissional na Desportiva Ferroviária-ES, seu Otto Glória e Sebastião Lazaroni, ambos no Vasco também, enfim… o Carlos Alberto Silva na seleção, então, não existe o melhor. Um exemplo é o seu Otto Glória, que me ensinou muito, assim como todos os outros me ensinaram. Mas agora se você perguntasse o treinador que mais pegou no meu pé na carreira, eu te responderia de imediato: o Antônio Lopes! (Risos). Mas ele me ajudou muito, me deu muita força e me fez aprimorar em algumas coisas que eu precisava para me destacar no futebol brasileiro.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Geovani?

Representou muita coisa, ou seja, tudo na minha vida. Se não fosse o futebol ter sido inventado, talvez hoje eu não seria um cara feliz por ter sido jogador.


Você, em 1986, sentiu que poderia ter ido à Copa depois de ser o craque do Mundial de Juniores em 1983 e ter feito uma grande temporada em 1984 com o Vasco no Brasileiro? E na Copa de 90, poderia ter jogado uma vez que estava na Itália pelo Bologna?

Eu acho que eu fiquei fora da Copa do Mundo do México, em 1986, mais por relaxamento. É aquele caso que todo jogador de futebol passa, a famosa mosca azul e quando ela pica, você acha que é o melhor jogador do mundo, aí você acaba treinando pouco, se dedicando menos, achando que sabe demais e coisas do tipo. O futebol é a única profissão no mundo onde você não pode se achar e quando isso ocorre é sinal que você já se perdeu e aí é que você cai do cavalo, erra tudo, até debaixo do gol você chuta para fora ou por cima do travessão. No futebol isso é normal de acontecer e é tido como a tradicional marra, onde você se torna um jogador mascarado. Eu acho que nesse caso específico da Copa do México, a culpa foi totalmente minha de não ter seguido na seleção. O curioso é que fui convocado em 85, onde poderia ter seguido e disputado a Copa do Mundo de 1986, mas eu relaxei muito, tanto que depois desse meu start inicial pós Copa de 86, eu comecei a subir de produção e voltei a vestir a amarelinha de novo. Só não disputei a Copa de 1990, que foi outro caso, mas aí depois de 86 em que eu fiquei de fora da Copa, pode ver que 87 foi um ano brilhante, assim como foram os anos de 88 e 89, quando fui jogar na Itália.

Até hoje, pouco se sabe o que aconteceu naquele Flamengo e Vasco, na Copa União de 1987, onde você desferiu socos no rosto do zagueiro Edinho. O Museu da Pelada quer saber de fato o que aconteceu?

O que aconteceu no episódio de 87 com o Edinho, foi que ele me deu várias cotoveladas sem eu fazer nada com ele. Lembro perfeitamente do lance como se fosse hoje, eu fiquei atrás dele dando o combate, ele protegeu a bola e me desferiu uma cotovelada que acabou quebrando dois dentes. Naquela época quebrar dois dentes na raiz era complicado e eu ia ficar sem dente, né? E aí acabou o primeiro tempo, nervoso, eu fui para o vestiário e na saída do campo numa entrevista com Deni Menezes, da Rádio Globo, eu falei que o Edinho havia quebrado dois dentes meus e que pegaria ele no segundo tempo. Aí o Deni, que era um repórter esportivo maravilhoso, repercutiu isso na transmissão do jogo e voltamos para o segundo tempo, já com a cabeça fria, ânimos controlados, havia conversado com Sebastião Lazaroni, nosso treinador à época, e até esquecido da agressão sofrida. No primeiro lance que nos encontramos, ele me deu outra cotovelada, lá pelos 20 minutos de jogo, aí o sangue subiu e não resisti. Mas é bom afirmar, pois não tive até hoje a oportunidade de explicar o lance, já que você mesmo ressaltou na pergunta que se passaram 33 anos desse episódio, onde eu não dei vários socos, eu dei um soco só, porque ele havia me dado uma cotovelada no primeiro tempo que arrebentou meus dentes e no segundo deu outra cotovelada, aí, confesso que fiquei nervoso e revidei. No lance, ninguém havia visto, só um repórter da (extinta) Rede Manchete que viu e falou para o bandeirinha e ele sem ver, levantou a bandeira, chamou o árbitro e este se prevalecendo de sua autoridade me expulsou. Lamento que ele (Edinho) tenha saído com afundamento de maxilar, mas poxa, eu não ia agredir um cara se ele não tivesse feito algo. Desde o começo do jogo até o segundo tempo eu vinha sofrendo com o jogo duro dos jogadores do Flamengo e foi a maneira que encontrei para me defender.

Passados 33 anos, vocês fizeram as pazes? Já se reencontraram alguma vez depois disso?

Sim, nos reencontramos algumas vezes. Já tive com o Edinho depois disso, conversamos, falei para ele que eu errei e ele sabe que também errou e por isso está tudo tranquilo entre a gente. Mas nesse episódio o que mais me irritou nem foi os dentes quebrados, mas sim o fato de saber que o Edinho não precisava fazer aquilo, pois ele está, na minha opinião, incluído entre os melhores zagueiros do mundo e não apenas do Brasil. Mas foi isso, ele não precisava usar da violência para me intimidar naquele jogo, e isso me deixou triste. Mas graças a Deus, hoje não tem nada e está tudo tranquilo entre a gente.


Sua ausência na final das Olimpíadas de 1988 é sinalizada como um fator determinante para a derrota para a antiga URSS. O que o Brasil deveria ter feito em Seul para ter conquistado a medalha de ouro que veio acontecer 28 anos depois no Rio?

Eu estava numa fase muito boa e era até capitão da seleção brasileira, e fiquei fora da final porque tomei um cartão amarelo contra Alemanha. Eu acho que a gente fica chateado por não ter jogado essa final, mas a gente estava em um time incerto, tipo: “Ah, foi porque eu não joguei mas o Ademir, que era bom jogador, também não jogou, entende?”. O time mudou muito, praticamente quase toda sua estrutura e aí quando muda a estrutura, queira ou não queira, tem uma queda e infelizmente essa queda ocorreu na final. Eu lembro que acabei ficando de fora e o Brasil perdeu, mas eu acho que se tivesse em campo jogando poderia ter perdido também. Isso é muito relativo. Mas isso a gente sabe, né? Mas te confesso que fiquei muito triste em não ter jogado a final da Olimpíada, onde ficamos com a medalha de prata.

Você acha que poderia ter tido mais oportunidades na seleção brasileira?

Eu acho até que joguei bastante na seleção, não sei o número exato, mas eu participei de vários jogos. O que faltou de fato foi ter jogado a Copa do Mundo de 1990, a de 1986, eu também poderia ter ido se tivesse me dedicado um pouco mais, mas tive um relaxamento, e eu poderia ter disputado, pois vários jogadores que foram, eram da minha faixa etária. Mas com exceção de 1990, não faltou não, foi o suficiente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou encarando esse desafio como todos os outros já enfrentados na vida. Esse vírus nos mostra que ninguém é melhor do que ninguém e todos estão sujeitos a pegá-lo. Portanto, mais uma vez a humanidade está aprendendo a se reeducar, tornar-se mais humilde e esquecer um pouco a arrogância em se achar o máximo porque tem um pouco mais do que o outro. Nessas horas, ou melhor, nesse momento que enfrentamos o covid-19, não tem quem tem mais ou quem tem menos, ou seja, todo mundo tá sujeito a ser infectado. Por isso, espero que todos se cuidem e redobrem o álcool em gel, o uso das máscaras, e os itens necessários de acordo com que nos é recomendado pelos órgãos de saúde do país.

Geovani, você se notabilizou pela habilidade, técnica, e pelas cobranças de pênaltis. Como era ser o cobrador oficial do time quando seus companheiros eram exímios craques e ótimos cobradores também?

Eu já havia jogado no profissional em 82 no Vasco, onde fui campeão carioca e em 83, no Mundial de juniores no México, nós conquistamos o título que veio a ser inédito até então. Inclusive nessa competição, eu posso afirmar sem arrogância alguma, joguei muita bola, tanto que fui eleito o melhor jogador, marquei seis gols, coisa que eu não era muito de fazer e acabei me tornando cobrador de pênaltis em virtude do Gilmar Popoca não ter jogado contra os Países Baixos (atual Holanda), de Van Basten. Me tornei cobrador do time e tive a felicidade de ir batendo e marcando os gols. Mas na minha visão, não existe isso do craque do time ter que ser o cobrador de pênaltis, e sim o que treina melhor, às vezes o cara é craque numa coisa e não treina algum fundamento do futebol, com faltas e pênaltis, por exemplo. Eu tive a felicidade de jogar com grandes jogadores, que Inclusive eram excelentes cobradores de falta e pênaltis, mas não tinham a tranquilidade para cobrar. Eu treinei muito para ser cobrador de pênalti e falta, eu treinava demais. O que eu quero dizer é que nesses dois fundamentos, eu era muito bem trabalhado. Por isso, te digo com muita tranquilidade e serenidade que não existe ser o melhor ou o pior, mas sim o que treina mais e o treinador está vendo isso no dia a dia do clube. Já vi jogadores menos habilidosos baterem pênaltis melhor do que os que tinham mais habilidade, que eram os mais famosos do time ou eram os melhores.


Sua saída para o Bologna-ITA não permitiu que você ficasse no plantel que disputou o Campeonato Brasileiro de 1989. Se pudesse voltar no tempo, você deixaria de ir para a Itália para ser campeão Brasileiro em 1989?

Eu saí no momento que acabou a Copa América e as eliminatórias. Eu já havia sido vendido, então, tinha que ir, mas se você olhar e ver o que que o Vasco fez com o dinheiro da minha venda? Não é bom nem falar de dinheiro sobre isso pois o Vasco me vendeu muito caro na época. Depois disso, o clube contratou vários jogadores e se não me engano a contratação do Bebeto tá incluído na minha venda para Itália. Eu acredito que alguma coisa sobrou para contratar jogador, e não tinha como eu não ir, pois atravessava uma grande fase e estava indo jogar na Itália, que era o mercador em ascensão e todo mundo indo para lá, a ponto de ter dois estrangeiros e depois abriu para três em cada time, onde cheguei como o segundo estrangeiro. Depois disso, todos os times conseguiram contratar três estrangeiros, pois o futebol italiano era tão valorizado que todo jogador queria ir para lá e para você ter uma ideia de como era o negócio, a TV passava um jogo para cada final de semana, esse era o futebol italiano que todo mundo queria jogar. Eu tive propostas até da Espanha, mas o objetivo era jogar na Itália. Atualmente, o campeonato inglês e o espanhol cresceram muito, mas naquela época o campeonato italiano era o principal. É uma pena ter saído no ano do título do Vasco, mas a proposta era irrecusável.

Como foi a experiência na Alemanha em 1991, quando jogou com Oliver Kahn, no Karlsruher-ALE?

Quando fala do Karlsruher-ALE que eu joguei e que jogava o Oliver Kahn, as pessoas pensam que era um time pequeno. Mas afirmo: não era! O Karlsruher-ALE era um time fortíssimo e, para vocês do Museu da Pelada terem noção, o Oliver Kahn era reserva nesse time. Se você olhar na história do futebol alemão, procure saber quem é Mehmet Scholl, que era Karlsruher-ALE e foi comprado pelo Bayern de Munique-ALE, porque a maioria dos jogadores que era do Karlsruher-ALE ia parar no Bayern de Munique. O meu objetivo era esse, conhecer o futebol alemão e a minha saída do Bologna-ITA foi por não ter chances de jogar, pois o treinador que chegou ia trazer outros estrangeiros. No Bologna-ITA, fomos à Copa dos Campeões. Percebi que havia chegado um novo treinador e com a chegada de outros estrangeiros, o nosso técnico acabou indo para o Juventus-ITA e levou vários jogadores. Em virtude disso, ou seja, da saída do nosso treinador, com a chegada de um outro e com vários estrangeiros, não restou outra coisa fazer. Aí, fui jogar na Alemanha, onde o grande Oliver Kahn era reserva.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Todo jogador sente falta de alguma coisa depois que para de jogar profissionalmente. Mas o que mais eu sinto saudades, seja no futebol profissional ou amador, são aquelas conversas antes no jogo, a resenha de chegar no vestiário depois do jogo ganhando ou perdendo, dá saudades. Eu confesso, que sinto uma falta enorme disso, das conversas, das brincadeiras, da relação com meus companheiros de time, esse é o ambiente que me dá um enorme saudade.

Em 1994, você saiu do Vasco e deixou de fazer parte do histórico time Tricampeão Carioca. O que houve à época para sua saída já que vinha de um bicampeonato, assim como foi em 1987/88?

A saída foi porque eu tinha 50% do meu passe e o lado financeiro falou alto nessa hora. Verdade, eu poderia ter sido tricampeão, pois eu estava nesse time e aí acabei indo jogar no Tigres-MEX, mas fiz um bom contrato, no qual eu passei a ter direito do valor dos 15% também na minha venda. Neste caso, nessa transação toda, fui jogar no time mexicano e admito que valeu muito a pena, não só pelo lado financeiro mas também pela experiência de jogar em um país maravilhoso como o México.

Geovani, como todo craque, há sempre uma frustração na carreira. Qual foi a sua?

Tive poucas tristezas na carreira, mas frustração mesmo, só a de não ter ido à Copa do Mundo da Itália, em 1990, pois era o meu grande momento na carreira. Se eu falar para você que não, estaria mentindo se faltou alguma coisa na minha carreira, eu posso dizer para você que não, mas de repente no meu íntimo não vou achar isso. Eu achei, e não é apenas o Geovani que acha isso, mas vários jornalistas, treinadores, que eu poderia muito bem jogar a Copa de 90. Seria titular? Não sei. Mas sei que poderia ter ido, sem dúvida, esse é a única coisa que eu acho que eu poderia ter participado. Mas de qualquer forma, mesmo assim agradeço a Deus, eu fui além do que eu até merecia, não sei, mas Deus sabe de todas as coisas.

Defina Geovani em uma única palavra?

Abençoado por Deus. Mas se você me permite eu vou me alongar e explicar o porquê sou abençoado. Na infância, eu tive um problema nas pernas e me recuperei, por isso já é um milagre. Costumo dizer que sou abençoado, pois eu nasci com as pernas muito tortas, andava de maneira bem arcada e com os dois joelhos para fora, foi aí que tiveram que quebrar minhas pernas com alguns meses de vida, quase um aninho de idade, e engessar com uma bota para eu poder andar novamente. O pediatra falou para os meus pais que se eu andasse já estaria bom. Aí você volta andar, tem uma vida normal, não tem mais problema algum e chega a jogar futebol em um grande clube como o Vasco da Gama, e chega à seleção brasileira, que é o sonho de todo jogador, então, já é um milagre de Deus. Por isso, sou abençoado.