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Marco Antonio Rocha

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: OBRIGADO, HERÓIS BRASILEIROS!

por Marco Antonio Rocha


Quanto custa o bilhete de entrada para a galeria dos grandes do futebol? Se a resposta for a conquista de uma Copa do Mundo, então veremos Lionel Messi e Cristiano Ronaldo barrados na porta… E o que falar de Cruyff, Puskas e uma infinidade de outros gênios que encantaram multidões com seu talento? Durante a publicação da série especial sobre os 70 anos da Copa do Mundo de 1950, alguns amigos seguidores do Museu da Pelada questionaram por que não falamos dos brasileiros que formaram aquele time dos sonhos. Seria um pesadelo momentâneo capaz de perturbar seu sono durante anos, no caso de Barbosa até a morte, o mais indefensável dos chutes?

Não fosse a virada na decisão, aquele Brasil que pulverizou marcas e triturou adversários teria entrado para a história do futebol como uma das seleções de campanha mais irretocável de todos os tempos: 4 a 0 no México; 2 a 2 com a Suíça; 2 a 0 na Iugoslávia; 7 a 1 na Suécia (numa época em que esse placar não era sinônimo de vergonha para nós); e 6 a 1 na Espanha, com direito ao Maracanã cantando em uníssono “Touradas de Madri”, de Braguinha e Alberto Ribeiro – um carnaval fora de época, espécie de catarse pós Segunda Guerra Mundial que havia cancelado as Copas de 1942 e 1946.  

Coube a Ademir Marques de Menezes, craque do Vasco, o papel de artilheiro do Mundial, com nove gols em apenas seis jogos. Habilidoso e dono de um chute que beirava a perfeição, Queixada teve na Seleção a companhia de outros colegas de Expresso da Vitória, alguns deles que haviam, dois anos antes, conquistado o inédito Sul-Americano. Entre eles o mítico Barbosa, goleiro que ainda acumulou seis Cariocas e um Rio-São Paulo pelo clube. A lista de destaques brasileiros é extensa, com jogadores épicos como Jair Rosa Pinto, Chico e Zizinho.

Ex-Flamengo e São Paulo e, na época, jogador do Bangu, Zizinho atribuía aos bastidores grande parte da culpa pela derrota para o Uruguai. Tudo porque a delegação, a seis dias da final, trocou a tranquilidade da concentração no Joá pelo tumulto de São Januário.

– Era uma desconcentração, ninguém tinha tempo para nada. São Januário vivia cheio de gente. Não aguentava mais tanta bagunça. Eu quis largar aquilo na véspera da decisão! – revelou o ídolo:

– Em meses aconteceria a eleição presidencial. Entrava um político e saía outro. Era muita gente pedindo autógrafo, querendo tirar foto. Minutos antes da final, o prefeito Mendes de Moraes ainda discursou, dizendo que havia feito um estádio para nós e que exigia a vitória.

Outra passagem contada por Zizinho mostra como os jogadores, na verdade, foram vítimas, não vilões:

– Eu estava com o joelho inchado e eles nem cuidavam de mim. Depois do empate com a Suíça em São Paulo, o (técnico) Flávio Costa me disse que precisaria de mim, que eu teria de fazer um teste. Meu Deus, que teste? Mal podia andar… Puseram um remédio no meu joelho e lá fui eu. Segundo Augusto, nosso capitão, era um remédio para cavalos. Mas eu não acredito que fosse, porque um cavalo não aguentaria aquilo, não.

O ex-atacante jamais se furtou de recordar a decisão contra os uruguaios, mas preferia falar de samba, em especial da amizade com Wilson Batista, Ataulfo Alves e Walter Alfaiate. É de Alfaiate uma letra que, por linhas tortas, simboliza aquele jogo que começou na tarde de 16 de julho de 1950, mas parece não ter acabado: 

“Olha aí, toda a minha gente reunida; Parece que está bem decidida e que atingiu o seu ideal; Olha aí, veja a euforia como é grande; Note como o pessoal se expande, num gesto tão humilde e leal; Cante com vontade, minha gente, porque hoje já é carnaval; Em cada bloco havia um estandarte, em cada estandarte um dizer; Simbolizando que, nesses três dias, ninguém se lembraria como é o sofrer; Após a batucada pela rua, quarta-feira a vida continua”.

Obrigado, Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico!

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: DOIS CRAQUES COM DESTINOS OPOSTOS

por Marco Antonio Rocha


Mais do que tristeza e perguntas sem resposta, a derrota em 1950 criou uma série de mitos, subterfúgios para explicar por que a vitória brasileira não aconteceu. Valentia, medo, amor à camisa, descaso, organização, despreparo. Tudo isso ainda serve para justificar o que pode muito bem ter sido simplesmente uma peça do acaso.

– Vocês, brasileiros, inventaram muitas histórias sobre o Mundial de 50! – divertia-se Máspoli, aos risos.

E ele parecia ter razão. A coragem dos adversários acabou personificada em Obdulio Varela, capitão que deu o tom da atitude celeste dentro do Maracanã e ainda hoje é lembrado como herói uruguaio. Já Barbosa, escolhido como a representação do fracasso apesar de ser um dos maiores goleiros da história do futebol brasileiro, cumpriu até o fim da vida uma condenação injusta pelo segundo gol que sofreu naquele jogo.

– No Brasil, a pena máxima é de 30 anos. Eu pago a minha desde 1950! – repetia ele, que morreu no dia 7 de abril de 2000.

Já a valentia atribuída a Obdulio Varela é tão grande que até mesmo uma agressão a Bigode, aos 28 minutos do primeiro tempo, entrou para o folclore da decisão. Ex-jogadores das duas equipes desmentem a história.

– Os brasileiros fizeram de Obdulio um homem mau. Ele não era de brigar, mas falava muito como capitão que era. Jamais correu atrás de problema! – defendia Máspoli.

De fato, El Negro Jefe – apelido que recebeu pela liderança que exercia – impunha-se pela voz ativa. Aos 32 anos, servia de proteção aos companheiros, transmitindo a eles coragem para enfrentar não apenas os favoritos ao título, mas também as cerca de 200 mil pessoas que abarrotavam o velho Maracanã. Apesar da fama de mau, o homem que comandou a virada uruguaia, mostrando a camisa ao restante da equipe, era apontado por todos como uma pessoa tranquila.

– Ele era um boêmio. Os uruguaios contam que, às vezes, procuravam Obdulio antes de um jogo e ele estava em Buenos Aires. Ele pegava aquele barquinho que faz a travessia do Rio da Prata e ia para a Argentina! – revelou Zizinho, falando do amigo com saudade:

– Nossa amizade começou depois da Copa, em 1963, quando ele me convidou para participar de um jogo de caridade que estava organizando para um hospital de crianças.

Se Obdulio era apontado como o herói do triunfo uruguaio, Barbosa foi escolhido como o vilão brasileiro. Tanto que o goleiro campeão sul-americano e pentacampeão carioca pelo Vasco passou a ser conhecido como “aquele que levou o gol de Ghiggia”.

– Quando se perde, sempre se busca um culpado. Eu não culpo Barbosa, porque ele era um grande goleiro e não teve culpa. Ele foi exemplar, tanto como jogador quanto como pessoa! – elogiou Ghiggia.

Máspoli também acreditava que Barbosa não falhou. Para ele, os méritos foram todos do companheiro.

– Os chutes dele eram dificílimos de defender, pois sempre tinham muito efeito. Não eram secos, mas marotos. Nos treinos, ele também fazia dessas comigo! – absolveu o ex-goleiro, com conhecimento de causa.

Jair Rosa Pinto foi mais longe e atribuiu a morte de Barbosa ao desgosto que sentiu no fatídico dia 16 de julho de 1950:

– Ele teria vivido mais se não fosse a tristeza. Não estou exagerando: ele morreu de amargura.

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: O OBA-OBA QUE FEZ MÁSPOLI SONHAR COM A TAÇA

por Marco Antonio Rocha


A bola cruzada na área uruguaia, Jair Rosa Pinto em desespero agarra o goleiro, o apito final; Gambetta segura a bola, enquanto uma multidão, não menos aflita do que o atacante brasileiro, pede pênalti. O lance seguiu vivo por décadas na memória de Roque Máspoli, o simpático velhinho que morava perto do Estádio Centenário. Arqueiro celeste, foi ele quem parou a Seleção Brasileira.

– Saímos correndo pelo gramado gritando ‘Uruguai! Uruguai!’ porque sabíamos que o jogo havia terminado. A Copa do Mundo estava ganha! – orgulhava-se.

Na verdade, para Máspoli o Mundial já era dos uruguaios muito antes da comemoração. Segundo ele, o gol de Schiaffino, decretando o 1 a 1, mostrou à torcida que havia a possibilidade da derrota, o que tornaria patética a euforia mostrada até então:

– Era lógico que o Brasil fosse o favorito e que os torcedores esperassem a vitória. Por isso a torcida acabou sendo a principal causa da derrota na final. Ela sentiu medo quando empatamos e isso se refletiu nos jogadores brasileiros, que agiram como agem todos os seres humanos em uma situação como essa.

Para o goleiro campeão do mundo em 1950, a imprensa também teve sua parcela de culpa na frustração que se instalou no país após a partida. Agindo como torcedores, os jornalistas deixaram de lado o senso crítico e acabaram entorpecidos pelas goleadas do Brasil.

– A imprensa brasileira certamente deu mais força para o Uruguai, pois nos deixou sem a mínima responsabilidade. Ela nos tirava o peso das costas ao dar como certo o triunfo máximo do Brasil! – avaliava Máspoli:

– Com tantos resultados maravilhosos, os jornais já estampavam os brasileiros como vencedores. É o tipo de coisa prejudicial, porque ofende a outra equipe.

Beneficiada pelo clima de festa que cercava a partida decisiva, a seleção celeste entrou em campo sabendo que poderia tirar proveito da figura de coadjuvante. O roteiro estava devidamente estudado, e o papel principal mudou de mãos…

– Ao jogar a Copa Rio Branco, dois meses antes do Mundial, passamos a conhecer cada jogador brasileiro, todo o time, ponto por ponto. Isso nos favoreceu porque, quando disputamos a final, já tínhamos um conceito perfeito de como eram todos os jogadores adversários. Se não tivéssemos nos enfrentado pouco antes da Copa do Mundo, não tenho dúvidas de que não teríamos ganho! – sentenciou.

Aos 32 anos, Máspoli era um dos veteranos que tinham voz ativa no grupo. Ao lado de Obdulio Varela, Gambetta e Tejera, o goleiro participava das decisões do técnico Juan López:

– Analisávamos juntos os adversários e dávamos todo o suporte aos jovens, que formavam nosso ataque.

Porém, não só de tática se fez a conquista. Como num ritual de batalha, em que a sabedoria é transmitida pelos guerreiros mais velhos, Máspoli ressaltava a importância do convívio com os bicampeões olímpicos (1924 e 1928) e com os campeões mundiais (1930):

– Foram todos excelentes conselheiros, além de ótimos amigos. Eram veteranos, a maioria já tinha parado. Eles nos davam muitos conselhos e, como nós, formavam um grupo extraordinário. Era gente de muita categoria, que passava um astral incrível para nosso time. Quando estavam conosco, cantavam as músicas que embalaram suas grandes conquistas.

Aos poucos, os ensinamentos se transformaram em força, e a geração de 1950 também entrou para a história do futebol uruguaio. Era a vez de os novos campeões entoarem seus próprios cantos:

– No dia seguinte à decisão, fomos a pé até a Embaixada do Uruguai. No caminho, de mais ou menos um quilômetro, cantávamos, fazendo a nossa festa. As pessoas, apesar de tristes, nos aplaudiam, como exemplo da amizade que sempre existiu entre os dois povos.

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: A AMARGURA DE UM CAMPEÃO MUNDIAL

por Marco Antonio Rocha


Do lado de um jarro de flores, um terço. Do outro, uma réplica da Jules Rimet, erguida em 1950 pelo capitão Obdulio Varela. A mesa, uma espécie de altar do futebol uruguaio, colocado estrategicamente em frente à porta de entrada da casa de Julio Perez, é mais um monumento à amargura do que à conquista da Copa. Cercado de três filhos e 12 netos, o ex-apoiador preferia contar histórias gloriosas que viveu com a camisa do Nacional a recordar aquele título.

– Aquilo não me deu de comer. Joguei futebol e carreguei caminhão com uma pá. Foi esse o trabalho que me deram por ter sido campeão do mundo no Maracanã. Tinha três filhos e precisava comprar comida! – dizia, quase se penitenciando:

– Não quero me lembrar de nada porque já passou. Estávamos defendendo nosso país e não podíamos fazer papel feio, mas voltamos ao Uruguai muito tristes com o mal que havíamos feito ao Brasil.

A falta de reconhecimento dos dirigentes era o combustível para a amargura de Perez. Uma amargura que ficava evidente em suas palavras:

– Depois da final de 50, retornamos ao hotel e conversamos por algumas horas sobre o jogo. Por volta das 21h, fui ao restaurante ver se o jantar estava servido. Quando vi a porta fechada, levei um susto e voltei para o quarto. Tivemos que dar o dinheiro que tínhamos no bolso para comprar sanduíches e cerveja num bar. Só no futebol uruguaio acontece isso! – lamentava, garantindo que nada mudara:

– Dizem que sou revoltado, que estou contra o mundo. Fizeram de mim um rebelde. As pessoas nas ruas são agradecidas, mas quem manda, não. Por isso não quero saber de homenagens!

Talvez o altar de Perez simbolizasse o que de melhor a conquista havia rendido a ele: amizades. Cinquenta anos depois, quando estivemos em Montevidéu para essa resenha, vencedores e vencidos continuavam se encontrando com alguma frequência:

– Não falamos daquele Mundial porque nos vemos há 50 anos. Sempre que alguém ameaça tocar no assunto, os outros dizem ‘Ah, lá vem ele com essa conversa…’. Melhor assim.

Uma das principais razões para esquecer o título era justamente a boa relação que existia entre uruguaios e brasileiros desde antes do Mundial.

– Jogávamos todos os anos pela Copa Rio Branco e éramos amigos! – ressaltou Perez, evidenciando um fantasma que parecia persegui-lo tantos anos depois:

– Se a decisão fosse contra a Espanha ou a Suécia, não teríamos sentido nada. O que doeu foi ter de ganhar do Brasil, dos amigos. Não ríamos no hotel, enquanto falávamos da final, porque sabíamos o que estava acontecendo lá fora. O povo ficou morto.

A tristeza que abateu o Brasil durou décadas para Perez. Inconformado, parecia querer pagar com a própria culpa a penitência dos amigos:

– Os brasileiros se comportaram mal com Barbosa e Bigode. Pobres homens, foram martirizados. Eles perderam e eu ganhei, por isso tenho dentro de mim uma amargura muito grande.

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: SCHIAFFINO E A SORTE (DUPLA) DE CAMPEÃO

por Marco Antonio Rocha


Nem sempre um erro significa algo ruim. Juan Alberto Schiaffino, um dos maiores craques do futebol uruguaio, sabia disso. Se tivesse executado com perfeição a jogada que planejara no gol de empate na final da Copa de 1950, talvez o aniversário de 70 anos daquele Mundial tivesse o verde e amarelo como as cores da festa. Falastrão, era o único jogador com que conversamos que não se importava de relembrar a conquista. E até admitia que a sorte foi sua importante aliada quando a Seleção Brasileira vencia por 1 a 0 e estava bem perto do título.

– Eu peguei mal na bola e acabei me saindo bem. Quem já jogou futebol sabe como é isso. Uma bola que chega rápido tem que ser chutada depressa! – ensinou o ex-apoiador, explicando sua verdadeira intenção:

– Minha vontade era chutar à direita de Barbosa, no canto que estava vazio, mas ela foi no outro lado, no primeiro pau. O goleiro não podia adivinhar o que eu ia fazer. Nem eu sabia o que fazer. Se eu tivesse chutado bem, talvez não empatássemos aquele jogo. No futebol acontecem as coisas mais inverossímeis.

Ao falar do acaso na decisão, o ex-astro do Peñarol não poupava nem sequer o gol de Ghiggia. Assim como o empate, Schiaffino atribuía a virada a um golpe de sorte:

– Ele correu pela ponta, não tinha ângulo, e chutou rente ao primeiro pau. Como a bola poderia ter passado entre Barbosa e a trave? Mas passou.

A convicção de Schiaffino era tão grande que, com base no retrospecto entre brasileiros e uruguaios, considerava a derrota dos donos da casa obra do sobrenatural.

– Não sou cristão, mas acho que o Senhor não quis que o Brasil ganhasse. A Seleção Brasileira nos metia três, quatro gols nos amistosos. Como pôde aquilo ter acontecido logo na final? Foi uma casualidade! – repetia o ex-jogador, que morava numa casa confortável de frente para o mar, onde desemboca o Rio da Prata.

Se a vitória surpreendeu os próprios uruguaios, o que dizer de como os brasileiros receberam o resultado? Schiaffino lembrava com detalhes a reação da torcida que lotou o Maracanã. E garantia que, apesar da alegria pela conquista, foi contaminado pela tristeza adversária.


– Todo aquele povo chorava na arquibancada, principalmente as mulheres. Foi a primeira vez que vi um espetáculo daqueles. Quando percebi a comoção, fui correndo para o vestiário. Eu não queria ver aquilo! – contou, lamentando que tenha contribuído para a decepção brasileira:

– É triste. O carinho dos torcedores com o time era enorme, assim como a esperança que todos tinham em sair campeões.

Nem quando o maior objeto de desejo do futebol chegou às mãos dos uruguaios, pelo presidente da Fifa, o desconforto foi amenizado:

– Jules Rimet entrou em campo para nos entregar a taça e nós víamos o que estava se passando fora das quatro linhas, ali perto. Era incrível, parecia que havia morrido um familiar daquelas pessoas.

Embora o sofrimento dos torcedores tenha sido grande, a cena que mais impressionou Schiaffino foi o desespero de um adversário:

– A imagem que mais me marcou foi o pranto do Danilo. Enquanto nós levantávamos os braços, ele punha as mãos no rosto. Às vezes, é um erro; às vezes, o inesperado acontece.