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Marcos Vinicius Cabral

MARCOS PEZÃO É O ÚLTIMO ROMÂNTICO DA BOLA

por Marcos Vinicius Cabral

A frase “Nenhum jogador é tão bom como todos juntos”, dita por Alfredo Di Stéfano (1926-2014), cairia ‘como uma luva’ na vida futebolística de Marcos Aurélio Pereira Marinelli, de 60 anos. Conhecido craque nos campos de várzea em que jogou, o camisa 5 mantém o amor à bola a quem chama de “companheira fiel”.

Técnico em eletrotécnica e morador de Icaraí, Zona Sul de Niterói, Marinelli cobre o corpo massacrado pela ação de marcadores implacáveis e tenta (em vão) passar despercebido. É boa gente, bom amigo, excelente ser humano e jogador incomparável. Como bem definiu o sobrinho Thiago da Costa Lopes, de 37 anos.

“Marcos Marinelli é pessoa física. Mas o Marcos que eu conheço é o Pezão, fenômeno dentro e fora de campo. O que eu posso dizer deste jogador? Inclassificável, inquestionável e incomparável nas vezes em que calçou chuteiras e foi se divertir. É assim que ele encara o futebol, como uma diversão. Mas é um pai para mim com conselhos e por meio dessa simplicidade se agiganta perto de nós”, contou ao Museu da Pelada.

E completou: “Essa virada de jogo ou toque na bola sem olhar de Ronaldinho Gaúcho, já era feito por ele nos campos em que jogou. Olha, para ser sincero, muito antes do R10 nascer. Gênio!”, diz sorrindo.

Mas Marcos Pezão vai voando com os pés. Onde tem uma boa pelada, lá está ele. Vestido com uma bela camisa social, calça jeans na maioria das vezes e sapatos brilhantes como a cor do cabelo refletido pelos raios solares, ele chega e dispensa apresentações. O ex-lateral esquerdo que enfrentou em jogo amistoso o Grêmio de Renato Gaúcho, Mário Sérgio, Tarcísio e Baltazar, defendendo o Tamoyo, clube da Região dos Lagos, é a simplicidade em pessoa.

O que Marinelli quer é passar despercebido. Mas o futebol que joga (recentemente foi campeão e eleito o melhor jogador do Campeonato de Veteranos em Magé, na Baixada Fluminense, em 2022) não deixa que craques como ele não sejam notados.

Mas Marcos Pezão foi e continua simples. É, no meio de tantos pássaros de valor incomensurável no céu do futebol que leva jogadores às nuvens, um pardal.

Não um pássaro sem valor. Não! Marcos Pezão é um pardal no sentido em querer ser livre. Talentoso como tem demonstrado em qualquer campo de várzea, a morte para ele é ficar sem jogar futebol. O pardal, no entanto, morre se for trancafiado em uma gaiola. Triste verdade.

Marcos Pezão, morte, pardal, futebol, liberdade… tudo relacionado ao céu de quem não enxerga estrela maior que esse craque é, não só como jogador, mas como pessoa.

Voa, Marcos Pezão! Vá bater asas! Vai sobressair dos demais craques que desfilaram pelos tapetes verdes de São Gonçalo, Niterói, Maricá, Itaboraí, Cabo Frio, Saquarema, Araruama, Nova Friburgo e Magé, cidades em que os campos de futebol receberam os pés talentosos de um craque como Marcos Pezão. Estes que conduziram a bola melhor do que muitos pardais usavam as asas para voar.

FUTSAL, PERDOAI-VOS, PORQUE NÃO SABEM O QUE FAZEM

por Marcos Vinicius Cabral

Na quinta-feira (9) da semana passada, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) excluiu o futsal dos Jogos da Juventude, principal competição escolar a nível nacional para jovens de 15 a 17 anos.

Organizador da modalidade esportiva mais praticada no país, o COB alegou que a decisão foi tomada em virtude dos recursos e das estruturas das cidades sede para a realização dos Jogos da Juventude que, no entendimento do comitê, são limitados. Além disso, com a exclusão do futsal, é possível que a inclusão das modalidades águas abertas, esgrima, tiro com arco e triatlo sirvam para estimular a prática desses esportes entre os jovens.

O Museu da Pelada conversou com Ana Moser, ministra de Esportes, que se mostrou surpresa que a decisão tenha sido tomada de forma arbitrária e sem um diálogo.

– A notícia da decisão unilateral do COB chegou a este Ministério por meio de manifestações de terceiros em redes sociais, o que não consideramos a forma adequada para a comunicação do fato de tamanha relevância! – destacou e completou, manifestando, ainda, o posicionamento contrário à tomada de decisão, já que o futsal esteve no programa dos Jogos Olímpicos da Juventude Buenos Aires 2018 e está no programa dos Jogos Olímpicos da Juventude Dakar 2026.

– Consideramos a exclusão dessa modalidade do programa dos Jogos da Juventude 2023 injustificável sob qualquer ponto de vista e solicitamos ao Comitê Olímpico do Brasil informar oficialmente a este Ministério os critérios adotados e a fundamentação da decisão de exclusão do futsal dos Jogos da Juventude 2023.

O Museu da Pelada procurou por nomes importantes do futsal para falar sobre a decisão.

Eleito melhor treinador de seleções do mundo em 2013, Ney Pereira, que já foi jogador da seleção brasileira de futsal, ficou decepcionado com a decisão e acredita que ela foi política.

– Surpreende-me de forma negativa essa decisão, já que o futsal é o esporte mais praticado no Brasil, não apenas nas escolas e nas federações. Por não ser um esporte olímpico, o futsal tem dificuldade em participar de competições e na opinião de quem sabe da importância dele a nível escolar, nada justifica essa exclusão. Acho que esse corte está mais ligado a questão política do que propriamente pelo interesse da modalidade em si! – revelou o atual treinador das categorias de base do Botafogo.

Já Marcelo Rodrigues, narrador dos jogos de futsal pelo SporTV, disse que não tem sentido a decisão e que além de ser um absurdo, é uma falta de respeito com os profissionais envolvidos que lutam para melhorar cada vez mais a modalidade.

– Há um desrespeito muito grande da própria Fifa que assume o futsal, mas não faz nada em especial no âmbito masculino e feminino para melhorá-lo. Para de ter uma ideia, a entidade máxima do futebol que é a Fifa, não tem uma representatividade no Comitê Olímpico Internacional. Mas no meu entendimento, o maior absurdo é que nos Jogos Olímpicos da Juventude, em que o futsal esteve presente, foi campeão, e o Comitê Olímpico Brasileiro abriu mão dessa modalidade agora. Lamento profundamente isso e acho uma estupidez sem tamanho do COI em não solicitar à Fifa que o esporte seja olímpico. Mas confesso que essa atitude em excluir o futsal dos Jogos Olímpicos da Juventude à espera de que novos atletas se interessem por modalidades esportivas em águas abertas, esgrima, tiro com arco e triatlo me surpreendeu. Se fosse uma decisão inversa, o êxito teria surtido mais efeito. Mas não dá para entender mesmo! – contou.

Para Octávio Bocão, comentarista da Botafogo TV e TV Max, a decisão gerou uma revolta em quem vive e trabalha no meio do futsal.

– Houve uma precipitação do Comitê Olímpico Brasileiro em relação a retirada dos Jogos da Juventude na modalidade do futsal. Isso acabou gerando uma revolta não só dos que praticam, mas também nos que estão inseridos na modalidade. O COB deveria consultar, por serem parceiros, as federações de futsal para que chegassem em um acordo e evidentemente não retirar precipitadamente gerando uma revolta em todos. Na realidade é uma revolta e não um descontentamento perante o ocorrido.

Tão importante como a prática em si do futsal, é a migração para o futebol de campo, que segundo Bocão, vai ser perdido no esporte que revelou jogadores como Neymar, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno, Zico, Vinicius Jr. e o rei Pelé, que jogou futebol de salão no Radium de Bauru na década de 1950.

– Há muitas perdas com essa decisão equivocada. Logo de cara, perderíamos a possibilidade de revelar grandes jogadores para o futebol de campo como já revelamos no passado. A partir do momento que você toma uma atitude em excluir uma modalidade esportiva como o futsal, você abre um precedente para tantos outros problemas negativos no cenário esportivo. A partir de um momento em que um esporte não presta mais serviço a uma competição tão relevante como os Jogos Olímpicos da Juventude tão importante no qual o Brasil esteve presente em Buenos Aires em 2018, pensa-se muito nas entidades escolares que repensam em investimentos no futsal. E os profissionais da área, que serão demitidos, como fica isso? Enfim, é uma situação bem desagradável e esperamos que o COB reflita na decisão tomada! – revoltou-se.

Ex-jogador, treinador multi campeão de futsal e grande parceiro do Museu da Pelada, Sérgio Sapo também não escondeu sua indignação com a decisão e fez um desabafo de salonista:

– Isso é um absurdo! Eu queria saber o que o Comitê Olímpico Brasileiro tem contra o futsal! Trata-se de um dos esportes mais praticados no mundo, são mais de 70 países inscritos na FIFA e até hoje não está nas Olimpíadas? Tem um monte de esporte que veio depois do futsal, passou por cima e já está na competição! Qual é a palhaçada que tem com as federações? Os amantes desse esporte deveriam se unir e ir lá no COB, na FIFA!

Como surgiu o futsal

Quando criou o futsal em 1934, o uruguaio Juan Carlos Ceriani queria proporcionar às crianças condições para jogar futebol em espaços reduzidos devido a não conseguirem encontrar um campo em dimensões oficiais.

Crianças como Marta, Ronaldinho Gaúcho, Zico, Ronaldo Fenômeno, Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo, todos deram os primeiros chutes no futebol de salão. Sem contar em Manoel Tobias e Falcão, considerados os maiores nomes da modalidade.

Até o rei Pelé jogou futebol de salão no Radium de Bauru, como mostra a foto enviada por Abílio Macedo, parceiro do Museu da Pelada, com crédito de Claudio Aldecir Oliveira e que está publicada na página Craques e Esquadrões do Futebol no Facebook.

No registro, é possível ver o Atleta do Século com os companheiros Norberto, Aldo, Aniel, Paçoca, Vitor e Bodinho.

O DIA EM QUE BORRACHINHA FEZ O MARACANÃ “TREMER”

por Marcos Vinicius Cabral

Os olhos de Borrachinha – apelido herdado do pai Luís Borracha, goleiro do Flamengo nos anos de 1940 – permaneciam fechados enquanto Perivaldo, China, Mendonça, Búfalo Gil, Renato Sá e o restante dos jogadores do Botafogo enfileirados aguardavam a entrada em campo. Era vida ou morte. Céu ou inferno. Sucesso ou fracasso.

Aquele Botafogo e Flamengo do Campeonato Carioca de 1979, era um daqueles jogos em que o herói entra para a galeria dos imortais do clube ou se torna vilão eterno.

Mas no caso de Borrachinha, herói sem capa e super poderes, nenhum botafoguense que se preze esquece daquela tarde em que o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0 em partida que só faltou o camisa 1 fazer ‘chover’.

No entanto, aqueles 90 minutos significariam mais um jogo difícil apitado por José Roberto Wright e que consagrariam qualquer um daqueles 22 jogadores que assinaram a súmula do confronto histórico.

Confiante, a Nação Rubro-Negra, cerca de 90% nas arquibancadas do Maracanã, acreditava que o time chegaria à 53ª vitória e manteria a invencibilidade.

Já a exigente torcida alvinegra não confiava no time e muito menos em Borrachinha, reserva de Ubirajara – contundido – e Zé Carlos – que com as pernas fraturadas se recuperava de um acidente de carro em Niterói e não pôde enfrentar Zico & Cia, invictos há 52 jogos.

– Estudava Educação Física na Universidade Castelo Branco, em Realengo, Zona Oeste, quando fui avisado para comparecer à sede do Mourisco, em Botafogo, Zona Sul. Ao chegar, recebi a notícia do acidente do Zé Carlos e fiquei preocupado com ele, mas apesar do susto ele estava vivo e bem! – demonstrou-se preocupado com o triste episódio.

Ferido por dentro com o problema do amigo, Borrachinha, que em nenhum momento deixou de acreditar no potencial e nas qualidades do bom goleiro que era – ora, ninguém sobrevive e sai ileso após enfrentar o Santos de Pelé e Cláudio Adão em começo de carreira, e a Academia do Palmeiras de Ademir da Guia – sabia que mais cedo ou mais tarde uma oportunidade bateria à porta.

– Fui indicado pelo treinador Paulo Amaral, cheguei ao Botafogo em 1977, após ser campeão de um torneio pelo Nacional de Manaus. Dois anos depois, Joel Martins assumiu a equipe principal e me chamou para uma conversa. Eu era o segundo goleiro, mas disse que iria ficar com o Luis Carlos, com quem havia trabalhado nos juniores e que eu, com 28 anos, seria melhor buscar uma outra equipe! – revelou resignado ao lembrar que ficou de 1977 a 1979 treinando no clube sem contrato e na expectativa de surgir um clube interessado.

Mas há quem diga que o goleiro é o médico do futebol e que um erro torna-se mortal. Mas Borrachinha sabia que o par de luvas seria o seu estetoscópio e que em breve seria utilizado para operar milagres.

O destino ia, aos poucos, fazendo com que as coisas fossem, como quebra-cabeça, sendo montadas.

– No jogo contra o Americano de Campos, o Luís Carlos falhou nos dois gols que sofreu no empate. Estava no banco e a torcida não perdoou… sabe como é a vida de goleiro, né? – afirmou confiante de que a hora de mostrar suas qualidades técnicas estava se aproximando.

Faltando duas semanas para o confronto com o Flamengo, até então invicto há 52 jogos, Borrachinha teve a chance tão aguardada e ajudou o Botafogo a vencer o Olaria por 2 a 1 em Marechal Hermes.

Mantido titular, na semana seguinte, no amistoso em Juiz de Fora, embora o resultado fosse um insosso empate sem gols, o novo titular do gol alvinegro foi muito exigido. Deu conta do recado.

Uma semana depois seria o jogo contra o todo poderoso Flamengo, montado por Cláudio Coutinho já visando conquistar o Campeonato Brasileiro, a Taça Libertadores e o Mundial de Clubes.

Enquanto o ambiente na Gávea era o melhor possível, em Marechal Hermes, a interferência da diretoria alvinegra sobre o treinador e o departamento médico chegaram aos ouvidos do elenco.

– Isso pegou muito mal. O Ubirajara e o Luis Carlos estavam contundidos, não tinham a mínima condição de treinar, tampouco jogar. Os médicos, chefiados pelo doutor Lídio Toledo, foram categóricos. O treinador manteve-se firme, não deu a escalação, enquanto trabalhei duro durante aquela semana. Foram sete dias tão especiais que até o Zé Carlos, de muletas, veio me incentivar nos treinamentos! – lembrou emocionado.

Mas o que Borrachinha não esquece foram as palavras incentivadoras do amigo Mendonça na concentração dois dias antes do histórico confronto. Segundo ele, nessa história toda, a relação com o clássico meia de armação alvinegro foi um capítulo à parte.

– Lembro como se fosse hoje. Na noite de sexta-feira, dois dias antes do jogo, na concentração, sentei com o Mendonça e falei: ‘Não me importo se não conseguir outra oportunidade aqui no clube. Eu só quero jogar está partida’. Mendonça disse que ele e os demais jogadores acreditavam em mim e que venceríamos o Flamengo. Foi inesquecível! – diz.

O dia D havia enfim, chegado. Estádio apinhado e tomado por alvinegros e rubro-negros, a expectativa era de um grande jogo. Jogadores de Botafogo e Flamengo chegaram no Maracanã às 14h. Alguns liam jornais, outros ouviam músicas em fitas-cassetes, outros batiam papo e Borrachinha, sempre introspectivo, permanecia reservado Não queria desviar a atenção para outra coisa que não fosse o jogo. Só pensava no Flamengo. Era 100% concentração e ignorava o fato do pai estar como massagista do adversário.

Com camisa e luvas verdes da marca alemã Puma – o time alvinegro todo usava Adidas -, short preto e meiões cinzas, o camisa 1 e agora titular, estava focado. E começará desde cedo a liturgia pré-jogo.

– Me preparei para aquela partida desde o momento em que fiquei sabendo que jogaria. Aquele jogo era o mais importante da minha vida! – contou e relembrou que o Flamengo estava 4.680 minutos sem ser derrotado.

O silêncio sepulcral era quebrado pela ovação dos 139.098 torcedores que entre alvinegros e rubro-negros faziam ‘tremer’ as arquibancadas do Maracanã naquela tarde de 3 de junho de 1979.

Mas havia, havia sim, muita coisa em jogo naquele Flamengo e Botafogo da Taça Guanabara.

– Quando subi as escadas do fosso que dá acesso ao campo, olhei aquele anel gigantesco de alvinegros e rubro-negros e pensei: é hoje que a cobra vai ‘fumar’. A primeira bola que peguei foi no cruzamento do Júlio César Uri Geller. Imediatamente, bateu uma tranquilidade e a adrenalina foi diminuindo. Depois peguei uma outra do Cláudio Adão, que eu conhecia muito bem da época do Santos, já que havia enfrentado esse grande artilheiro do futebol brasileiro, que teve Rubem Feijão como companheiro de ataque na Vila Belmiro naquele que seria o último jogo de Pelé antes dele ir jogar no Cosmos dos Estados Unidos em 1974. Não queria jogar outras partidas bem, eu queria jogar aquele clássico. Era o jogo da minha vida! – confessou e lembrou que o fato de ter começado a carreira na Gávea e enfrentado o Flamengo algumas vezes por outros clubes serviu como um aspecto motivacional.

Aos nove minutos, gol de Renato Sá, que coincidentemente, foi o mesmo jogador que acabaria com a invencibilidade de 52 partidas invictas do Botafogo quando era jogador do Grêmio em 1978 (o recorde mundial pertence ao Glasgow Celtic FC, da Escócia, que permaneceu 62 jogos invicto entre 1915 e 1917).

– Aquele domingo foi um dia atípico, já que saímos da casa do presidente Charles Borer, onde estávamos concentrados, em Jacarepaguá. O ônibus, sem ar condicionado, nos fez sofrer nas quase duas horas de viagem até o Maracanã. Já no vestiário, o concreto tremia na nossa cabeça e lá de baixo a gente só ouvia a torcida gritar: ‘Mengo, Mengo, Mengo…’ e dava um frio na barriga. Deitamos nas banheiras, colocamos os pés para cima e ficamos descansando por uma hora e meia. Sabíamos a pressão que seria enfrentar o Flamengo, invicto há 52 jogos, voando, um timaço e que engolia a nossa torcida nas arquibancadas. O cenário era tão devastador e ao mesmo tempo contraditório! – afirmou Renato Sá.

Contudo, os jogadores foram saudar a torcida alvinegra e Renato Sá, até hoje, acha que a sorte foi determinante para o resultado naquele tarde.

– A verdade é que tivemos sorte. O nosso time do meio para frente estava entrosado com Marcelo Oliveira, eu, Mendonça, Búfalo Gil e Ziza. Fizemos uma jogada pela esquerda do Junior, que jogou uma barbaridade, e quando a bola chegou até a mim, dominei no peito, tirei o Toninho Baiano da jogada e bati de esquerda no cantinho do Cantareli. Ela (a bola) entrou chorando, mas se não for assim não é Botafogo!! – confessou rindo.

Mas a sorte ajuda a quem trabalha. E esteve, segundo Sá, a favor de Borrachinha em partida abençoada.

– A grande figura do jogo chama-se Borrachinha. O homem estava inspirado, fechou o gol e até bola na gaveta do Zico ele defendeu. No fim, foi o melhor em campo e eu tive a felicidade de viver isso! – declarou.

Mas a grande defesa foi mesmo em um chute de Zico, que na entrada da área bateu no ângulo esquerdo.

– Foi um lindo arremate que foi no ângulo. A torcida do Flamengo já gritava gol quando fui lá de mão trocada e espalmei para escanteio! – contou o herói que garantiu a vitória, a quebra da invencibilidade da equipe rubro-negra e manteve o Alvinegro detentor da marca histórica de 52 jogos sem perder.

– Até hoje, passado tanto tempo desse jogo, sonho com a defesa no chute do Zico! – revelou o segredo guardado há mais de 40 anos.

Depois dessa impecável atuação, Borrachinha foi titular no Campeonato Brasileiro no mesmo ano. Já o futuro no clube…

– Foram dois anos de muitos treinos esperando uma oportunidade. Ela veio e aproveitei. Só que na hora de renovar meu contrato, conversei com o vice-presidente, acertamos luvas e salários e a diretoria queria que assinasse o contrato em branco. Pior de tudo foi que contratou o Paulo Sérgio sem que ninguém soubesse. Vai entender! – brincou.

Atualmente, o ex-goleiro Borrachinha, apelido de José Luiz de Moura, tem 73 anos e ensina jovens goleiros em uma academia de futebol em Doha, no Catar, a operarem milagres como os que operou contra o Flamengo há quase 44 anos.

JUNIOR SEM ACENTO NO FUTEBOL SÓ EXISTIU UM

por Marcos Vinicius Cabral

Junior foi um dos melhores laterais-esquerdos que o futebol brasileiro se orgulha em ter produzido.

E também um meio-campo talentoso, que comandava o setor com tal precisão na cadência de jogo que lhe valeu o apelido de Maestro anos depois.

Chamado Capacete, no início de carreira, não por ser um cabeçudo no quadrado mágico esverdeado, mas sim porque ostentava o cabelo estilo black power – movimento que evidenciava a cultura, a resistência negra numa sociedade predominantemente racista e um dos principais símbolos deste movimento cultural que começou a ganhar destaque nos anos 1960 e 1970.

Mas Leovegildo Lins Gama Junior, paraibano arretado que tirava onda nas peladas do futebol de areia na Praia de Copacabana.

Foi ali, que com um senhor bigode que ostentou até nos últimos suspiros como atleta profissional, forjou um preparo físico invejável aliado à técnica refinada abrilhantada no Flamengo, na Seleção Brasileira, no Torino e Pescara, estes dois da Itália e novamente no Flamengo, quando atendeu pedido do filho Rodrigo e decidiu voltar, em 1989.

Junior, este mesmo que a sorte não sorriu com a camisa da Seleção Brasileira, foi campeão de tudo: Libertadores, Mundial, Copa do Brasil, Cariocas e Brasileiros, sendo que em 1992 – considerado pelo próprio com a cereja do bolo – aos 38 anos, correu, deu passes milimétricos, cobrou faltas com precisão e foi, até quando quis ser, um verdadeiro comandante em campo. No meio de garotos, se tornou o Vovô Garoto.

Junior pode estufar o peito e dizer sem medo de ser desmentido, que conheceu poucos médicos nos clubes por onde esteve, já que a longevidade do tradicional camisa 5 nos gramados se deveu à forma física perfeita.

Mas Junior começou a mostrar potencial cedo, ainda um juvenil, quando entrou no time titular do Flamengo nos jogos finais do Campeonato Carioca de 1972.

Com a camisa 4 às costas – antes de imortalizar a 5 – marcou um gol do meio de campo contra o América, na decisão do terceiro turno em 74 e voltou a marcar no mesmo América pelo primeiro jogo do triangular final que tinha também o Vasco.

Dessa forma, terminou o ano como campeão carioca e dono da posição – ele era, sim, lateral-direito.

Mas os deuses rubro-negros ajeitaram as coisas e em um troca-troca entre Flamengo e Fluminense em 1975, e com a vinda de Toninho das Laranjeiras para a Gávea, passou para a lateral-esquerda.

À beira de campo pela esquerda, se consagrou com atuações de gala pelo Flamengo, como no Campeonato Brasileiro de 1981, que ratificaram a sua presença frequente na Seleção Brasileira.

Mas nem tudo foi flores para Junior. Ter sido preterido pelo amigo Cláudio Coutinho, que preferiu levar para a Copa do Mundo da Argentina, em 1978, Rodrigues Neto e Edinho, improvisado na posição, foi um duro golpe.

Mas Junior não se abalou. Suou sangue no rosto áspero, deu a volta por cima, botou no bolso todos os concorrentes que buscavam assumir a titularidade da camisa 6 da Seleção Brasileira e foi uma peça importante da engrenagem de uma máquina de jogar bola que era o time de Telê Santana em 1982.

Tão marcante que até hoje, passados 40 anos da Copa da Espanha, a Seleção Brasileira não é esquecida, mesmo com o injusto 5° lugar.

Junior, Capacete, Maestro ou Vovô, tanto faz.

Independente do apelido, Leovegildo foi monstro e, se Nilton Santos é a Enciclopédia do Futebol, o lendário camisa 5 rubro-negro foi um bom livro de autoajuda para quem quer se tornar atleta profissional, seja na lateral-direita, lateral-esquerda ou no meio-campo.

ZICO E UM CERTO FLA-FLU

por Marcos Vinicius Cabral

Por conta dos altos custos com o Maracanã, Flamengo e Fluminense preferiram sair do Rio de Janeiro e jogar o clássico em Juiz de Fora.

Ainda no vestiário, Zico, faltando poucos minutos para as equipes entrarem em campo, sabendo que as cortinas estavam prestes a serem fechadas e que o público não assistiria sua arte, pediu:

Não quero homenagens. O melhor presente é jogar com garra. Este vai ser o agradecimento que eu quero receber de vocês.

Atentos, Zé Carlos, Josimar, Júnior, Rogério, Leonardo, Ailton, Luis Carlos, Renato Gaúcho, Bujica e Zinho ouviram o pedido e selaram ali um acordo de que não comprometeriam a despedida do camisa 10 em partidas oficiais pelo clube.

Era Campeonato Brasileiro de 1989. Tanto Flamengo e tanto Fluminense iam mal das pernas.

Os tricolores na rabeira do grupo em que estava e os rubro-negros sem forças para alcançar o São Paulo por uma vaga na decisão.

O momento de ambos, prometia um jogo insosso. Uma partida em que as duas equipes, sem pretensões nenhuma, não poderiam oferecer nada aos 13 mil pagantes que estiveram presentes no Estádio Municipal Mário Helênio, naquele 2 de dezembro de 1989.

Mas um pedido de Zico é uma ordem. E assim foi na vitória por 5 a 0.

O primeiro gol nasceu da genialidade do Chaplin dos campos, que sem dizer uma só palavra – como fazia o gênio do cinema mudo – aplicou uma caneta desconcertante em Donizeti, antes de ser parado com falta.

Se preparando para a cobrança, os olhos aflitos do goleiro Ricardo Pinto buscavam solução para algo insolucionável: como deter aquele chute de Zico?

Ricardo Pinto voou e tentou em vão, mas a bola foi na gaveta, sem que o camisa 1 tricolor conseguisse evitar mais uma pintura de gol.

Já nos 45 minutos finais, outro lance magistral do camisa 10. Zico descolou de bicicleta um lançamento fabuloso para Renato Gaúcho, que arrancou e resolveu.

Era o suficiente ao veterano de 36 anos, que coincidentemente, aos 36 minutos, foi substituído por Valdir Espinosa e deixou o campo logo depois disso. Luis Carlos, Uidemar e Bujica fecharam a goleada.

Há 33 anos, não há mais Fla-Flus como os que Zico jogava.

Contra o Fluminense, o Galo era impiedoso e muito, muito malvado.

Ao final do clássico, Zico não disfarçava a emoção, já que receberia, merecidíssima nota 10 dos jornais que cobriram o jogo.

Pouco mais de dois meses depois, 100 mil pessoas estiveram na despedida grandiosa que o genial 10 rubro-negro realizou no Maracanã, em fevereiro de 1990.

Até hoje, depois de 33 anos sem ver o maior camisa 10 do Flamengo em campo, me pergunto: haverá um outro Zico?

Pelo menos alguém merecedor de, como dizem os boleiros, “carregar as chuteiras” do Zico?

Zico foi arco e flecha. Zico foi semente plantada na Gávea, regada por muitos treinos, que cresceu, frutificou, fez sombra e as raízes permanecem firmes até hoje, no coração de nós, rubro-negros.

Zico já saiu de cena do futebol e mantém-se simples e humilde com todos, bem diferente do jogador altivo que foi enquanto esteve em campo fazendo peraltices como uma criança levada.

Ah, Zico… quantas saudade!