por Marcos Fabio Katudjian
Muitos foram os jogadores que passaram diante dos meus olhos nesses anos todos. Milhares deles, dos mais diferentes tipos: atacantes, defensores, altos, baixos, destros, canhotos, enfim, poderia dividi-los de acordo com uma série de critérios. A qualidade, porém, é sem dúvida o tipo de classificação que mais interessa ao torcedor.
A imensa maioria dos futebolistas é composta pelos jogadores comuns. Existe uma enorme diversidade nesse grupo, desde os “tranqueiras”, a base mais ampla da pirâmide até os candidatos a craques. Um jogador comum se define pelo seguinte: o torcedor – na sua visão do jogo a partir da arquibancada – enxerga uma determinada possibilidade para o lance, uma resolução ótima para a jogada. E esse desenvolvimento ideal do lance não é enxergado pelo jogador comum. Outra possibilidade é que o jogador comum enxergue, sim, esse desenvolvimento ideal, mas não consegue realizá-lo com competência.
Então, se o torcedor imagina um passe milimétrico no meio da defesa, o jogador comum erra o passe. Se o torcedor imagina uma bomba indefensável para o gol, o jogador comum oferece apenas um traque pela linha de fundo. Se o torcedor imagina um tremendo passe de primeira, o jogador comum acaba ficando tempo demais com a bola. Se o torcedor imagina um drible maravilhoso e desconcertante, o jogador comum dá de canela ou tropeça na bola.
Resumindo, o jogador comum é o que está sempre aquém da imaginação do torcedor.
Acima do jogador comum, minoria absoluta entre os futebolistas, existe o craque. O craque é aquele que não está aquém do que o torcedor vislumbra como a melhor solução lance a lance. O craque pensa e realiza a jogada da mesma forma que o torcedor imaginou. O pensamento do torcedor caminha par-a-par com as ações do craque. Em outras palavras, o craque entende o torcedor e lhe entrega uma qualidade de jogo muito próxima do idealizado por ele. E por essa razão o craque é amado pela torcida.
Acima do craque há o supercraque, um tipo ainda mais raro de jogador, que tem a capacidade de estar à frente do que o torcedor imagina. O supercraque antecipa a visão do torcedor e, por isso mesmo, é capaz de surpreendê-lo. O torcedor imagina um passe lateral, mas o supercraque coloca o centroavante na cara do gol. O torcedor imagina um bom passe, mas o supercraque desfere um petardo no ângulo do goleiro. O torcedor imagina um recuo de bola, mas o supercraque avança com um drible desconcertante. Enfim, o torcedor imagina algo e o supercraque entrega mais do que o torcedor imagina.
Desnecessário dizer o nível de idolatria que o supercraque desperta. São jogadores cujos nomes são eternizados, marcados a ferro e fogo na história do futebol.
E acima do supercraque há o gênio. Da mesma forma que o supercraque, o gênio antecipa o que torcedor imagina. Mas há algo a mais no gênio que não encontramos no supercraque. E aqui entramos no terreno do intangível. Os movimentos do gênio não parecem ser gerados por ele mesmo. Quer dizer, o jogo do gênio não é apenas a expressão de uma competência extrema que ele possui. O gênio parece beber em uma fonte de criatividade superior. Uma fonte que não lhes pertence, mas que são capazes de acessar.
Por isso, ao assistir um gênio jogando temos uma sensação de que seus movimentos não são surpreendentes apenas para a plateia, mas também para eles próprios.
Os gênios do futebol são responsáveis por elevar o status do futebol, de esporte para arte. E assisti-los em seus grandes momentos pode ser descrito como uma experiência mágica, reveladora e de verdadeira epifania.
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E há ainda outro patamar, acima do craque, do supercraque e do gênio. O patamar mais elevado de todos, nem sequer citado no título por ser mais do que raro, absolutamente único. Um patamar que foi ocupado apenas uma vez na história do esporte. Incomparável, inatingível, verdadeiramente hors concours. Esse patamar se chama PELÉ, sobre o qual nada pode ser dito, pelo simples fato de não haver palavras.