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Marcos Vinicius Cabral

SORRIR É O MELHOR REMÉDIO

texto: Marcos Vinicius Cabral | foto e vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel

– Alô, é da casa do País? – perguntei com receio de ter ligado para o número errado.

– Sim, é da casa dele. Quem está falando? – perguntou uma voz feminina.

– Aqui é o Marcos Vinicius, do Museu da Pelada.

– Oi Marquinhos, vou chamá-lo, mas ele está muito triste. Um instante – disse dona Maria Lúcia, sua esposa, sem dar tempo de perguntar o motivo da tristeza.

– Oi amigo, é amanhã que a gente vai pegar minhas fotos? – me indagou uma voz aveludada. 

– Isso mesmo, estou ligando para avisá-lo que amanhã às 14h, irei te pegar com a equipe do Museu da Pelada, para irmos no Largo do Machado buscar seu álbum digitalizado, como prometido.

– Amanhã te espero e obrigado pelo que estão fazendo comigo! – exclamou sem saber o real motivo da nossa ida à cidade maravilhosa.

 – Ok querido, “tamu junto”! – me despedi respeitando sua tristeza.

Na manhã seguinte, na sexta-feira (16), ao ir trabalhar, fiquei imaginando quais motivos deixariam o grande goleiro País tão para baixo a ponto de não mostrar a mesma alegria que nos recebera, no início do mês, quando estivemos em sua casa, fazendo uma entrevista com ele.

Diferentemente daquele dia, percebi que algo estranho estava presente por trás dos minúsculos óculos, que escondiam a tristeza em seu olhar.

Parei o carro em frente ao número 4.497, na rua Marajó, no Boa Vista, liguei o pisca alerta do veículo e fui tocar a campainha de sua casa.

Ao abrir o portão, dona Maria Lúcia, sua esposa há 43 anos, me disse para ter um pouquinho de paciência com ele, pois estava muito emocionado com a partida do Bil, com quem conviveram por 12 maravilhosos anos, desfrutando da mais sincera lealdade numa amizade.

– Marquinhos, o Bil morreu ontem e estamos arrasados – disse com lágrimas nos olhos.

Dei um abraço nela e tentei passar uma energia boa com a perda, mesmo ainda sem saber quem era o Bil.

Antes de entrar no carro, cheguei o banco do carona para trás – por ter quase dois metros de altura – imaginei que seus joelhos ficariam encostados no painel e isso lhe causaria um incômodo desnecessário.

Ao entrar no carro, recebi do País um abraço tão apertado, que com a emoção destinada naquela ação, conseguiu destravar o cinto de segurança que havia colocado ao me sentar para dirigir.

Demos tchau em um ato ensaiado, e pegamos a BR-101, sentido Rio de Janeiro.

Liguei o rádio na 97,5 (Melodia) e coloquei bem baixinho esperando pelo ex-arqueiro do América-RJ puxar assunto, já que sempre limpava os óculos que estavam embaçado pelo choro incontido, pela lembrança do Bil.

Fomos até a subida da ponte, sem trocar uma palavra.

O sentimento era de um silêncio fúnebre, enlutado pela tamanha perda.

Ao chegar no vão central da Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente conhecida como Ponte Rio-Niterói, liguei para o cinegrafista Guillermo Planel, que estaria já nos esperando com o (suposto) álbum digitalizado.

Entre gaivotas dando rasantes e alternando belos mergulhos, naquele magnífico céu azul com sol refletindo nas águas da Baía de Guanabara e reluzindo nos vidros dos carros a nossa volta, País observava com olhos marejados e atentos, tipo criança quando vai a algum lugar pela primeira vez. 

Depois de quase 20 minutos sem trocar uma palavra sequer, nossa parada técnica – termo usado para designar uma pausa nas partidas de futebol e também hidratar os atletas – foi com um comentário que hidratou a partir de então, nossa conversa.

 – Sabe de uma coisa, Marquinhos? Certos animais não deveriam morrer nunca. E o meu cachorro era um deles – desabafou o goleiro, que iniciou a carreira profissionalmente em 1971 e assumiu a camisa número 1 do Mequinha em 1974.

Concordei, balançando a cabeça positivamente e tentando estancar aquela dor, que era igual a de 1977, quando o presidente do América-RJ, senhor Wilson Freire Carvalhal, se negou a vendê-lo para o Atlético de Madrid, após uma atuação épica na vitória por 1 a 0, dentro do Vicente Calderón (na época, chamado de Manzanares), no torneio Teresa Herrera.

– Hoje eu vivo com uma aposentadoria que dá para sobreviver mas se eu fosse vendido para fora, estaria em melhor situação – confidenciou.

Contudo, se no final da década de 70, a chance de fazer a independência financeira não se concretizou, restou como consolo ser um dos melhores goleiros do Brasil, sendo inclusive, posteriormente, convocado por Cláudio Coutinho para a seleção brasileira que iniciava a preparação para a Copa do Mundo na Argentina, em 1978.

Mas se nossa conversa se restringiu a fatos tristes, chegando no Largo do Machado, uma surpresa o esperava.

Sem revelar a verdade – pois ele acreditava que iria buscar o material dele com fotos, recortes de jornais e revistas todo digitalizado – ele estava sendo aguardado pelos ídolos rubro-negros e seus companheiros no Fla-Master, Adílio e Júlio César Urigeller, no consultório do nosso querido Dr. Lulinha, para iniciar seu tratamento dentário.

Portanto, chegando lá, foi recebido com todo carinho e voltou a mostrar para os que o conhecem, o sorriso, que ao lado de sua generosidade, são duas marcas características do grande ser humano que é. Sua dor deu lugar a um respiro, ainda que fraquinho, de alegria pela surpresa e esse respiro ínfimo me encheu da mais pura alegria, ao ver novamente o sorriso bonito do nosso número 1.

 

VIDA LONGA AO MAESTRO

por Marcos Vinicius Cabral


Sentado em um banco de concreto na Av. Atlântica, em Copacabana, desde às 19h, estava eu esperando pelo ídolo rubro-negro Júnior.

Ali sentado comigo e de pernas cruzadas, Carlos Drummond de Andrade em bronze, ouvia minhas lamúrias num frio de bater queixo.

Portanto, se naquela noite de sexta-feira, 27 de junho de 2008, eu já me considerava driblado pelo lateral-esquerdo do Flamengo, em um instante pensei em desistir do encontro no qual ia presentear o “Capacete”, que estava prestes a completar 54 anos.

O relógio marcava 21h e o jogo começou a mudar em poucos minutos, quando meu celular tocou.

– Boa noite, tudo bem? – perguntou do outro lado da linha.

– Boa noite, tudo bem… – respondi temendo que o craque da lendária camisa 5 dissesse que estava desmarcando nosso encontro.

– Beleza, você está sentado com o Drummond? – perguntou querendo se certificar que eu estava ali mesmo, no lugar marcado.

– Estou sim! – respondi e o telefone foi em seguida desligado, sem dar tempo de dizer a roupa que estava.

Assim que coloquei meu celular no bolso, percebi uma Cherokee Sport verde musgo se aproximando lentamente. 

Me levantei do banco e fiquei observando aquele carro que parou em frente ao local onde estava, ligando em seguida o pisca alerta:

– Fala Vinicius! “Vambora”, parceiro. Entra aí – disse já abrindo a porta do possante.

Entrei no carro meio embasbacado, não acreditando se tratar de Leovegildo Lins Gama Júnior, o jogador que mais vezes vestiu o manto rubro-negro em sua rica história.

– Tudo bem?

– Tudo e com você, maestro?

– Tranquilo… quer dizer que você é caricaturista?

– Sou! – respondi timidamente.

– Eu adoro caricaturas!


Diante dessa afirmação, foi então que pensei na responsabilidade que teria com a caricatura feita, que seria dada de presente ao maior lateral do Clube de Regatas do Flamengo, nestes 122 anos de existência.

– Caramba, e se ele não gostar do presente? – sussurrei baixinho e fiquei com esse ideia fixa martelando na cabeça.

Um silêncio permaneceu entre nós nos quase 10 minutos que levamos do local até onde ele estava me levando.

– Você bebe, Vina? – perguntou já se tornando íntimo e me apelidando.

– Não, Léo, não bebo! – retribui a intimidade, já que vi por diversas vezes o Galvão Bueno chamá-lo assim no programa Bem, amigos!

– Uma pena, mas você toma um suco enquanto eu vou de chopp, ok?

– Uhum – respondi balançando a cabeça positivamente.

Como o aniversário dele seria no domingo, dia 29 de junho, acreditava que seria um presente simples, afinal de contas, quantas caricaturas ele deve ter ganhado de caricaturistas mais renomados?

Na Itália, por onde jogou de 1984 a 1989 em alto nível, no Torino e Pescara respectivamente, ele deve ter recebido um monte delas, já que Annibale Carracci foi um dos grandes expoentes da caricatura, além é claro, dos artistas da Escola de Bologna como Pier Leone Ghezzi (1674-1755), que foi um dos primeiros a dedicar-se quase que integralmente à realização de caricaturas.

Porém, com tamanha responsabilidade de agradar ao nosso eterno maestro, não demorou muito e chegamos no tradicional Bar Cevada, que fica na rua Siqueira Campos, esquina com Praça Serzedelo Corrêa, no mesmo bairro.

Em alguns instantes estacionamos, pois o horário nos ajudou a encontrar uma vaguinha.

Mas se houve facilidade por um lado, perdemos muito tempo para chegar ao renomado bar, já que a cada dois ou três passos do maestro, os pedidos de autógrafos e fotos eram tantos, que acabou demandando um tempo considerável.

Na verdade, minha ansiedade fez com que eu achasse aquele momento muito demorado, pois o que queria mesmo era que ele visse logo sua caricatura.

Depois de se livrar da marcação de seus fãs, entramos no Cevada.

– E aí, maestro, o mesmo de sempre? – perguntou um dos garçons, já se adiantando no chopp sem colarinho.

Um sinal com o polegar e um sorriso típico, foram entendidos na mesma hora pelo garçom.

Enquanto pedia meu suco, observei sua reação ao abrir o presente.

Atentamente, olhei e vi quando o ele deu um sorriso enorme, como se aprovasse a caricatura.


Conversamos por aproximadamente uma hora e a partir de então, comecei a fazer as caricaturas de seus aniversários – que na maioria das vezes é comemorado em seu projeto social Samba dá Sopa – e nas datas de fim de ano.

Hoje, data que completa seu 63° aniversário e mesmo estando a 14.452 km (8975 milhas), ou seja, 18 horas de vôo entre Brasil e Russia, cobrindo a Copa das Confederações, nós, torcedores da Nação Rubro-Negra, queremos dedicar ao grande Júnior, um feliz aniversário e muitos anos de vida!⁠⁠⁠⁠

NÃO SE FAZ MAIS FLA-FLU COMO ANTIGAMENTE

por Marcos Vinicius Cabral


Marcos Vinícius

Houve um tempo em que o futebol era romântico e o Fla-Flu era um ai, Jesus.

Não havia cifras exorbitantes, seja nos salários ou nos direitos de imagens dos atletas.

É bem verdade que o futebol se modernizou, basta olhar os estádios que se transformaram em arenas, com gastos surreais, como o Maracanã, que custou aos cofres públicos aproximadamente um bilhão de reais.

Portanto, não seria de se estranhar que alguns entendidos no assunto, chamem os jogadores de guerreiros, gladiadores, soldados… e outras bobagens do tipo.

A coisa se profissionalizou de tal forma que os times entram juntos e lado a lado, tornando-se cada vez mais comum o esfriamento por parte do torcedor.

Não tem mais aquela ovação de ver das arquibancadas o momento mais emocionante (depois do gol, é lógico) de uma partida de futebol: a vez do seu time adentrar o gramado.


Do lado da “tricolada”, o tradicional pó de arroz, marca que caiu no ostracismo assim como o urubu, que era solto no gramado pela “mulambada”.

E um adendo: como era bonito ver os jogadores tricolores entrando no piso verde, tremulando a bandeira gigantesca do Fluminense em ritmo voraz e movimento uníssono.

Como era bonito de ver os rolos de papel higiênico sendo atirados na entrada dos jogadores rubro-negros e as fumaças em vermelho e preto.

Por horas, penso cá com meus botões, que saudades eu tenho do velho “Maraca” e de suas gerais, que eram um atrativo à parte no estádio.

Às vezes (para não dizer sempre e poder corroborar com o ilustre jornalista tricolor Nelson Rodrigues, de que toda unanimidade é burra), meus olhos sangram diante de tal cenário devastador a qual nos encontramos.


O futebol perdeu a sua essência e, com isso, não move com a mesma intensidade essa paixão enraizada dentro de cada um de nós: a paixão de ir ao estádio e torcer pelo seu clube.

É triste mas é a mais pura e profunda realidade.

Quisera eu poder voltar no tempo e colocar tudo no seu devido lugar, de onde nada deveria ter saído.

A começar por essas invenções mal sucedidas de dar números a certos jogadores, como 19, 27, 35, 48… enfim, como são utilizados no basquete.

Os uniformes, cada vez mais sofisticados, absorvem melhor o suor e fazem que o atleta tenha um desempenho satisfatório.

Já os materiais de antigamente, pesado com cada chuva recebida, com o suor mal absorvido e mal costurados, refletem bem tamanha discrepância.

As chuteiras, entorpecidas como o peso de uma pena e multicoloridas como arco —íris no céu cinza após uma chuva, não refletem com o século passado, em que os calos eram minimizados por camadas de ataduras.


A bola, intrinsecamente objeto de desejo (os goleiros querem agarrá-la, os jogadores habilidosos tratam com carinho e os artilheiros colocam ela para descansar nas redes macias do gol adversário), bem revestida e com uma aparência aprazível, não lembra em nada aquela coisa pesada, oca e sem vida.

Os atletas, cada vez mais vaidosos, incrementam cortes de cabelo à la Léo Moura, que fazem mais sucesso do que seu futebol praticado dentro das quatro linhas e com as moças de família.

Ainda há em mim, resquícios da década de 80, quando idas ao velho Maracanã eram tão comuns para um garoto de 10, 11, 12 anos.

E olha que essas idas sempre eram com amigos mais velhos, tricolores, e compelido estava eu, na torcida do Fluminense em algumas ocasiões, para não dizer quase sempre.

Eles (meus amigos de infância), bem que tentaram, mas não conseguiram me transformar em um torcedor do Clube das Laranjeiras.

Se hoje sou rubro-negro, o culpado é meu avô materno José Diniz Cabral, que me ensinou a amar este clube de 122 anos, em uma época que ouvir Valdir Amaral ou Jorge Cury, recompensava a falta de TV.

Com tanta dificuldade e tendo apenas o rádio como único meio de comunicação, éramos brindados com os artistas que faziam do Fla-Flu, um espetáculo.


No gol, tanto Paulo Victor quanto Raul, transmitiam segurança para os torcedores e dificultavam a vida dos atacantes.

Já nas laterais, o Fluminense estava bem servido com Aldo na direita e Branco na esquerda, e o Flamengo com os monstros Leandro e Júnior, titulares daquela seleção fantástica de 82.

Na zaga, Duílio e Ricardo Gomes se completavam assim como Marinho e Mozer se entendiam.

No meio-campo (considerado o setor de criação do time), Andrade, Adílio e Zico foram foras de série, enquanto dava gosto ver Jandir, Delei e Assis, no fino trato à bola.


No ataque, se o tricolor dispunha do poder ofensivo de Romerito, Washington e Tato, o Flamengo vinha com o arsenal de Tita, Nunes e Lico.

Então, era futebol gostoso de se assistir e imagino eu, de se jogar.

Portanto, nos dias atuais, o Fla-Flu se torna um jogo tão simplista que não me surpreenderia com qualquer resultado.

Razoável jogo, pois desejar bom jogo com os atuais jogadores, é pedir demais.

VIDA LONGA AO “PEIXE FRITO”

por Marcos Vinicius Cabral


Leandro e Marcos Vinicius

O mês de março passou a ter um sentido especial na vida dos flamenguistas. Além de Zico e Júlio César Uri Geller, que aniversariaram no último dia 3, hoje é a vez de Leandro soprar velinhas.
 
Além da energia do terceiro mês do ano, vale lembrar que os anos 50 e 80 marcaram e muito os 40 milhões de torcedores da nossa Nação.
 
Os anos 50, porque foi a década que alguns desses heróis, ídolos do Flamengo, deram seu primeiro choro em vida, com exceções do goleiro Raul, nascido em 1949 e do zagueiro Mozer, nascido em 1960.  
 
Nessa epopeia, até chegar a década de 80 – o ápice na história do clube de 121 anos – aqueles atletas passaram por algumas experiências que os tornaram vencedores. Cada um dono de uma história de obstinação e de um profissionalismo irretocável, legado para as próximas gerações.
 
Graças ao meu avô José, que faleceu em 83, me tornei flamenguista ainda quando morava em Nova Friburgo. Era criança ao presenciar a maratona que ele fazia, mesmo doente, pra ouvir os jogos com seu companheiro: o radinho de pilha.
 
Meu saudoso avô, era apaixonado pelo Zico! Era uma obrigação minha retribuir e agradecer àquele jogador, que foi o maior camisa 10 que tive o privilégio de ver jogando.
 
No ano de 92, enquanto o ‘vovô’ Júnior pulava e saía comemorando feito criança seu gol, eu pulava também e comemorava aquele pentacampeonato. Meu Deus, como o Júnior jogou bola naquele ano!
 
Mas daquele belo time de 81, que colocou os ingleses do Liverpool na roda naquele 13 de dezembro, um, em especial, marcou de forma mais intensa e deixou marcas profundas em minha vida: José Leandro de Souza Ferreira, ou, simplesmente, Leandro!
 
Em 76, de férias no Rio, foi levado a contragosto por seu primo Nonato, que lhe arrumou chuteiras maiores que seus pés e um par de meiões enlarguecidos e, mesmo assim, aquele garoto de 17 anos encantou a todos e deixou uma boa impressão nos testes. 
 
Jogou na lateral esquerda na ocasião e treinou como se estivesse em Cabo Frio, no Tamoyo ou no Santos, clubes de sua cidade natal, onde deu seus primeiros chutes numa bola. Aprovado no Flamengo, virou sensação nos juvenis e alguns jogadores da equipe profissional faziam questão de chegar mais cedo à Gávea para vê-lo treinar.
 
– Era sobrenatural o que ele fazia naqueles treinos com a bola” – me contou, certa vez, Júnior, quando eu e Gustavo Roman o entrevistamos para a biografia do “Peixe Frito”.


Fotos: Marcelo Tabach

Por sua causa e por ser fonte de inspiração, comecei a jogar peladas no Barreto, em Niterói, com o número 2 mal costurado às costas. Lembro perfeitamente, com 9 ou 10 anos: ouvia no radinho os jogos do Flamengo para saber como ele havia jogado.
 
Nas vezes que atuou nas laterais – fosse direita ou esquerda – Leandro inovou na posição. Fez coisas sobrenaturais por ali, era mais uma opção ofensiva do que (mesmo sendo exímio marcador), um simples defensor. Foi a primeira vez que vi, com certa incredulidade, os pontas voltarem para marcá-lo.
 
Eu, que seguia à risca seus passos, me desdobrava naquela lateral de terra batida ou no cimento com imensas rachaduras na Praça do Barreto. Ali, naquela arena noturna, enfrentar Flavinho, Willian, Wellington, Boulevard e cia era uma missão impossível para qualquer garoto da minha idade.


Em cada domínio de bola, subia uma poeira que escondia nossos pés e, em cada chute, algumas pedras iam ferindo nossos dedos. Não foram poucas as vezes que sofri para marcar o Guina (apelido de Marcelo, garoto de extrema habilidade que era carinhosamente chamado assim pela família vascaína).
 
– Graças a Deus eu não marquei o Uri Geller – revelou, certa vez, ao Museu da Pelada, por não ter enfrentado o endiabrado ponteiro.
 
Eu não poderia dizer o mesmo, pois o Guina era a personificação do camisa 11 rubro-negro, fazendo diabruras com seus marcadores e para pará-lo, só dando com a mão. Foi a época que mais sofri nas peladas, mas quem mandou se espelhar no Leandro e querer jogar nas posições que o gênio das pernas arqueadas jogava?
 
Bem feito para mim!
 
Quando deslocado à cabeça de área, havia nele, a regularidade do Andrade, um monstro da posição; a habilidade do Falcão, simplesmente o Rei de Roma; e a eficiência do Cerezo, um dos maiores meio campistas do futebol brasileiro, que foi injustamente crucificado em 82, na Copa da Espanha.
 
Até hoje, não sabemos quem mais sofreu com a culpabilidade do fracasso em uma Copa do Mundo: Barbosa, em 50, ou Cerezo, em 82… Acredito que nem os deuses do futebol ousariam responder.
 
Mas, enquanto o Leandro era cabeça de área, eu tentando mostrar aptidão para o negócio, buscava (em vão), ter metade de sua desenvoltura, quando era obrigado a marcar Patinho (nome de batismo de Márcio), um moleque tão habilidoso quanto o Guina, porém, mais decisivo.
 
É, querer ser Leandro não é mole…

Já no meio campo, o lateral que, em 80, fora reprovado nos exames médicos pelo Inter/RS (graças a Deus), se saía tão bem distribuindo o jogo, lançando os companheiros, pensando nas jogadas, assim como arquitetando as táticas, que pela técnica contida em seu DNA, aquilo que para muitos era difícil, ele tornava fácil. Ali, me sentia melhor o imitando, com exceção de ter que marcar, o que nunca foi meu forte.
 
Apesar de ter sido referência em sua posição, Leandro foi compelido a se deslocar e ficar, em definitivo, com a camisa 3 (em homenagem ao zagueiro rubro-negro Figueiredo, falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo), na metade da década de 80.


Foto: Marcelo Tabach

Por conta dos problemas em seus joelhos, algumas características foram perdidas como o arranque, a velocidade, a polivalência… mas soube, como poucos, preencher os espaços vazios com uma colocação inigualável.
 
Na verdade, com suas limitações, formou com Edinho, uma zaga impenetrável e sagrou-se campeão brasileiro de 87. Em 90, só não disputou sua segunda Copa do Mundo, porque Sebastião Lazaroni não teve ‘culhões’ para levá-lo.
 
Seria sua segunda Copa, pois em 86, refutou ir ao México por achar que seus joelhos não suportariam jogar na lateral e, também, por solidariedade a Renato Gaúcho. Sorte a dele, que numa das piores Copas da história, teria que ficar à frente daquele sistema defensivo falido. Seria um desserviço ao grande jogador que foi. Graças a Deus, que o “Lazarônes” levou Ricardo Gomes, Mozer e Mauro Galvão, que com todo respeito, não tinham bola para botar o “Peixe Frito” no banco.
 
Conseguiu a proeza de, mesmo jogando apenas no Flamengo, em 415 jogos como profissional, ter sido expulso uma única vez, contra o Bangu, em 90, seu último ano de uma carreira vitoriosa.
 
Hoje, mesmo longe dos gramados há 27 anos, continua sendo para mim, referência até hoje nas minhas peladas, aqui em São Gonçalo. Portanto, nenhuma homenagem ao gênio das pernas tortas, seria suficiente para dizer o meu muito obrigado!
 
Que nesse 17 de março você desfrute seu aniversário na companhia de sua família, de seus pais, de seus amigos e possa sempre saber: de todos, você foi para mim e continuará sendo o maior!