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Marcos Vinicius Cabral

SEUS PÉS E A BOLA: UMA COMBINAÇÃO MORTAL

por Marcos Vinicius Cabral


Naquele olhar frágil e na ausência do sorriso, haviam motivos para qualquer coisa, menos desistir do sonho.

Ser jogador de futebol é o que todo garoto de subúrbio espera ser.

E com o pequeno Calu (como era chamado no bairro de São Bento) não seria diferente.

Mas com um grave tumor na perna no qual ficou entrevado numa cama por três meses, o menino sofria pela distância da sua grande paixão: a bola!

As dores só eram amenizadas com a presença de sua mãe, dona Neusa, que ao lado de sua cama permanecia por todo tempo enxugando suas lágrimas.

— Não chore meu filho, tudo vai acabar bem — dizia a matriarca dos Oliveiras enquanto alisava os cabelos encaracolados do filho caçula.

Se o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) dizia no poema “Definitivo” que “a dor é inevitável mas o sofrimento opcional”, por amor à bola o menino Calu não teve opção: era necessário passar por aquilo!

Se naquele ano de 1962, o menino então com 8 anos enfrentava um adversário implacável, a vida lhe reservaria bons motivos para ir adiante.

– Foi um milagre. Milagre porque eu, com sete para oito anos, fiquei praticamente três meses de cama, tive que fazer uma cirurgia de um tumor na coxa e coloquei gesso na perna esquerda toda, na cintura e na outra perna, e aquele tradicional cabo de vassoura no meio. Fiquei três meses na cama sendo assistido pela minha mãe e era muito magrinho. Uma criança que até os sete teve muitos problemas, aos sete tive um problema sério na perna esquerda, com 12 anos um problema também na perna esquerda. Acredito que a gente vem nesse mundo com uma missão, nós podemos melhorar ou não, e acho que fui um privilegiado – contou Roberto Dinamite, em entrevista ao SporTV em 12 de abril de 2014.

Depois de ter ficado engessado por alguns meses, foi proibido por sua mãe de jogar futebol e via pela janela de sua casa, situada à rua José Pinto, a tristeza contrastar com a alegria dos seus colegas de infância que jogavam.

O tempo passou e as feridas do passado ficaram para trás.


O menino triste deu lugar a um habilidoso e notável jogador do São Bento, clube tradicional de Duque de Caxias, onde seu pai, seu José Maia, havia sido goleiro.

Já a mãe, dona Neusa, era torcedora do Parque Lafayette, seu arquirrival.

Muito querido no bairro – nascer em Duque de Caxias tem lá suas vantagens –  Carlos Roberto de Oliveira foi o terceiro e último a nascer.

Porém, dentro das quatro linhas ia fazendo seus gols e inspirado por Jairzinho, Furacão da Copa de 1970, aos poucos mostrava que bola na rede era o seu forte.

Se o destino havia lhe tirado o sorriso quando ficou de cama por alguns meses, dessa vez o destino lhe compensou e colocou no seu caminho Francisco de Souza Ferreira, seu Gradim, olheiro do Vasco da Gama, que se encantou com o moleque.

Com 16 anos, aprovado na peneira no campo do São Bento em 1969, o apelido Calu era esquecido e em São Januário passou a ser chamado apenas por Roberto.


Se desenvolveu, ganhou cerca de 15kg de massa muscular e fama com seus 46 gols marcados logo em seu primeiro ano de juvenil.

Sendo destaque nos treinos, era questão de tempo que uma oportunidade aparecesse.

E foi no Campeonato Brasileiro de 1971, que o técnico Admildo Chirol colocou a jovem promessa em campo, contra o Bahia.

Não fez gol e passou em branco.

Depois disso, contra o Atlético-MG foi titular pela primeira vez e diante de tanta expectativa criada em torno dele, o menino de sorriso marcante não foi bem na derrota por 2 a 1, fora de casa.

Com isso, acabou substituído.

Mas o destinou tratou de entrar em ação mais uma vez e aquele começo difícil seria brevemente esquecido.

Contudo, se o sueco Alfred Nobel – falecido em dezembro de 1896 – por algum milagre, pudesse voltar à vida e, na sua qualidade de químico e inventor da dinamite, fosse indicado para receber o prêmio que leva o seu nome, ficaria, na certa, profundamente lisonjeado.

Motivos não lhe faltariam para colher os resultados de sua invenção.

Pois ela atravessou séculos, irrompeu mares, explodiu como bolas de fogo nos céus existentes do universo e foi, anos mais tarde, visto como grande feito naquele 25 de novembro de 1971, na estreia do “garoto dinamite” contra o Internacional, em pleno Maracanã.


Surgia enfim, um artefato à base  de nitroglicerina dos pés daquele jovem de apenas 17 anos, que destruía defesas e fazia com que seus marcadores entrassem em conflito numa guerra declarada por cada gol explodido, como o seu primeiro na carreira contra a equipe Colorada.

A palavra dinamite nunca havia sido tão bem aplicada para descrever a ação de um ser humano de carne e osso, que aplicava força nos chutes.

E foi graça aos repórteres Aparício Pires e Eliomário Valente do Jornal dos Sports – que cobriam os treinos dos juvenis do Vasco na época – que o apelido pegou.

Enquanto vestiu a camisa do Club de Regatas Vasco da Gama – foi sem demérito algum para os outros ídolos de São Januário – o maior explosivo utilizado pelo clube.

Assim era esse simples Roberto.

Não, não um Roberto tão simples assim.

Era Roberto Dinamite!

Esse mesmo Roberto que devemos incluir o “Dinamite” sempre e torná-lo um nome composto.

Esse sobrenatural centroavante que conquistou as Bolas de Prata da revista Placar, em 1979, 1981 e 1984.


Esse desbravador de marcadores que foi artilheiro dos Campeonatos Brasileiros de 1974 e de 1984, ambos com 16 gols.

Esse extraordinário atacante que foi artilheiro do Campeonato Carioca de 1978 com 19 gols, de 1981 com 31 gols e de 1985 com 12 gols.

Esse destruidor de esquemas táticos que foi artilheiro da Copa América de 1983 com 3 gols.

Esse jogador diferenciado que foi artilheiro do Vasco em todas as temporadas de 1973 até 1985.

Esse exuberante profissional que continua sendo o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro nos 328 jogos disputados e nas 190 explosões de gols.

Esse Deus vascaíno que é o maior artilheiro da história do Campeonato Carioca com 284 gols.

Esse magnânimo atleta que é o maior artilheiro da história do Vasco da Gama com 702 gols.

Esse jogador de talento esporádico que é considerado o maior artilheiro da história do estádio de São Januário com 184 gols.

Esse gênio da bola que é o atleta que mais vestiu a camisa do Vasco da Gama em sua rica história com 1110 jogos.

Esse artilheiro dos artilheiros que é ao lado de Pelé e Rogério Ceni, os três jogadores brasileiros com mais de 1000 jogos por um único clube.

Esse exímio cobrador de faltas que foi eleito para o time dos sonhos do Vasco da Gama pela revista Placar em 2006.


Enfim, o camisa 10 de São Januário era um explosivo diferente, que não causava dano material algum mas fazia vítimas por onde passava.

Para o clube da Cruz de Malta essa explosão suscitava em seus torcedores uma enorme alegria e a certeza que com ele em campo, não havia placar em branco.

Já para os adversários nem tanto, pois causava uma tristeza nem sempre efêmera que machucava o peito, causava um mal-estar e afetava o coração.

Mas o gênio Roberto Dinamite era assim… ele explodia gols!

De todos os jeitos, de diversas formas e de diferentes tipos.

Muitos, centenas, milhares… e por mais de duas décadas, ecoou em estádios de vários cantos do Brasil e até do mundo, o barulho retumbante de gols, muitos gols.

De tanto ter seus gols amplificados pelos estádios de futebol mundo afora acabou chegando na Espanha e aos ouvidos do técnico espanhol Joaquim Rifé que pediu sua contratação.

Com 26 anos, nove temporadas no cruzmaltino e sendo assediado por clubes europeus o Vasco não pôde evitar a transferência de seu melhor atleta para o Barcelona, que desembolsou 56 milhões de pesetas – moeda utilizada na Espanha entre 1869 a 2002 – e o tirou da Cidade Maravilhosa.

— Eu voltarei — diria sem imaginar que 5 anos depois a frase se tornaria famosa mundialmente no cinema na voz do então desconhecido ator austríaco Arnold Schwarzenegger, no filme “O Exterminador do Futuro.

Em sua estreia no clube catalão, marcou logo dois gols e alçou voos maiores.


Entretanto, o técnico que havia pedido sua contratação foi demitido três rodadas depois, sendo substituído pelo argentino Helenio Herrera, que cortou suas asas ao não utilizá -lo.

Nos três meses em que esteve vestindo as cores do Barça, o desejo de voltar a jogar era grande.

Com o pensamento em voltar ao Brasil, recebeu Márcio Braga – então presidente do Flamengo – e Eurico Miranda – a mando do presidente Alberto Pires – que queriam a qualquer custo trazê-lo de volta ao Rio de Janeiro.

Nessa queda de braço a paixão falou mais alto e sobretudo quando se ama o clube: Roberto Dinamite estava de volta a São Januário!

Em 5 de maio de 1980, a reestreia era contra o Corinthians, no Maracanã.

O resultado foi uma goleada acachapante de 5 a 2, no qual o camisa 10 fez todos os gols da equipe vascaína.

Foi a volta triunfal do maior ídolo do clube, acompanhada inclusive por um repórter de Barcelona, que relataria o jogo para um jornal local com os dizeres: “Esto, sí, es lo verdadero Dinamita”, (os espanhóis nunca souberam pronunciar Di-na-mi-te)!

Mas ele havia voltado!

E como o ex-governador da Califórnia, a missão de Roberto Dinamite era exterminar seja quem fosse.

E nessa sua volta, havia o desejo de resgatar a ovação de uma torcida infinita em êxtase.

Ou ainda, quem sabe, torcedores regozijavam como dois jovens apaixonados que descobrem no sexo a forma plural do prazer. 

Carlos Roberto de Oliveira foi “Dinamite” em estado puro na magia de um futebol aprazível.

Foi titular na Copa do Mundo de 1978, na Argentina e faltou pouco para ser campeão com a camisa 20 amarelinha.

Atravessou a década de 80 sendo mortal como sempre, foi injustiçado na Copa da Espanha em 1982 (foi reserva de Serginho Chulapa), jogou na Associação Portuguesa de Desportos e disputou grandes jogos contra o Flamengo.

— Enfrentei o Roberto em muitos e muitos jogos, um cracaço, um exemplo de profissional, muita dedicação, era ele no Vasco e o Zico no Flamengo, símbolos de seus clubes. Nós tínhamos muito respeito por ele e quando nos enfrentrávamos, eu falava para o Mozer: Não bate no velhinho não, pô! Na verdade ele não estava velho mas a gente inventava essas coisas para irritá-lo (risos). Mas o Roberto era um perigo e se a gente não ficasse de olho… ainda mais quando depois que ele recuou e com a entrada do Romário foi uma confusão danada para a gente — conta o ex-lateral rubro-negro Leandro, que jogando na zaga teve que marcar o camisa 10 vascaíno.

E completa: — O Roberto era um centroavante perigossíssimo, artilheiro nato, bom de cabeceio, pênalti, falta, cortava bem tanto para dentro quanto para fora e batia com qualquer perna, era um perigo constante. Mas era bom enfrentá-lo, porque se eu fui um grande zagueiro foi exatamente por ter enfrentado um jogador como ele.

Entretanto, Roberto é assim no meio futebolístico onde poucos merecem tamanha deferência, e sem sombra de dúvidas, o “Dinamite” é um deles.

Ainda deu tempo de jogar no Campo Grande Atlético Clube em 1993, um pouco antes de se aposentar.

Enveredou na política em 1992 elegendo-se vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSDB e dois anos depois, elegeu-se deputado estadual, cargo este onde se reelegeria em 1998, 2002, 2006 e 2010.


Foi presidente do clube que tanto ama mas não teve o sucesso que teve nos gramados.

Logo em seu primeiro ano de mandato, levou o clube ao seu primeiro rebaixamento na história, subindo com o título da segunda divisão no ano seguinte.

Em 2010, o Vasco seria apenas décimo primeiro na tabela do Brasileirão, enquanto 2011 foi um ano sublime de “Dinamite” à frente do clube, onde foi Campeão da Copa do Brasil e vice brasileiro, com vaga garantida para a Libertadores de 2012.

Na competição, foi eliminado nas quartas de final para o Corinthians (quem não se lembra do gol perdido por Diego Souza?), e, no mesmo ano, foi quinto colocado na tabela do Campeonato Brasileiro.

Era o ensaio de uma volta do clube aos seus bons tempos, porém, em 2013, uma tragédia: o Vasco fez um ano terrível e caiu novamente para a Série B, acabando de vez com a possibilidade de reeleição para um terceiro mandato, nas eleições do ano seguinte – que foram vencidas por Eurico Miranda, que voltaria ao clube.

No ano de 2013, a VascoTV produziu um documentário de 30 minutos, chamado “Dinamite 40 anos – A História de um Ídolo”, sobre a carreira do maior jogador do clube.

Saiu de cena do cenário político e dos bastidores do futebol e hoje participa do programa esportivo Os Donos da Bola na TV Bandeirantes.

Portanto, hoje, 13 de abril o Rei de São Januário completa mais um ano de vida com o sentimento de dever cumprido.

E muitos de seus séquitos, como Bismarck, William, Bebeto, Geovani, Sorato, Mauricinho, Edmundo, Felipe, Juninho e Romário, foram rasos (com todo respeito às suas histórias) diante da profundidade que o eterno camisa 10 do Vasco representa nesses quase 120 anos.

Viva “Dinamite” e muitas explosões de coisas boas para você.

A COPA DO MUNDO DE 1986 SOB A VISÃO DE UM MENINO LOIRINHO

por Marcos Vinicius Cabral


Sentado na última cadeira da primeira fileira do lado contrário da porta na sala de aula, o suor escorria pelo rosto daquele menino loirinho de 13 anos.

Aquele espaço físico de aproximadamente 4m x 3m, sem ventilação e com pequenas janelas encardidas deixavam à mostra algumas folhas secas castigadas pelo tempo e sopradas pelo vento.

Vez ou outra, o som dos pássaros famintos pedindo comida no ninho que estava instalado no peitoral em uma das janelas tornava menos tediosas determinadas aulas.

E era para os alunos da 6ª série do CETHL (Colégio Estadual Técnico Henrique Lage), motivo de contemplação a relação daquelas espécies de aves.

Por mais que aquele menino loirinho fosse aplicado em Matemática do professor Feliciano, equações, raiz quadrada e porcentagem nunca foram seu forte.


Já em Português, da professora Terezinha, sujeito, verbo e predicado faziam com que seu desempenho fosse satisfatório nesta disciplina.

Portanto, nada seria mais natural que a leitura e a busca incessante por informações fizessem que o menino loirinho se tornasse um ávido leitor da Reader’s Digest – revista mensal criada em 1922 por Lila Bell Wallace e DeWitt Wallace em Nova York – conhecida aqui no Brasil como Seleções e das manchetes esportivas, pois era também apaixonado por futebol.

Mas aquele ano de 1986 era ansiedade, ansiedade e ansiedade…

Era ano de Copa do Mundo e tanta ansiedade só seria atenuada à procura de informações quase sempre nas folheadas escondidas do jornaleiro nas páginas do Jornal do Brasil na banca próxima ao colégio.

Enfim, o domingo de estreia do Brasil se aproximava e era contra os espanhóis.

Aliás, os mesmos espanhóis que eram considerados favoritos na Copa de 1950 em solo brasileiro até o confronto pela fase final da competição, quando sofreram uma goleada de 6 a 1 para o escrete canarinho – Ademir da Guia e Zizinho só não fizeram chover naquela tarde no Maracanã – onde os 153 mil pagantes aplaudiram de pé os brasileiros.

Desde então, a Espanha passara a ser chamada de Fúria em virtude do encantamento de seu futebol apresentado naquela Copa.

E para não perder o brilho nos seus olhos, o menino loirinho, aflito, não escondia de ninguém a frustração se viesse a perder algum jogo caso fosse em um dia de aula.


E as partidas eram novamente no México, onde havíamos conquistado o tri com uma linha de produção dos operários da bola como Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivelino, que com o selo de qualidade, transformou aquele time em um fábrica de bons resultados e se transformou em um dos melhores nas vinte edições de Copas do Mundo.

Mesmo sendo um aluno exemplar, o menino loirinho não hesitaria em matar aula para correr para casa e ver seus heróis em ação.

Com os fantasmas da eliminação da seleção brasileira na Copa da Espanha, em 1982, assombrando e sobrevoando o imaginário dos amantes do bom futebol, havia no povo brasileiro, um misto de certeza e desconfiança.

Ainda mais que alguns acontecimentos infelizes pré-Copa seriam um presságio de coisas ruins.

E teria como não sê-los?

Ei-los:

Parecia mentira o 1° de abril, quando no amistoso contra o Peru, em São Luís (MA), o camisa 11 Éder Aleixo deu um tapa na cara de um adversário na lateral do campo.

Telê não hesitou e cortou o ponteiro que não mais vestiria a camisa amarelinha em jogos oficiais.

Já o outro ponteiro, Renato Gaúcho ficou de fora da lista final dos jogadores selecionados que usariam terno com as iniciais CBF bordadas no bolso do terno para viajar ao México.

O técnico brasileiro não engoliria a fatídica noite na esbórnia dele com o parceiro Leandro, em que chegaram noutro dia na concentração, na Toca da Raposa – que foi o centro de treinamentos utilizada para a preparação da Seleção Brasileira para as Copa do Mundo de 1982 e a de 1986 -, na cidade mineira.

Talvez o lateral Leandro, que surpreendeu a todos ao refutar sua segunda Copa do Mundo em solidariedade ao ponteiro gremista, tenha sido a ausência mais sentida por Telê.

Pouco tempo depois, o treinador dizia em entrevistas que precisava apenas de 40% de seu futebol, independente do estado de seus joelhos.

Mas Leandro não retrocedeu, manteve-se firme em não ir ao México e surgia Josimar, camisa 2 do Botafogo como seu substituto.

Na lateral esquerda, surgia um impressionante Branco – que sagrava-se tricampeão carioca pelo Fluminense –  que obrigaria o técnico a deslocar Júnior para o meio de campo, formando com Elzo, Alemão e Sócrates, os pensadores da equipe.

Com experiência comprovada na magia de um futebol envolvente como foi em 1982 na Espanha, Telê preferiu reservar três lugares cativos no banco: um para Cerezo, outro para Falcão e mais um para Zico.

Os dois primeiros estavam por deficiência técnica, enquanto nosso camisa 10, tentava se recuperar de uma grave contusão em seu joelho.


Era muita coisa negativa para uma seleção que buscava o Tetracampeonato Mundial.

Se o pernambucano Gagliano Neto foi o primeiro locutor brasileiro a transmitir um jogo de Copa do Mundo – na França em 1938 -, Galvão Bueno, Luciano do Valle e Osmar Santos tentaram fazer com que a torcida brasileira acreditasse no título de uma seleção pragmática com suas respectivas narrações, que vinham recheadas de emoção e de uma inquietude jamais escutada pelos ouvidos daquele menino loirinho.

A bola ia rolar…

Em 1° de julho, no gramado do estádio Jalisco em Guadalajara, brasileiros e espanhóis se perfilaram para o ritual dos jogos em Copas do Mundo.

Coisa normal, aparentemente.

Bastou tocar o Hino à Bandeira e não o Hino Nacional, que o sorriso sem graça de Sócrates e o balançar negativamente de sua cabeça, demonstraram o que seria o futebol brasileiro naquela décima segunda edição de Copa do Mundo.


O sonho acalentado há quatro anos, quando sucumbimos para a Itália, ali, naquele momento foi determinante: o Brasil não ganharia aquele Mundial.

Se o menino José Carlos Vilella Júnior, então com 10 anos, estampou a capa do Jornal da Tarde chorando lágrimas torrenciais, dando ao fotógrafo Reginaldo Manente seu terceiro prêmio Esso de Jornalismo – considerado o Oscar para a imprensa – na derrota para a Itália, em 1982, aquele menino loirinho chorava silenciosamente, sentado no chão acimentado situado à Rua Dr. March, 70, no Barreto em Niterói.

Ali, rodeado por alguns vizinhos, ele é milhares de torcedores viram o Brasil vencer a Espanha por 1 a 0, graças ao árbitro australiano Christopher Bambridge, que invalidou um gol legítimo do espanhol Michel.

O Brasil venceu mas não convenceu.

No segundo jogo contra a Irlanda, um pobre futebol e o mesmo placar da estreia – 1 a 0 – e o pessimismo cada vez mais presente àquela seleção.

No terceiro jogo, com dois golaços de Josimar e uma vitória por 3 a 0 contra os irlandeses, o caminho ia se tornando firme com os passos dado pela equipe de Telê Santana.


No jogo seguinte, contra a envelhecida Polônia do craque Zbigniew Boniek – que já não era o mesmo de quatro anos antes – um 4 a 0 trouxe um serenismo à torcida e um euforia contagiante.

Contagiante sim e perigosa também!

A próxima fase seria um desafio ainda maior já que os três jogos iniciais não serviriam de parâmetro àquela altura do campeonato.

E chegava enfim, às quartas de final da Copa do Mundo.

De um lado a seleção brasileira de Edinho, Sócrates, Júnior e Careca enfrentaria a seleção francesa de Platini, Tigana, Giresse e Amoros, para ir à semifinal.

Naquele 21 de junho, completava-se 16 anos da conquista do Tricampeonato Mundial do Brasil em 1970 e era o aniversário de 31 anos de Michel Platini, o maior jogador francês da história até o surgimento de outro maravilhoso camisa 10: Zinedine Zidane!

E o Brasil fez, sem sombra de dúvidas, sua melhor exibição.

Não era a sombra do espetáculo que produziu quatro anos antes na Copa do Mundo da Espanha, mas era uma equipe com uma tática bem definida.

Era um clássico histórico, dramático e inesquecível!

Se o camisa 10 deles esbanjava talento nos gramados mexicanos, o nosso estava no banco e sem ritmo de jogo, entrando no decorrer das partidas.


Entrou no segundo tempo e aos 26 minutos na primeira bola que recebeu no meio campo, enfiou na diagonal para a entrada do lateral Branco que tocado pelo goleiro francês (até então um desconhecido), dentro da área, cometeu pênalti.

Os olhos do menino loirinho brilharam como nunca naquele momento.

Enquanto Branco com os punhos cerrados recebia o abraço forte do meio campista Alemão fazendo-o desabar no gramado e olhando o céu mexicano, o menino loirinho abraçava todo mundo, inclusive Carlinhos, um morador de rua que assistia a partida e era famoso no bairro.

Na hora da cobrança, Edinho pega a bola e dá ao Zico como se dissesse: “Toma. É sua. Só você sabe o que passou para chegar até aqui”.

O árbitro autoriza o Galinho, que bate mal e o camisa 1 da equipe francesa voa e defende.


Nesse instante os olhos do menino loirinho começam a ser uma nascente de lágrimas de diferentes sentimentos.

Elas escorrem pelo seu rosto inocente e incrédulo com o que havia acontecido, ele olha para o céu e busca resposta para sua pergunta: “Deus, por que o SENHOR deixou isso acontecer?”.

O silêncio toma conta dos quase 100 torcedores, que aglomerados naquele chão recém acimentado fazem daquele instante um momento doloroso e inesquecível.

O jogo terminaria empatado e o Brasil perderia na decisão dos pênaltis – Sócrates e Júlio César desperdiçariam suas cobranças e Platini também – por 4 a 3.


Fim de um sonho.

Se o goleiro italiano Zoff foi o vilão da história em 1982, o que dizer de Bats, que não deixou a geração de Zico e Cia. ir além naquele Mundial?

O amor irrestrito no coraçãozinho daquele menino loirinho pelas cores verde e amarelo se transformaria em ódio mortal pelas cores da França até bem pouco tempo atrás.

Aquele menino loirinho acreditou cegamente que o Brasil de Telê Santana na Copa do México seria campeão exatamente no melhor jogo que fizera naquela competição: contra os franceses!

Vem aí, a vigésima primeira edição de Copa do Mundo, a da Rússia, em junho.

Que não tenham mais meninos loirinhos chorando em silêncio e sendo desacreditados por aquilo que há de mais precioso no futebol: a magia da inocência de se acreditar!

Passados quase 32 anos daquela Copa do Mundo, aquele menino loirinho se lamenta até hoje e vive sonhando que o pênalti perdido pelo Zico foi tudo uma brincadeira de mau gosto dos deuses que dominam e cometem injustiças nesse esporte chamado futebol.

Em tempo: O menino loirinho se chama Marcos Vinicius Cabral, tem 44 anos, é escritor – lançou dois livros e está terminando o terceiro – é jornalista, chargista, taxista, pintor de quadros, colaborador do Museu da Pelada, coordenador do jornal niteroiense on-line A Metropole e craque da camisa 23 – numa clara alusão ao dia do nascimento de sua única filha Gabrielle Cabral – do Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, no Porto Velho em São Gonçalo.

MALDITOS JOELHOS

por Marcos Vinicius Cabral


Nascido em 17 de março de 1959 em Cabo Frio, na Região dos Lagos, o menino de olhos esverdeados José Leandro de Souza Ferreira não imaginaria o que o futuro lhe reservava.

A paixão pelo clube da Gávea começou em 1969, na decisão do Carioca entre Flamengo e Fluminense.

No quarto, Leandro em companhia do pai, seu Eliziário, ouvia o jogo ao som do radinho de pilha.

– Vi meu pai muito triste, porque o Flamengo perdia para o Fluminense por 2 a 1. Depois do segundo gol tricolor, eu disse que iria ao banheiro, mas fui à sala ajoelhar e rezar pelo empate. Quando voltei, saiu o gol. Foi uma alegria imensa. Depois perdemos o titulo, mas me senti realizado por papai do céu atender ao meu pedido! – conta.

Depois disso a paixão foi crescendo, crescendo e crescendo.

E cresceu tanto a ponto de voltando da Praia do Leblon – no período de férias escolares – ir à contragosto com o primo Nonato à sede do clube marcar um teste.

Com um par de chuteiras maiores que seu número habitual, meiões enlarguecidos e desbotados pelo tempo e um short desproporcional ao seu corpo, se candidatou à vaga de lateral esquerdo.

Passou com sobras nos dois treinos que fez no campo da Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador e ao lado de Vitor – cabeça de área que jogou nos quatro grandes clubes do Rio – foi selecionado por Américo Faria para treinar na Gávea.


– Ele costumava fazer as jogadas dentro de campo e olhar para o banco de reservas para ver se eu estava olhando. E como eu fingia que não via, sempre que terminava o jogo ele vinha me perguntar se eu havia gostado daquilo. Eu dizia que estava indo bem! – diz o ex-supervisor da seleção brasileira Américo Faria, de 73 anos.

E completa:

– Na minha longa carreira no futebol, foi, sem dúvida alguma, o jogador de maior talento com quem trabalhei.

Já como juvenil do Clube de Regatas do Flamengo, começou a despontar nas preliminares.

– Certa vez, finzinho da década de 70, fui ao estádio Caio Martins em Niterói, ver os dois jogos da decisão juvenil entre Flamengo e Botafogo. Mesmo tendo perdido as duas partidas e visto o alvinegro sagrar-se campeão, fiquei feliz com a atuação de um jogador. Seu nome? Um certo Leandro! –  relembra o metalúrgico Luiz Antonio Lorosa de 52 anos.

E foi aos poucos que Leandro foi conquistando seu espaço na equipe rubro-negra.

Apesar de quase ter ido para o Internacional no começo da carreira – foi reprovado pelo Departamento Médico do clube gaúcho por causa dos joelhos – se firmou na posição no qual é até hoje lembrado.


(Foto: Marcelo Tabach)

Com uma trajetória marcada por glórias nos inúmeros títulos conquistados na carreira, como os Brasileiros, Libertadores e Mundial na prolifera década de 80, era frequentador assíduo do Departamento Médico e da sala de musculação do clube.

Se ganhou o apelido de “peixe-frito” no mundo da bola, poucas não foram as vezes que fez trabalhos específicos na piscina.

Era muito sacrifício que a lateral direita lhe exigia.

Quando Júnior foi vendido ao Torino, em 1984, o Flamengo tratou logo de contratar um substituto para disputar com Adalberto a posição.

– Fui para disputar a titularidade com Adalberto na lateral esquerda e acabou o Mozer se machucando e ele (Leandro) pediu para ir para a zaga. Agradeci muito por ele ter feito isso e tenho a certeza que não entraria tão cedo na equipe, pois na direita era quase que impossível de eu entrar! – diz Jorginho, tetracampeão mundial em 1994.

E completa:

– Pra mim foi o melhor lateral direito que eu vi jogar do mundo. Eu o considero fora de série, um craque em quem sempre me espelhei.

E foi dessa forma que Leandro passou da lateral à zaga e continuou mostrando todo seu repertório de grande jogador.

Onde fosse colocado, o “peixe” jogava.

Trocou a camisa 2 – que passou a ser vestida por Jorginho – pela 3 em homenagem ao zagueiro Figueiredo – falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo – que era seu companheiro no Flamengo.

Com o novo número às costas, fez partidas épicas pelo rubro-negro, como o Fla-Flu do Leandro, em 1985, quando marcou um golaço.


– O que me impressionava no Leandro era sua elegância em campo. A mim parecia que ele flutuava sobre o gramado, com a bola docilmente subjugada junto aos seus pés. Vendo-o jogar, parecia que tudo era fácil! O drible, a condução da bola, o lançamento. Leandro executava cada um dos fundamentos com uma maestria que encantava a todos. O overlapping e o ponto futuro, inovações de Cláudio Coutinho, pareciam ter sido criadas para ele. Era fantástico ver que, de repente, do nada, o lateral aparecia na linha de fundo e num lançamento preciso deixava Nunes ou Zico na cara do gol. Se Zico foi o rei, Leandro era o príncipe! Quando Leandro parou de jogar, um bocado da magia do futebol se foi com ele. Mas é reconfortante saber que a admiração pelo ídolo persiste em todo rubro-negro que um dia teve o privilégio de tê-lo visto jogar! – frisa o professor universitário Maurício Vasquez de 57 anos e fã do jogador.

Mas se não fossem os malditos joelhos, teria ido mais longe na carreira.

Teria, por exemplo, disputado a Copa do Mundo no México, em 1986, já que era nome certo para ocupar a lateral direita como Telê Santana queria.

Porém, se negou a ir por achar que não seria útil naquela posição, embora muitos achem que foi por solidariedade ao corte de Renato Gaúcho.

Não tinha o vigor e nem os joelhos da Copa passada, a de 1982, na Espanha – já que aquele Brasil de Zico, talvez tenha sido ao lado da Hungria de Puskas em 1954 e da Holanda de Cruyff em 1974, as seleções mais injustiçadas no mundo ingrato da bola – mesmo com sua qualidade inquestionável.

Ainda teve fôlego para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1987 e numa carreira vitoriosa, abandonou o futebol.

Em pouco mais de 10 anos como jogador (1978-1990), foi expulso uma única vez contra o Bangu, exatamente na sua última partida como profissional.

Leandro deixou saudades.

Deixou um legado no futebol inestimável e foi um divisor de águas naquela lateral direita.

Até hoje, passados 28 anos que pendurou as chuteiras, resiste ao tempo a genialidade de quem é considerado por muitos como o maior lateral direito de todos os tempos.

Hoje, 17 de março, o “Cavalo Manco” – como Carpegiani o chamava – faz 59 anos.

Vida longa e feliz aniversário!

OS IRMÃOS DA BOLA

Por Marcos Vinicius Cabral

A música “Assim Sem Você”, composta por Abdullah e Cacá Moraes, se tornou um dos grandes hits da dupla gonçalense Claudinho e Buchecha, que por força do destino, chegou ao fim em virtude do acidente automobilístico que vitimou Buchecha, na noite de 13 de julho de 2002, na Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo.

A dupla de músicos que conhecia como poucos as riquezas nascidas do outro lado da poça, certamente teria incluído na letra da bela canção os nomes de Flávio e William, a dupla de boleiros que mais esteve em evidência e fez história em Niterói, nos anos 80
.
Nascido no Barreto, em Niterói, Flávio Henrique Cordeiro de Oliveira iniciou a paixão pelo futebol ainda pequeno, e quando chegava o Natal, colocava na janela de seu quarto uma meia com seu pedido em um pedaço de papel mal escrito:


Flávio exibe seu troféu

“Papai Noel, fui um garoto obediente, passei de ano e, por causa disso, te peço uma bola de futebol de presente”, dizia o bilhete que era repetido todos os finais de ano.

A adoração ao bom velhinho se estendeu nas idas ao Maracanã e despertou no garoto, então com 10 anos, um sentimento que nutre até hoje pelo clube das Laranjeiras:

– A paixão pelo Fluminense foi crescendo com meus pais levando eu e minha irmã para assistirmos a chegada do Papai Noel de helicóptero e mais tarde aos jogos do Fluzão – diz hoje o tricolor com 46 anos.

E como torcedor do clube das três cores que traduzem tradição, escolheu Rivelino – um dos maiores jogadores do futebol brasileiro – para ídolo:

– O cara era tão bom que arrumaram um lugar para ele jogar na seleção de 70 – confidencia sempre aos amigos mais chegados nas resenhas de futebol regadas a muita cerveja e tira-gosto.

Se o criador do elástico – drible até hoje imortalizado pelo bigodudo camisa 10 tricolor – seria outra paixão avassaladora na vida do garoto ruivo de olhos esverdeados, seus pais, seu Joseir e dona Alcely, jamais ousariam imaginar que o filho se transformaria em um habilidoso meia niteroiense.


O artilheiro William

Não muito distante dali, William Neves, nascido no Cubango, também em Niterói, dava seus primeiros chutes em uma bola na rua Visconde do Uruguai, centro da cidade onde morava: 

– Lembro que aos domingos fechávamos a rua para jogar futebol. Nossos pais, sentados com suas cadeiras de praia nas calçadas eram para nós a torcida! – diz lembrando que recebia abraços de seu Evani e dona Tânia nas invasões ao “campo asfáltico” para comemorar cada gol marcado.

Com apenas 7 anos de idade, ia com a família toda ao Maracanã não para ver o bom velhinho, mas para ver os jogos do Vasco, clube de coração.

– A paixão pela instituição Vasco da Gama começou desde cedo quando convivíamos com Roberto Dinamite e outros grandes ídolos, já que meu pai era sócio benemérito do clube – diz o apaixonado cruzmaltino hoje com 47 anos.

Mas o início de ambos seria em lugares completamente diferentes.

Enquanto William com 10 anos disputava o campeonato mirim de futsal em Niterói, defendendo as cores tricolores do Fluminensinho da Fuscaldeza, Flávio treinava com Jair Marinho – considerado o maior garimpador de talentos da região – no Combinado Cinco de Julho, no Barreto.


Mas se a bola os tornaria amigos inseparáveis, não foi através dela, e sim dos livros, que iniciariam a amizade em 1982, no Colégio Estadual Henrique Lage, na 5ª série, na sala 501.

Com o passar dos anos, começaram a escrever seus nomes com letras maiúsculas por onde jogariam, solidificando com isso a relação amigável, quando viraram vizinhos no Barreto.

Dali por diante, seus nomes começariam a ser notados pelos moradores, amigos, parentes e os que passaram a acreditar que aquela dupla poderia “vingar” no futebol.

Em 1985, com 14 anos, Flávio era destaque do Fluminense nos treinos nas Laranjeiras, mas em virtude do horário das aulas do colégio, teve que parar e voltar meses depois.


Como prova de que voltaria, recebeu uma carteirinha (foto) que lhe permitia livre acesso as dependências do clube.

Voltou mas teve que ser reavaliado em Xerém, numa peneira com mais de mil garotos.

Desse número exorbitante de meninos que sonhavam em ser jogador de futebol, passou com sobras com mais quatro, sendo um deles um certo Edmundo, que acabou indo para o Botafogo e anos mais tarde se tornaria um dos maiores jogadores da história do Vasco.

Já William, viveria de 1984 a 1987 em São Januário, marcando gols e conquistando respeito até o dia em que foi mandado embora por Isaías Tinoco, que era o supervisor das categorias de base.

– Tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto dos outros jogadores, que me trancaram no banheiro e como o treino estava prestes a começar, tive que arrombar a porta! – lembra, ciente do erro.

Como toda ação gera uma reação, o supervisor vascaíno ameaçou dispensar todos os jogadores caso não aparecesse quem havia feito aquilo.

– Acho que assumi meu erro, mas não podia ficar sem treinar. Além do mais, não poderia deixar que inocentes fossem desligados do clube por minha causa! – ressalta o ex-camisa 9 dos juvenis.

Se Fluminense e Vasco não souberam valorizar duas jóias raras como Flávio e William, eles seguiram na estrada da vida sem olhar no retrovisor a mágoa que ficou no passado, nos clubes de seus corações.

A vida passava celeremente e nos campos do bucólico bairro do Barreto, de 1986 a 1987, ganharam todos os festivais assim como torneios que disputaram.

Tornaram-se a sensação do 1º campeonato do Ceclat (já extinto), jogando pelo Pouca Rola Futebol Clube, onde imortalizaram as camisas 9 e 10.

Não seria, de forma alguma, a primeira e tampouco a última vez que jogariam juntos, enfrentando arquirrivais como Viradouro, Flor do Campo, Unidos do Barreto, Grêmio, Pirata e todas, sem exceção, consideradas grandes equipes.

Um terceiro lugar para uma equipe estreante, modesta e recheada de garotos, valeu mais que um título, naquela competição em 1988.

O sucesso da “Dupla Infernal” dentro das quatro linhas, acabou rendendo para cada uma moção de aplausos concedido pela Câmara Municipal de Niterói, datada em 11 de setembro de 1988 e assinada por Roulien Pinto Camillo, então Secretário Municipal de Esporte e Lazer.   

No ano seguinte, enquanto Flávio continuava encantando a todos com seu futebol vistoso no terreno de terra batida dos campos niteroienses e buscando um lugar ao sol em algum clube do Rio, William se aventurava destemidamente pela região serrana do Estado.

Para o centroavante da camisa 9, O difícil não foi ficar longe da família e dos amigos para obter a aprovação nos testes em 1990, foi ouvir de um dos Diretores que mesmo aprovado no Friburguense Atlético Clube, o clube dispensaria toda categoria juniores por estar encerrando suas atividades.

– Lembro-me até hoje daquele menino alto, magro e com uma qualidade técnica impressionante. Eu estava começando minha carreira no Friburguense, onde o indiquei para treinar. Uma pena não ter sido profissional! – lamenta o amigo e ex-jogador Pires, que fez muito sucesso no Fluminense no início da década de 90.

Apesar do golpe desferido pelo destino, regressou ao Barreto para vestir a camisa 9 que sempre foi sua e ajudou o Pouca Rola na conquista do título, que seria inédito na sua curta mas marcante história.

Na disputa do 5º campeonato do Ceclat,  com uma equipe mais técnica e com contratações que proporcionavam aos torcedores a certeza da conquista daquele caneco, sucumbiram para um Grêmio desacreditado em pleno Combinado Cinco de Julho.

Como todo grande time tem suas vulnerabilidades, o Pouca Rola não seria exceção.

Resultado: em um contra-ataque fulminante, o habilidoso e endiabrado Guina fez o gol que classificou a equipe para a final.

– Aquele time foi um dos melhores que joguei. Mesmo sem ter vencido nenhum campeonato e ter durado apenas 5 anos, até hoje é lembrado por todos no bairro! – relembra o camisa 8 Lito.


E completa:

– Flavinho e William foram, sem sombra de dúvidas, os maiores com quem tive o privilégio de jogar. Os caras eram foras de série. Só lhes faltou um título pelo Pouca Rola”.

Se os deuses do futebol castigam grandes jogadores com algumas derrotas, Flávio e William souberam absorver como uma ostra as toxinas dos insucessos do mundo da bola.

E foi na Ilha da Conçeição, em Niterói, que depuraram essa falta de títulos no Barreto em vitórias no campo do Azul e Branco.

Não baixaram a cabeça e vestiram a camisa do Embalo Futebol Clube e foram tricampeões nas temporadas 91/92/93.

Ainda nesse período, Flávio já era jogador profissional, depois de passagens por Mesquita, São Cristóvão, Bangu e acabou sendo federado pelo Canto do Rio Foot-Ball Club, onde o canhotinha Gérson deu seus primeiros lançamentos no futebol.

Como o clube niteroiense era patrocinado pela Prefeitura da cidade, chegou uma época que a parceria foi desfeita e seus jogadores receberam passe livre.

Em virtude desse acontecimento, um empresário levaria Flávio para jogar em Portugal mas o craque da camisa 10, que driblava os adversários com extrema facilidade, foi marcado em cima por um adversário inimaginável: uma hepatite! 

Se recuperou mas teve logo depois uma grave contusão no ligamento do tornozelo esquerdo ocasionada pelos carniceiros implacáveis.

Abandonou o futebol, mas o futebol não o abandonou.

E seu companheiro William, amuado com as artimanhas do destino, trocava os pés pelas mãos e iniciava sua carreira como compositor de samba-enredo.


Equipe do Tá Mole Mas é Meu

A química entre os dois era tanta que ainda deu tempo de, anos mais tarde e já com alguns fios de cabelo branco à mostra, conquistarem o título do primeiro campeonato de veteranos jogando pelo Tá Mole Mas é Meu.

Hoje, a bola com que tanto conviveram e os transformaram em lendas em Niterói é coisa do passado.

Mas não para nós que adoramos contar história de quem realmente tem algumas para nos contar.

 O Museu da Pelada promoveu o encontro desses dois monstros das peladas daqui, do outro lado da poça como os cariocas chamam.

E foi na quadra da escola de samba Tá Mole Mas é Meu, no bairro do Fonseca, onde William – presidente e  funcionário municipal -, ao lado de Flávio – supervisor de manutenção de uma empresa marítima -, me recebeu para reviver causos que só esse esporte maravilhoso chamado futebol pode proporcionar.

E, sobretudo, foi uma viagem insólita em uma tarde inesquecível onde resgatei histórias desses dois grandes jogadores e amigos que a bola me deu.

A FORÇA DOS NÚMEROS

por Marcos Vinicius Cabral


Jorge Cury

Deitado na cama debaixo dos cobertores, entre meus avós maternos, eu ouvia os jogos do Flamengo na Libertadores de 1981, no radinho de pilha vermelho encardido e com escudo do rubro-negro na parte superior já carcomido pelo tempo.

Minha avó Margarida sofria de surdez há anos – minha mãe dizia ter sido em virtude de um golpe do sereno em uma madrugada contundente como outras tantas em Nova Friburgo – e meu avô José, de cirrose hepática, em virtude do alcoolismo que o acompanhava desde muito jovem.

Eu, com apenas 8 anos de idade, me lembro apenas dos gols do Flamengo na competição, por causa da maneira efusiva com que meu avô comemorava aqueles momentos, ouvindo o grito eloquente de Jorge Cury, então radialista da Rádio Globo.

A conquista daqueles títulos (Carioca, Libertadores e Mundial) foi para meu avô, a maior alegria que o Flamengo poderia proporcioná-lo até o seu falecimento, dois anos mais tarde, após o tricampeonato nacional, conquistado com um supremo 3 a 0 contra o Santos, em pleno Maracanã.


Por isso, até hoje, para os 32,5 milhões de rubro-negros (segundo pesquisa do Ibope realizada em maio deste ano), nunca houve na história de um clube a magia e encantamento dos números de determinadas camisas.

Cada um tem seu peso e sua representatividade ao longo desses 122 anos do Clube de Regatas do Flamengo.

Esse feito não será tão cedo esquecido ou apagado da cabeça do torcedor, principalmente em virtude das participações vexatórias do Flamengo de uns tempos para cá, o que torna mais vivo ainda a façanha desses jogadores.

A força dos números, título escolhido por este péssimo missivista, confronta questões através de fatos e comprovam que poucos clubes no Brasil se tornaram inesquecíveis.

O Flamengo de 1981 é um deles! 


Vale salientar que esses onze heróis cravaram seus nomes na galeria dos imortais rubro-negros, sendo jamais esquecidos por aquele menino de oito anos, que dormia encolhido no meio da cama onde seus avós maternos dormiam.

Nas noites silenciosas da serra friburguense, ouvia-se o velho José gritar gol ou sorrir com as vitórias conquistadas por Zico & Cia.

Hoje, passados 36 anos anos desta conquista contra o Liverpool, me vem à mente que parece que foi ontem e, mesmo já se encaminhando para quatro décadas desse triunfo, alguns desses heróis têm uma parcela de glória em incontáveis percalços enfrentados e vencidos por eles.


No vale das lágrimas, cada um chorou a sua dor, reescreveu o seu nome em letras douradas e garrafais e sorriu com a certeza do dever cumprido. 

Portanto, não podemos esquecer do goleiro RAUL, número 1, que veio de Minas Gerais com a fama de ter quebrado paradigmas, sendo o primeiro arqueiro do futebol brasileiro a usar uma camisa amarela.

Este fato provocou uma celeuma sem precendentes à época e o “velho” conviveu por alguns anos com os gritos dos rivais que o chamavam de Wanderléa – cantora famosa da Jovem Guarda – tentando em vão desconcentrá-lo nos jogos.

Se tal motivo não fora suficiente para acabar de uma vez por todas com a carreira de um dos maiores goleiros surgidos no futebol brasileiro, vencer os olhares desconfiados da exigente torcida rubro-negra já pode, sim, ser comemorado como uma vitória.

A camisa 2, imortalizada por um cabofriense de pernas arqueadas e olhos verdes penetrantes, foi um divisor de águas no Flamengo e por que não dizer, no futebol brasileiro: LEANDRO.


Não houve e jamais haverá um jogador tão completo como o “peixe-frito”, que soube como poucos sintetizar dentro das quatro linhas a magia e o encanto de um defensor que inovou na posição de lateral-direito ou jogando em outras posições conforme necessidade.

Foi com ele que vi pela primeira vez os pontas se preocupando em marcar um lateral, limitando-se nas investidas ao ataque.

Esse foi gênio, foi o “Papa” da lateral e sem sombra de dúvidas, o maior da posição, isso sem falar de ter vestido apenas o manto, lhe credenciando um lugar cativo em nossos corações.


Dupla de zaga

Já MARINHO, com a camisa 3 rubro-negra, fez 218 jogos na Gávea de 1980 a 1984 e ajudou o Flamengo em importantes conquistas.

Não era clássico mas fez história no clube por ter conquistado os maiores títulos, em um ano que nenhum de nós vai esquecer.

Dentro das quatro linhas, havia um zagueiro intransponível chamado MOZER – um camisa 4 autêntico – e que era sinônimo de respeito.

Jogador de boa técnica, transmitia até nas gotas de suor em cada partida uma tranquilidade incomum para sua posição, sendo temido pelos atacantes adversários.


Na extremidade do lado esquerdo do campo, um Leovegildo na certidão de nascimento se tornou em JÚNIOR e fez história com a camisa 5, com futebol, títulos, recordes de partidas no clube, longevidade e principalmente, por ser um dos maiores laterais esquerdos do Flamengo.

Se anos mais tardes se tornaria referência para garotos – que tiveram carreiras brilhantes em outros clubes – no Brasileiro de 1992 ninguém melhor do que ele soube encarnar o sentido da segunda pele: a rubro-negra!


Já a camisa número 6, usada por ANDRADE, ficou marcada pela elegância do craque dentro de campo e por ter sido ele o último grande cabeça de área romântico do futebol brasileiro.

O “Tromba” foi um daqueles que marcavam com eficiência e jogavam com habilidade. Dessa forma, deixou em nós uma saudade imensurável do que produziu ao longo de sua carreira no Flamengo.

Porém, nem o fato de ter sido campeão brasileiro vestindo a camisa do arquirrival Vasco da Gama, em 1989 e 1990, maculou sua trajetória no clube com quatro brasileiros conquistados como jogador (1980, 1982, 1983 e 1987) e um como técnico (2009), no time fabuloso de Bruno, Pet e Adriano.


Tita e Zico

Um dos números mais místicos do futebol, a camisa 7 – de Garrincha, Jairzinho e Renato Gaúcho anos mais tarde – nunca coube tão bem em um jogador, como TITA.

Criado na base do clube, viveu uma grande fase no Flamengo e seria – como foi algumas vezes – o sucessor à altura do Zico.

Talvez tenha tido a infelicidade de se sentir mais à vontade jogando na posição do Galinho, que era, convenhamos, o maior e mais completo camisa 10 do clube.

Mas isso não o diminuiu pois foi um atleta semovente e por onde passou fez história, inclusive no Vasco, assim como Andrade.


Já a função de armar as jogadas e ser o cérebro do time coube ao neguinho bom de bola, chamado ADÍLIO. 

Dono de uma habilidade incomum, por muitas vezes decidia as partidas e mostrava uma eficiência que só os grandes jogadores têm dentro de campo.

Não se limitou a ser apenas o maior camisa 8 do Flamengo, mas também do futebol brasileiro, arrancando aplausos por onde jogou.

Se quando criança pulava os muros imponentes do clube, para realizar seu sonho de jogar futebol, os tombos lhe serviram de lição para não desistir do seu objetivo: ser campeão do mundo.


Gols, gols e gols… ninguém melhor que o “João Danado”, para exorcizar nas redes adversárias o grito de uma torcida exigente como a do Flamengo.

Em uma equipe que havia jogadores de material humano qualificado, coube ao sergipano NUNES vestir a camisa 9 e ter a certeza que ali na Gávea seus dias na face da terra seriam mais felizes.

Ah, meu artilheiro de decisões impagáveis (como esquecer o terceiro gol contra o Atlético?), você, melhor do que qualquer outro centroavante que tenha vestido esse número, escreveu não só na história deste clube mas também nos corações de todos nós.


Já Arthur Antunes Coimbra, que vestiu a camisa 10 e se transformou em ZICO, era na visão do meu avô a personificação de um amor correspondido.

Foi por causa daquela geração comandada pelo Galo que meu avô morreu feliz.

E a camisa 11 foi imortalizada por Lico, ex-ponta-esquerda do Joinville, que marcou época no Flamengo de 1980 a 1984.

Jogador técnico, habilidoso e arisco, tem as quatros letras do seu nome escritas em todas as enciclopédias futebolísticas.


E assim, no passar dos anos, fica cada vez mais vivos os nomes desses herois que lutaram bravamente e venceram essa guerra que foi a conquista da Libertadores e do Mundial.

Lá do céu, meu avô sorri através do brilho das estrelas agradecendo a cada um desses jogadores por ter visto o Flamengo – sua maior paixão – conquistar os títulos mais importante de sua história.