Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Marcos Vinicius Cabral

GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA

por Marcos Vinicius Cabral


O Vasco da Gama vai disputar pela quinta vez a série B do Campeonato Brasileiro de 2022. A primeira queda foi em 2008, a segunda em 2013, terceira em 2015, em 2020 a quarta e neste ano de 2021 não conseguiu acesso. Mas o clube tem provado ao longo de sua história, que mesmo assim é diferente.

De pequeno ou médio, não tem nada, pois é GIGANTE na acepção da palavra. Definitivamente é.

Dos muros imponentes à fachada neocolonial portuguesa da sede, o Estádio de São Januário foi erguido em 1927 com a força braçal e o suor de muitos operários vascaínos.

Não é de se estranhar que, passados 94 anos, o GIGANTE da Colina, de muitas histórias, inúmeros títulos e grandes ídolos, se mobilize e conte mais uma vez com o apoio de sua imensa torcida.

Só ela pode ajudar. E ela responde.

Com um elenco limitadíssimo, uma folha salarial modesta e um planejamento de sair da série B, o Vasco hoje é uma dor que não desatina na alma e faz um estrago enorme do coração não só vascaíno, mas no do carioca.

Ser vascaíno dói, mas não ter um adversário à altura para disputar pau a pau as decisões de Campeonatos Cariocas como no passado, clássicos equilibrados nos Campeonatos Brasileiros da vida, dói mais ainda.

O torcedor do Club de Regatas Vasco da Gama foi o que ajudou na construção do novo CT e na estátua de Roberto Dinamite, maior jogador da história do Cruzmaltino e fez despertar um GIGANTE adormecido e preso pelas algemas do passado.

E esse despertar fez o clube de 123 anos, dar um salto que representou a maior adesão em massa a um programa de sócio-torcedor na história desse país, quando surgiu o programa na gestão de Fernando Carvalho, então presidente do Internacional, clube pioneiro nesta forma de contribuição em 2003.

Isso mostra o resgate do orgulho do vascaíno e, principalmente, demonstra para o mercado o potencial de mobilização, engajamento e impacto que só uma grande torcida como a do Vasco da Gama tem, que com seus 57.368 torcedores ocupa a 5ª colocação, ficando atrás dos 66.336 rubro-negros, 64 mil gremistas, 73.241 atleticanos e 75 mil torcedores do Internacional, líder.

Clube produtor de talentos como Barbosa, Acácio, Carlos Germano, Bellini, Ademir Menezes, Roberto Dinamite, Romário, Edmundo, Bismarck, Mazinho, Sorato, Felipe, Pedrinho, Philippe Coutinho e tantos outros, é preciso respirar ares menos poluídos que gestões passadas respiraram e olhar com seriedade para o futuro.

Nesta quarta-feira (1º), Ricardo Gomes disse não para o cargo de diretor-técnico, e é quase certo que o treinador seja o já conhecido Zé Ricardo, segundo palavras do mandatário do clube Jorge Salgado.

Mas desejo que o Vascão volte a ser o time temido pelos adversários e respeitado dentro de campo. A história não nos permite aceitar o encolhimento deste GIGANTE.

Afinal de contas, o Vasco merece estar na parte de cima da prateleira dos maiores clubes de futebol do mundo.

LONGE DO TRI

por Marcos Vinicius Cabral


“Grandes clubes, há vários; diferenciado, apenas um. O espírito em sincronia de uma multidão dá a estas cores a dimensão diferente que ela tem. O povo, rico ou pobre, preto ou branco, religioso ou ateu, carioca ou não, dá vida própria a estas cores. Dá-lhe alma. Dá-lhe espírito”, afirmou Ruy Castro em sua obra O Vermelho e o Negro.

Mas “O Flamengo é o cimento que dá coesão nacional, do Oiapoque ao Chuí.”

“Suas cores materializam e encarnam a máxima de Nelson Rodrigues de que o futebol, e só ele, faz com que um sujeito perca qualquer sentimento de sua própria identidade e torne-se também multidão”, trecho do livro 1981 – o ano rubro-negro, de Eduardo Monsanto, na página 267.

Quando Victor Merello, meia do Cobreloa, ajeitou a bola e se preparou para bater aquela falta, olhei atento para a TV, abracei meu tio Baiano (apelido de José Cláudio) e virei o rosto para não ver a cobrança.

Não adiantou muito, pois Leandro tentou desviar de cabeça o chute forte do camisa 8 e acabou enganando o velho Raul.

Era 20 de novembro de 1981, no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, quando o gol saiu aos 39 minutos do segundo tempo e o presságio vivo até hoje de Luciano do Valle narrando não sai da minha cabeça.

Noite triste para mim, que garoto de 7 para 8 anos, vi alguns jogos daquela campanha do time de Zico & Cia. em Nova Friburgo, onde nasci e costumava passar férias escolares.

Três dias depois, o Galinho de Quintino por duas vezes garantiu em Montevidéu, o título.

Todavia, Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico, formaram por 38 anos uma fábula tão bem contada para minha infância como foram os livros O Meu Pé de Laranja Lima (1968), de José Mauro de Vasconcelos, Uma Ideia Toda Azul (1979), de Marina Colasanti e Bisa Bia, Bisa Bel (1981), de Ana Maria Machado.


Já a natureza do termo Flamengo de 81, costumeiramente utilizado para se referir ao maior time da história do clube, tornou-se algo messiânico à medida que a torcida foi se multiplicando e gerações vindo e ouvindo de pais, tios e avós, os feitos daquele Flamengo em 21 dias, que conquistou a Libertadores, o Campeonato Carioca e o Mundial.

Mas os onze, juntos, só entraram em campo em quatro oportunidades: três vezes em 1981, nos 5 a 1 no Volta Redonda em novembro de 1981, na derrota por 2 a 0 para o Vasco de Roberto Dinamite, no mesmo mês, nos 3 a 0 no Liverpool em dezembro e nos 3 a 2 no São Paulo em fevereiro de 1982.

No entanto, em 2019, ou seja, 38 anos depois, aquele menino, então com 45, se transformou em um artista plástico, jornalista, marido de Raquel e pai de Gabrielle, enquanto o Baiano, 58, foi pai de Maicon (falecido esse ano em 2021), avô de Manoela e mora em São Gonçalo com a minha mãe Nelcina (irmã dele), e o Flamengo…

Ah, o Flamengo… a equipe carioca que teve um ano ma-ra-vi-lho-so de 2019, com Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Everton Ribeiro e Arrascaeta; Bruno Henrique e Gabriel Barbosa, por mais que esteja na memória do torcedor, ela foi a campo junta pela sexta vez e já ultrapassou o esquadrão de Zico & Cia.

Vejamos: Flamengo 3 a 0 sobre o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro), 1 a 0 no Santos, o 3 a 1 contra o Internacional, os dois enfrentamentos contra o Grêmio na Libertadores no empate em 1 a 1 e a goleada de 5 a 0 e mais um recorde quebrado.

Outro feito tentado pelo Flamengo de 2019 foi igualar o Santos de Pelé, que foi o único clube que levou no mesmo ano, o Campeonato Brasileiro (naquela época, o torneio nacional era chamado de Taça Brasil), Libertadores e Mundial. Faltou o Mundial.


Passados 38 anos, muitas coisas mudaram e o Mais Querido foi rejunevecido e apesar de ter passado quase quatro décadas, o tempo foi um santo remédio para todo torcedor que esperar mais tarde gritar: “éééééééé campeeeãããããoooo!!!

E foi.

Neste sábado (27), assim, a Nação Rubro-Negra aguarda ansiosamente para tentar o tricampeonato da Libertadores.

Eu e meu tio Baiano, não acreditamos nesse Flamengo comandado por Renato Gaucho.

Mas confesso que vai ser complicado enfrentar dois adversários dificílimos: o Palmeiras, que dentro de campo requer atenção, e o frasista “A gente joga a cada três dias”, “Cada jogo é uma decisão para o Flamengo”, “Quem muito quer, pouco tem”, que com suas invencionices, não consiga tornar o sonho do tri em pesadelo.

Que seja o que Deus quiser. Mas se Ele não quiser, que percamos jogando bola e de cabeça erguida.

E de vergonha, o Flamengo de Renato é expert nesse Campeonato Brasileiro de 2021.

A mim e a meu tio, nos restam apenas a certeza de que 1981 e 2019 foram maravilhosos e difíceis de serem esquecidos.

O Flamengo de 2021… ora, bolas, vamos para o jogo”.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA PEPE


“Mais santista de todos os santistas”. Era uma segunda-feira de Carnaval quando José Macia veio ao mundo naquele 25 de fevereiro de 1935, na cidade de Santos. Muito antes de tornar-se ídolo da torcida alvinegra praiana, ser considerado o maior ponta-esquerda da história do Santos e vestir o branco emblemático no uniforme do clube da Vila Belmiro em 750 partidas e 403 gols marcados, Pepe se tornou o segundo maior artilheiro da história do clube. Mesmo assim, enfrentou intempéries para ser jogador de futebol.

Convencer o pai, conhecido como ‘Espanhol’, a deixá-lo mostrar seu potencial jogando futebol, foi uma das maiores marcações cerradas que o ponta-esquerda eterno do Peixe sofreu. Suplicou ao pai para deixá-lo fazer o que mais amava na vida: jogar futebol e mostrar seu dom. Driblar o preconceito social à época e a fungada no cangote de uma marcação homem a homem do pai pode ser considerada uma das grandes jogadas da vida dele.

Mas Pepe estava certo e fez dos números, argumentos, que confirmariam a certeza da escolha pelo esporte bretão – viveu as maiores glórias da história dos Santos entre 1954 e 1969. Conquistou 25 títulos, sendo 11 Campeonatos Paulistas, seis Campeonatos Brasileiros, duas Copas Libertadores da América, dois Mundiais Interclubes e quatro Torneios Rio-São Paulo. Isso quer dizer que Pepe tem o feito, a honraria, de ser o jogador com mais títulos por uma única equipe.

Mais números? Na Seleção Brasileira, entrou em campo 40 vezes, anotando 22 gols, e integrou o elenco que ganhou as Copas do Mundo de 1958 e 1962, na Suécia e Chile, respectivamente. Mas antes dos números significativos, realizações profissionais e títulos conquistados, a primeira vez que Pepe, conhecido como o ‘Canhão da Vila’, pela potência do chute, entrou em campo foi vestindo a camisa do São Vicente, time da Baixada Santista, antes de chegar à Vila Belmiro em 1951, estreando na equipe profissional três anos depois. Pepe é o quarto maior artilheiro do futebol brasileiro vestindo apenas uma camisa. Somente Pelé, Roberto Dinamite e Zico balançaram mais as redes adversárias do que ele.

Depois de 20 anos de incômodo jejum de títulos, em 1955, marcou o gol do título do Campeonato Paulista na partida contra o Taubaté, vencido pelo Peixe por 2 a 1, que seria o primeiro de muitos troféus em sua vitoriosa trajetória pelo clube de vários Reis do futebol.

Ademais, na forma mais sublime de quem tem a plena consciência da relevância para o Santos, a perna esquerda de Pepe fala por si só e já se auto-proclamou por diversas vezes como o maior goleador terráqueo do único time que defendeu como atleta profissional: “Eu sou o maior artilheiro da história do Santos, porque o Rei não conta, ele é de outro mundo”, brinca, sorridente, o ex-atacante, referindo-se a Pelé, que balançou as redes 1.091 vezes com a lendária camisa 10 santista.

Entre risadas, lembranças e um show de simpatia de quem tirou tantas histórias empoeiradas pelo tempo, os jornalistas Marcos Vinicius Cabral e Fabio Lacerda, com o toque de categoria de Gisa Macia, também jornalista craque e filha de José Macia, entrevistam mais um craque para o Vozes da Bola.


Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda

Pepe, é verdade que seu pai, mais conhecido por Espanhol, era contra sua carreira de jogador de futebol, já que naquela época a profissão era considerada como reduto de malandros?

Naquela época, jogador de futebol não tinha uma fama muito boa e diziam que muitos deles gostavam de noitadas, bebedeiras e de farras. O passar do tempo fez meu pai enxergar o futebol por meio de outro prisma. Passou a considerar a carreira de jogador tão digna quanto qualquer outra profissão. Eu, como não era favorável a nada que fosse contrário a jogar futebol, queria ser atleta de futebol, mas o meu pai, pela própria rigidez que ele costumava educar os filhos, com carinho é claro, mas com as mãos firmes e fortes, relutou muito.

Como foi sua fase amadora jogando no infantil do Mota Lima Futebol Clube, no juvenil do Comercial Futebol Clube e no Clube Recreativo Continental?

Uma fase muito boa. O Comercial era um time nas cores vermelha e branca, e meu irmão, Mário, foi um dos responsáveis pela fundação deste clube. Havia naquela época uma rivalidade enorme entre Comercial e Vila Melo. Os jogadores, craques de bola, só jogavam descalços, e os jogos eram muito disputados. Certa vez, os diretores destes dois clubes, depois de tanto se enfrentarem e criarem essa grande rivalidade, se reuniram, e ao invés de jogarem um contra o outro, fizeram a fusão e surgiu o Clube Recreativo Continental. Era um bom time. A intenção era enfrentar o Corinthians da Vila Cascatinha e o Paulistano da Vila Toloi.

Como foi o dia 4 de maio de 1951 quando o jovem Pepe, então com 16 anos, pisou pela primeira vez no gramado da Vila Belmiro e ter sido aprovado no teste pelo técnico Salu?

Eu fui levado pelo ‘Cobrinha’, goleiro do Comercial e do Continental, e como ele era o camisa 1 do infantil do Santos, falou com o Salu, treinador. Fui fazer o teste e tive a aprovação. Naquela época, para jogar no profissional, era necessário ter pelo menos 20, 21 anos. Não é como agora que há garotos despontando cada vez mais cedo e lançados aos profissionais de suas respectivas equipes. Então, a gente tinha que fazer um vestibular, que era passar pelo infantil, juvenil, amador, até chegar nos profissionais, a faculdade de todo atleta de futebol. Mas foi em maio de 1951, na Vila Belmiro, não havia Centro de Treinamento. Neste dia eu marquei um gol na baliza de entrada do estádio. Lembro que foi um belo chute de fora da área e fiquei muito feliz em ter pisado no palco sagrado dos craques do Santos. Depois indo embora, o Salu me chamou e disse:”Pepinho, eu vou ficar com você. Traz os seus documentos que eu vou te cadastrar e você será jogador do infantil do Santos”. Poxa, foi um dos dias mais felizes da minha vida!

O senhor pode nos contar como foi sua estreia no dia 23 de maio, partida diante do Fluminense, no Pacaembu, pelo Torneio Rio-São Paulo?

Foi a minha primeira experiência no time do Santos. Eu já vinha me destacando na equipe profissional e na mista, pois naquela época, era comum quatro ou cinco atletas profissionais jogarem também na equipe mista. E aí, teve um treinador italiano que passou um curto período no comando da equipe chamado Guiseppe Ottina, que me viu jogar, gostou e me lançou na equipe profissional contra o Fluminense, no Pacaembu, pelo Torneio Rio-São. Eu, lógico, fiquei extremamente feliz, pois ia enfrentar Castilho, Pinheiro, Pinga, Bigode, Telê Santana, Didi, ou seja, um timaço, e faltando uns 20 minutos para terminar o jogo e eu entrei em campo. Foi assim a minha estreia, algo inesquecível para mim!

Como surgiu o apelido de Canhão da Vila?

Tudo começou na Mota Lima, que era uma rua do bairro de São Vicente, na Região Metropolitana da Baixada, em que morávamos. Nesse bairro, jogávamos em um time que era considerado muito bom. Os jogos eram descalços e o chão era uma areia muito fofa chamada por nós de areião, Era nosso estádio. De cada lado, lógico, bambus representavam as traves e por ter um chute forte, eu vivia derrubando o travessão (risos). Certa vez, deu um chute tão forte, mas tão forte, que o travessão caiu na cabeça do Cobrinha, o mesmo goleiro que me levou para fazer um teste no infantil do Santos. Quando eu calcei as chuteiras e comecei o processo de adaptação e a me habituar com a bola, percebi a força que o meu chute começou a alcançar. Nas equipes de base fiz muitos gols de fora da área e de faltas, que eram o meu forte. Um radialista de Santos chamado Ernani Franco, que tinha uma voz impecável e era muito ouvido, começou a me chamar de Canhão da Vila. Mas o meu chute era muito forte mesmo, e você e os leitores do Vozes da Bola conseguem imaginar a velocidade de um carro a 120 quilômetros por hora? Pois é, era o meu chute! Mas velocidade, drible e chute forte, eram as características que um ponteiro precisava ter para se destacar naquela época. O meu drible era razoável, mas o chute era uma potência que foi aos poucos sendo aprimorado em treinamentos e em muitas conversas com Jair Rosa Pinto. Foi meu companheiro de clube e me ensinou a bater de três dedos na bola. Modéstia à parte, não existe no futebol brasileiro até hoje, jogador que tenha feito mais gols de falta como eu marquei.

Podemos dizer que dentre as partidas importantes em sua carreira, a segunda do Mundial Interclubes de 1963, diante do Milan, no Maracanã, foi a mais marcante?

Sem dúvida. E por vários aspectos. Na Itália, o Santos havia perdido por 4 a 2. Nós, então, tínhamos que reverter esse placar porque era decisão do Mundial de 63 e preferimos jogar no Maracanã por se tratar de um grande estádio e com dimensões maiores do que as dimensões da Vila Belmiro. E se fôssemos jogar no Pacaembu, os corintianos, palmeirenses e são-paulinos iam torcer contra, pois naquela década, o clube não tinha tantos torcedores como têm hoje. Além de enfrentar o excelente time do Milan, tinham os torcedores adversários. Jogar no Rio de Janeiro, se não me engano, partiu do Lula, nosso treinador, que segundo a sua ideia, os torcedores do Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco, torceriam a nosso favor e nos ajudariam a reverter esse placar. Sabíamos que nossa missão não era nada fácil e terminamos o primeiro tempo perdendo por 2 a 0. No intervalo, o nosso treinador deu uma preleção e disse: “Eu acredito em vocês e vamos reverter isso!”. Mas todos do elenco santista sabiam que ganhar aquele jogo era ‘improvável’. O time dos caras era ótimo. E para piorar, uma chuva torrencial caiu no Rio de Janeiro. Mas vou te contar um segredo: foi essa chuva que nos beneficiou, sabia? Eu me aproveitei disso e como chutava muito forte, marquei dois gols de falta no grande goleiro Ghezzi, que foram o primeiro e o quarto, respectivamente, na goleada por 4 a 2 contra o super Milan Ganhamos sem Zito, Pelé e Calvet, que estavam contundidos. E fomos para a terceira partida decisiva, novamente, no Maracanã e vencemos com gol de pênalti do falecido Dalmo, criador da paradinha, nos sagrando bicampeões mundiais. Um ano antes, havíamos vencido o Benfica, que diferente do Milan, era um time que jogava e deixava jogar, com craques como Eusébio, Simões, Torres e etc. Mas vencer o poderoso Milan, equipe forte, com marcação cerrada e jogadores que chegavam duro nas jogadas, teve um sabor especial, sem dúvida! Particularmente, acho que essa vitória é até hoje a maior da história em 109 anos de existência do Santos Futebol Clube por tudo o que aconteceu nestes 270 minutos da decisão.

É verdade que, mesmo, às vezes, sendo caçado em campo por marcadores violentos e maldosos, o senhor jamais foi expulso de campo, e por essa rara disciplina recebeu o troféu Belfort Duarte?

Verdade. Foi um troféu conquistado por disciplina, pois para ganhar essa honraria era necessário não ter sido expulso e eu nunca fui em toda minha carreira. Foram 750 partidas pelo Santos, mais 42 na Seleção Brasileira e nunca recebi um cartão vermelho em toda minha vida como atleta profissional. Mas me orgulho muito de ter recebido este prêmio, pois no futebol brasileiro são três ou quatro jogadores, no máximo, que receberam este troféu. Agora, como treinador é difícil receber este prêmio (risos). Porque você fica muito dependente de jogadores e passa a não depender de si próprio. Mas como treinador eu não ganharia o Belfort Duarte. Na verdade ninguém ganhará! Mas é um prêmio que eu guardo com carinho aqui em casa até hoje. Significou um marco na minha carreira de lealdade, de honestidade, e principalmente, de disciplina.

O senhor foi convocado para as Copas do Mundo de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, mas se machucou nas vésperas das duas Copas e não pode atuar em nenhuma partida nestes dois primeiros títulos mundiais da Seleção Brasileira. Queria que falasse das contusões e se não ter disputado as Copas do Mundo foi a maior tristeza na carreira?

Sim, me machuquei no Santos na véspera da Copa de 58, e quatro anos depois, tive a infelicidade de me machucar também. Um jogo contra o País de Gales. Estava me preparando para ser o titular da seleção, pois os treinadores Vicente Feolla em 1958 e Aymoré Moreira em 1962, gostavam muito de ponteiros ofensivos e jogando no Maracanã senti um estiramento na panturrilha. E por ser uma competição curta, fiz o tratamento à base de gelo e compressa de água quente, considerados remédios da época. No quarto jogo, quando faltavam dois para o término da competição, eu melhorei, mas era um risco jogar dessa forma, pois se o atleta se machucasse, teria que jogar sem um jogador. As substituições eram bem diferentes de hoje em dia. Até mesmo o número de jogadores no banco de reservas era reduzido. Mas o Aymoré Moreira, que adorava o meu futebol, preferiu não correr o risco e manteve a equipe que vinha ganhando com o Zagallo na ponta-esquerda.

“Eu sou o maior artilheiro da história do Santos, porque o Rei Pelé não conta, ele é de outro mundo”, disse o senhor certa vez ao ser questionado sobre os seus 403 gols, o que o torna o segundo maior artilheiro da história do Santos. O que representou ter feito tantos gols com a camisa do Peixe?

Fazer tantos gols em uma equipe apenas é um feito histórico. A gente sabia que o Pelé era o maior jogador de todos os tempos e era o grande artilheiro com seus 1.282 gols. Eu, com meus 403 gols, me sentia extremamente feliz. E quando eu falo disso, o Pelé até ri, mas eu me considero o maior artilheiro do Santos mesmo, pois o Rei não conta (risos). Eu lembro como se fosse hoje quando o Pelé, ainda menino, chegou para fazer teste no Santos. Curiosamente, eu estava nesse dia na Vila Belmiro, e o Waldemar de Brito se virou em minha direção e me apresentou o Pelé: “Pepe, estou trazendo esse garoto para fazer teste aqui no clube e tenho certeza que vocês vão gostar do futebol dele”. O Pelé apertou a minha mão com tanta força que quase quebrou meus dedos. Ele chegou estreando o seu terno azul marinho e calças compridas, e o Lula quando viu aquele menino treinar ficou boquiaberto e profetizou: “Meu Deus, o que é isso? Esse vai ser o maior jogador do Brasil!”. Errou. Pelé se transformou no maior jogador do mundo!

O que o senhor lembra daquele 3 de maio de 1969, diante de um público de 22. 810 espectadores, quando deu adeus à carreira de jogador junto a torcida santista com uma volta olímpica no gramado da Vila Belmiro antes da partida entre Santos e Palmeiras, vencida pelo visitante por 1 a 0?

No Santos, os dirigentes do clube gostavam muito de mim por vários motivos, como nunca ter sido expulso, ter sido um jogador que só deu alegrias à torcida santista, e por ser um atleta disciplinado. Mas o contrato era de um ano e surgiam naquela época, dois pontas-esquerdas de muita categoria que eram o Edu e o Abel. Mas foi emocionante dar a volta olímpica, ser aplaudido de pé pela grande torcida do Santos, e ouvir de muitas pessoas o apelo para não parar de jogar. Mas te confesso, sem arrependimento algum, que foi a decisão certa, pois em seguida me tornei treinador respeitado e com uma carreira vitoriosa no próprio Santos, no São Paulo, Fortaleza, Inter de Limeira, Athletico Paranaense e Verdy Kawasaki, do Japão. Sem contar que uma das maiores alegrias, foi ouvir, certa vez, do renomado treinador Pep Guardiola, que aprendeu muito comigo quando foi meu jogador no Al-Ahli, do Qatar.

Em 1973, o senhor já era treinador e dirigiu a grande equipe que conquistou o título paulista, o seu primeiro como treinador e o último da carreira do Rei Pelé. Como foi viver essas duas emoções em um único ano?

Fomos campeões em 1973 e era o treinador da equipe. Os diretores haviam observado que eu era querido no clube e com um bom relacionamento com todos, desde os faxineiros, passando pelos jogadores e seus torcedores, até a imprensa. Deram-me esta oportunidade e quebramos um longo jejum com a conquista do título. Foi meu primeiro título, e aos 38 anos, mantive-me incentivado pelos desafios que surgiriam dali por diante. E as coisas aconteceram. Poder fazer com que a minha família pudesse, por meio do meu trabalho, conhecer países e culturas diferentes, foi recompensador. Por onde trabalhei, exigia nos meus contratos a presença da minha família por perto.

E o que o senhor tem a dizer sobre o Pelé? Na sua opinião, é o maior jogador de todos os tempos?

Depois que o Pelé nasceu, ‘seu’ Dondinho e ‘dona’ Celeste rasgaram a fórmula do sucesso e nunca vai aparecer um jogador como ele foi. De vez em quando aparece algum bom jogador, não preciso citar nomes aqui, pois foram vários grandes craques surgidos antes e depois do Pelé, mas igual ou superior, nunca vai existir. Pelé era completo. Batia com a perna direita e com a esquerda tendo a mesma precisão, exímio cabeceador, impulsão, chute, velocidade, visão de jogo, sabia fazer lançamentos, gols e dotado de uma categoria inigualável. O mundo conheceu jogadores excepcionais como o Puskás, Eusébio, Di Stéfano, Bobby Charlton, Beckenbauer, Cruyff, Rivellino, Zico, Maradona, mas o Pelé está degraus, eu disse degraus, acima deles todos.

Quando o senhor treinou o Al-Ahli, do Catar, entre 2003 e 2005, orientou o espanhol Pep Guardiola, que se mostrou interessado pela história do Santos bicampeão mundial de 1962/63. O senhor tinha certeza de que o Pep Guardiola se tornaria um ótimo técnico e adepto do futebol ofensivo?

Ele era bem jovem e havia jogado contra o Santos algumas vezes. Percebi o quanto ele jogava bem. Depois, o tempo passou, ele amadureceu mais como jogador e era um cabeça de área que entregava muito bem a bola para os meias criarem as jogadas ofensivas. Certa vez, tomando um chá na companhia do meu filho e do sheik que me perguntou: “Do you want to have Pep Guardiola on your team?” (Quer o Guardiola no seu time?”) Eu respondi: “Can bring it to tomorrow!” (Pode trazer ele para amanhã!). Dito e feito. Na semana seguinte, lá estava ele conosco. Lembro que na apresentação, ele me disse que havia escutado falar de mim e que eu tinha um chute forte e coisa e tal. Começamos a trabalhar e nossa equipe era modesta, sem grandes nomes ou jogadores de seleções. Guardiola se tornou um líder do time. Eu achava curioso que ele era um jogador de meia cancha, um volante de contenção, que jogava à frente dos zagueiros como brilhantemente faziam o Clodoaldo e o Dunga. Mas ele fazia bem essa função e entregava muito bem a bola para os meias criarem as jogadas de perigo do nosso time. Foi um sucesso sua participação na equipe e depois já se tornaria um excelente técnico, sendo considerado o melhor técnico do mundo, sem esquecer que aprendeu muito com meus ensinamentos.

Em 2012, o senhor lançou um livro de memórias, com o título “Bombas de Alegria, meio século de memórias do Canhão da Vila”, no qual conta histórias curiosas do futebol. Sua biografia foi escrita por Gisa Macia, sua filha, formada em jornalismo, não é mesmo?

Fui incentivado pelo José Luiz Tahan, editor da revista Mais Santos, a lançar um livro sobre a minha vida. E assim foi feito, com passagens extremamente curiosas, casos interessantes no futebol, O livro tornou-se um sucesso. E como tenho, graças a Deus, uma memória muito privilegiada, convidei a minha filha e jornalista Gisa Macia para escrever o livro que conta um pouco do que vivi dentro das quatros linhas como atleta profissional e à beira delas como treinador. Confesso que a biografia ficou muito boa, pois a Gisa Macia, além de minha filha, é muito inteligente e muito capaz nas coisas que se propõe a fazer. Foi um projeto bem bacana, onde viajamos bastante para o lançamento do livro e até hoje somos convidados a fazer o relançamento da biografia em determinadas cidades. Onde o Pepe vai, em companhia da sua filha Gisa, é sucesso total (risos). O maior barato disso tudo é que a curiosidade parte mais dos torcedores de outros clubes, e não somente os do Santos.

Como tem enfrentado o isolamento social em razão da Covid-19?

Eu estou com 86 anos e não é apenas em virtude da minha idade, mas é bom evitar riscos. A pandemia requer muito cuidado, e os meus quatro filhos, e a minha esposa, não permitem a minha saída. Mas quando alguns de seus colegas jornalistas querem fazer o trabalho deles comigo, tem que vir aqui em casa e me entrevistar, é lógico que mantemos o distanciamento usando máscaras e álcool em gel a todo momento. Mas sem máscara, nada feito, pois existem alguns irresponsáveis que não utilizam, e eu não largo a minha em hipótese alguma. A CBF mandou três máscaras para os campeões mundiais, e a gente vai usando sempre que pode. Achei uma atitude muito bonita por parte do órgão maior do futebol brasileiro fazer isso em um momento delicado como o que estamos vivemos.

Como o senhor definiria Pepe numa única palavra?

Decisivo. Às vezes, eu não estava em uma boa jornada, era muito vigiado pelos marcadores e encontrava dificuldades dentro de campo. E aí, eu resolvia tudo com um ‘foguete’ de fora da numa distância de 40 metros. O radialista Ernani Franco narrava, deste jeito: “Pepe não estava em um grande dia, mas decidiu a partida com um canhão”.





VOZES DA BOLA: ENTREVISTA RICARDO ROCHA


O ditado ‘a rapadura é doce, mas não é mole!’, alimento este, energeticamente muito rico, que já foi servido a soldados das forças aliadas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, tem seu contraditório de sabedoria. Ao dizer que, apesar de ‘doce’, saborosa, ela tem outro lado, que mostra a consistência do produto traduzida na dureza da vida. Serve como metáfora para deixar claro e evidente que tudo tem dois lados.

Assim foi a infância de Ricardo Roberto Barreto da Rocha, que antes de ser reconhecido como um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro e mundial, encarou muitas provas da rapadura’ no decorrer da vida. No dia 11 de setembro de 1962, três meses após a conquista do bicampeonato mundial, no Chile, era prenúncio que mais um supercampeao, nascido na cidade que ganhou projeção a partir da chegada de Maurício de Nassau, escreveria seu nome no Olimpo do Futebol como seus conterrâneos campeões mundiais vestindo a ‘amarelinha’ – Vavá, Zequinha e Rivaldo.

A começar pelo par de kichutes surrados que não saía de seus pés, e com ele, pelas ruas de terra batida do bairro pobre de San Martin, Zona Oeste de Recife, encarava sob sol ou chuva, a pé, os seis quilômetros para ir treinar na modesta Associação Atlética Santo Amaro. Quando conseguia uma bicicleta, era raridade. Não havia dinheiro para o ônibus. Esta era a dureza da rapadura! Já o ‘doce’ era caminhar mais seis quilômetros de volta para casa no fim do dia. E mesmo extenuado, devido a carga puxada de treinos, saber que tinha o homem do pão que passava nas casas deixando seu produto recém-saído da fornata e que o humilde trabalhador recebia o pagamento por mês ou por semana.

“Não quero nem imaginar o dia que o homem do pão não aparecer! Como vocês vão comer?”, confidenciou certa vez a mãe que criava a prole trabalhando como doméstica em algumas casas no bairro e era ouvida por Ricardo que se preparava para o banho.

Mas Ricardo Rocha viveu duas incertezas muito marcantes na sua vida: na infância, buscando seu lugar ao sol no futebol amador, e preocupado com a alimentação familiar, e a lesão que o tirou dos jogos da Copa do Mundo de 1994 quando o Brasil encerrou o jejum de seis edições sem sequer ver o brilho do troféu.

Mas Ricardo lutou, incansalvemente, contra o desânimo e dificuldades, adversários difíceis de serem vencidos. E por ironia do destino, foi nos momentos mais complicados que ele saboreou o doce da rapadura quando foi trocado por 20 pares de chuteiras, 20 bolas e dois jogos de camisas para transferir-se ao Santa Cruz. A chegada no Gigante do Arruda, em 1983, dava início à trajetória de um craque dentro e fora de campo.

Passados 11 anos, na Copa do Mundo dos Estados Unidos, já consagrado como um brilhante zagueiro – que defendendo o São Paulo, foi considerado o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 1991 – viveria mais um episódio triste com a lesão muscular na estreia da seleção brasileira no Mundial, diante da Rússia. Poderia ser o fim, mas Deus escolheu que ali fosse o começo.

Campeão Mundial pela seleção brasileira, camisa 3, capitão da equipe, homem de confiança de Carlos Alberto Parreira e Zagallo, técnico e coordenador-técnico à época, Ricardo Rocha foi o primeiro a desembarcar do avião prefixo DC-10 trazendo o troféu da Terra do Tio Sam. Ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guararapes, em Recife, em ato profético, beijou o chão como fazia o Papa João Paulo II (1920-2005).

Mas, no hiato entre o ‘doce’ e o ‘não é mole’, que foi a vida de Ricardo Rocha dentro dos campos. O zagueiro se transformou em um dos mais respeitados zagueiros do futebol mundial. O xerife usou sua segurança e qualidade para impor respeito na grande área. Do bigode grosso e calção sobre o umbigo, já deixava na aparência o cabra da peste que os atacantes teriam que superá-lo. Defendeu nove clubes brasileiros, uma camisa do maior clube do século XX, e por fim, a camisa rubro negra do Newell’s Old Boys, da Argentina, um ano antes de vestir a preta e vermelha do Flamengo.

No jogo da vida, enfrentou o destino, jogou com garra – uma de suas marcas – venceu a pobreza, conquistou títulos e se tornou campeão e referência de caráter, companheirismo e liderança.

No dia em que completa 59 anos, 11 de setembro, Ricardo Rocha é o 38° personagem na série Vozes da Bola, escrita por Marcos Vinicius Cabral fazendo tabelinha na edição com Fabio Lacerda.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda


Como foi sua infância, no Recife, cidade que apresentou vários craques para o futebol brasileiro? Cite alguns craques conterrâneos de Ricardo Rocha, da mais antiga capital estadual do país?

Muito tranquila. Eu sou de San Martin, em Recife, bairro pobre e de famílias humildes. Fui criado ali e minha infância passei toda jogando futebol nas quadras e, principalmente, nos campos, já que existiam muitos naquela época. E isso foi muito importante na minha criação como pessoa e na minha formação de atleta profissional de futebol, pois Recife sempre teve grandes jogadores que viveram essa época boa de campos de futebol como Rivaldo, um dos maiores do mundo na minha opinião, Juninho Pernambucano, Leonardo, Chiquinho, Ramon, Givanildo, Ademir Queixada, Zé do Carmo e Biro-Biro. Agradeço muito a Deus pela infância que tive e por ter seguido o caminho que tantos outros grandes jogadores seguiram.

Sua mãe sempre apoiou o seu sonho de ser jogador. E você não mediu esforços para isso, pois caminhava 12 quilômetros – ida e volta – para treinar no Santo Amaro. Quantos anos você tinha e pode recordar esta dura rotina?

Minha mãe foi o esteio de tudo, junto com meu pai, é claro! Mas minha mãe, muito mais, porque ela me apoiava para que eu continuasse a jogar futebol. E na época do Santo Amaro, eu deveria ter uns 17, 18 anos, e por não ter recursos naquela época, eu andava muito a pé para ir e voltar dos treinos. Tudo era difícil nesse processo de realização do meu sonho. Para se ter uma ideia, eu nunca tive chuteiras, sabia? Eu usava um kichute que era usado para tudo (festa, aniversários, casamentos, treinos, jogos. Enfim, aquilo era salvação da lavoura). A vida era sofrida e minha mãe trabalhou muito para que eu pudesse tentar a sorte de ser jogador de futebol. Cansei de andar seis quilômetros para ir e seis quilômetros para voltar dos treinos. Mas foi nas dificuldades que a vida moldou o homem que sou hoje. Mas cada dificuldade que enfrentei me ajudou ir além em busca de me tornar jogador de futebol. E graças a tudo isso, aqui estou!

Pouca gente sabe que, antes de jogar no Santa Cruz, em 1983, você foi trocado por 20 pares de chuteiras, 20 bolas e dois jogos de camisas. Pode nos contar essa história e relatar a coincidência dos empates no triangular entre Santa Cruz, Sport e Náutico na decisão do Supercampeonato Pernambucano na qual a Cobra Coral venceu o Timbu nos pênaltis no jogo derradeiro do campeonato?

Isso foi verdade mesmo. Quando saí do Santo Amaro para o Santa Cruz, fui trocado por 20 pares de chuteiras, 20 bolas e dois jogos de camisa, já que não se tinha dinheiro na época. Depois de ser trocado dessa forma, eu fui jogar de lateral-direito no Santa Cruz em 1981. Dois anos depois, conquistei com meus companheiros, o tri-supercampeonato Pernambucano que foi uma competição muito difícil de ser conquistada em uma final equilibradíssima contra o Náutico. Lembro que a gente estava ganhando esse jogo por 1 a 0 e a torcida alvirrubra já havia saído do estádio quando, aos 43 minutos, o Mirandinha empatou e a torcida voltou. Foi uma loucura, um sofrimento aquele jogo e vencer foi um sacrifício enorme. Lembro que eu torci muito forte meu tornolezo no final do jogo, e no vestiário, eu já estava decidido a não voltar para a prorrogação. No entanto, o Zé do Carmo, que completou 60 anos no dia 22 de agosto, havia torcido o joelho. Não restou alternativa. Voltei a campo para jogar a prorrogação na cabeça de área, no sacrifício, e conseguimos levar a decisão para os pênaltis para delírio dos quase 80 mil presentes no Estádio do Arruda. No final, o Luiz Neto pegou uma cobrança e a vitória veio por 6 a 5. Foi o título da superação e se tornou inesquecível para quem participou daquela campanha.

Da lateral-direita no Santo Amaro para a zaga central no Santa Cruz por sugestão do ex-técnico Carlos Alberto Silva (1939-2017), que, à época, disse: “desloquei ele para a zaga pois ali ele chegará a seleção”. Como foi esta transição defensiva de estilos diferentes entre laterais e zagueiros?

Essa transição veio mesmo no Guarani e não no Santa Cruz. Lá em Recife, eu era zagueiro e quando cheguei no Guarani, acabei indo para a lateral-direita por causa dos grandes defensores que a equipe tinha, muitos campeões brasileiros de 78. Era difícil arrumar uma vaguinha ali no meio de tantas feras do Bugre, mas o Carlos Alberto Silva já me conhecia do Santa Cruz e sempre dizia que a minha posição, de fato, no futebol, seria zagueiro. Minha primeira convocação para a Seleção Brasileira foi com ele em 1987, então, sou muito grato pelo conselheiro, amigo e pai que foi para minha carreira.

A partir da sua chegada ao Brinco de Ouro, você ganhou chance na seleção brasileira destacando-se nas primeiras oportunidades – Pré-Olímpico de 1987, e na conquista do ouro no Pan-Americano de Indianápolis, nos EUA, no mesmo ano. Ser convocado para a seleção jogando por um clube longe dos holofotes das capitais tem alguma importância diferenciada para você?

Em primeiro lugar, eu acho que acertei quando saí do Santa Cruz e fui para o Guarani em 1985. Naquela época, o clube tinha uma estrutura maravilhosa e revelava muitos jogadores. Basta voltar um pouco no tempo e lembrar do Careca que foi cortado da Seleção Brasileira de 1982 e que era jogador do Guarani, do zagueiro Júlio César, que foi titular na Copa do Mundo do México, em 1986, e era do Guarani também. Mas outros jogadores do Guarani fizeram histórias em outros clubes e tiveram passagens importantes na Seleção Brasileira como Neto, Evair, João Paulo, tantos outros bons jogadores. Fui campeão Pré-Olímpico e Pan-Americano jogando pelo Guarani.

Uma pesquisa feita por um site esportivo,em 2020, sem levar em considerações muitos craques bugrinos e suas respectivas posições de origens, a equipe escolhida pelos internautas foi – atenção para o meio de campo totalmente desfigurado sem jogadores de contenção – Neneca, Mauro, Ricardo Rocha, Julio Cezar e Miranda; Zenon, Djalminha e Neto; Amoroso, João Paulo e Careca. E qual é o seu Guarani de todos os tempos?

Eu fiquei muito feliz com a minha escolha pelos internautas por meio dessa pesquisa. Mas com todo respeito, eu acho muito injusto, pois tem muita gente boa e que foi deixado de fora. Por exemplo, colocar um Careca e deixar Evair e Luizão de fora, já que o Guarani sempre teve muitos bons atacantes, é complicado. Então você analisa e vê que deixar de fora alguns é injusto. Você olha os eleitos do meio-campo e vê que Zenon, Djalminha, Neto, Amoroso e na frente Careca e João Paulo, é uma equipe extremamente agressiva e ofensiva. Mas o time escolhido é composto por jogadores de alto nível. Particularmente, eu fico feliz de estar no meio entre os melhores da história do clube.

Como foi trabalhar com Carbone (1946-2020) na forte equipe do Guarani, em 1988?

Foi ótimo. Trabalhar com o Carbone, um profissional maravilhoso, um cara do bem, muito amigo e que me ajudou muito no Guarani. Foi uma experiência que jamais vou esquecer. Só tenho palavras de agradecimento ao grande treinador e ser humano que ele foi.


Qual foi o melhor time do Guarani que você jogou?

É muito injusto falar ou eleger o melhor time do Guarani na época em que joguei. Convivi com grandes jogadores que foram importantes para mim, e principalmente, para o clube. Confesso, que dizer quais foram os melhores não é tão relevante quanto dizer que foram excelentes profissionais, atletas dedicados e que honraram a profissão de jogador de futebol. Isso é, pelo menos, para mim, mais importante do que escalar o melhor time.

Pode relembrar a campanha no Paulistão de 1985 quando o Guarani foi terceiro colocado?

Eu cheguei como lateral-direito no Guarani, em 1985, e com a ajuda do treinador Lori Sandri, com quem havia trabalhado no Santa Cruz, a adaptação foi rápida para atuar no miolo de zaga. O campeonato exigia isso. Na primeira fase, os clubes jogavam todos contra todos, em turno e returno. Cada turno teve contagem de pontos, e os campeões de cada um deles, classificaram-se para as semifinais. A Portuguesa, primeira colocada por ter somado mais pontos, pegou a Ferroviária, quarta, e nós do Guarani, terceiro, pegamos o São Paulo que foi segundo. Os jogos foram de ida e volta. Empatamos em 1 a 1 e perdemos por 3 a 0. No geral, fomos terceiro colocado.

Depois daquele empate injusto no Morumbi, em 1988, na decisão do Paulista, quando Neto fez um gol de bicicleta contra o Corinthians, pode-se dizer que o título fugiu das mãos da equipe bugrina graças à sorte do Viola?

Não é que fugiu das mãos. Não sei se foi cagada ou sorte aquele chute do Wilson Mano ter saído errado e encontrado o garoto Viola no meio do caminho para desviar a bola para dentro do gol e dar o título ao Corinthians. Faz parte do jogo. O Guarani jogou muito bem e o gol de bicicleta do Neto foi um dos três mais bonitos que eu vi na vida dentro de campo. Mas o Corinthians fez aquele gol e acabou sagrando-se campeão. Não sei se é sorte! Eu acredito em trabalho e naquela decisão, eu acho que o Corinthians, por ser uma grande equipe, trabalhou bem e alcançou o objetivo que foi o título.

Quais foram os atacantes mais difíceis que você marcou?

Muito difícil escolher um. Ainda mais quando se enfrenta atacantes com uma qualidade técnica elevada como enfrentei. Jogadores do nível de Careca, Bebeto, Romário, Gullit, Van Basten, Zamorano, Batistuta e Balbo. Fica difícil escolher um e ser injusto com os demais.

Sua passagem pelo São Paulo foi marcante. Jogou entre 1989 e 1991. Se não fosse o Sorato, você teria feito a dobradinha 1989 e 1991 com os títulos Paulistas e Brasileiros. Uma passagem vitoriosa abrindo caminho para o São Paulo seguir em profusão de títulos nos anos seguintes. Foi sua experiência mais vitoriosa da carreira?


A minha passagem pelo São Paulo foi muito marcante, e isso se refletiu nos títulos que conquistei no clube, como o Paulista, em 1989, e o Brasileiro de 1991. Isso sem falar que chegamos em três finais consecutivas no Campeonato Brasileiro que foram contra o Vasco, em 1989, o Corinthians, em 1990, que não joguei por tratar um estiramento em que fiquei tratando, e o Bragantino, em 1991. Sabemos que o Brasileiro é considerado uma das competições mais difícieis do mundo. Mas para mim foi uma satisfação imensa e uma das melhores experiências que vivi no futebol por tudo que o São Paulo representava no cenário nacional, já que era uma equipe muito equilibrada, financeiramente, bem estruturada e que não devia nada as equipes lá de fora, como o Real Madrid para onde fui transferido. O São Paulo é um clube espetacular e só tenho palavras de gratidão.

Você lembra como surgiu o apelido xerife?

Na realidade, o bigode impunha respeito, afinal de contas, bigode é bigode (risos). O apelido, se não estiver enganado, foi o Galvão Bueno que deu numa das suas transmissões. Chamou-me de xerife por causa daquele bigodão e ficou batizado assim.

Eliminado na Copa do Mundo de 1990, na Itália, e lesionado para estreia na Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Qual foi o momento mais difícil para você nesses dois mundiais?

Para mim foi ruim a eliminação, em 1990, porque a gente ficou uns quatro anos sendo xingado no Brasil inteiro em virtude daquela derrota por 1 a 0 para a Argentina. Até chegar nos Estados Unidos, em 1994, foi um sofrimento muito grande para nós jogadores. Em relação à minha lesão, se você me perguntasse assim: “Ricardo, você preferia ficar bom em 94 mesmo machucado ou ter ido mais longe na de 90 jogando?”. Sem dúvidas, que eu fico com o título de 94, pois eu era titular, machuquei e fiquei no banco na final. Esse título foi muito importante, mas é claro que a eliminação e a lesão, como foram no meu caso, doeram muito. Mas tenho a consciência de que iniciei a Copa do Mundo nos Estados Unidos jogando e terminei no banco.

A Copa da Itália, em 1990, foi marcada pela eliminação da Seleção Brasileira nas oitavas de final. A campanha do Brasil está entre as piores da história. Titular do time de Sebastião Lazaroni, você admitiu numa entrevista que os problemas começaram antes mesmo da viagem à Europa. O Vozes da Bola quer saber: quais eram esses problemas?

Concordo que aquela eliminação está entre as piores na história das Copas do Mundo, e isso, custou muito para nós. Mas, foi muito difícil absorver aquela derrota, até porque, todo mundo sabe que tivemos problemas na preparação, na discussão da premiação que era para ser realizada no Brasil e foi feita na Itália em um momento inoportuno. Pessoas entrando e saindo da concentração em que estávamos é um dos exemplos de erro naquela Copa do Mundo. No entanto, mesmo com tantos problemas extra-campo, conseguimos jogar melhor que a Argentina. O Brasil massacrou a Argentina e não jogamos mal, muito pelo contrário, jogamos muito bem e merecíamos a vitória. Mas é isso, tem vezes que você joga melhor que o adversário e não vence.

É verdade que, quando a equipe brasileira era contestada nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994, foi sua a ideia de entrar de mãos dadas, em Recife, e mostrar que a seleção estava unida para reverter a situação na competição?

Foi. Eu lembrei do gesto de jogadores entrarem em campo de mãos dadas em 1983, quando a equipe do Santa Cruz em que jogava, treinada por Carlos Alberto Silva, era mais fraca do que as do Sport e do Náutico e mesmo assim conquistamos o tri-supercampeonato Pernambucano daquele ano. E aquilo veio na minha mente de entrar de mãos dadas, que inclusive, coincidentemente, foi no mesmo Estádio do Arruda. Na realidade, o Brasil não vinha fazendo uma grande Eliminatórias, mas vinha ganhando. A gente sabia que a tendência daquela seleção era o crescimento e foi no jogo contra o Bolívia, em Recife, que surgiu a ideia de entrarmos de mãos dadas. Na ocasião, ganhamos por 5 a 0 e aquilo foi importante para a gente seguir adiante e mostrar ao povo brasileiro que aquele ‘dar as mãos’ mostrava que a gente estava muito unido.


Os leitores do Museu da Pelada querem saber: qual a sensação em ter sido o primeiro jogador a descer do avião em Recife com a taça de campeão do mundo nas mãos e ter beijado o chão como o papa João Paulo II fazia?

A sensação foi a melhor do mundo. Uma alegria muito grande. A gente queria descer em Recife para agradecer por tudo que aconteceu nas Eliminatórias, e em especial, pelo jogo contra a Bolívia em que entramos em campo de mãos dadas e dali partimos confiantes para a conquista do tetracampeonato mundial. O meu gesto de beijar o chão da terra onde nasci, como fazia o papa João Paulo II, foi um momento no futebol que jamais vou esquecer.

Mesmo perdendo a decisão do Campeonato Brasileiro de 1989, você foi eleito o melhor jogador da competição ganhando a Bola de Ouro da Revista Placar. Mas qual das decisões de Brasileiros foi mais dolorosa para você: contra o São Paulo em 1986, com você no Guarani, ou São Paulo e Vasco, em 1989, com você vestindo a camisa do Tricolor Paulista?

Perder para o São Paulo, em 1986, e para o Vasco, em 1989, doeram bastante. Mas eu acho que a final de 86 contra o São Paulo dói mais porque estava no final do jogo de uma prorrogação. Uma partida marcada pelo equilíbrio. Jogo quente, disputado, a gente ganhando por 3 a 2, e no final da prorrogação, faltando um minuto e meio, o Careca acertou aquele belo chute empatando a partida. A gente fez um grande jogo, jogamos muito na prorrogação e perdemos nos pênaltis. Essa doeu mais.

Quem foi seu melhor companheiro de zaga em toda sua carreira e por quê?

Que pergunta difícil, cara! Escolher um companheiro de zaga é muito, muito, mas muito complicado mesmo. Eu joguei com grandes jogadores como Mozer, Ricardo Gomes, Márcio Santos, Alexandre Torres, Wilson Gottardo, Júlio César, ou seja, é a mesma coisa que escolher os 11 melhores de cada time nessas eleições que são feitas. Tive grandes companheiros de zaga e escolher o melhor desses, considero uma injustiça!

Como foi a história do diretor do São Paulo que precisou ficar 12 dias em Portugal para te contratar porque o Sporting não queria sua liberação?

Pois é. O diretor que foi me buscar lá em Portugal foi o Leco que era advogado do São Paulo. Eu lembro que a gente tinha acertado com ele para ficar dois ou três dias e ficou doze, pois teve um probleminha lá em relação a pendências na transação. Mas graças a Deus tudo foi resolvido, vim para o Brasil, cheguei no São Paulo, e em 45 dias, já coloquei a faixa no peito sendo campeão paulista em 1989.


No Real Madrid, você jogou com muitos craques como Zamorano, Butrageño e Hugo Sanchez, e foi o primeiro zagueiro brasileiro no clube e o quinto na história (atrás de Fernando em 1935, Didi e Canário, ambos em 1959 e Evaristo em 1962). O título de campeão da Copa do Rei da Espanha em 1993 não foi pouco para um jogador como você?

Me sinto lisonjeado por dois motivos: primeiro, em ter jogado com esses grandes jogadores citados na pergunta. Em seguida, por ter sido depois de 30 anos contratado pelo Real Madrid e ter aberto a porta do mercado espanhol para tantos outros brasileiros jogarem lá como Vítor, Sávio, Roberto Carlos, Marcelo e Vinícius Jr. Já sobre a Copa do Rei da Espanha, não foi pouco não, pois o título foi justo, mesmo sabendo que o Barcelona tinha a melhor equipe. Foi aí que surgiu o Cruijff que montou aquele belo time que todos nós conhecemos. Com sua visão de grande atleta que foi, com as camisas do Ajax-HOL e da Seleção da Holanda, ele fez história quando ganhou sua primeira Copa do Rei na temporada 1989/90 e a Liga dos Campeões da UEFA em 1991/92. Isso tornou a conquista da Copa do Rei pelo Real Madrid como muito importante.

Já parou para imaginar se não tivesse ido para o Santiago Bernabeu você seria campeão da Libertadores e Mundial Interclubes em 1992 pelo São Paulo? E possivelmente em 1993?

Não, não parei para pensar nessa possibilidade porque naquela época era uma coisa boa para todo mundo, e é claro, ninguém tinha bola de cristal para saber o que aconteceria no futuro. Posso te garantir que aquele grupo do São Paulo que ganhou o brasileiro de 1991 era muito forte, afinal de contas, a base era a dos anos anteriores de 1989 e 1990 quando se conquistou dois vice-campeonatos perdendo para o Vasco e o Corinthians, respectivamente. Isso sem falar da garotada que voava naquela época e surgia no clube como Bernardo, Cafu, Raí, Macedo e Elivélton. Mas assim, analisando friamente, depois de tantos anos, não tenho arrependimento, pois joguei e fui campeão pelo São Paulo, considerado um grande clube do futebol brasileiro e fui para um cenário importante futebolístico para jogar em um dos maiores clubes do mundo que era o Real Madrid. Fui feliz, saí tranquilo e se tivesse que fazer tudo de novo, faria da mesma forma.


Como foi sua experiência no Vasco no qual conseguiu levar o time ao único tricampeonato carioca? Uma conquista repleta de lutas, drama em virtude do acidente que levou a vida do Dener, e a união do time tendo você como um dos mais experientes ou o mais experiente daquele plantel?

Vou confessar uma coisa: eu sempre tive vontade de jogar no Vasco da Gama! Tive duas oportunidades que bateram na trave e na terceira não deixei passar e fechei com o clube. Tenho um orgulho imenso em ter jogado em São Januário, e mesmo nunca escondendo de ninguém que sempre fui Santa Cruz-PE na infância, mas meu coração era Cruzmaltino aqui no Rio. Lembro, quando criança, em que adorava ver aquelas disputas entre Roberto Dinamite e Zico no Maracanã. Que saudades dessa época! E realmente, o tricampeonato, único que o clube tem, foi especial e a convivência com aquela garotada foi o mais legal de tudo. Agradeço muito a Deus por ter tido a oportunidade de jogar nesse clube gigante do futebol brasileiro que me proporcionou conhecer um dos melhores amigos que fiz, não só no futebol, mas na vida que é o Alexandre Torres. Então, para mim foi uma honra ter jogado lá, conhecido sua torcida, que é linda, maravilhosa, forte e faz a diferença para qualquer jogador que veste a cruz de malta no peito. Já a morte do Dener foi um período difícil para quem estava no clube naquele ano. Lembro que conseguimos superar essa perda com muita conversa e união. O Eurico Miranda, presidente, o Jair Pereira, treinador, e eu como um dos mais experientes do elenco, conversamos muito e conseguimos dar a volta por cima e conquistar o título que serviu para dedicar a ele pelo grande jogador que foi

Quem foi o seu melhor treinador?

Eu tive grandes treinadores como Telê Santana, Lori Sandri, Carbone e Gainete, mas é muito difícil você escolher o melhor deles todos. Destes grandes treinadores, eu faço questão de falar de um, porque minha carreira mudou muito depois que ele foi treinar o Santa Cruz-PE. Vivi os melhores momentos da minha carreira chegando à seleção brasileira com o Carlos Alberto Silva.

Em setor que não tem renovação há muito tempo, se fosse técnico da Seleção Brasileira, quais seriam seus quatro zagueiros para disputar as Eliminatórias?

É preocupante. A gente, nos últimos anos, não conseguiu dar sequência a essa juventude em virtude de ter laterais e zagueiros que jogaram por muito tempo na seleção. Mas eu acho que temos condições de renovar a defesa do Brasil, pois temos bons jogadores como Rodrigo Caio, o Éder Militão, o Marquinhos, que particularmente eu gosto, e aí você pode fazer a mescla com Thiago Silva, por exemplo. Mas essa renovação tem que existir e acho que o Tite já vai começar essa reformulação ali atrás.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Apreensivo e preocupado como todo mundo. As informações, que antes eram mínimas, agora vão sendo aos poucos mais esclarecidas do que é o vírus e como ele age no organismo do infectado. Mas, com os devidos cuidados, como o uso do álcool em gel, distanciamento social e máscara, vamos virar esse jogo. Não tem jeito! Acho que a vacinação é o caminho, todos devem se imunizar e é a maneira para diminuir tantas mortes, não só no Brasil, mas no mundo. Eu peço aos que estiverem lendo essa entrevista que se cuidem e sigam todos os protocolos de saúde. Esse vírus já matou e continua matando muitas pessoas. Mas se Deus quiser, isso tudo vai passar!

Defina Ricardo Rocha em uma única palavra?

Amigo. Acho que essa palavra define quem o Ricardo Rocha é.

O FUTEBOL DE ZICO É UM AMOR QUE NUNCA MORRE

por Marcos Vinicius Cabral


Os olhos de Zico buscavam o vazio de cada metro quadrado naquele vestiário. O gesto de envolver as canelas com ataduras, e prendê-las com esparadrapos ao colocar os meiões, vestir o short, a camisa e calçar as chuteiras, tudo era diferente naquele domingo ensolarado de abertura do Campeonato Carioca no dia 16 de fevereiro de 1986.

No alongamento, mascando chiclete, o semblante de Zico era sério. Sua fisionomia passava a imagem de quem se negaria, naquela tarde, a jogar com os pés como fariam Cantareli, Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto, Andrade, Sócrates, Bebeto, Chiquinho e Adílio. Preferiu jogar com o coração.

Naqueles 90 minutos vigiados pelos dígitos do relógio britânico de Luís Carlos Félix, árbitro da partida, Zico seria diferente de tudo o que os rubro-negros e tricolores já haviam vistos em todos os clássicos disputados entre Flamengo e Fluminense. Foi ali, naquele lugar tão ou mais sagrado de tudo que existe no futebol, que o camisa 10 rubro-negro puxou a fila e subiu pela primeira vez com um médico no time formado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo, chamado Sócrates, que vestia a camisa 8 no lugar do jaleco e usava com desenvoltura o calcanhar no lugar do estetoscópio.

O desejo de Zico, ora, vejam vocês, era mostrar quem era o maior artilheiro da história do Maracanã que envergava a camisa 10 do Flamengo desde o final da década de 1970. Cerca de 84 mil pagantes sentaram-se nas arquibancadas, cadeiras, e muitos destes mil torcedores, fazendo a festa cultural na geral do estádio.

Nos últimos ajustes, a preleção dada por Sebastião Lazaroni, técnico à época, o círculo com os companheiros e o momento íntimo com Deus, ficaram no passado.


No campo bélico de grama esverdeada, o Fluminense se aquecia, e com o uniforme todo branco, vinha de um tricampeonato carioca, dois títulos sobre o Flamengo com o carrasco Assis (in memorian). À procura da felicidade, Nelsinho Rosa, treinador do Fluminense, e seus comandados, entraram naquele quadrado de 105 metros de comprimento por 68 de largura com o pensamento em lutar pelo tetra com seu tradicional pó de arroz e com sua bandeira que era tremulada por Paulo Vítor, Alexandre Torres, Vica, Ricardo Gomes, Branco, Jandir, Leomir, Renê, Romerito, Gallo e Tato.

Apito inicial dado, a cada toque na bola, Zico engolia a seco o grito de “Bichado! Bichado! Bichado!”, vindo do lado direito das cabines de rádio, onde a torcida tricolor fazia sua festa em três cores. A bem da verdade, o termo ‘bichado’ já havia sido proferido no ano anterior pelo ex-presidente rubro-negro Antônio Augusto Dunshee de Abranches, numa tentativa de justificar a venda do jogador para o futebol italiano concretizada em maio de 1983: “Zico estava bichado, a verdade é essa. Ele jamais será o mesmo. Se antes era o arco e a flecha, que armava e voava para finalizar, agora, no máximo, poderá apenas armar”, filosofou o dirigente rubro-negro para dar uma desculpa na negociação do Galinho de Quintino para a Udinese-ITA que valeu uma música de Moraes Moreira em homenagem ‘Às tardes de domingo sem Zico no Maracanã’.

Culpado pela venda do maior jogador da história do clube, Dunshee, insensível, tinha um coração duro e não se preocupou com todo esforço realizado pelo ídolo rubro-negro para voltar a jogar futebol, pelas horas de exercícios físicos e pelas horas de fortalecimento dos ligamentos do joelho direito em que se submeteu no departamento médico do clube. Aos olhos do dirigente, todo aquele empenho, todo aquele esforço, seriam em vão.

Mas do pontapé inicial ao primeiro gol feito numa bela trama, se passaram dez minutos em que Zico, camisa 10, de cabeça, saiu comemorando com o punho direito cerrado e sorriso de quem começava a fazer daquele Fla-Flu um jogo eternizado para os flamenguistas e que os tricolores preferem esquecer.


Mas, aos 43 minutos da primeira etapa, quando Leomir empatou em cobrança de pênalti, Zico olhou para o passado e com as mãos na cintura, estático, na entrada da área, olhou para a imensidão do céu e lembrou dos conselhos de ‘Seu’ Antunes (1901-1986), o pai, de ‘Dona’ Mathilde (1919-2002), a mãe, de Sandra, a esposa, com quem se casou em dezembro de 1975 na Igreja de São José, na Lagoa, Zona Sul do Rio e de tudo o que passou após a entrada criminosa do lateral Márcio Nunes naquele Flamengo x Bangu, em 29 de agosto de 1985, no Maracanã.

Fim dos 45 minutos iniciais. Vestiário é feito para esfriar a cabeça e recompor as energias. Mas Zico não aceitaria algo diferente que não fosse uma vitória para lavar a alma, uma atuação para ser lembrada e uma resposta à altura para quem o considerava acabado para o futebol: “Sem dúvida, eu queria provar a eles que aquilo tinha sido uma grande covardia de um ex-presidente que tinha me vendido para a Itália três anos antes. Para justificar a negociação, ele falou à imprensa que o Zico estava bichado e foi manchete nos jornais. Mas Deus me ajudou porque tudo que tentei naquele Fla-Flu deu certo. Minha bronca não era com a torcida do Fluminense e, sim, com quem falou besteira”, diria à época o maior camisa 10 da história centenária do Flamengo.

A virada veio em uma bela cobrança de falta no ângulo de Paulo Victor, aos 27 minutos. Bebeto fez o terceiro, aos 29, e Zico, mais uma vez, aos 34, desta vez de pênalti, fechando a goleada.

Três gols, atuação estupenda, jogadas inesquecíveis, alma lavada e a certeza que ele não estava acabado para o futebol.

Zico foi gênio. Foi um dos mais completos camisas 10 do futebol mundial de todos os tempos. Não ganhou uma Copa do Mundo, é verdade, da mesma forma em que outros 39 foras de série também não ganharam como escrevi em 27 de junho de 2018 no https://www.museudapelada.com/resenha/40-genios-sem-copas.


Passados 35 anos daquele confronto, o camisa 3, Leandro, que estava em campo naqueles 90 minutos, falou da atmosfera do clássico: “Havia uma expectativa enorme na volta do Zico ao Flamengo, e da estreia do Sócrates naquele jogo. A torcida do Fluminense começou a gritar nas arquibancadas Bichado! Bichado! Bichado! Aquilo ganhou uma proporção enorme dentro de campo, e, aí, já viu, né? Um gênio como o Zico, sendo instigado é pior. O melhor é ficar quieto. Mas os tricolores não pensaram assim e sofreram com a goleada e uma das melhores atuações do Galo, sem dúvida alguma. Foi uma volta espetacular e eu, como companheiro de clube e que estive em campo nesse Fla-Flu, só fico feliz por ter visto como testemunho ocular tudo aquilo de perto”, contou ao Museu da Pelada o zagueiro central Leandro que naquela época já havia deixado a lateral-direita, posição que o consagrou e o colocou entre os melhores de todos os tempos do futebol brasileiro.

Quando resolveu pendurar as chuteiras, Zico marcou, segundo o www.zico.com.br, 508 gols no Flamengo em 730 partidas disputadas entre 1972 e 1989. Mas no total, fez os adversários buscarem a bola no fundo das redes 826 vezes.

Como atleta profissional, Zico conviveu toda a sua carreira com um diabinho que vivia sussurrando em um de seus ouvidos: “Você não vai conseguir, você já era!”.

Enquanto um anjinho, de fala mansa, rebatia: “Você conseguiu. Obrigado por tudo que você foi como jogador de futebol, pelas alegrias dadas aos torcedores rubro-negros!”.