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Marcelo Mendez

ESQUERDINHA E O MAIS IMPROVÁVEL ZICO SURGEM NO PARQUE NOVO ORATÓRIO

por Marcelo Mendez

Já era comum vê-lo ali parado todas as vezes que a gente jogava no Campinho dos Padres.

Sempre acompanhado de sua bicicleta barra forte, vestido com roupa suja de concreto, fumando seu cigarro, olhando atentamente para a cancha, aquele senhor de pele queimada de sol e de vida ficava ali por nos observar as jogadas.

Fez isso para mais de dez, quinze vezes até o dia em que finalmente chegou até onde estávamos após a gente sapecar um 8×2 em cima da Rua Camerum:


– Ei moleque, como você chama?

– Marcelo. E você? Que você quer?

– Calma, rapaz. Meu nome é Esquerdinha, sou técnico aqui do Nacional do Parque Novo Oratório e tô montando a categoria mirim do time. Você quer ir la sábado, fazer um teste?

– Teste? Como teste? Cê tá todo dia aí vendo a gente jogar. Seguinte; Num vou fazer teste no seu time não e tem mais, se quiser que eu vá, vai ter que levar meus parceiros também. Senão num vou.

Nesse momento, Esquerdinha arregalou o olho, surpreso com minha firmeza, que na época, eu nem sabia que chamava isso, “firmeza”. Pra mim era amizade. Tá comigo, tá sempre e em todas. Mas ele aceitou. Disse pra todo mundo ir sábado no campo do Nacional para a gente jogar por lá, na tal categoria mirim.

Eu, Carlão, Pedrinho topamos, os outros acharam muito cedo essa coisa de ir pro campo às 07 da manhã do sábado e não quiseram saber. Mas no final, veio o problema:

– Vão de chuteira, hein? – recomendou o Esquerdinha, enquanto subia na sua barra forte pra ir embora.

Caraca… Chuteira!

A gente não tinha uma. Também não tinha a menor chance de ter. Em 1981 a vida era dura no Parque Novo Oratório, meu pai desempregado, minha mãe fazendo salgadinhos pra vender e comprar comida pra eu e minha irmã, como íamos arrumar chuteira?

– Foda-se a chuteira, Marcelo. A gente é Rua Tanger, jogamos de kichute e tênis velho e se ele quiser a gente, vai ter que ser assim! – disse o Carlão. Eu e Pedrinho concordamos e assim fomos para o tal jogo, sábado…

A camisa 10 e eu…

Chegando lá, havia alguns moleques, que junto com a gente, formavam um grupo com 12 caras.

– Tá bom, já dá o time. Vamos para o vestiário!

Vestiário…

Alí com 11 anos de idade foi a primeira vez que tive contato com esse lugar tão santo no futebol. Ali, com as meias e calções azuis amarrados e pendurados no cabide, as camisas amarelas com uma faixa central azul, arrumadinhas em um monte. As camisas do Nacional do PNO. Esquerdinha foi distribuindo a partir da posição de cada um:

– Goleiro… lateral-direito…

Pedrinho levantou a mão quando ele falou, “Meia Direita”. Carlão, alto, forte, todo tanque de guerra, levantou a mão quando o Esquerdinha falou “Centroavante”. Depois disso ele parou me olhou e perguntou.

– E você, Marcelo?

– Eu o que?

– Joga do que?


– Eu quero jogar onde joga o Zico! – respondi com toda a convicção que o desejo dá pra gente, nessas horas de encanto.

Nesse momento, Esquerdinha me olhou com um sorriso no rosto. Depois foi até o monte, pegou a camisa, trouxe até a mim, sentou do meu lado e falou um lance que marcaria toda minha vida:

– Marcelo, essa aqui é a camisa 10. Cê ta vendo ela?”

– Sim, tô…

– Pega ela (Eu peguei…), olha bem pra esse número das costas; Daqui pra frente, você é o meu camisa 10, o 10 desse time, o 10 do Nacional do PNO. Pelo tempo que você jogar bola, você usa essa camisa e nunca mais deixa ninguém tirar ela de você. Joga, mas joga muito. Você vai ser o comandante do meu meio-campo, combinado?”

Combinado. Aceitei a tarefa, peguei a camisa e vesti.


Enquanto aquele pano grosso descia pela minha pele, me senti o cara mais realizado do mundo aos 11 anos de idade. Naquele momento, além de ser jogador da Rua Tanger, eu também passei a ser jogador do Nacional do PNO.

Entrei naquele campo de terra com a tarefa de comandar o time que ali estava se formando e tal e qual a nossa seleção havia escolhido o Zico para ser o seu 10, no Parque Novo Oratório, o Esquerdinha me escolheu para a mesma missão.

No Parque Novo Oratório, o Zico era eu…

RUBÉN PAZ, O 10 DO RIO DA PRATA E FINAL DO MUNDIALITO

por Marcelo Mendez


O dia 10 de janeiro de 1981 era quente na Rua Tanger.

Todas as luzes do mundo clarearam a manhã do Parque Novo Oratório e a periferia de Santo André estava em festa.

Em meio aos “bons dias” trocados, o vai e vem dos carrinhos de feira que subiam rumo à Rua Fenícia onde ficava a feira livre de domingo, lá íamos minha mãe e eu puxando nosso carrinho. Enquanto a mãe ia falando com as pessoas que também iam para o mesmo lugar, na frente eu fazia peripécias com o carrinho. Assim como o Luciano, que também fazia o mesmo. O encontrei na ladeira da Rua Germânia:

– É hoje a final, hein, Marcelo??

– Sim! Contra o Uruguai lá na casa deles. Mas acho que dá pra ganhar…

– Dá, sim. Mas eles têm mó timão…

– Bons jogadores…

– Krasoswski, Venancio Ramos, Morales, De Leon, Rodolfo Rodriguez no gol, o tal de Vitorino que até dormindo mete gol. Fora aquele 10 lá, Marcelo, como chama?

O nome da classe é Rubén Paz


Naquele dia, ao invés de ter apenas nós, os moleques da Rua Tanger, na casa do Tocão, havia também os nossos pais, vizinhos, os parentes do Tocão. 

Seu Renato, pai dele, fez um churrasco, chamou todo mundo e a festa era grande.

Ao longo do dia, comentários dos adultos, das rádios que estavam em Montevidéu, flashes da TV, iam nos dando a exata dimensão da grandeza que estava envolvida numa decisão entre Brasil x Uruguai no Estádio Centenário.

Fazia 30 anos que eles haviam nos vencido no Maracanã no fatídico Mundial de 1950 e no banco deles, como técnico, uma lenda: Roque Maspoli, o goleiro. Mas quando o jogo começou não era para o banco que olhávamos, assim como o pensamento também estava longe de 1950.

– Porra, mas como joga esse tal de Rubén Paz! – exclamou seu Renato.

Sim…

Rubén Paz era o camisa 10 do Uruguai. Vendo-o jogar, descobri que era mais um de quem jamais torceria contra.

Pela cancha do Centenário, Paz não andava, nem corria; Desfilava. Craque de bola, não pisava o mesmo chão que os outros tantos mortais que ali estavam. Seu olhar tinha uma altivez imperial, seus passes tinham a imponência de quem distribui sonetos ao invés de bolas. Nosso time que não era ruim, não conseguia jamais pará-lo. E aos 11 anos, comecei a entender que o futebol cria seus semi deuses, suas lendas e que elas são inatingíveis, por charme, sonho e necessidade de se perpetuar como poesia.

E a lenda criou a jogada para o primeiro gol de Barrios, para o Uruguai. Porém o placar não ficou assim por muito tempo. De pênalti, Sócrates empatou. Depois disso, vem o outro ensinamento do futebol…

Camisa 9 não faz bolinha; Mete gol

O bom time do Uruguai tinha como base o Nacional, campeão da Libertadores de 1980.

Foi via a tela da TV Record, que vimos a final do campeonato, em que os uruguaios venceram o forte Internacional do Falcão e do Batista nas duas partidas da decisão. Nela apareceu um centroavante baixinho, rápido feito uma flecha, que como o Luciano falou, até dormindo fazia gol…

– Tem que tomar cuidado com esse Vitorino! – recomendou meu Pai.

– Não tá jogando nada, Mauro! – respondeu seu Renato.

– Ele é centroavante. Centroavante não precisa jogar bem, precisa fazer gol!

E como tal, aos 35 do segundo tempo, Waldemar Vitorino, pequeno, rápido e esperto, apareceu no meio da pequena área do Brasil para abaixar e cabecear a bola para o fundo do gol. Era o 2×1 que acabaria por ser o resultado final.

Na festa, meu Pai e seu Renato não ficaram tristes, pelo contrário; Vibravam, porque segundo eles, o povo uruguaio fez um coro lá gritando que “Se vai acabar, a ditadura militar”

Aos 11 anos, eu já sabia do que falavam, mas o que me chamou atenção foi ver o Brasil perder uma decisão, a primeira da minha geração. Ainda assim,  seguíamos firmes na torcida.

O caminho de 1982 ia se pavimentando…

ZÉ SÉRGIO E A REDENÇÃO QUE VESTE A 11 EM 1981…

por Marcelo Mendez


E como Luciano havia sugerido, agora, a Rua Tanger era um time só.

Nós da “Tanger de Baixo”, nos juntamos com eles, da Tanger de Cima, e nosso time ficou muito foda de bom.

Atrás, depois do nosso goleiro Denis, vinha a linha dos “Ão”; Jadão e Tocão na zaga. Na frente deles, tinha o Sandrão, volante, e o meia que era o Pedrinho. Depois, como ponta de lança, vinha eu e os dois da frente eram Carlão e Luciano.

Pedrinho era fã do Ailton Lira e embora tivesse muita classe, se fazia necessário dar uns berros nele vez por outra. Era um jogador que se recusava a jogar feio. Na frente, o Luciano gostava de jogar dos lados, abrindo espaço e dando passes, enquanto o Carlão era um taque de guerra.

Jogador alto, forte, sabia jogar e era sem miséria:

– Ó é o seguinte; como vai ser esse jogo? Na bola ou no pau? Aqui tem pros dois!

E com esse aviso do Carlão, fomos até o campinho da Cidade dos Meninos para o embate contra a Rua Camerum.

Foi o primeiro, de muitos jogos da “Tanger Unificada”…

Projeto Tocão, parte 2

O time da Rua Camerum era o que a gente mais gostava de ganhar.

Tinha lá uns moleques metidos, os pais pagavam os clubes do centro da cidade pra eles nadarem em piscinas aquecidas, eles tinham tênis all color novos pra jogar na rua, enquanto a gente, com nossos pobres kichutes remendados de esparadrapo, fazia o que podia.

Mas era um bom time. Todavia a gente num tava muito preocupado com isso e, então, Luciano falou antes do jogo:

– Mas então, vai ser vira 4, acaba 8. Hoje tem jogo do Brasil contra a Alemanha e a gente vai querer ver!

Os caras toparam e então ele virou pra mim e falou:

– Marcelo, vamos ganhar logo desses caras, temos que ir ver o jogo e convencer o Tocão de levar a gente lá!

– Ué; Mas por que?

– Porque a mãe dele faz um lanche mó bom, porque tem refrigerante de litro e a TV é a cores e funciona. Eu num quero ir em casa ficar virando antena, então vamo lá!

– Vamo…

O Baile de bola

O jogo foi uma festa.

Placar final 8×2 pra gente e quase saímos no tapa por causa desses “2”.

– Va tomar no cu, Tocão! Como pode tomar dois gols de um time de merda desses?

– Va se fuder, Marcelo, ganhamo de lavada!

– Ma num pode! A gente num pode tomar dois gols desse time zuado. Aqui é Tanger, caraio!

Nesse momento, Luciano encostou no bate boca e mandou:

– Marcelo, num briga com o Tocão…

– Que é? Ce é pai dele?

– Não. Mas eu quero ver o jogo na casa dele e se você estragar, vamo deixar você la no bar do Gêra, pra ver em preto e branco, espetando Bombril na antena….

Todos rimos. Acordo firmado e então fomos para casa do Tocão. Naquele 10 de janeiro de 1981, nos juntamos de novo pra torcer pra Seleção e dessa vez ia ser dura a coisa…

Jadão, o Alemão


No caminho falávamos do jogo:

– Do jeito que tá esse time era melhor nem jogar contra os alemães. Vai ser um baile.

– Para de falar merda, Jadão. Quantas vezes ce viu a Alemanha, jogar?

– Eu vi contra o Uruguai e eles são campeões da Europa. E a gente ganhou o que, Luciano?

– Fala baixo! Meu pai tá dormindo pra trabalhar à noite!

Prometemos ao Tocão que sim, não acordaríamos o Renato. Prometemos o mesmo pra Dirce, sua mãe, e ela não só liberou a sala pra gente ver o jogo, como fez um monte de lanche pra gente comer, como havia previsto o Luciano.

Do jogo, claro que seria duro. O time alemão era bom, veio com a base campeã em 1980, tinha craques, como Fischer, Klaus Allofs, Felix Magath, Rummenigge, tinha Breitner e um goleiro insuportável de nome Schumacher e a gente, bom a gente…

– Então vão ganhar dos caras com Edevelado Cavalo na lateral direita, Chulapa na frente mais umas rezas né? Porque vai ser um desespero…

– CALA A BOCA, JADÃO! – pedimos em uníssono. Mas num adiantou…

Em uma jogada de fundo de campo, a Alemanha fez 1×0 gol de Klaus Aloffs. Jadão tava certo, mas só no primeiro tempo. No segundo, viria o cara que fez valer toda aquela tarde.

Zé Sérgio, o redentor


Numa arrancada da ponta para o meio, Zé Sergio sofreu uma falta.

Ponta rápido, ambidestro, decisivo, Zé Sergio era uma flecha. E naquele dia, deu todos os dribles do mundo no lateral alemão. Na cobrança de falta, Júnior bateu e fez. O jogo tava empatado:

– Tá vendo? Esse time é isso tudo, não!”– falou Denis. E ele tava certo.

Numa jogada do Edevaldo Cavalo, Toninho Cerezo virou o jogo. E num outro contra ataque, Zé Sergio, Sócrates e Serginho botaram os alemães na roda pra fazer o 3×1.

Inacreditável!

Mas faltava o gran finale…

Em uma arrancada sensacional, Zé Sérgio driblou todo meio campo alemão, a zaga, o goleiro e todo o império prussiano!

Que golaço!

Era um 4×1 clássico e a gente gritando, comemorando, obviamente, acordamos o Renato:


– Quanto tá o jogo?

Com medo da cara de bravo dele, respondemos baixinho:

– Tá 4×1, Seu Renato!

– Aeeeeeeeeeeeee!!!

E nessa hora, ele se juntou nos “olés” que a gente gritava pra TV. Fez festa e a gente junto. Era a primeira vitória de peso da seleção que começava se preparar para 1982.

O caminho estava bonito…

BRASIL CONTRA ARGENTINA AO SOM DE ABBA E O JOGO NA CASA DO “INIMIGO” DE 1981

por Marcelo Mendez

Subimos a Rua Tanger.


A ideia naquele domingo de muito sol no Parque Novo Oratório era aceitar o armistício de paz do Tocão, que após quebrar meu nariz no “contra” entre Tanger de Baixo x Tanger de Cima, chamou a rapa nossa pra ver o jogo do Brasil x Argentina na casa dele. Ele topou as condições minhas: eu poder levar meus amigos de time da Tanger de Baixo.

Após conversa dele com a mãe, da mãe dele com as nossas, tudo foi acertado.

Minha mãe, Dona Claudete, se prontificou a ajudar com as coxinhas que ela já vendia pra ajudar nas contas de nossa casa. O Seu Antonio, pai do Jadão, descolou uma grana para os refrigerantes e então, munidos de tudo isso, eu, Jadão, Néinha, Pedrinho, Serginho e Denis subimos os 200 metros que precisávamos para chegar até a casa do Tocão.

– Tocãooooooooooo!!!

– Caraio, Marcelo, num grita!

– To chamando o cara, Jadão!

– Tem campainha, seu burro!

E então, com a atenção chamada pelo Jadão, acompanhado das risadas dos outros parceiros, apertei o botão da campainha na parede da frente do sobradão que o Tocão morava. Chamava atenção…

Em um bairro que ainda era bem precário, quando a vida era dura no Brasil de 1981, ver uma casa como a do Tocão impressionava bastante. Ele morava num sobrado na parte de cima da rua, uma casa bonita, com uma Brasília nova e um Dodge Polara na garagem. Seu pai, o Renato, trabalhava na Volks, era ferramenteiro por lá e a vida do Tocão era bem diferente da nossa.

Foi ele quem nos recebeu:

– Entra, Marcelo! Veio todo mundo?”

– Se num viessem, eu também num viria!

A chegada no sobrado do Tocão…

Ao me ver com a vasilha de salgadinhos cheia, Tocão me ajudou com o peso.

Os amigos se revezam na condução da sacola de guaranás antártica de litro, na época num existia o tal do pet, era tudo vidro, tudo meio desengonçado pra carregar. Na porta de entrada, Renato, Pai do Tocão nos recebeu.

Homem alto, com um topetão penteado pra trás, muito bem vestido, equilibrou o copo largo com alguma coisa dentro, em uma mão e com a outra, fez afagos na cabeça nossa. Perguntou do meu Pai, deu um sorriso e nos convidou pra entrar.

Dentro da casa, a gente se surpreendeu de novo. Diferente dos cômodos apertados que a gente dividia a casa era grande, arejada, com móveis novos, uns super ventiladores de teto instalados e a sala onde assistiríamos o jogo tinha uma TV em cores enorme, umas poltronas e sofás confortáveis e um aparelho de som último tipo, tocando uma música.

Cheguei perto e vi que o disco era do ABBA e a música, contando as faixas da bolacha, descobri que era “Angel Of Morning”. Foi nesse momento que Dona Dirce, mãe do Tocão, chegou com uma bandeja de um monte de coisas pra gente comer.

– Meninos, falei pra mãe de vocês que não precisava trazer nada. Mas já que são os salgadinhos da Dete, sei que são bem melhores que os meus, então a gente come junto, né?

Concordamos e então começamos petiscar, quando a campainha tocou. Tocão foi atender e voltou com Sandrão, Betinho, Luciano, Carlão e Dida. Era o time da “Tanger da Cima”

O rescaldo do nariz quebrado

Dona Dirce foi quem recebeu os caras, da mesma forma que nós fomos recebidos.

Os trouxe até a sala, nos apresentou, como se já não nos conhecêssemos tão bem, nos deixou sozinhos enquanto foi preparar algo. Nesse momento, rolou um clima meio estranho, de eles pra lá pro outro lado do sofá, nós pra cá. Foi Luciano quem quebrou o gelo:

– E aí? Precisamos marcar aquele “contra” de novo. Porque num acabou, né? Marcelo e Tocão estragaram tudo…

– Eu? Ele que deu um murro no meu nariz. Sorte de vocês que o Peu chegou, senão num ia ficar assim, não!

– Assim como, Marcelo? Com o nariz torto? – tirou onda comigo, Sandrão. Eu não deixei quieto. Levantei do meu lado do sofá e fui até ele:

– Torto vai ficar você, desgraçado…

– Calmaaaaa!!!” – era o Renato, Pai de Tocão.

– Vai começar o jogo, vocês vão comer, beber guaraná e ver isso juntos. Vamo sentar que os times já tão no campo!

Com a narração do Silvio Luiz, via TV Record, a gente viu que os times de Brasil e Argentina estavam em campo.

Maradona, eu não te odeio…


Estava muito recente, nas nossas retinas de meninos, aquela festa de papel picado no titulo deles contra a Holanda na última Copa, a marmelada que eles armaram contra o Peru e o timaço que eles tinham que vinha reforçado com um camisa 10 que eu já começava a gostar.

– Porra, mas como pode um cara desse tamanho, dar tanto trabalho? Porque o Oscar num da uma chegada nele?

– Porque o Oscar não ta nem achando ele em campo, Jadão! – respondeu o Sandrão.

Aos meus 11 anos de idade, eu descobri que jamais ia conseguir odiar Maradona. Ele era aquilo que eu e qualquer um dos moleques da Rua Tanger poderíamos vir a ser. Um moleque de bairro, de uma favela Argentina, com um talento especifico, como única chance de mudar a sua vida. Se apegaria a isso com toda a fé e todos os pecados do mundo.  Seria nosso rival, mas jamais, nosso inimigo:

– Ah lá, fodeu! – Falou Néinha. Com toda habilidade do mundo, o 10 argentino entrou driblando e abriu o placar. E o primeiro tempo virou com aquele gosto estranho na goela. 

O coice que uniu a nação!

Na segunda etapa, o Renato já não estava mais ali com a gente.

A irmã e a mãe do Tocão também já faziam outras coisas. Na sala tínhamos nós que torcíamos pelo mesmo time, mas que não estávamos juntos ainda. Até que o Passarela resolveu dar um jeito nisso…

Uma jogada no meio, bola comum, sem nada de perigo pra lado nenhum e na dividida com Batista, Passarella dá um coice no meio da perna do volante nosso, pura maldade.

– Filho da puta! – gritou tocão.

– Filho, num fala palavrão… – disse Dona Dirce.

– Não, Dona Dirce! Tocão tá certo; Esse Passarella é um filho da puta mesmo! – disse o Jadão.

E nesse momento fizemos um corinho no meio da sala:

– Filho da puta, filho da puta, filho da puta…

– Mas o que é isso?!?! – indignou-se a Mãe.

Sorrindo, seu Renato, amenizou:

– Deixa os meninos, Dirce. Vamos lá pro outro quarto…


E então, sozinhos, começamos a comentar a patada do Passarella, juntos, sentando agora misturados, um do lado do outro, xingando tudo da seleção Argentina, torcendo pra valer. Ali, naquele momento, a sala da casa do Tocão virou uma arquibancada do Estádio Centenário onde rolava o jogo e juntos vimos o gol de Edevaldo, empatando para o Brasil:

– GOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLL!!!

Abraçados como amigos que sempre fomos mesmo antes de sabermos que éramos, fizemos a festa naquele domingo à tarde. Enchemos a cara de guaraná e coxinhas de frango, nos saudamos e ficamos felizes como se a vida em 1981 fosse algo muito bom. E no final, Luciano arrematou:

– Acho que aquele “contra” que num acabou a gente num precisa mais jogar. Mas acho que a gente podia se juntar pra pegar o time da Rua Camerun. Vamo?

E no caminho para a Copa de 1982, surge um novo escrete no Parque Novo Oratório…

 

 

 

 

O MUNDIALITO DE 1981 E O NARIZ QUEBRADO QUE UNE A NAÇÃO

por Marcelo Mendez

O ano de 1980 acabava.

Não dá para dizer que as coisas iam totalmente bem no Brasil da época.

Ainda vivíamos sob a égide de uma ditadura militar, que mesmo de ressaca, ainda incomodava um bocado. Já não havia mais o AI-5, que meu pai sempre me contou que era algo muito ruim, mas ainda havia censura, repressão e com a chegada da nova década, veio também a recessão e uma caça às bruxas que fez do meu Pai, uma de suas vitimas.

Com o indefectível tempero das perseguições ocasionadas pela participação latente do velho nas grandes greves do ABC Paulista, meu Pai foi demitido da multinacional que ele trabalhava. Então, aos 10 anos de idade, comecei a entender de coisas do Brasil que decerto eu não queria entender naquele momento…


Talvez por isso, o futebol tenha tomado conta de mim com tanta força.

Eu já jogava no E.C Nacional do Parque Novo Oratório, já acompanhava o futebol via rádio e TV, quando tinha, lia a Gazeta Esportiva e a parte de esportes do Jornal da Tarde e tudo isso ficou ainda melhor quando descobri que janeiro de 1981 já começaria com um tal Mundialito no Uruguai:

– É uma espécie de mini Copa do Mundo, filho. O Uruguai vai comemorar os 50 anos da sua primeira conquista e então, vai ter esse torneio! – Me explicou meu Tio Zezinho.

O Contra que nos uniu!

Era um janeiro quente!

Todos os sóis do mundo tomaram conta do Parque Novo Oratório naquele 1981. A novidade da minha vida era que eu tinha diminuído consideravelmente minhas idas até a casa dos tios e agora, tinha minha vida na casa nova na ladeira da Rua Tanger, pra valer.

No novo endereço, os novos amigos: Pedrinho, Néinha, Rogério, Serginho… E além do Nacional, os novos parceiros da rua me chamaram para formar o nosso time da “Tanger de baixo”, afinal éramos nós que jogávamos na parte da ladeira da rua, em detrimento da “Tanger de Cima” que jogava na parte em que a rua ficava plana. E no “contra” com eles o pau comia!

Em um desses, um clássico “Vira cinco, acaba dez, gol grande, com goleiro”, vencíamos por 8×4 e eu tinha feito um punhado de gols.

Numa bola dividida, com raiva do vareio que tava levando, Tocão o zagueiro da “Tanger de Cima” me deu uma cotovelada no nariz e o sangue desceu. Na hora o pau comeu, a treta começou e então, 10 moleques começaram a trocar sopapos no meio da rua, lindamente. A coisa só acabou quando o Peu, tio do Denis, nosso goleiro, apartou a coisa:

– Marcelo, limpa o nariz, aperta a mão do Tocão e voltem a ser amigos. O que se faz no campo, fica no campo! – me recomendou o Peu. Eu aceitei.

Tocão apertou minha mão, me pediu desculpas e ali senti que ganhei um amigo, desses que o futebol é capaz de nos dar.

– Marcelo, eu não queria te machucar. Mas num queria ficar tomando caneta, chapéuzinho, um monte de gol…

– Tá bom, Tocão. Mas num precisava quebrar meu nariz, né?

– Mas acho que num quebrou, não.

– Será?

– Deixa eu ver…

E depois do diagnóstico de Tocão, apalpando minhas fuças, ficou constatado que eu num tinha nada. Depois do jogo, o acordo com minha mãe era eu ir na venda do seu Mário comprar um quilo de lingüiça caseira pra nossa janta, na “caderneta de pagar depois”. O Tocão foi comigo e no caminho, falamos de futebol:

– Amanhã tem jogo do Brasil na tv, contra a Argentina, sabia?


– Claro que sim, o Mundialito. Cê vai ver na onde, Marcelo?

– Ah, em casa!

– Sua TV é em cores?

– Não, preta e branca…

– Então pede pro seu pai deixar você ver lá em casa. Da minha casa é colorida!

– Posso ir mesmo?

– Pode!

– Ah… mas só se eu puder ir com os caras do meu time!

Tocão pensou por alguns minutos e, então, compreendendo o espírito de corpo da situação, liberou a sala pra geral:

– Tá bom, Marcelo. Vou falar pra minha mãe, que vocês vão ver o jogo lá em casa.


Dá para dizer, portanto, que a Copa do Mundo de 1982, começou antes, a partir de um nariz quebrado e de uma porradaria generalizada. Foi depois daquele “contra” de rua x rua, que começou a torcida para aquela que viria a ser a maior seleção da minha geração. E não apenas isso.

Por conta da seleção de 1982, uma turma de moleques de uma rua da periferia de Santo André, no ABC Paulista, decidiu se juntar, se conhecer e se entender. Nascia ali a torcida para a seleção de 1982 e nascia também, as mais belas amizades que se pode ter.

E a partir dali, parou de ter “Tanger de Baixo” contra “Tanger de Cima”

A Rua Tanger passou a ser uma só…